segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sergei Glazyev / A Ucrânia e a ascensão do euro-fascismo


por Sergei Glazyev [*]
Os actuais acontecimentos na Ucrânia são guiados pelos espíritos malignos do fascismo e do nazismo, embora aparentemente tenham-se dissipado há muito depois da II Guerra Mundial. Setenta anos após a guerra, o génio mais uma vez escapou da garrafa, colocando uma ameaça não simplesmente na forma dos símbolos e retórica dos apaniguados de Hitler mas também através de uma obsessiva políticaDrang nach Osten (Impulso para o Leste). 

A garrafa foi desarrolhada, desta vez pelos americanos. Tal como há 76 anos atrás em Munique, quando britânicos e franceses deram a sua bênção a Hitler para a marcha rumo ao Leste. Da mesma forma, na Kiev de hoje Washington, Londres e Bruxelas estão a incitar Yarosh, Tyahnybok e outros nazis ucranianos à guerra com a Rússia. É-se forçado a perguntar: por que fazem isto no século XXI? E por que está a Europa, agora unida na União Europeia, a tomar parte no atear de uma nova guerra, como se sofresse de um lapso total de memória histórica?

Responder a estas perguntas exige, antes de mais nada, uma definição precisa do que está a suceder. Isto, por sua vez, deve começar com a identificação dos componentes chave dos acontecimentos, com base em factos. Os factos são geralmente conhecidos: Yanukovych recusou-se a assinar o Acordo de Associação com a UE, que a Ucrânia fora pressionada a aceitar. Depois disso, os Estados Unidos e seus aliados da NATO removeram-no fisicamente do poder ao organizarem um violento golpe de estado em Kiev e levarem ao poder um governo que era ilegítimo, mas que lhes obedecia plenamente. Neste artigo, será chamado "a junta".

O objectivo desta agressão era fazer com que o Acordo de Associação fosse aceite, como se evidencia pelo facto de que foi na verdade assinado, prematuramente, pelos líderes da UE e a junta apenas um mês depois de esta última ter capturado o poder. Eles relatam (o documento contendo suas assinaturas ainda não foi publicado!) que apenas a parte política do acordo foi assinada, a parte que obriga a Ucrânia a seguir a política externa e de defesa da UE e a participar, sob a direcção da UE, na resolução de conflitos civis e militares regionais. Com este passo, a adopção do Acordo como um todo tornou-se uma mera tecnicalidade.

Na essência, os acontecimentos na Ucrânia assinalam a subordinação forçosa do país à União Europeia – o que pode ser chamado de "Euro-ocupação". Os líderes da UE que insistentemente nos dão lições sobre a obediência à lei e aos princípios de um estado baseado na lei, neste caso marimbaram-se para a regra da lei ao assinarem um tratado ilegítimo com um governo ilegítimo. Yanukovych foi derrubado porque se recusou a assiná-lo. Esta recusa, além disso, precisa ser entendida em termos não só do conteúdo do Acordo como também do facto de que ele não tinha direito legal a aceitá-lo, porque o Acordo de Associação viola a Constituição Ucraniana, a qual não prevê a transferência da soberania do estado a uma outra parte.

De acordo com a Constituição Ucraniana, um acordo internacional que entre em conflito com a Constituição só pode ser assinado se a Constituição for emendada previamente. A junta instalada pelos EUA – e pela UE – ignorou esta exigência. Segue-se que os EUA e a UE organizaram o derrube do governo legítimo da Ucrânia a fim de privar o país da sua independência política. O próximo passo será impor à Ucrânia suas políticas económica e comercial preferidas, através do seu acesso à parte económica do Acordo. Além disso, embora a actual Euro-ocupação difira da ocupação da Ucrânia em 1941 em que, até agora, se verificou sem uma invasão por exércitos estrangeiros, sua natureza coerciva está para além de qualquer dúvida. Assim como os fascistas despojaram a população da Ucrânia ocupada de todos os direitos civis, a junta moderna e seus apoiantes americanos e europeus tratam os oponentes da Euro-integração como criminosos, acusando-os sem fundamento de separatismo e terrorismo, aprisionando-os ou mesmo posicionando guerrilhas nazis para alvejá-los.

Enquanto o Presidente Yanukovych estava em vias de assinar o Acordo de Associação com a UE era o destinatário de toda espécie de louvação e sedução de políticos e altos responsáveis da UE. Contudo, no minuto em que se recusou, agentes de influência americanos (bem como representantes oficiais dos EUA, tais como o embaixador na Ucrânia, a secretária de Estado Assistente e representantes de agências de inteligência), juntamente com políticos europeus, começaram a castigá-lo e a louvar seus oponentes políticos. Eles proporcionaram maciça ajuda informacional, política e financeira aos protestos do Euromaidan, transformando-o no terreno para o golpe de estado. Muitas das acções de protesto, incluindo ataques criminosos contra pessoal encarregado de aplicar a lei e tomadas de edifícios governamentais, acompanhadas por assassinatos e espancamentos de um grande número de pessoas, foram apoiadas, organizadas e planeadas com a participação da Embaixada Americana, assim como de responsáveis e políticos europeus, os quais não só "interferiram" nos assuntos internos da Ucrânia como executaram uma agressão contra o país através das guerrilhas nazis que haviam cultivado.

A utilização de nazis e fanáticos religiosos para minar a estabilidade política em várias regiões do mundo é um método favorito das agências de inteligência americanas. Ele foi empregado contra a Rússia no Cáucaso, na Ásia Central e agora mesmo na Europa do Leste. O programa Parceria Oriental (Eastern Partnership), o qual os EUA encorajaram os responsáveis polacos e da UE a iniciar, foi voltado contra a Rússia desde o princípio. O seu objectivo era romper as relações das antigas repúblicas soviéticas com a Rússia. Esta ruptura supunha-se que fosse concluída por contratos de Acordos de Associação entre cada um destes países e a UE. A fim de proporcionar bases políticas para estes acordos foi lançada uma campanha para espalhar russofobia e difundir um mito chamado "a escolha europeia". Esta mítica "escolha europeia" foi então artificialmente contraposta ao processo de integração euro-asiático, com políticos e media ocidentais a descreverem a última como uma tentativa de restaurar a URSS.

O programa Parceria Oriental fracassou em toda e qualquer antiga república soviética. A Bielorússia já fez a sua própria escolha, criando uma União Estatal com a Rússia. O Cazaquistão, outro país euro-asiático chave (embora não formalmente um alvo da Parceria Oriental) igualmente escolheu o seu próprio caminho, constituindo a União Aduaneira com a Rússia e a Bielorússia. A Arménia e o Quirguistão decidiram aderir a este processo. A província de Gagauzia rejeitou a adopção da russofobia como pedra angular da política de Moldova. O referendo Gagauz, rejeitando a integração europeia em favor da União Aduaneira, desafiou a legitimidade da "escolha europeia" de Chisinau. A Geórgia, a única república que tomou uma decisão relativamente legítima em favor da associação com a UE, pagou a sua "escolha europeia" com a perda de controle sobre uma parte do seu território, onde o povo não quis viver sob a euro-ocupação. O mesmo cenário está agora a ser imposto à Ucrânia – perda de uma parte do seu território, onde os cidadãos não aceitam a "escolha europeia" da liderança.

A coação da Ucrânia para por a sua assinatura no Acordo de Associação com a UE foi embrulhada na russofobia, como reacção da consciência pública ucraniana magoada pela decisão do povo da Crimeia de aderir à Federação Russa. Uma vez que a maioria dos ucranianos ainda não se consideram automaticamente como separados da Rússia, tem havido ali uma forte pressão para inculcar uma percepção deste episódio como agressão russa e anexação de parte do seu território. Eis porque Brzezinski fala acerca na "finlandização" da Ucrânia, um meio de anestesiar os cérebros da nossa elite política durante a operação americana de amputar os laços da Ucrânia com a Rússia histórica. Ainda que sob anestesia, supõem que nós russos devamos aceitar um sentimento de culpa pela nossa mítica opressão do povo ucraniano, ao passo que este último é alimentado à força com repúdio à Rússia, com a qual alegadamente terá combatido ao longo tempo sobre a Pequena Rússia e Novorossiya. [1]

Contudo, só um observador superficial veria a actual histeria anti-russa nos media ucranianos, tão impressionante na sua russofobia frenética, como uma reacção espontânea ao drama na Crimeia. Na realidade, é evidente que a guerra que está a ser travada contra a Rússia está agora a entrar numa fase aberta. Durante duas décadas fomos razoavelmente tolerantes com as manifestações da ideologia nazi na Ucrânia, sem considerá-la seriamente, em vista da aparente ausência de pré-condições claras para o nazismo. A falta de tais pré-condições, contudo, foi totalmente compensada pela persistente semeadura de russofobia através do apoio a numerosas organizações nacionalistas. A discrepância entre a sua ideologia e a exactidão histórica não incomoda os fuehrers destas organizações. Em troca de uma ninharia de países membros da NATO, eles são completamente livres para pintarem a Rússia como a imagem do inimigo. O resultado é inconvincente, devido à nossa história, língua e cultura comuns: Kiev é a mãe de todas as cidades russas, o Kiev-Pechersk Lavra é o maior local sagrado dos ortodoxos do mundo e foi na Academia Kiev-Mohyla que a moderna língua russa tomou forma. Portando, são utilizadas mentiras loucas, jogando com episódios trágicos da nossa história comum, tais como a Revolução e a Guerra Civil, bem como a fome do Holodomor dos anos 1930, os quais são falsamente atribuídos unicamente à tirania russa. A russofobia, baseada no nazismo, está ser tornada a pedra angular da identidade nacional da Ucrânia.

Este artigo não está preocupado em desvendar a objectividade da absurda histeria russofóbica dos nazis ucranianos, mas sim em estabelecer as razões para o seu ressurgimento no século XXI. Isto exige uma percepção de que este "nazismo ucraniano" é uma construção artificial, criada pelos antigos inimigos do mundo russo. O nacionalismo e fascismo ucraniano, cultivado do exterior, sempre tiveram Moscovo como alvo. A princípio era promovido pela Polónia, a qual encarava a Ucrânia como a sua própria zona fronteiriça e estabeleceu a sua estrutura de poder vertical para administrá-la. A seguir veio a Áustria-Hungria, a qual investiu grandes quantias de dinheiro ao longo de muito tempo para encorajar o separatismo ucraniano. Durante a ocupação fascista alemã, estas tendências separatistas foram o terreno no qual o movimento Bandera e a Polizei se desenvolveram, ajudando os fascistas alemães a estabelecerem a sua ordem na Ucrânia, inclusive através de operações punitivas e escravização da população. Seus seguidores modernos estão agora a fazer o mesmo: sob a orientação dos seus instrutores americanos, guerrilhas do Right Sector Banderista estão a efectuar operações punitivas contra a população no Donbass, ajudando a junta instalada pelos EUA a "limpar" cidades dos apoiantes de maior integração com a Rússia e assumindo funções de polícia para o estabelecimento de uma ordem pró americana e anti russa.

É óbvio que sem o firme apoio americano e europeu não teria sido possível nem o golpe de estado nem a existência da junta de Kiev. Infelizmente, como diz o famoso ditado, "a história ensina-nos que a história não ensina nada". Isto é uma catástrofe para a Europa, a qual mais de uma vez teve de tratar com casos de governos proto-fascistas como aquele que agora molda a Ucrània. Ele envolve, essencialmente, um relacionamento entre fascistas e o grande capital. Uma simbiose deste tipo permitiu a ascensão de Hitler, que foi apoiado pelos principais capitalistas alemães, seduzidos pela oportunidade, sob a cobertura da retórica nacional-socialista, de ganhar dinheiro com encomendas do governo e com a militarização da economia. Isto aplica-se não só aos capitalistas alemães como também aos europeus e americanos. Houve colaboradores com o regime de Hitler em praticamente todos os países europeus e os Estados Unidos.

Poucas pessoas perceberam que as marchas com tochas seriam seguidas pelos fornos em Auschwitz e que dezenas de milhões de pessoas morreriam no incêndio da II Guerra Mundial. A mesma dinâmica está a desenvolver-se agora em Kiev, excepto que o berro de "Heil Hitler!" foi substituído pelo de "Glória aos heróis!" – heróis cujo grande feito foi executar judeus indefesos em Babi Yar . Além disso, a oligarquia ucraniana – incluindo os líderes de algumas organizações judias – está a financiar os anti-semitas e nazis do Right Sector, os quais são os baluartes armados do actual regime na Ucrânia. Os patrocinadores do Maidan esqueceram que, no relacionamento simbiótico entre nazis e grande capital, os nazis sempre obtém o controle sobre os homens de negócio liberais. Estes últimos são forçados ou a tornarem-se nazis ou a deixarem o país. Isto já está a acontecer na Ucrânia: os oligarcas que permanecem no país estão a competir com os pequeno fuehrers do Right Sector no domínio da russofobia e da retórica anti-"moscovita", bem como em sequestrar a propriedade daqueles antigos patrocinadores nazis que fugiram para Moscovo.

Os actuais dominadores em Kiev contam com a protecção dos seus patrões americanos e europeus, jurando-lhes diariamente que combaterão a "ocupação russa" até o último "moscovita" [2] . Eles obviamente subestimam quão perigosos são os nazis, porque estes acreditam realmente que são uma "raça superior", ao passo que todas as outras, incluindo os homens de negócio que os patrocinam, são encarados como criaturas "sub-humanas", contra as quais é permissível violência de toda espécie. Eis porque os nazis sempre prevalecerão, dentro do seu relacionamento simbiótico com a burguesa, a qual é então forçada ou a submeter-se ou a fugir do país. Não há dúvida de que se os seguidores de Bandera não forem travados à força, o regime nazi na Ucrânia desenvolver-se-á, expandir-se-á e consolidar-se-á mais profundamente. A única coisa ainda em dúvida será a "escolha europeia" da Ucrânia, pois o país fede cada vez mais ao fascismo de 80 anos atrás.

Naturalmente, o eurofascismo de hoje é muito diferente das suas versões alemã, italiana e espanhola no século XX. Estados nacionais europeus retrocederam ao passado, entrando na União Europeia e submetendo-se à euroburocracia. Esta última tornou-se o principal poder político na Europa, revogando facilmente quaisquer intentos de soberania de países europeus individuais. O poder da burocracia baseia-se não num exército, mas no seu monopólio sobre a emissão de moeda, sobre os mass media e sobre a regulamentação do comércio, todos os quais são administrados pela burocracia no interesse do grande capital europeu. Em todo conflito com governos nacionais europeus durante a última década, a euroburocracia prevaleceu constantemente, forçando países europeus a aceitarem seu governo e seus políticos tecnocratas. Tais políticas são baseadas na rejeição constante de todas as tradições nacionais, desde os padrões morais cristãos até como são produzidas as salsichas.

Os europolíticos vulgares, do género neutro e livres de ideias pouco se assemelham aos fuehrers enfurecidos do Terceiro Reich. O que eles têm em comum é uma confiança maníaca em que estão certos e na prontidão para forçar os povos a obedecerem. Embora as formas eurofascistas de compulsão sejam mais suaves, trata-se ainda de uma abordagem dura. A discordância não é tolerada e a violência é permitida, até e incluindo o extermínio físico daqueles que discordam das políticas de Bruxelas. Naturalmente, os milhares que morreram durante o esforço para instilar "valores europeus" na Jugoslávia, Geórgia, Moldávia e agora na Ucrânia não se comparam com os milhões de vítimas dos invasores fascistas alemães durante a II Guerra Mundial. Nações europeias inteiras estão a desaparecer no cadinho da integração europeia.

A palavra italiana fascio, da qual deriva "fascismo", indica uma união, ou algo atado junto. No seu entendimento actual, refere-se à unificação sem preservação da identidade do que é integrado – sejam povos, grupos sociais ou países. Os eurofascistas de hoje estão a tentar apagar não só diferenças económicas e culturais nacionais como também a diversidade de individualidades humanas, incluindo a diferenciação por sexo e idade. Ainda mais: a agressividade com que os eurofascistas estão a combater para expandir sua área de influência por vezes recorda-nos da paranóia dos apoiantes de Hitler, os quais estavam preocupados com a conquista do Lebensraum [espaço vital] para a raça ariana superior. Basta recordar a histeria dos políticos europeus que apareciam no Maidan e nos media ucranianos. Eles justificaram os crimes dos proponentes da euro-integração e de maneira infundada denunciaram aqueles que discordavam da "escolha europeia" da Ucrânia, adoptando a abordagem de Goebbels de que quanto mais monstruosa a mentira mais se assemelha à verdade.

Hoje, o condutor do eurofascismo é a euroburocracia, a qual obtém suas directrizes de Washington. Os Estados Unidos apoiam a expansão para o Leste da UE e da NATO de todos os modo possíveis, vendo estas organizações como importantes componente do seu império global. Os EUA exercem controle sobre a UE através de instituições supranacionais, as quais esmagaram os estados-nação que aderiram à UE. Privada de soberania económica, financeira, de política externa e militar, estes submetem-se às directivas da Comissão Europeia, as quais são adoptadas sob intensa pressão dos EUA.

Na essência, a UE é um império burocrático que arranja as coisas dentro do seu espaço económico de acordo com os interesses do capital europeu e americano, sob controle estado-unidense. Como qualquer império, aspira expandir-se e faz isso atraindo países vizinhos a Acordos de Associação, pelos quais estes entregam sua soberania à Comissão Europeia. A fim de fazer com que tais países aceitem tornar-se colónias da UE, apregoam o medo acerca de uma ameaça externa, com o media guiados pelos EUA a retratarem a Rússia como agressiva e belicosa. Sob este pretexto, a UE e a NATO moveram-se rapidamente para ocupar os países da Europa do Leste após o colapso da União Soviética; a guerra nos Balcãs foi organizada para este objectivo. As vítimas seguintes do eurofascismo foram as repúblicas bálticas, nas quais nazis russofóbicos forçaram a adesão à UE e a NATO. A seguir o eurofascismo alcançou a Geórgia, onde nazis sob orientação americana desencadearam uma guerra civil. Hoje, os eurofascistas estão a utilizar o modelo georgiano na Ucrânia, a fim de forçá-la a assinar o Acordo de Associação [ NR 1] com a UE, como um território subserviente e cabeça-de-ponte para atacar a Rússia.

Os EUA encaram o processo de integração da Eurásia como a principal ameaça aos seus planos de colocar a euroburocracia como responsável da área pós soviética. O processo de integração está a desenvolver-se com êxito em torno da União Aduaneira Rússia-Bielorússia-Cazaquistão. A UE e os EUA investiram pelo menos US$10 mil milhões na construção de redes anti-russas, a fim de impedir a Ucrânia de tomar parte naquele processo. Em paralelo, utilizando o apoio de polacos e bálticos russofobos, bem como dos media sob o controle dos magnatas americanos dos media, os Estados Unidos estão a incitar responsáveis europeus contra a Rússia, com o objectivo de isolar as antigas repúblicas soviéticas do processo de integração euro-asiático. O programa Parceria Oriental (Eastern Partnership), inspirado por eles, é uma cobertura para a agressão contra a Rússia na antiga área soviética. Esta agressão toma a forma de forçar antigas repúblicas soviéticas a entrarem em Acordos de Associação com a UE, sob os quais transferem sua soberania económica, comercial, de política externa e as funções de defesa para a Comissão Europeia.

Para a Ucrânia, o Acordo de Associação com a União Europeia significa transferir para Bruxelas suas funções soberanas de regulação comercial e outras relações económicas externas, de padrões técnicos e inspecções veterinárias, sanitárias e de peste, bem como abrir seus mercados a bens europeus. O acordo contém um milhar de páginas de directivas da UE que a Ucrânia teria de cumprir. Cada secção obriga a que a legislação ucraniana seja alterada para cumprir as exigências de Bruxelas. Além disso, a Ucrânia assumiria a obrigação de cumprir não só as actuais directivas de Bruxelas como também as futuras, em cuja redacção não exercerá qualquer papel.

Dito claramente, depois de assinar o Acordo a Ucrânia torna-se uma colónia da União Europeia, obedecendo cegamente às suas exigências. Isto inclui exigências que a indústria ucraniana é incapaz de executar e que prejudicarão a economia do país. A Ucrânia deve abrir completamente o seu mercado a bens europeus, os quais levarão a um aumento de US$4 mil milhões nas suas importações e expulsarão do mercado produtos industriais ucranianos não competitivos. A Ucrânia será obrigada a cumprir padrões europeus, os quais custarão 150 mil milhões em investimentos para modernização económica. Não há fontes para tais quantias de dinheiro. Segundo estimativas de economistas ucranianos e russos, a Ucrânia, depois de assinar o Acordo, pode esperar uma deterioração das suas já negativas balanças comercial e de pagamentos e, em consequência, o incumprimento (default). 

Portanto, assinar o Acordo de Associação significaria [NR 2] uma catástrofe económica para a Ucrânia. A UE obteria certas vantagens, através de um mercado expandido para os seus produtos e a oportunidade de adquirir activos ucranianos desvalorizados. Corporações dos EUA, por sua vez, ganhariam acesso a reservas de gás de xisto (shale gas),as quais gostariam de adicionar a infraestrutura de gasodutos e um mercado para elementos combustíveis nucleares destinados a centrais eléctricas. O objectivo principal, contudo, é geopolítico: depois de assinar o Acordo de Associação, a Ucrânia não poderia participar na União Aduaneira com a Rússia, Bielorússia e Cazaquistão. Foi para este resultado que os EUA e a UE recorreram à agressão contra a Ucrânia, organizando a captura armada do poder pelos seus protegidos. Apesar de acusarem a Rússia de anexar a Crimeia, eles próprios tomaram a Ucrânia como um todo, com a instalação de uma junta sob o seu controle. A missão da junta é despir a Ucrânia da sua soberania e colocá-la sob a UE, através da assinatura do Acordo de Associação.

O desastre na Ucrânia pode ser chamado de agressão contra a Rússia pelos EUA e seus aliados da NATO. Isto é uma versão contemporânea do euro-fascismo, a qual difere da cara anterior do fascismo durante a II Guerra Mundial por empregar poder "soft" com apenas alguns elementos de acção armada em casos de extrema necessidade, bem como a utilização da ideologia nazi como uma ideologia suplementar ao invés de absoluta. Um dos principais elementos definidores do eurofascismo foi entretanto preservado e é a divisão dos cidadãos em superiores (aqueles que apoiam a "escolha europeia") e inferiores, os quais não têm direitos às suas próprias opiniões e em relação aos quais tudo é permitido. Uma outra característica é a prontidão para utilizar violência e cometer crimes ao tratar com oponentes políticos. O aspecto final que precisa ser entendido é o que conduz ao renascimento do fascismo na Europa. Sem apreender isto, é impossível desenvolver um plano de resistência e salvar o mundo russo desta mais recente ameaça de euro-ocupação.

A teoria do desenvolvimento económico a longo prazo reconhece um inter-relacionamento entre ondas longas de actividade económica e ondas longas de tensão militar e política. Mudanças periódicas de um modo tecnológico dominante para o seguinte alternam-se com depressões económicas, em que gastos governamentais acrescidos são utilizados como incentivo para ultrapassar a crise. Os gastos são concentrados no complexo militar-industrial, porque a ideologia económica liberal permite o reforço do papel do estado só para objectivos de segurança nacional. Portanto, é promovida a tensão militar e política e são provocados conflitos internacionais para justificar gastos acrescidos com a defesa. Isto é o que está a acontecer actualmente: os EUA estão a tentar resolver seus acumulados desequilíbrios económicos, financeiros e industriais a expensas de outros países, pelo agravamento de conflitos internacionais que lhes permitirão cancelar dívidas, apropriarem-se de activos pertencentes a outros e enfraquecer seus rivais geopolíticos. Quando isto foi feito durante a Grande Depressão da década de 1930, o resultado foi a II Guerra Mundial. A agressão americana contra a Ucrânia prossegue todos os objectivos acima mencionados. Primeiro, sanções económicas contra a Rússia são destinadas a eliminar milhares de milhões de dólares da dívida estado-unidense para com a Rússia. Um segundo objectivo é tomar activos do estado ucraniano, incluindo o sistema de transporte de gás natural, reservas minerais, as reservas ouro do país e objectos valiosos artísticos e culturais. Terceiro, capturar mercados ucranianos com importância para companhias americanas, tais como combustível nuclear, aeronáutica, fontes de energia e outros. Quarto, enfraquecer não só a Rússia como também a União Europeia, cuja economia sofrerá uma perda estimada em um milhão de milhões (trillion)de dólares com as sanções económicas contra a Rússia. Quinto, atrair para os EUA capitais em fuga da instabilidade na Europa.

Portanto, a guerra na Ucrânia é negócio apenas para os Estados Unidos. A julgar pelos relatos nos media, os EUA já recuperaram seus gastos com a Revolução Laranja e o Maidan ao levarem como prémio tesouros dos saqueados Museu Nacional de Arte Russa e Museu Histórico Nacional, ao tomarem campos potenciais de gás e ao forçarem o governo ucraniano a mudar de russos para americanos os fornecimentos de combustível nuclear para as suas centrais nucleares. Além disso, os americanos avançaram no seu objectivo de longo prazo de separar a Ucrânia da Rússia, transformando o que costumava ser a "Pequena Rússia" num estado hostil à Rússia, a fim de impedi-lo de aderir ao processo de integração euro-asiático.

Esta análise não deixa espaço para dúvidas acerca da natureza a longo prazo e constante da agressão americana contra a Rússia na Ucrânia. Washington está a dirigir seus fantoches de Kiev no sentido de escalar o conflito, ao invés de revertê-lo. Eles também estão a incitar os militares ucranianos contra a Rússia, tendo como objectivo arrastar forças terrestres russas a uma guerra contra a Ucrânia. Eles estão a encorajar os nazis ali a iniciarem novas operações de combate. Isto é uma guerra real, organizada pelos Estados Unidos e seus aliados da NATO. Tal como há 75 anos atrás, ela está a ser travada pelos eurofascistas contra a Rússia, com a utilização de nazis ucranianos cultivados para este propósito.

O que é surpreendente é a posição dos países europeus, os quais estão a reboque dos EUA e nada fazem para impedir uma nova escalada da crise. Eles deveriam entender melhor do que ninguém que nazis só podem ser travados com a força. Quanto mais cedo isto for feito, menos vítimas e menos destruição haverá na Europa. A avalanche de guerras através da África do Norte, do Médio Oriente, dos Balcãs e agora na Ucrânia, incitadas pelos EUA no seu próprio interesse, ameaça acima de tudo a Europa. E foi a devastação da Europa em duas guerras mundiais que deu origem ao milagre económico americano no século XX.

Mas o Velho Mundo não sobreviverá a uma Terceira Guerra Mundial. Impedir tal guerra significa que deve haver reconhecimento internacional de que as acções dos EUA constituem agressão e que a UE e os responsáveis estado-unidenses que as executam são criminosos de guerra. É importante conferir a esta agressão a definição legal de "eurofascismo" e condenar as acções dos políticos e responsáveis europeus que tomaram parte no ressuscitar do nazismo sob a cobertura da Parceria Oriental.
24/Junho/2014

Notas 
[1] Malorossiya ("Pequena Rússia" ou "Rússia Menor") é uma expressão que remonta à toponímia grega para as áreas populadas pelos eslavos orientais, mais próximas ("Rússia Menor") e mais remotas a Norte do Mar Negro ("Rússia Maior"). Ela tem sido utilizada ao longo dos tempos para indicar toda a moderna Ucrânia ou, principalmente, o nordeste da Ucrânia ou margem esquerda do Rio Dnieper. A expressão Novorossiya ("Nova Rússia") foi introduzida no século XVIII para terras adquiridas pelo Império Russo, sob Catarina II, em guerras com o Império Otomano. Estas incluíam o litoral do Mar Negro desde o Rio Dniester até a Crimeia, o litoral do Mar de Azov a Leste até aproximadamente a foz do Rio Don, e terras ao longo do baixo Dnieper.
[2] Moskal , ou "Moscovite, é um termo pejorativo ucraniano para um russo.

[NR 1] O acordo foi assinado em 27/Junho/2014.
[NR 2] Este artigo é anterior à assinatura do Acordo de Associação. 


Ver também:
  • Ukraine and EU sign free trade zone deal 
  • 5 facts you need to know about Ukraine-EU trade deal 
  • NATO pledges new funding for Ukrainian military
  • "Impedir o reforço do exército ucraniano" 
  • Les communistes moldaves dénoncent l'Accord d'association avec l'Union européenne 
  • Ukraine's EU Association Agreement, A Prelude to Further Bloodshed 
  • Batalhão "Azov": metade consiste de criminosos
  • Fascism As It Is , filme de Andrey Karaulov (em inglês)

    [*] Da Academia de Ciências Russa e conselheiro do Presidente da Federação Russa.

    O original encontra-se em www.globalresearch.ca/ukraine-and-the-rise-of-euro-fascism/5388443 


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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