Sua vida profissional teve início aos 17 anos no Diário da Noite
(um jornal da empresa Jornal do Commercio na época), que possuía um
estilo popular e abordava questões relativas ao sindicalismo e à vida da
cidade. Passou pelo Jornal dos Bairros (mantido pelos movimentos comunitários), Jornal da Cidade, foi correspondente do jornal Opinião (um órgão de resistência à ditadura militar) em 1972; trabalhou no jornal Movimento; no Verso (jornal da imprensa alternativa); no Extra e no Mais Um, que substituiu o Extra depois que ele foi apreendido pelo Exército.
No seu currículo traz ainda experiências em grandes empresas de comunicação como o Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco, revista Manchete, O Globo e Vanguarda,
de Caruaru. Também esteve ligado a emissoras de rádio, em trabalhos
voltados para a defesa de causas populares, e, na televisão, foi diretor
da TV Pernambuco.
Ivan faz questão de registrar que desde
os 18 anos é filiado ao Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco e que
até hoje permanece entre os associados da entidade. E conclui, nesta
entrevista que concedeu a A Verdade: “A imprensa praticamente faz parte da minha vida”.
A Verdade – Qual a importância da imprensa para a humanidade?
Ivan Maurício – O
domínio da comunicação, da informação, é uma luta permanente da
sociedade, do ser humano. Então, não é à toa que esses fatos que a gente
está presenciando agora na França [referência ao episódio trágico do
jornal humorístico parisiense Charlie Hebdo] envolvem os meios de
comunicação. Há uma batalha na difusão da informação que tem um conteúdo
político muito forte. Pra você ter uma ideia, antes da tipografia os
livros eram manuscritos e eles eram guardados, por exemplo, nos
conventos religiosos e a alguns privilegiados era dado o direito de ler.
A Bíblia não era lida por todos.
A imprensa surgiu com Gutenberg, que era
um simpatizante do protestantismo, e ele, junto com o difusor do
protestantismo, Calvino, conseguiu fazer com que a Bíblia rompesse esse
ciclo de ser um livro manuscrito de propriedade de alguns conventos e
passasse a ser um dos livros mais divulgados e conhecidos do mundo.
Então, a partir da tipografia, os fundamentos filosóficos, religiosos e
políticos passaram a ser difundidos com muito mais intensidade. Não é à
toa que o Alcorão, os grandes livros, O Capital, de Marx, todos esses
livros marcaram a concepção filosófica e só puderam ser difundidos por
causa da existência da tipografia. Se a gente voltar ao passado, vai ver
que a tipografia teve um impacto muito mais forte do que tem a internet
hoje.
Aí veio uma contrarreação tremenda.
Queimaram-se livros – e ainda se queimam, até hoje, mas naquela época se
queimavam em praça pública para que não houvesse a difusão do saber, do
conhecimento. Eu costumo dizer que na difusão de ideias todas as
plataformas são importantes, do panfleto ao carro de som, ao rádio, à
televisão, ao jornal, à internet. O que está em jogo é a discussão do
conteúdo e, por trás do conteúdo, estão a ideologia, as práticas
políticas, as crenças religiosas e todas as formas de difusão do saber
humano. A humanidade parte de um princípio de que quem tem informação
tem poder. Então a luta pela informação é importantíssima na luta pelo
poder. E difundir a informação, torná-la o mais compreensível possível
para todos os segmentos da sociedade, é o grande desafio de quem faz
política. Não adianta você ter boas ideias, ter muita leitura, muito
conhecimento, se você não conseguir transmitir isso a outras pessoas, e o
segredo da transmissão está justamente em usar bem as plataformas de
comunicação que existem hoje.
Qual a atual situação dos meios de comunicação?
Houve, na área da luta política, uma
perda muito grande da transmissão da informação. Os sindicatos perderam
os seus jornais operários, pois, a partir de São Paulo, com a grande
contribuição que os anarquistas deram ao movimento sindical, foram
montadas estruturas de comunicação, de escrever, de publicar jornais, de
montar arquivos nos sindicatos; os sindicatos tinham grupos teatrais,
tinham grupos culturais. Isso tudo foi uma grande perda que nós tivemos.
Hoje, a imprensa sindical no Brasil é muito pobre. Essa perda também
aconteceu com as chamadas formas alternativas de comunicação.
Você tem aí os grandes veículos
estabelecidos que pertencem a famílias poderosas. São sete famílias que
dominam a mídia no Brasil: a família Marinho, que tem O Globo, já
entrando agora na área da internet, com o G1; a família dos Mesquitas,
que tem O Estado de S. Paulo; a dos Frias, que tem a Folha de S.Paulo;
lá no Rio Grande do Sul, a dos Sirotsky, que é a da Zero Hora… Você
conta nos dedos sete ou oito famílias. A Abril, que já está virando de
novo um grupo multinacional, mas que era da família Civita (ainda é uma
parte, mas bem menor); hoje já entraram lá uns estrangeiros, espanhóis
principalmente. Se você olhar uma banca de revista, verá que ela
pertence a essas famílias; 90% do que tem numa banca é de um grupo só;
então, é um domínio muito grande.
E a imprensa alternativa, que durante o
enfrentamento com a ditadura cumpriu um papel muito importante, perdeu
continuidade, embora ainda hoje existam algumas experiências. Temos a
Caros Amigos, o jornal A Verdade, que vocês fazem – e que acho
que é importantíssimo nesse aspecto –, há algumas outras publicações
espalhadas pelo Brasil. Mas é muito pouco diante do potencial que este
país tem.
Por que é importante o nível desse tipo
de imprensa? Porque ela vê a sociedade por outro olhar, sem o interesse
dos grupos dominantes, sem o interesse do jogo do poder, que é o que a
grande imprensa faz. Neste momento em que vivemos, se quisermos
fortalecer a democracia, conquistar mais espaço para os trabalhadores,
para a sociedade, para as pessoas, para os que têm menos poder na
sociedade terem mais poder, a gente tem que multiplicar a informação,
principalmente sob o aspecto educativo, formativo, de concepção de
ideias. Acho fundamental você ter jornais de conteúdo, jornais
doutrinários, jornais que tenham um lado, que tenham uma posição formada
sobre os principais temas na sociedade. Tá faltando isso no Brasil,
hoje. O problema não é plataforma, o problema é o conteúdo. Esse é o
grande desafio: produzir conteúdo de qualidade, que gere reflexão e
aprendizado.
Qual a sua opinião sobre um
suposto conflito entre as diferentes plataformas de comunicação como
internet x jornal impresso, por exemplo?
Isso é uma bobagem tremenda, você pensar
que uma plataforma elimina a outra. Disseram isso quando o cinema
surgiu, disseram que o rádio ia se acabar, que o cinema era mais
completo, que além da voz tinha uma imagem e tal. Aí, quando a televisão
foi surgindo, disseram que o cinema não ia sobreviver. E o que a gente
vê é que a mais velha das plataformas de massa, o rádio, hoje está
vivendo um grande momento, se recuperando tremendamente, porque é uma
atividade que você, enquanto está trabalhando, você pode estar ouvindo.
Enquanto você trabalha não pode ver televisão, senão perde a atenção.
Então, o rádio é hoje um mecanismo de comunicação, uma plataforma muito
forte, e cada vez vai ser mais forte.
A imprensa escrita vive uma crise nas
grandes corporações porque esse tipo de jornalismo universalizado que
tenta acompanhar todos os fatos está perdendo na velocidade; não é que a
plataforma seja ruim, o problema é a velocidade das informações. Hoje é
mais fácil ter acesso à informação pelo rádio, pela televisão e pela
internet do que pelo jornal em si. Então, o jornal também ganhou, nas
grandes corporações, uma logística muito complexa. Para se ter uma
ideia, o Jornal do Brasil, um dos grandes jornais do país, deixou de
circular em papel e hoje só está na internet porque a questão da
mobilidade, a questão da indústria do jornal estava custando, para cada
assinante, R$ 5, quando o preço de capa era de R$ 2,50; assim, quanto
mais assinaturas eles vendiam, pior. Então para eles chegou a hora de
parar.
Se houver uma reunião, durante a
madrugada, para se tomar uma decisão política muito importante para o
país, pode ter certeza de que os sites, os blogs, estarão todos
acompanhando com foto, com imagem. Aí se criou uma mistificação: “Como a
internet é mais rápida, ela vai destruir o jornal”. Não. Esse modelo de
jornal é que está acabando. O jornal como instrumento de reflexão ou
como coleta de informações de leitura aprofundada, esse é
insubstituível. Assim como a plataforma livre – seja ela e-book ou seja
ela papel, livro –, porque a humanidade não vai conseguir
desvencilhar-se dela, porque todo mundo se forma, se prepara através do
livro, da leitura aprofundada.
Os jornais brasileiros estão padecendo
também de superficialismo: não trazem nada aprofundado. Houve o
resultado da eleição para presidente da República e ninguém se
aprofundou. Na avaliação absolutamente primária, Dilma ganhou no
Nordeste por causa do Bolsa Família; ora, se você for estudar a
realidade do Nordeste, verá que o Bolsa Família atinge 55% das famílias
no Nordeste; como é que se explica que ela teve 80, 85% dos votos? Não
foi só isso. Quer dizer, também foi o Bolsa Família, mas não só foi
isso.
A gente está precisando, talvez, de uma
imprensa que aprofunde mais as coisas. Estou dando isso apenas como
exemplo, mas há n assuntos no país que precisam ser mais bem
compreendidos: a natureza do nosso solo, a questão do semiárido, a
questão de como é que este país se mantém numa unidade linguística com
essa dimensão territorial – quando existe um país como a Espanha, um
pouco maior do que Sergipe e Pernambuco juntos mas que tem lá dentro
quatro, cinco, seis dialetos. Isso tudo são questões que a gente precisa
aprofundar, estudar para poder entender melhor a sociedade e também
para uma melhor defesa das ideias. Para que elas se tornem claras, é
preciso que haja plataformas aprofundadas.
Então, eu acho que o jornal ainda é uma
plataforma importante, como o livro também, e que devemos usá-las todas.
A internet também é muito importante. Tudo isso é importante. Agora,
cada uma dentro de seus limites, de suas possibilidades.
Ao mesmo tempo que a internet permitiu
uma liberdade muito grande, os servidores que guardam toda sua memória
pertencem quase a um país só, que são os Estados Unidos. Toda a
informação que é veiculada no Brasil, que é armazenada no Brasil, está
hospedada nos EUA. O e-mail da presidenta da República foi devassado,
como o meu, o seu, o de qualquer um pode ser devassado na hora que os
EUA quiserem; os servidores estão todos lá, os grandes contêineres onde
estão as informações. Você está sendo devassado toda a hora. Esse Google
Maps é outra ameaça à autonomia do ser humano, porque ele tem um grau
de aproximação de até oito metros; ele permite flagrar você até dentro
da sua casa, sem autorização prévia, e hoje isso é permitido. Não é
disponibilizado para todo mundo; eles disponibilizam uma altura de 300
metros, mas os serviços de segurança dos EUA dispõem desses dados
todinhos a oito metros. Não é à toa que essas grandes corporações da
internet são autorizadas pelo governo norte-americano, porque elas são
instrumentos de espionagem, sabem tudo em poucos segundos. Elas podem
tirar todo o seu perfil, saber se você tem alguma pendência judicial, e
ir no seu e-mail ver se você tem alguma briga com a sua mulher ou
ex-mulher, se tem qualquer coisa que você esteja tratando do ponto de
vista da sua militância política. Isso tudo é devassado.
Desse modo, a internet, ao mesmo tempo
que é um ganho, é uma plataforma mais barata de você multiplicar uma
ideia, e essa ideia está sendo toda controlada por um poder muito
grande. Talvez a grande disputa deste século não seja a luta pelo
território e sim pela posse do controle da informação.
Que contribuições você destaca em relação à sua experiência nos jornais alternativos? O que você considera mais importante?
Para mim foi fundamental! Para minha
vida é um compromisso que eu tenho: onde houver uma iniciativa, eu
estarei presente, disposto a colaborar. Foi uma opção. Por conta disso,
eu enfrentei 10 ou 15 anos de muita perseguição. Fui demitido dos meus
empregos formais que me mantinham. Eu trabalhei na revista Manchete e
fui demitido por pressão da Polícia Federal.
Mas pra mim foi o maior aprendizado que
já tive. Primeiro porque você só tem o real conhecimento do nosso país
quando vai a fundo na realidade em que vive o povo. Então isso pra mim
foi um aprendizado muito grande. É importante saber como vive o povo e
como o povo está encontrando soluções para resistir a essa situação em
que a gente vive há séculos de dominação.
É importantíssimo também ver a
fragilidade, por falta de informação, a que o povo vive submetido. Não é
à toa que, se você colocar hoje uma reflexão sobre a realidade do país e
uma notícia sobre Xuxa, a notícia de Xuxa vai despertar muito mais
interesse, porque a gente vive o processo de sonegação de informação ao
povo brasileiro. Então, o povo brasileiro precisa ter informação de como
ele vive, de como ele está encontrando soluções, de quais são as
ideologias e os interesses que estão por trás de tantas medidas
aparentemente simples.
Você vê decisões econômicas e políticas e
sociais sobre as quais as pessoas não fazem correlações. Veja a
situação da Petrobras, que passa por um momento de perigo. Ela tem uma
perda grande, uma empresa que foi fruto da luta dos brasileiros.
Brasileiros que perderam vidas… a luta do O petróleo é nosso, da década
de 1950, de que participaram tantos brasileiros… não se pode ter uma
empresa dessas fugindo do controle dos seus donos, que são os
trabalhadores brasileiros. E o governo brasileiro chamou os operários
brasileiros para que trocassem o seu Fundo de Garantia por ações da
Petrobras, e essas ações hoje valem 65% do valor pelo qual eles
compraram!
É uma perda de patrimônio, e a população
ainda não entendeu a profundidade disso. Este é o papel da imprensa
popular: ir lá na ponta da sociedade e esclarecer, para que as pessoas
ganhem consciência e, ganhando consciência, procurem a liberdade, os
melhores dias para seus filhos. Então esse é um desafio da imprensa
popular, e eu fico muito preocupado e angustiado até quando a gente vê
definharem as experiências dessa imprensa popular. E nós poderíamos ter
–temos uma estrutura sindical com recursos para formar – nós poderíamos
estar formando profissionais nessa área, fazendo cursos. Acho que tem
gente disposta a transmitir. Eu sou apenas um dos que têm participado
desse processo, mas tem muita gente que pode ajudar, que pode dar
palestras, que pode transmitir conhecimento, que pode formar
profissionais. Penso que hoje há um grande desafio para o movimento
sindical, o movimento popular, os movimentos comunitários: voltar a
formar profissionais na área de comunicação, nas rádios comunitárias, em
jornais populares, na publicação de livros, lançar editoras. Existe
possibilidade disso, e acho que não se justifica essa apatia que está
havendo na área da imprensa popular no Brasil.
Confirmando o papel que a imprensa
popular pode cumprir, existe uma importante contribuição, que foi no
enfrentamento à ditadura militar. Você teve uma experiência também nesse
sentido. Fale sobre o papel da imprensa na luta contra a ditadura
militar.
Praticamente por duas décadas trabalhei
na imprensa alternativa no período de resistência ao regime militar. E
foi fundamental mesmo, porque na grande imprensa, além de haver a
censura, havia também um interesse dos patrões dos jornais. Eles tinham o
limite da oposição deles, a oposição deles era mais liberal e eles não
queriam ter problemas com a sobrevivência dos seus veículos. Na hora que
o governo os contemplava com propaganda, eles amenizavam; ou, no caso
daqueles que foram um pouquinho mais críticos, o governo foi lá, apertou
e conseguiu.
O Brasil não tinha como veicular ideias
de oposição e, naquele momento, a imprensa alternativa foi fundamental
para consubstanciar as teses das lutas pela Constituinte, pelo fim da
censura, pelo regime democrático. Essas bandeiras levantadas em defesa
da autonomia nacional foram temas centrais desse trabalho da imprensa
alternativa. Tinha aí jornais como Opinião, Movimento, Hora do Povo…
tantos e tantos jornais… O Pasquim… Foram muitos que se multiplicaram no
Brasil inteiro… jornais partidários que havia também.
Todos esses deram uma grande
contribuição à difusão dessas bandeiras porque – para que se tenha uma
ideia – até a chegada dos grandes momentos da luta pelas eleições
diretas, a grande imprensa não tocava nesse assunto. Só quem falava eram
esses jornais, os jornais alternativos.
Eu me recordo de um momento, já no final
da luta pela conquista das eleições diretas, quando já havia quase um
milhão de pessoas nas ruas, quando um carro da Rede Globo quase era
apedrejado pela população, porque eles iam cobrir e não davam uma só
notícia. Foi aí então que a grande imprensa entrou, com a folha de capa
amarela, dizendo que estava lutando pelas diretas. Mas porque essa luta
veio de baixo, do povo, ela já estava inevitável: um milhão de pessoas
nas ruas, e eles não podiam ficar alheios a uma realidade dessas, né?
Isso foi conquistado com a mobilização,
com panfletos, com jornais populares, com a imprensa, carro de som. Não
tinha a grande mídia, não tinha televisão, não tinha rádio nessa
mobilização. Esse papel da imprensa precisa ser resgatado hoje para
outras causas e outras bandeiras; eu acho que a gente está vivendo, no
momento, numa encruzilhada, onde é fundamental o papel da imprensa
popular. Penso que é preciso a gente fazer um alerta para que as
entidades comecem a pensar nisso, porque esse modelo democrático aí não
permite ao trabalhador brasileiro ter espaço.
Que mensagem gostaria de deixar para os leitores de A Verdade?
Tenho uma simpatia grande por jornais como A Verdade.
São poucos os jornais partidários, que defendem teses. Não me interessa
se eu concordo com todas elas ou discordo de algumas, mas é fundamental
que eles existam e é fundamental que elas sejam expostas – como o
jornal A Verdade faz, de forma muito extensa, bem descrita,
para que as pessoas compreendam os fatos e preservem também a história
daqueles que lutaram pela causa democrática do país. Esse trabalho que A Verdade
faz tem todo o meu respeito justamente pela profundidade. Busca,
procura e tem todo o meu respeito e merece toda a minha sensibilidade de
entender que ele está contribuindo para que o povo brasileiro avance,
ganhe consciência para poder ganhar a liberdade.
Ludmila Outtes e Thiago Santos, Recife
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