quarta-feira, 7 de maio de 2014

Europa reocupada


por César Príncipe
A República Federal da Alemanha absorveu a República Democrática Alemã. Aumentou a massa corporal e muscular. A reincorporação não ocorreu por magia, não obstante aConversão da Rússia constar dos apostolados. O milagre teve os seus agentes e artífices: na sombra, operou a inteligência germano-americana; à luz do dia, actuou o complexo mediático; e como seguro contra todos os riscos da blitzkrieg 89, a camarilha daPerestroika desguarneceu as muralhas do Kremlin. Até acreditou ou simulou acreditar na promessa de que a NATO jamais integraria estados e regiões da área de influência e segurança da URSS. O ataque-relâmpago do Novo Eixo mereceu tratamento de visita guiada. Gorbachev confessou (sem pingo de rubor) que, no Ocidente, à excepção dos USA,todos estavam contra a queda do muro e a reunificação, desde Thatcher a Andreotti, a Mitterrand: Todos vieram até mim, um após o outro, pedindo isso. Mitterrand era ferozmente contrário. Mais esperto do que os outros, dizia: “Amo a Alemanha de tal forma que prefiro ter duas” Só depois, quando tudo se precipitou, todos assinaram. [1] Os amigos ocidentais (ingleses, italianos, franceses, etc.) chegaram a implorar que o Exército Vermelho esmagasse o levantamento. Contudo, o Actor Principal da Glasnost , capitulacionista de salão e padecente da doença infantil do capitalismo, deu ouvidos ao interlocutor de facto. Genuflectiu como se uma superpotência real não tivesse argumentário. O valentaço Gorby foi o mesmo que, anos antes, noutra entrevista, declarou, visando a marioneta Ieltsin: Temos uma Rússia fraca e um presidente fraco. [2] Quanto à Europa NATO/UE, resmunga e amua mas não passa de pátio dianteiro dos USA, recomendável para acampamentos do Pentágono, estações e prisões da CIA, mobilizações predatórias, vendas de armas e pacotes de propaganda, jogos bolsistas e fundistas, colocação de apples, googles, cineprodutos, transgénicos, fármacos, heroína do Afeganistão e cocaína da Colômbia (demarcações da Esfera político-militar USA). O narcomercado é um dos super-negócios do planeta. Os USA são o guardião- dealer. Na definição dos interesses vitais e dispositivos da sua manutenção, não admira, pois, que a chamada Europa não tenha nem esteja autorizada a ter política de defesa nem política externa fora dos varais e canais dos USA, embora a sede da NATO e a sede da UE, irmãs gémeas, se encontrem na mesma cidade (Bruxelas), com moradas autónomas para fingir independência ou disfarçar que não são geridas desde Washington. Dominique Villepin, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo primeiro-ministro de França, desabafou (cito de memória), num momento de franqueza e finura de guilhotina: Não há NATO. Há generais americanos. A própria Alemanha está sob tutela do patrono atlântico: os USA mantêm em solo alemão cerca de 60 mil efectivos e 227 bases, algumas dotadas de bombas nucleares. As instalações norte-americanas funcionam ainda como parabólicas de espionagem, constituindo a nação-hospedeira um dos alvos. A Alemanha é um ocupante-ocupado, como Portugal foi um colonizador-colonizado. De resto, na linha de reactualização e reconfiguração do Eixo (também o Japão se acha ocupado pelos USA), que aí dispõem de 50 mil efectivos em 135 bases, algumas equipadas com cargas atómicas. A Alemanha e o Japão jazem sob o dicktat dos USA, que lhes distribui guiões e fixa taxas de empenhamento no tarefário geo-estratégico, particularmente no cerco à Rússia e à China. O Império norte-americano não levanta ferro. Nem sequer entreabre a cortina.

Muro na Palestina.Muro da vergonha
Caiu em Berlim
Vergonha só lá
Muros há sem fim 
[3]

O mundo estava cortado e recortado por altos e grossos muros e continuou a levantar vedações de betão, arame farpado, cabos eléctricos e torres de metralhadoras, mas só um foi apodado de vergonhoso. Todavia, convém destapar outras barreiras, as credoras de aplauso, de compreensão, tolerância ou esquecimento da comunidade internacional, tão proficientemente facetada e discricionariamente representada pelos USA e pelos seus carros de guerra psicológica, as televisões, as rádios, os jornais. Eis uma lista de muros deixados em paz pelas chancelarias e pelos agitadores de direitos universais: USA-México, Índia-Bangladesh, Índia-Paquistão, Índia-Birmânia, Paquistão-Afeganistão, Marrocos-Sara Ocidental, Botsuana-Zimbábue, Coreia do Sul-Coreia do Norte, China-Coreia do Norte, Uzbequistão-Quirquistão, Irão-Paquistão, Arábia Saudita-Iraque, Israel-Cisjordânia, Israel-Líbano, Egipto-Gaza, Grécia-Turquia, Chipre (divisória greco-turca), Ceuta/Melilla (Espanha), Belfast (Irlanda do Norte), Bagdad (Iraque), La Molina (Peru), Rio de Janeiro (Brasil). Todos se encontram de pé e prometem durar e perdurar. Inadiável era a queda do Muro de Berlim, prenúncio aparatoso e ruidoso do desabamento da URSS e do bloco socialista. Festejável com música rock,tanques de cerveja, pichagens alucinogénias. Vinte anos depois, enquanto os redesenhadores de mapas e as trupes do Wall Show celebravam a efeméride, a população da ex-Alemanha Democrática sentia o ferrete da anexação ou reunificação. [4]
Muro entre pobres e ricos no Rio de Janeiro.
IV Reich em acção 

Demolido o muro, riscada do planisfério a Alemanha socialista, a Alemanha capitalista e imperialista encetou o desarme das alfândegas continentais, acobertando-se sob as vestes da confraria europeia: instituiu a livre circulação de capitais; fixou taxas de câmbio irrevogáveis; fez entrar o marco em circulação com nome de euro, assim se posicionando como player nos mercados de divisas e condicionando as exportações, especialmente dos países do Sul/Leste; desestruturou as actividades concorrenciais (desmantelamento e deslocalização de indústrias, abate de frotas pesqueiras, subsídios de funeral para as agriculturas). De seguida, a Nova Alemanha, a que carrega 100 milhões de mortos (contabilidade do séc. XX) e uma vasta geografia de ruínas, acelerou a reocupação dos submetidos na II Grande Guerra. Só a Noruega resistiu. Acertaram o passo com o ex-ocupante: Áustria, Bélgica, Bulgária, Checoslováquia (República Checa e Eslováquia), Dinamarca, Estónia, França, Grécia, Hungria, Itália, Jugoslávia (Croácia/ Eslovénia/ Macedónia/ Sérvia/ as duas últimas à espera que o ex-ocupante aceda ao pedido de reocupação), Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Mónaco, Holanda, Polónia, República Checa, San Marino, Ucrânia (a caminho da reocupação). Paralelamente, o IV Reich foi ornando o cinturão de caça com uma série de troféus que no período do III Reich haviam demonstrado comportamento de bons alunos : Espanha, Finlândia, Portugal, Roménia. Há igualmente que inscrever a zona grega do Chipre e a República de Malta na Cartografia da Grande Guerra Financeira. Pelo meio, com a Alemanha Democrática reintegrada, dissolvida e recentrada, a Germânia liderou a desintegração da República Federativa da Jugoslávia, que tinha de levar uma ensinadela por se manter não-alinhada, soberana e socialista. O Curso de PatroNATO durou de 24/03/ a 11/06 de 1999, sem mandato das Nações Unidas, a pretexto de instantes razões humanitárias. O programa NATO School incluiu escombros generalizados e selectivos, doses de urânio empobrecido com certificado de garantia para centenas de milhares de anos, extensas manchas de sangue e lágrimas e a imposição de um estado fantoche e artificial (Kosovo), com uma super-base USA, governado com savoir-faire pelo mundo do crime (local e sem fronteiras).

Wehrmacht do Euro 

O Euro é o Marco do Neo-Expansionismo. Na guerra económico-financeira, os Estados do Sul, previamente desarmados, entre a espada da moeda forte e a parede da economia fraca, tentaram o salto em frente, seduzidos pelo crédito de torneira aberta e pela carteira de fundos, contraindo a doença da dívida galopante e do défice excessivo, estimulada pelos credores, apostados em arrastar os esfomeados de barriga dilatada para uma situação de emergência. Sob a bota e a batota da usura, com governos-carpete que vendem a pataco as jóias da economia e tripudiam os princípios da soberania, o capitalismo euroglobal lançou os seus rapazes ou rapaces sobre os activos sociais (salários, reformas, pensões, receitas fiscais, reservas de ouro e divisas, serviços públicos) e os activos empresariais do Estado. A operação de saque amigo foi implacavelmente montada. Nem será preciso recorrer a teóricos de última geração da economia de guerra e do garrote financeiro. Bastará rebuscar fontes da mesma água, validadas pela constância dos factos e a didáctica dos séculos. Neste caso, fontes euro-americanas. Portadoras de credenciais. Insuspeitíssimas. Uma a jorrar da bocarra de um banqueiro, alemão e judeu, e outra da carranca de um fazendeiro, congressista e presidente com direito a efígie monetária e a inscrição In God We Trust/Deus Seja Louvado/Confiamos em Deus. 

Eis a voz da banca:
Dai-me o controlo da moeda de um país e não me importará quem faz as leis. [5]

Eis o porta-voz:
Há duas maneiras de submeter e escravizar uma nação: uma é pela espada e outra é pela dívida. A dívida é uma arma contra os povos. Os juros são as munições. [6]

Guião falangista 

De sublinhar que o projecto de domínio regional e intercontinental está a ser assessorado pela extrema-direita. Cada vez mais motivada com chavões anticomunistas, anti-semitas, racistas, xenófobos, homofóbicos, machistas. Está a levedar um microclima século XX, anos 30. O capitalismo volta a dar corda à delinquência falangista, a fim de ensaiar governos de mão dura para acentuar a espoliação e conter a resistência popular. Enraivecer e desnortear as massas, desviando-as dos referenciais democráticos e do sentido de classe, faz parte do caderno de encargos da besta negra. Os operacionais de trabalhos sujos da História aí estão nas ruas e os branqueadores movem-se pelos parlamentos, pelos governos, pelos meios de comunicação, pelas academias. É o caldo de cultura dos bárbaros. Que não estão às portas da Europa: estão dentro. A Ucrânia é o mais recente caso de tomada do poder pelo bandoleirismo nazifascista, redoutrinado, treinado, municiado e subvencionado (com especial zelo pela Alemanha e pelos USA). Em termos eleitorais e sociais, Holande e Valls, garçons de bureau do alto capital e catapultas da assunção aos céus de Nôtre Dame Le Pen, são o cartaz mais patético da França e a caricatura mais servil da social-democracia. Phillipe Pétain, marechal da desonra, primeiro-ministro e presidente da República (1940-1944), condenado à morte por traição e indultado por De Gaulle, sepultado na Île d`Yeu, sorrirá como só as caveiras sabem sorrir.
(1). La Repubblica, entrevista de Fiammetta Cucurnia, 09/11/2009, 20º aniversário da queda do muro. 
(2). Jornal de Notícias, entrevista de César Príncipe, 17/06/1995, no 4º aniversário da dissolução da URSS. 
(3) César Príncipe, Correio Vermelho, Seara de Vento, 2008.
(4) O dia em que se comemoram os 20 anos sobre a queda do Muro de Berlim, uma sondagem conclui que os alemães de Leste consideram que a reunificação não foi consumada e que a esmagadora maioria sentia-se bem na antiga Alemanha Democrática. O estudo indica que 50 por cento dos cidadãos da antiga Alemanha Democrática lamentam as diferenças reais do nível de vida, lembrando que no Leste o desemprego é maior, os salários são mais baixos e o PIB é de apenas de um terço do registado no lado ocidental do país. Doze por cento dos inquiridos recordam com saudade os tempos da RDA e outros tantos defendem mesmo que o muro devia ser reconstruído. Somente um quinto dos alemães de Leste considera que a reunificação vai no bom sentido e muitos outros dizem que os irmãos do Ocidente os tratam com arrogância. [TSF , 09/11/2009)
(5) Mayer Amschel Rothschild (1744-1821), fundador da dinastia de banqueiros.
(6) John Adams (1735-1826), presidente dos USA. 


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