Havana,
4 out (Prensa Latina) O jornal Granma publica hoje um artigo do líder
histórico da Revolução cubana, Fidel Castro Ruz, entitulado "Os Heróis
de nossa época", cujo texto íntegro transmitimos a seguir. Os heróis de
nossa época
Muito se tem para dizer destes tempos difíceis para a humanidade. Hoje,
no entanto, é um dia de especial interesse para nós e também para muitas
pessoas.
Ao longo de nossa breve história revolucionária, desde
o golpe cruel de 10 de março de 1952 promovido pelo império contra
nosso pequeno país, não poucas vezes nos vimos na necessidade de tomar
importantes decisões.
Quando já não restava nenhuma alternativa,
outros jovens, de qualquer outra nação em nossa complexa situação,
faziam ou se propunham fazer o mesmo que nós, ainda que no caso
particular de Cuba a casualidade, como tantas vezes na história, jogou
um papel decisivo.
A partir do drama criado em nosso país pelos
Estados Unidos naquela data, sem outro objetivo que frear o risco de
pequenos avanços sociais que pudessem antecipar futuros de mudanças
radicais na propriedade yanki em que tinha sido convertida Cuba, se
engendrou nossa Revolução Socialista.
A Segunda Guerra Mundial,
que acabou em 1945, consolidou o poder dos Estados Unidos como principal
potência econômica e militar, e converteu esse paísÂ�"cujo território
estava distante dos campos de batalhas" no mais poderoso do planeta.
A esmagadora vitória de 1959, podemos afirmar sem sombra de
chauvinismo, converteu-se em exemplo do que uma pequena nação, lutando
por si mesma, pode fazer também pelos demais.
Os países
latinoamericanos, com um mínimo de honrosas exceções, se bastaram depois
das migalhas oferecidas pelos Estados Unidos; por exemplo, a quota
açucareira de Cuba, que durante quase um século e meio abasteceu esse
país em seus anos críticos, foi repartida entre produtores ávidos de
mercados no mundo.
O ilustre general norte-americano que
presidia então esse país, Dwight D. Eisenhower, tinha dirigido as tropas
na guerra em que libertaram, apesar de contar com poderosos meios, só
uma pequena parte da Europa ocupada pelos nazistas. O substituto do
presidente Roosevelt, Harry S. Truman, mostrou ser o conservador
tradicional que nos Estados Unidos costuma assumir tais
responsabilidades políticas nos anos difíceis.
A União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas que se constituiu até fins do século
XX na mais grandiosa nação da história na luta contra a exploração
impiedosa dos seres humanos foi dissolvida e substituída por uma
Federação que reduziu a superfície daquele grande Estado multinacional
em quase 5,5 milhões quilômetros quadrados.
Algo, no entanto,
não pôde ser dissolvido: o espírito heróico do povo russo, que unido a
seus irmãos do resto da URSS tem sido capaz de preservar uma força tão
poderosa que junto à República Popular da China e países como Brasil,
Índia e África do Sul, constituem um grupo com o poder necessário para
frear a tentativa de recolonização do planeta.
Dois exemplos
ilustrativos destas realidades podemos ter primeiro na República Popular
de Angola. Cuba, como outros muitos países socialistas e movimentos de
libertação, colaborou com ela e com outros que lutavam contra o domínio
português na África. Este exercia-se de forma administrativa direta com o
apoio de seus aliados.
A solidariedade com Angola era um dos
pontos essenciais do Movimento de Países Não Alinhados e do Campo
Socialista. A independência desse país fez-se inevitável e era aceita
pela comunidade mundial.
O Estado racista da África do Sul e o
Governo corrupto do antigo Congo Belga, com o apoio de aliados europeus,
preparavam-se ávidos para a conquista e a partilha de Angola.
Cuba, que há anos cooperava com a luta desse povo, recebeu a solicitação
de Agostinho Neto para o treinamento de suas forças armadas que,
instaladas em Luanda, a capital do país, deviam estar preparadas para
sua posse, oficialmente estabelecida para o dia 11 de novembro de 1975.
Os soviéticos, fiéis a seus compromissos, tinham-lhes fornecido equipes
militares e esperavam o dia da independênciapara para enviar os
instrutores. Cuba, por sua vez, se adiantou no envio dos instrutores
solicitados por Neto.
O regime racista da África do Sul,
condenado pela opinião mundial, decide adiantar seus planos e envia
forças motorizadas em veículos blindados, dotados de potente artilharia
que, depois de avançar centenas de quilômetros a partir de sua
fronteira, atacou o primeiro acampamento de instrução, onde vários
instrutores cubanos morreram em resistência.
Depois de vários
dias de combates sustentados por aqueles valorosos instrutores junto aos
angolanos, conseguiram deter o avanço dos sul-africanos para Luanda, a
capital da Angola, onde tinha sido enviado por ar um batalhão de Tropas
Especiais do Ministério do Interior, transportado de Havana nos velhos
aviões Britannia de nossa linha aérea.
Assim começou aquela
épica luta naquele país da África negra, tiranizado pelos racistas
brancos, cujos batalhões de infantaria motorizada e brigadas de tanques,
artilharia blindada e meios adequados de luta, derrotaram às forças
racistas de África do Sul e as obrigaram a retroceder até a mesma
fronteira de onde tinham partido.
Porém, não foi no ano de 1975 a
etapa mais perigosa daquele embate. Esta teve lugar, aproximadamente,
12 anos mais tarde, no sul da Angola.
Assim o que parecia o fim
da aventura racista no sul de Angola era só o começo, pelo menos
começaram a levar em consideração que aquelas forças revolucionárias de
cubanos brancos, mulatos e negros, junto aos soldados angolanos, eram
capazes de fazer engolir o pó da derrota aos supostamente invencíveis
racistas. Talvez confiaram demais em sua tecnologia, suas riquezas e o
apoio do império dominante.
Ainda que não fosse nunca nossa
intenção, a atitude soberana de nosso país não deixava de ter
contradições com a própria URSS, que tanto fez por nós em dias realmente
difíceis, quando o corte dos fornecimentos de combustível a Cuba por
parte dos Estados Unidos nos teria levado a um prolongado e caro
conflito com a poderosa potência do Norte. Desaparecido esse perigo ou
não, o dilema era decidir entre sermos livres ou nos resignar a sermos
escravos do poderoso império vizinho.
Em tão complicada situação
como naquela do acesso de Angola à independência, em luta frontal
contra o neocolonialismo, era impossível que não surgissem diferenças em
alguns aspectos dos quais podiam resultar consequências graves para os
objetivos traçados, que no caso de Cuba, como parte nessa luta, tinha o
direito e o dever de conduzir ao sucesso.
Sempre que no nosso
julgamento qualquer aspecto de nossa política internacional podia se
chocar com a política estratégica da URSS, fazíamos o possível para
evitá-lo. Os objetivos comuns exigiam de cada qual o respeito aos
méritos e experiências da cada um deles. A humildade não está em
contradição com a análise séria da complexidade e importância da cada
situação, ainda que em nossa política sempre fomos muito estritos com
todo o que se referia à solidariedade com a União Soviética.
Em
momentos decisivos da luta em Angola contra o imperialismo e o racismo
produziu-se uma desses conflitos, que se derivou de nossa participação
direta naquela região e do fato de nossas forças não só lutar, como
também instruir a cada ano milhares de combatentes angolanos, aos quais
apoiávamos em sua luta contra as forças pró yankis e pró racistas da
África do Sul.
Um militar soviético era o assessor do governo e
planificava o emprego das forças angolanas. Divergíamos, no entanto, em
um ponto e de fato verdadeiramente importante: a reiterada frequência
com que se defendia o critério errôneo de empregar naquele país as
tropas angolanas melhor treinadas a quase mil e quinhentos quilômetros
de distância de Luanda, a capital, pela concepção própria de outro tipo
de guerra, nada parecida a de caráter subversivo e guerrilheira dos
contrarrevolucionarios angolanos.
Na realidade não existia uma
capital da UNITA, nem Savimbi tinha um ponto onde resistir, se tratava
de um chamariz da África do Sul racista que servia só para atrair para
lá as melhores e mais carregadas tropas angolanas para supreendê-las.
Dessa forma, nos opúnhamos a tal conceito que mais de uma vez se
aplicou, até a última batalha para golpear o inimigo com nossas próprias
forças, a batalha de Cuito Cuanavale.
Direi que aquele
prolongado confronto militar contra o exército sul-africano se produziu
na raiz da última ofensiva contra a suposta "capital de Savimbi",Â�em um
longínquo rincão da fronteira de Angola, África do Sul e da Namibia
ocupada, para onde as valentes forças angolanas, partindo de Cuito
Cuanavale, antiga base militar desativada da OTAN, ainda que bem
equipadas com os mais novos carros blindados, tanques e outros meios de
combate, iniciavam sua marcha de centenas de quilômetros para a suposta
capital contrarrevolucionaria.
Nossos audazes pilotos de combate apoiavam-nos com os Mig-23 quando estavam ainda dentro de seu raio de atuação.
Quando ultrapassavam aqueles limites, o inimigo golpeava fortemente aos
valorosos soldados das FAPLA com seus aviões de combate, sua artilharia
pesada e suas bem equipadas forças terrestres, ocasionando muitas
baixas entre mortos e feridos. Mas desta vez dirigiam-se, em direção as
golpeadas brigadas angolanas, para a antiga base militar da OTAN.
As unidades angolanas retrocediam em uma frente de vários quilômetros
de distância entre elas. Dada a gravidade das perdas e o perigo que
podia ser derivado delas, se esperava a solicitação habitual da
assessoria do Presidente de Angola para que se apelasse ao apoio cubano,
e assim foi.
A resposta firme desta vez foi que tal solicitação
só seria aceita se todas as forças e meios de combate angolanos na
Frente Sul se subordinassem ao comando militar cubano. De imediato foi
aceita aquela condição.
Com rapidez mobilizaram-se as forças em
função da batalha de Cuito Cuanavale, onde os invasores sul-africanos e
suas armas sofisticadas se lançaram contra as unidades blindadas, a
artilharia convencional e os Mig-23 tripulados pelos audazes pilotos de
nossa aviação. A artilharia, tanques e outros meios angolanos
localizados naquele ponto que careciam de pessoal foram postos em
disposição combativa com o pessoal cubano.
Os tanques angolanos
que em sua retirada não podiam vencer o obstáculo do caudaloso rio
Queve, ao Leste da antiga base da OTANÂ�cuja ponte tinha sido destruída
semanas antes por um avião sul-africano sem piloto, carregado de
explosivos, além de estar rodeado de minas antipersonal e antitanques.
As tropas sul-africanas que avançavam toparam a pouca distância com uma
barreira intransponível contra a qual se lançaram. Dessa forma com um
mínimo de baixas e vantajosas condições, as forças sul-africanas foram
contundentemente derrotadas naquele território angolano.
Mas a
luta não tinha sido concluída, o imperialismo com a cumplicidade de
Israel tinha convertido a África do Sul em um país nuclear. Ao nosso
exército tocava pela segunda vez o risco de se converter em alvo de tal
arma.
Mas sobre esse ponto, com todos os elementos de julgamento
apropriados, estou elaborando e talvez possa ser escrito nos próximos
meses.
Que acontecimentos ocorreram ontem à noite que deram
lugar a esta prolongada análise? Dois fatos, a meu julgamento, de
especial trascendência:
A partida da primeira Brigada Médica
Cubana para África para lutar contra o Ébola. O brutal assassinato em
Caracas, Venezuela, do jovem deputado revolucionário Robert Serra.
Ambos os fatos refletem o espírito heróico e a capacidade dos processos
revolucionários que têm lugar na Pátria de José Martí e no berço da
liberdade da América, a Venezuela heróica de Simón Bolívar e Hugo
Chávez.
Quantas espantosas lições guardam estes acontecimentos!
Mal as palavras servem para expressar o valor moral de tais fatos, que
ocorreram quase simultaneamente.
Não poderia jamais achar que o crime do jovem deputado venezuelano seja obra do acaso.
Seria tão incrível, tendo em vista a prática dos piores organismos
yankis de inteligência. A verdadeira casualidade seria se o repugnante
feito não tivesse sido realizado intencionalmente, ainda mais quando o
mesmo se enquadra absolutamente ao que foi anunciado pelos inimigos da
Revolução Venezuelana.
De todas formas me parece absolutamente
correta a posição das autoridades venezuelanas de propor a necessidade
de investigar cuidadosamente o caráter do crime. O povo, no entanto,
expressa comovido sua profunda convicção sobre a natureza do brutal fato
de sangue.
O envio da primeira Brigada Médica a Serra Leoa,
marcado como um dos pontos de maior presença da cruel epidemia do Ébola,
é um exemplo do qual um país pode se orgulhar pois não é possível
atingir neste instante maior honra e glória.
Se ninguém teve a
menor dúvida de que as centenas de milhares de combatentes que foram a
Angola e a outros países de África ou América, prestaram à humanidade um
exemplo que não poderá ser apagado nunca da história humana; menos
duvidaria que a ação heroica do exército de avental ocupará um altíssimo
lugar de honra nessa história.
Não serão os fabricantes de
armas letais os que atingirão tal honra. Oxalá o exemplo dos cubanos que
marcham para a África se agarre também a mente e ao coração de outros
médicos no mundo, especialmente daqueles que possuem mais recursos,
pratiquem uma religião ou outra, ou a convicção mais profunda do dever
da solidariedade humana.
É dura a tarefa daquelas e daqueles que
marcham ao combate do Ébola e pela sobrevivência de outros seres
humanos, ainda que com risco as suas próprias vidas. Não por isso
devemos deixar de fazer o impossível para garantir, aos que tais deveres
cumpram, o máximo de segurança nas tarefas que desempenhem e nas
medidas a tomar para proteger a eles e a nosso próprio povo, desta ou
outras doenças e epidemias.
O pessoal que marcha à África está
protegendo também aos que aqui ficam, porque o pior que pode ocorrer é
que tal epidemia ou outras piores se estendam por nosso continente, ou
no seio do povo de qualquer país do mundo, onde uma criança, uma mãe ou
um ser humano possa morrer. Há médicos suficientes no planeta para que
ninguém tenha que morrer por falta de assistência. É o que quero
expressar.
Honra e glória para nossos valorosos combatentes pela saúde e a vida!
Honra e glória para o jovem revolucionário venezuelano Robert Serra junto à companheira María Herrera!
Estas
ideias escrevi-as em dois de outubro quando soube de ambas as notícias,
mas preferi esperar mais um dia para que a opinião internacional se
informasse bem e para pedir ao Granma que o publicasse no sábado.
Fidel Castro Ruz
Outubro 2 de 2014
Às 20h47
/tgj/cc |
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