segunda-feira, 16 de junho de 2014

Desporto e mercantilização

Desporto e mercantilização

– Corrupção e espectáculo no Mundial de Futebol

por Marco A. Gandásegui

Tela de Alex Frechette.
A corrupção que corrói a organização da Copa Mundial de Futebol, inaugurada em São Paulo, não surpreendeu. O que criou incerteza e preocupação nos círculos financeiros foi a falta de capacidade política dos governantes desse país para conter o descontentamento popular. Os gastos se controle em obras suntuárias provocaram uma recusa generalizada da parte da população. Há várias décadas a economia mundial tende a passar de crise para crise. O sector produtivo – que era o motor do desenvolvimento – cedeu o lugar às actividades financeiras e especulativas. Em lugar de medir o crescimento económico com base na produção, agora mede-se o "progresso" com base na transferência das poupanças dos trabalhadores para os bancos.

Actualmente, tudo tem um preço, tudo se mercantiliza. "A política deixou de ser um serviço e converteu-se num negócio". O desporto não é excepção. Ao contrário, converteu-se numa das áreas que mais riqueza gera. Há um século os desportos foram sequestrados pelo crime organizado (máfia e governo, associados) e postos ao serviço dos ladrões que realizavam lucros extraordinários mediante actividades ilícitas (as apostas e outras manobras). Aquilo que era considerado próprio do "submundo", agora faz parte do mundo dos negócios. Em fins do século XX, inclusive, os jogos olímpicos foram profissionalizados para fins mercantilistas. Os atletas competem por melhores remunerações. As sedes e suas autoridades competem pelas comissões e pelo prestígio. Os financistas competem pela apropriação dos milhares de milhões de dólares que se investem nas obras e nos "sobrecustos".

O evento desportivo mais cotado é sem dúvida o dos Jogos Olímpicos. Geram milhares de milhões de dólares que o Comité Olímpico Internacional (COI) manobra com a banca financeira mundial. O COI consegue, com esmero, projectar uma imagem que o relaciona com seus fundadores dos fins do século XIX. Supostos cavalheiros que tencionavam ressuscitar o espírito olímpico da antiga Grécia: A cada quatro anos as cidades gregas suspendiam suas guerras para que a sua juventude competisse em justas desportivas. Esse espírito tão nobre foi esquecido.

No caso da Copa Mundial, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) tocou uma fibra que se converteu num dos negócios com mais êxito. A FIFA factura anualmente vários milhares de milhões de dólares. O Mundial que ela organiza no Brasil gerará quase 5 mil milhões de dólares, grande parte pela venda de direitos de televisão à escala mundial. A FIFA cobra comissões por todos os direitos vendidos pelos seus membros. Inclusive campeonatos nacionais e regionais. Por cada camisola, meia ou ténis que se vende algo cabe à FIFA. Do total de 5 mil milhões de dólares que gerará o Mundial no Brasil, a FIFA fica com 90 por cento.

"DESAPOSSAR" O POVO BRASILEIRO 

Os protestos das mais diversas organizações em todas as cidades brasileiras são plenamente justificados. O governo está a investir mais de 20 mil milhões de dólares na construção de estádios, ampliação de aeroportos e desenvolvimento de infraestrutura que beneficiará a FIFA, os especuladores e financistas brasileiros e internacionais. Parafraseando o sociólogo inglês David Harvey, o Mundial de Futebol serviu para "desapossar" o povo brasileiro. Aqueles que protestam não aceitam que suas riquezas e poupanças sejam entregues aos empreiteiros, financistas e especuladores sem receber compensação alguma. Neste saqueio sistemático, a FIFA serve só de intermediário. Há que reconhecer que espectáculo que apresenta é fora de série: Ronaldo, Messi, Neymar e tantas outras super-estrelas repartidas em 32 equipes, 62 partidas num mês que a tecnologia de ponta leva ao último rincão do mundo.

Os brasileiros obviamente não se opõem ao futebol nem ao Mundial. São os penta-campeões, os melhores jogadores sobre a terra. Mas recusam a forma tão arrogante como a FIFA e a banca internacional chegaram ao seu país para saquear o seu povo com a aparente cumplicidade do governo. A lição que é preciso aprender dos protestos no Brasil é que o desporto não pode continuar a ser manipulado pelos especuladores. Em 2016 o governo brasileiro enfrentará novamente o povo por ocasião dos Jogos Olímpicos do Rio, onde novamente serão feitos gastos que não beneficiam o povo desse país sul-americano.
Ver também:
  • Mondial, J-1: les communistes brésiliens (PCB) dans la rue ... face à un ministre des Sports à l'étiquette "communiste" (PCdoB) !
  • A explosão social bate às portas do Brasil , Edmilson Costa
  • A luta dos trabalhadores triunfa sobre o espectáculo , James Petras
  • Mobilizações tomam as ruas do Brasil no primeiro dia da Copa do Mundo , Marcela Belchior

    O original encontra-se em www.argenpress.info/2014/06/corrupcion-y-espectaculo-en-el-mundial.html 


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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