segunda-feira, 16 de março de 2015

Sobre a direita no Donbass antifascista

Sobre a direita no Donbass antifascista


por Oscar Valadares [*]
Na análise e no relato sobre os combates no Donbass ocidental parecem existir tantos agentes como pessoas se encarregam de construir esse relato. Na realidade, o que há são tantas caracterizações deses agentes como pessoas a explicá-lo, correspondendo-se com as exigências políticas de cada grupo. Não é qualquer novidade, com certeza. O que interessa desta situação, que é normal e esperável, é o facto de muitas pessoas se assombrarem e se preocuparem com a presença de uma tendência conservadora nas fileiras ditas pró-russas, que parece contradizer a panorâmica simplificada de que em Donetsk e Lugansk combatem antifascistas contra fascistas.

Contradição e desmobilização 

A existência de grupos claramente situados na direita entre os que combatem contra o goberno de Kiev em Novorússia está a ser empregado como manchete principal da imprensa sistémica para tentar destecer a rede da solidariedade com o Donbass que por toda a Europa tem avançado desde organizações comunistas e socialistas.

A procura e exposição pública dessa contradição formula-se como alavanca desmobilizadora, com importantes resultados na medida em que se apoia numa simplificação grosseira da situação que acredita no apriorismo de que toda luta antifascista deve ser necessariamente comunista ou, no mínimo, marxista. Como se a II Guerra Mundial não tivesse terminado e a União Soviética continuasse a existir de forma similar a como existia nas décadas de 1940 e 1950.

Deixando à margem por um momento o facto de o conflito na Ucrânia ir muito além de uma questão de política interna, tal como se tem analisado alargadamente, caraterizar a revolta armada no Donbass como antifascista não pode fazer-se em função da sua adscrição interna no espectro esquerda-direita, porque não é isso o que está em jogo.

Não se trata de uma sublevação contra o capitalismo, protagonizada por forças e organizações socialistas ou comunistas. Do que se trata é de resistir e se opôr à limpeza ideológica e em certa medida também étnica (contra as minorias russas do leste da Ucrânia) despregada polo governo de Kiev, apoiado em grupos que publicamente se proclamaram seguidores da obra de Stepan Bandera e das SS Galitzia, com o objetivo de orientar o país — e as facilities do seu territorio — aos interesses ocidentais e da NATO.

A leitura simplista e irreal de considerar a Rússia como a URSS e os «rebeldes pró-russos» como comunistas de uma espécie de novo Exército Vermelho não se produz apenas entre alguns setores que desde o exterior apoiam as milícias antifascistas, como também entre os batalhões filofascistas dirigidos pola nova oligarquia dominante em Kiev, estrategicamente interessada em que isso seja assim para assegurar a sua própria perpetuação. Os ataques sobre as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk, sobre Odessa e o resto de territórios não completamente controlados polo novo governo golpista executam-se sob essa lógica, que é a da proteção contra o comunismo e contra a URSS.

Por trás da contradição 

A realidade, por trás da contradição, é que entre as forças que se opõem no Donbass aos ataques dos batalhões banderistas existe uma enorme diversidade ideológica que não deveria estranhar. O facto de nesses territórios ser onde o Partido Comunista da Ucrânia obteve historicamente os melhores resultados eleitorais, ou o facto de a opção comunista se estar a reforçar dia após dia nessa zona não significa qualquer tipo de homogeneidade. Antes ao contrário. A luta de classes dá-se, nas particulares condições de uma agressão movida desde o exterior, em ambos os lados da linha de fogo. Tanto que nem o PCU, nem o PCFR nem o PC da Novorrússia formaram batalhões especificamente «comunistas», e que os que existem sob essa categoria foram criados à margem das estruturas partidárias por militantes comunistas de base ou sem filiação orgânica.

O facto de a opção comunista se estar a reforçar dia após dia nessa zona não significa qualquer tipo de homogeneidade. A luta de classes dá-se, nas particulares condições de uma agressão movida desde o exterior, em ambos os lados da linha de fogo.

Tampouco as organizações conservadoras — desde os grupos panrussos aos grupos ultraortodoxos opostos ao capitalismo ocidental e que têm uma longa tradição em todo o mundo eslavo — parecem ter formado milícias especificamente conservadoras. Ao contrário, agem naqueles grupos de combate de extração popular, não definidos ideologicamente, nos que também têm presença militantes comunistas, e onde também se reproduz, no plano interno, a dialéctica do exterior.

De modo que não é só que existam grupos conservadores ou até ultraconservadores entre as forças armadas da Novorrússia. É, ainda, que as relações no plano ideológico são extremamente variadas e complexas no bando pró-russo, com a urgência da defesa contra os ataques declaradamente fascistas como verdadeiro elemento aglutinador. À volta disso, organizações nostálgicas da era soviética, outras nostálgicas do grande império czarista e tradicionalista, comunistas e socialistas e outras puramente populares, de origem russa e opostas à ucranização obrigatória proposta desde o novo governo de Kiev configuram um mossaico dificilmente analisável desde aqui, a mais de quatro mil quilómetros, e que apenas podemos caraterizar, sem medo a errar completamente, como antifascista. 
01/Março/2015

[*] Ativista sindical galego, soberanista e membro de Mar de Lumes – Comité Galego de Solidariedade Internacionalista

O original encontra-se em contrapoder.info/sobre-a-direita-no-donbass-antifascista/ 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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