Por que caem as taxas de juro das obrigações do tesouro? [1]
por Manuel Brotas
Em traços largos, como pode ser comprovado na
figura 1, as taxas de juro implícitas (as
yields,
as rendibilidades) das obrigações do tesouro portuguesas a dez
anos, nos mercados secundários da dívida, estão em queda
desde o final de janeiro de 2012. Numa análise um pouco mais fina, sem
prejudicar essa apreciação global, poderia ressalvar-se um
período de menos de quatro meses de crescimento oscilante e
relativamente diminuto em 2013, mas desde meados de setembro o declínio,
menos acentuado mas com menos irregularidades, basicamente prosseguiu.
Importa realçar que este expressivo declínio se iniciou quase seis meses antes do presidente do banco central europeu, Mario Draghi, ter declarado em Londres, no final de julho de 2012, que a sua instituição faria tudo o que fosse necessário para preservar o euro. E mais ainda antes do anúncio, em setembro do mesmo ano, do enquadramento do programa do BCE de compra ilimitada, sob estrita condicionalidade, de dívida pública dos países do euro nos mercados secundários ( OMT, da sigla inglesa), nunca efetivado.
Na verdade, com outras durações e outros ritmos, o mesmo se passou com os títulos de dívida pública de longo prazo de outros países do euro em dificuldades, como a Grécia, a Irlanda e mesmo, apesar de com bastante menos antecedência, a Espanha. Mas é preciso ir mais longe: a descida das taxas de juro, novamente a traços largos, era já um fenómeno largamente generalizado, na Europa e no mundo. Tal deveria dar que pensar àqueles que sobrevalorizam a influência, contudo nada negligenciável, das declarações e dos anúncios do presidente do banco central europeu. Já para não falar da incrível patetice de atribuir méritos ao governo português.
A explicação mais aprofundada do declínio das taxas de juro das obrigações nos mercados secundários da dívida soberana, com destaque evidentemente para as gregas, tem essencialmente dois lados e, embora de desigual importância, a explicação fica incompleta sem mencionar ambos. É da conjugação dos dois que se produz o fenómeno. E quando nos referimos ao fenómeno, referimo-lo do ponto de vista estrutural, não das conjunturas diárias, sensíveis às contingências dos percalços de saúde do Obama ou da Merkel ou dos humores do Draghi ou da Yellen (até há pouco, do Bernanke) nas conferências de imprensa do BCE ou da Reserva Federal.
Estruturalmente, o fator mais importante é a crise de sobreacumulação do capital, verdadeiro pano de fundo sem o qual não é possível compreender grande coisa do tempo que vivemos, originada pelo declínio, irregular mas tendencial, da taxa geral de lucro. Claro que é possível referir-se às suas grandes implicações sem entrar em discussões mais aprofundadas quanto às causas, nem sempre possível ou oportuna. Basta então salientar a insuficiência de crescimento, a estagnação, a recessão ou mesmo a depressão. Este é o primeiro aspeto, que dá o cenário de fundo, que tendem a esquecer, a desvalorizar, a menosprezar ou a ocultar a generalidade dos economistas e dos comentadores da ideologia e do mediatismo dominantes.
O outro fator, também determinante de um ponto de vista estrutural, e conjunturalmente mesmo decisivo, é a enorme massa de liquidez atual, que busca naturalmente aplicações mais rentáveis. É aqui que a "caixa-de-ferramentas" dos bancos centrais, e não apenas do BCE, não é, de maneira nenhuma, desprezável, nomeadamente com as políticas expansionistas que incrementam substancialmente a criação e a oferta monetárias. Este segundo aspeto, da gigantesca criação e da massa de dinheiro presentes na economia mundial, atuando no pano de fundo da depressão económica (ou da estagnação económica europeia e da insuficiência de crescimento mundial), torna-se decisivo para que mais capitais se arrisquem na compra de ativos financeiros menos seguros. Há sempre uma grande dispersão na predisposição para o risco nos investimentos, mas como o volume de capitais circulando fora ou simplesmente afastados do investimento produtivo tem aumentado substancialmente, para o que contribuem deveras as tais políticas expansionistas dos bancos centrais (numa tentativa, mais ou menos aberta e mais ou menos infrutífera, de sustentar a economia e o emprego), aumenta também a quantidade dos que são investidos em ativos bastante mais arriscados, ainda que eventualmente mais lucrativos.
Resumindo, antes de precisar melhor. É necessário referir os dois lados. A estagnação ou depressão económica (causada pelo declínio tendencial da taxa de lucro e a crise de sobreacumulação de capital) e a elevada e crescente massa de liquidez vigente na economia mundial. Porque é da combinação dos dois que estruturalmente resulta o aumento da procura de ativos financeiros – uma "inflação financeira" que pode transformar-se em bolha especulativa –, com o consequente aumento do preço desse ativos. O que se traduz, no caso do mercado secundário dos títulos de dívida pública, numa diminuição das taxas de juro implícitas: o mesmo rendimento para um ativo mais caro. É o que temos assistido nos mercados.
Claro que, sobre isto, atuam os inúmeros fatores conjunturais, nomeadamente da política nacional, e, muito especialmente, a influência dos sentimentos, das perceções públicas e das expetativas veiculadas pela comunicação social. A combinação peculiar mas singularmente favorável de uma estagnação de fundo inundada de liquidez com a expetativa de uma ligeira retoma (que melhor seria apresentada como uma pausa, possivelmente prolongada, na recessão) contribui poderosamente para uma diminuição da perceção do risco de aquisição dos títulos de dívida pública dos estados mais problemáticos da periferia europeia – insolventes, porque não se deteve a dinâmica de insolvência, que obrigará necessariamente a uma reestruturação da dívida –, como a Grécia ou Portugal. Mas livrem-nos a nós de andar a seguir ao dia as cotações das obrigações do tesouro; essa ansiedade que fique para Passos Coelho, Portas e Cia.
Não vale a pena perder tempo com o nervosismo diário das curvas dos mercados e seria aventureirismo fazer aqui previsões, num sistema que para além do mais é intrinsicamente turbulento, mas é claro que, talvez com vários acidentes e significativas variações de ritmo, o prosseguimento da queda das taxas de juros é, nestas condições, uma possibilidade que não pode ser minimamente descartada. Incógnita ainda maior é o inevitável limite dessa descida.
Um parêntesis para destacar uma implicação fundamental.
A dívida pública portuguesa anda próxima dos 130% do PIB (129,0% no final de 2013), as taxas de juro das obrigações a dez anos próxima dos 5% (4,85%, no fecho de 25 de fevereiro). No começo de 2012, a dívida pública estava a 108,3% e as taxas de juro das OT a 10 anos a 13,54%. Ou seja, no espaço de pouco mais de dois anos, a dívida pública variou (aumentou) cerca de um quinto, mas as taxas de juro variaram (diminuíram) perto de dois terços. A taxa de juro das obrigações do tesouro pode diminuir para metade ou aumentar para o dobro, com relativa facilidade, em meses (em situações mais excecionais, em dias); a dívida pública, para suceder o mesmo, precisaria de muitos anos (ou décadas). Tirando os exageros, pretende-se chamar a atenção de que, em termos comparativos, enquanto a dívida pública varia lentamente, os respetivos juros variam rapidamente. O elemento ágil, o elemento dinâmico no curto prazo, são os juros.
Estruturalmente, no longo prazo, a dívida é impagável, insustentável. Mas conjunturalmente, no curto e médio prazo, a dívida pode indo ser cumprida, suportável. No curto prazo, os juros da dívida são decisivos. O enorme peso da dívida, a sua trajetória, a sua dinâmica, criaram um lastro que torna insustentável o pagamento e condiciona gravosamente, permanentemente, estruturalmente, a intervenção pública e a vida económica nacional. Mas, sobre esse pano de fundo, em cada conjuntura, o elemento que pode despoletar os problemas de liquidez, a insolvência, a bancarrota, ou o incumprimento, a reestruturação, as negociações, os empréstimos externos sob condicionalidade, a intervenção estrangeira, são os juros.
Para uma mesma dívida pública, que à escala da variação dos juros varia tão lentamente que pode ser tomada como constante, uma taxa de juro do dobro ou metade daria o dobro ou metade de juros a pagar. Está-se a simplificar, porque as dívidas têm maturidades, taxas de juro e condições de pagamento muito diversas, mas novamente para chamar a atenção de que se estruturalmente o fator determinante é o tremendo peso da dívida, conjunturalmente, e é sempre dentro de uma conjuntura que nos movemos e atuamos, dada essa situação estrutural, o fator decisivo são os juros.
É por isso que, sempre que o nível dos juros da dívida pública de longo prazo baixa, como tem sucedido, nos mercados, a clique governamental respira de alívio, enche-se de jactância, levanta a grimpa e fala de alto sobre o abandono da troika. O contrário quando sobem. Tudo isso os ultrapassa, em nada ou quase nada depende deles, mas tiveram a sorte de às dificuldades estruturais do capitalismo europeu e mundial e à intervenção desesperada dos grandes poderes monetários internacionais para lhes dar resposta se ter associado um arremedo de retoma interesseiramente traduzida em expetativas largamente ilusórias pelos grandes poderes mediáticos. Resultado: as taxas de juros da dívida aterram, pelo menos não levantam voo. A conjuntura é esta e é com esta que provavelmente vamos viver nos próximos tempos, o que não deixará de ter reflexos e deverá ser levado em conta na intervenção eleitoral das próximas europeias, por parte das forças políticas e sociais que querem romper com esta Europa dos monopólios e do capital acumulado à custa da fome e do empobrecimento dos povos.
Fechado o parêntesis, retomemos.
Um bom indício da importância que têm as políticas dos bancos centrais na oferta de liquidez internacional é a sensibilidade das taxas de juro às expetativas quanto às alterações dessas políticas, como por exemplo da eventual diminuição progressiva (do tapering ) da flexibilização quantitativa (do quantitative easing ), a política monetária inconvencional seguida atualmente pela reserva federal estadunidense.
Mas em que medida é que se pode falar de aumento de liquidez, de criação monetária, de políticas expansionistas, sobretudo quando a política europeia, entenda-se da zona euro (excluindo, desde logo e muito significativamente, a Inglaterra), nem sempre parece afinar por esse diapasão?
Como se pode constatar na figura 2 , a base monetária monetária mundial (isto é, da oferta de dinheiro no sentido mais restrito, de notas e moedas em circulação ou nos cofres-fortes dos bancos mais as reservas depositadas nos bancos centrais) tem crescido ao longo das últimas duas décadas. A grande queda na zona euro, ao longo de 2013 (mas que apenas anulou a grande subida, acima da tendência, que a precedeu, em contraste com o incremento no Reino Unido), não altera esta realidade global . A este propósito convém assinalar que os mercados financeiros, para os chamados investidores institucionais (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos de risco, fundos e sociedades de investimento), funciona globalmente, como aliás pode ser modestamente apreciado pela participação dos investidores externos à zona euro na recente emissão de dívida pública portuguesa. Convém não meter estes investidores todos no mesmo saco, porque, ainda que na busca de maiores rentabilidades, alguns pretendem manter os títulos em carteira enquanto outros já os adquirem a pensar no momento em que se desfarão deles; é, por exemplo, significativamente diferente a atitude de um fundo de pensões que procura diversificar e valorizar uma carteira estável de investimentos ou a atitude extremista de um hedge fund teleguiado cegamente por um sofisticado algoritmo matemático ao sabor das cotações instantâneas do mercado. Estas distinções não interessam agora. Aqui o que importa realçar é que – nomeadamente no caso europeu – os mercados financeiros especulativos funcionam globalmente e a evolução da base e da oferta monetárias mundiais sobredeterminam frequentemente os efeitos das evoluções das congéneres regionais.
Mas a questão, quanto às políticas monetárias, vai mais fundo. As taxas de juro de referência dos bancos centrais dos grandes pólos do capitalismo, da tríade capitalista, como pode observar-se na figura 3 , baixaram depois da irrupção da crise e mantêm-se em mínimos históricos, praticamente nulas (e mesmo negativas em termos reais). As taxas de juro diretoras do BCE não constituem, a este título, nenhuma exceção.
Outros aspetos das políticas monetárias contribuem para agigantar a massa e a oferta monetária mundiais, o persistente aumento de liquidez, o avolumar de capitais que se disponibiliza e se vira para os investimentos financeiros. A descida das taxas de juro, convém recordá-lo, traindo a intenção de ajudar o investimento produtivo e criador, ou ao menos preservador, de emprego, facilita, pelo contrário, os empréstimos para aplicações financeiras e lubrifica espantosamente, tal como antes, os canais especulativos, corroídos entretanto pela crise.
Como conclusão, reiteramos a necessidade de não desacompanhar a certeira explicação da estagnação europeia e mundial (a crise de sobreacumulação) do crescimento da liquidez, do incremento da criação e oferta monetárias, à escala mundial, canalizada espontaneamente em larga medida para as aplicações financeiras especulativas, incluindo nas suas margens aquelas mais arriscadas, em vez do necessário investimento produtivo, paralisado pela falta de rentabilidade e de procura solvente.
Nota:
Importa realçar que este expressivo declínio se iniciou quase seis meses antes do presidente do banco central europeu, Mario Draghi, ter declarado em Londres, no final de julho de 2012, que a sua instituição faria tudo o que fosse necessário para preservar o euro. E mais ainda antes do anúncio, em setembro do mesmo ano, do enquadramento do programa do BCE de compra ilimitada, sob estrita condicionalidade, de dívida pública dos países do euro nos mercados secundários ( OMT, da sigla inglesa), nunca efetivado.
Na verdade, com outras durações e outros ritmos, o mesmo se passou com os títulos de dívida pública de longo prazo de outros países do euro em dificuldades, como a Grécia, a Irlanda e mesmo, apesar de com bastante menos antecedência, a Espanha. Mas é preciso ir mais longe: a descida das taxas de juro, novamente a traços largos, era já um fenómeno largamente generalizado, na Europa e no mundo. Tal deveria dar que pensar àqueles que sobrevalorizam a influência, contudo nada negligenciável, das declarações e dos anúncios do presidente do banco central europeu. Já para não falar da incrível patetice de atribuir méritos ao governo português.
A explicação mais aprofundada do declínio das taxas de juro das obrigações nos mercados secundários da dívida soberana, com destaque evidentemente para as gregas, tem essencialmente dois lados e, embora de desigual importância, a explicação fica incompleta sem mencionar ambos. É da conjugação dos dois que se produz o fenómeno. E quando nos referimos ao fenómeno, referimo-lo do ponto de vista estrutural, não das conjunturas diárias, sensíveis às contingências dos percalços de saúde do Obama ou da Merkel ou dos humores do Draghi ou da Yellen (até há pouco, do Bernanke) nas conferências de imprensa do BCE ou da Reserva Federal.
Estruturalmente, o fator mais importante é a crise de sobreacumulação do capital, verdadeiro pano de fundo sem o qual não é possível compreender grande coisa do tempo que vivemos, originada pelo declínio, irregular mas tendencial, da taxa geral de lucro. Claro que é possível referir-se às suas grandes implicações sem entrar em discussões mais aprofundadas quanto às causas, nem sempre possível ou oportuna. Basta então salientar a insuficiência de crescimento, a estagnação, a recessão ou mesmo a depressão. Este é o primeiro aspeto, que dá o cenário de fundo, que tendem a esquecer, a desvalorizar, a menosprezar ou a ocultar a generalidade dos economistas e dos comentadores da ideologia e do mediatismo dominantes.
O outro fator, também determinante de um ponto de vista estrutural, e conjunturalmente mesmo decisivo, é a enorme massa de liquidez atual, que busca naturalmente aplicações mais rentáveis. É aqui que a "caixa-de-ferramentas" dos bancos centrais, e não apenas do BCE, não é, de maneira nenhuma, desprezável, nomeadamente com as políticas expansionistas que incrementam substancialmente a criação e a oferta monetárias. Este segundo aspeto, da gigantesca criação e da massa de dinheiro presentes na economia mundial, atuando no pano de fundo da depressão económica (ou da estagnação económica europeia e da insuficiência de crescimento mundial), torna-se decisivo para que mais capitais se arrisquem na compra de ativos financeiros menos seguros. Há sempre uma grande dispersão na predisposição para o risco nos investimentos, mas como o volume de capitais circulando fora ou simplesmente afastados do investimento produtivo tem aumentado substancialmente, para o que contribuem deveras as tais políticas expansionistas dos bancos centrais (numa tentativa, mais ou menos aberta e mais ou menos infrutífera, de sustentar a economia e o emprego), aumenta também a quantidade dos que são investidos em ativos bastante mais arriscados, ainda que eventualmente mais lucrativos.
Resumindo, antes de precisar melhor. É necessário referir os dois lados. A estagnação ou depressão económica (causada pelo declínio tendencial da taxa de lucro e a crise de sobreacumulação de capital) e a elevada e crescente massa de liquidez vigente na economia mundial. Porque é da combinação dos dois que estruturalmente resulta o aumento da procura de ativos financeiros – uma "inflação financeira" que pode transformar-se em bolha especulativa –, com o consequente aumento do preço desse ativos. O que se traduz, no caso do mercado secundário dos títulos de dívida pública, numa diminuição das taxas de juro implícitas: o mesmo rendimento para um ativo mais caro. É o que temos assistido nos mercados.
Claro que, sobre isto, atuam os inúmeros fatores conjunturais, nomeadamente da política nacional, e, muito especialmente, a influência dos sentimentos, das perceções públicas e das expetativas veiculadas pela comunicação social. A combinação peculiar mas singularmente favorável de uma estagnação de fundo inundada de liquidez com a expetativa de uma ligeira retoma (que melhor seria apresentada como uma pausa, possivelmente prolongada, na recessão) contribui poderosamente para uma diminuição da perceção do risco de aquisição dos títulos de dívida pública dos estados mais problemáticos da periferia europeia – insolventes, porque não se deteve a dinâmica de insolvência, que obrigará necessariamente a uma reestruturação da dívida –, como a Grécia ou Portugal. Mas livrem-nos a nós de andar a seguir ao dia as cotações das obrigações do tesouro; essa ansiedade que fique para Passos Coelho, Portas e Cia.
Não vale a pena perder tempo com o nervosismo diário das curvas dos mercados e seria aventureirismo fazer aqui previsões, num sistema que para além do mais é intrinsicamente turbulento, mas é claro que, talvez com vários acidentes e significativas variações de ritmo, o prosseguimento da queda das taxas de juros é, nestas condições, uma possibilidade que não pode ser minimamente descartada. Incógnita ainda maior é o inevitável limite dessa descida.
Um parêntesis para destacar uma implicação fundamental.
A dívida pública portuguesa anda próxima dos 130% do PIB (129,0% no final de 2013), as taxas de juro das obrigações a dez anos próxima dos 5% (4,85%, no fecho de 25 de fevereiro). No começo de 2012, a dívida pública estava a 108,3% e as taxas de juro das OT a 10 anos a 13,54%. Ou seja, no espaço de pouco mais de dois anos, a dívida pública variou (aumentou) cerca de um quinto, mas as taxas de juro variaram (diminuíram) perto de dois terços. A taxa de juro das obrigações do tesouro pode diminuir para metade ou aumentar para o dobro, com relativa facilidade, em meses (em situações mais excecionais, em dias); a dívida pública, para suceder o mesmo, precisaria de muitos anos (ou décadas). Tirando os exageros, pretende-se chamar a atenção de que, em termos comparativos, enquanto a dívida pública varia lentamente, os respetivos juros variam rapidamente. O elemento ágil, o elemento dinâmico no curto prazo, são os juros.
Estruturalmente, no longo prazo, a dívida é impagável, insustentável. Mas conjunturalmente, no curto e médio prazo, a dívida pode indo ser cumprida, suportável. No curto prazo, os juros da dívida são decisivos. O enorme peso da dívida, a sua trajetória, a sua dinâmica, criaram um lastro que torna insustentável o pagamento e condiciona gravosamente, permanentemente, estruturalmente, a intervenção pública e a vida económica nacional. Mas, sobre esse pano de fundo, em cada conjuntura, o elemento que pode despoletar os problemas de liquidez, a insolvência, a bancarrota, ou o incumprimento, a reestruturação, as negociações, os empréstimos externos sob condicionalidade, a intervenção estrangeira, são os juros.
Para uma mesma dívida pública, que à escala da variação dos juros varia tão lentamente que pode ser tomada como constante, uma taxa de juro do dobro ou metade daria o dobro ou metade de juros a pagar. Está-se a simplificar, porque as dívidas têm maturidades, taxas de juro e condições de pagamento muito diversas, mas novamente para chamar a atenção de que se estruturalmente o fator determinante é o tremendo peso da dívida, conjunturalmente, e é sempre dentro de uma conjuntura que nos movemos e atuamos, dada essa situação estrutural, o fator decisivo são os juros.
É por isso que, sempre que o nível dos juros da dívida pública de longo prazo baixa, como tem sucedido, nos mercados, a clique governamental respira de alívio, enche-se de jactância, levanta a grimpa e fala de alto sobre o abandono da troika. O contrário quando sobem. Tudo isso os ultrapassa, em nada ou quase nada depende deles, mas tiveram a sorte de às dificuldades estruturais do capitalismo europeu e mundial e à intervenção desesperada dos grandes poderes monetários internacionais para lhes dar resposta se ter associado um arremedo de retoma interesseiramente traduzida em expetativas largamente ilusórias pelos grandes poderes mediáticos. Resultado: as taxas de juros da dívida aterram, pelo menos não levantam voo. A conjuntura é esta e é com esta que provavelmente vamos viver nos próximos tempos, o que não deixará de ter reflexos e deverá ser levado em conta na intervenção eleitoral das próximas europeias, por parte das forças políticas e sociais que querem romper com esta Europa dos monopólios e do capital acumulado à custa da fome e do empobrecimento dos povos.
Fechado o parêntesis, retomemos.
Um bom indício da importância que têm as políticas dos bancos centrais na oferta de liquidez internacional é a sensibilidade das taxas de juro às expetativas quanto às alterações dessas políticas, como por exemplo da eventual diminuição progressiva (do tapering ) da flexibilização quantitativa (do quantitative easing ), a política monetária inconvencional seguida atualmente pela reserva federal estadunidense.
Mas em que medida é que se pode falar de aumento de liquidez, de criação monetária, de políticas expansionistas, sobretudo quando a política europeia, entenda-se da zona euro (excluindo, desde logo e muito significativamente, a Inglaterra), nem sempre parece afinar por esse diapasão?
Como se pode constatar na figura 2 , a base monetária monetária mundial (isto é, da oferta de dinheiro no sentido mais restrito, de notas e moedas em circulação ou nos cofres-fortes dos bancos mais as reservas depositadas nos bancos centrais) tem crescido ao longo das últimas duas décadas. A grande queda na zona euro, ao longo de 2013 (mas que apenas anulou a grande subida, acima da tendência, que a precedeu, em contraste com o incremento no Reino Unido), não altera esta realidade global . A este propósito convém assinalar que os mercados financeiros, para os chamados investidores institucionais (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos de risco, fundos e sociedades de investimento), funciona globalmente, como aliás pode ser modestamente apreciado pela participação dos investidores externos à zona euro na recente emissão de dívida pública portuguesa. Convém não meter estes investidores todos no mesmo saco, porque, ainda que na busca de maiores rentabilidades, alguns pretendem manter os títulos em carteira enquanto outros já os adquirem a pensar no momento em que se desfarão deles; é, por exemplo, significativamente diferente a atitude de um fundo de pensões que procura diversificar e valorizar uma carteira estável de investimentos ou a atitude extremista de um hedge fund teleguiado cegamente por um sofisticado algoritmo matemático ao sabor das cotações instantâneas do mercado. Estas distinções não interessam agora. Aqui o que importa realçar é que – nomeadamente no caso europeu – os mercados financeiros especulativos funcionam globalmente e a evolução da base e da oferta monetárias mundiais sobredeterminam frequentemente os efeitos das evoluções das congéneres regionais.
Mas a questão, quanto às políticas monetárias, vai mais fundo. As taxas de juro de referência dos bancos centrais dos grandes pólos do capitalismo, da tríade capitalista, como pode observar-se na figura 3 , baixaram depois da irrupção da crise e mantêm-se em mínimos históricos, praticamente nulas (e mesmo negativas em termos reais). As taxas de juro diretoras do BCE não constituem, a este título, nenhuma exceção.
Outros aspetos das políticas monetárias contribuem para agigantar a massa e a oferta monetária mundiais, o persistente aumento de liquidez, o avolumar de capitais que se disponibiliza e se vira para os investimentos financeiros. A descida das taxas de juro, convém recordá-lo, traindo a intenção de ajudar o investimento produtivo e criador, ou ao menos preservador, de emprego, facilita, pelo contrário, os empréstimos para aplicações financeiras e lubrifica espantosamente, tal como antes, os canais especulativos, corroídos entretanto pela crise.
Como conclusão, reiteramos a necessidade de não desacompanhar a certeira explicação da estagnação europeia e mundial (a crise de sobreacumulação) do crescimento da liquidez, do incremento da criação e oferta monetárias, à escala mundial, canalizada espontaneamente em larga medida para as aplicações financeiras especulativas, incluindo nas suas margens aquelas mais arriscadas, em vez do necessário investimento produtivo, paralisado pela falta de rentabilidade e de procura solvente.
[1] Escrito em finais de Janeiro e informalmente divulgado, mas com os dados atualizados.
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