Vadim Sagatchko, presidente da União dos Veteranos de Angola, descreve
assim a preparação dessa operação: «Os acontecimentos em Cuito-Cuanavale começaram
em Julho de 1987 com uma operação das Forças Armadas angolanas contra destacamentos
armados da oposição na província de Cuito-Cuanavale, cuidadosamente preparada com a
ajuda de conselheiros militares soviéticos. A operação chamava-se "Ao Encontro de
Outubro". O seu objectivo era derrotar os destacamentos militares da oposição no
sudeste do país, a destruição das vias de fornecimento da oposição a partir da
Namíbia para o centro do país, conquistar a base avançada da UNITA em Ma vinga e Jamba,
situada na fronteira com a Namíbia, onde se pensava situar-se o centro de comando de
Savimbi.» Sagatchko sublinha que «as tropas cubanas, que se encontravam em Angola a
pedido do seu Governo para defender o país da agressão externa, não participavam nas
operações.» No entanto, os planos angolano-soviéticos não atingiram os resultados
ambicionados.
Igor Jdarkin, tradutor militar, foi um dos soviéticos que participaram
na defesa de Cuito-Cuanavale, praça forte das tropas angolanas no sul do país, e nos
deixou um relato vivo e impressionante desses acontecimentos: «10 de Outubro de 1987. Haja
seis meses que me encontro na 6a região e há dez dias em Cuito-Cuanavale. É
a nossa base de apoio, mas a situação na cidade está longe de ser pacífica. No dia 20
de Agosto, um grupo de operações especiais do exército sul-africano fez explodir a
ponte através do rio Cuito. Frequentemente, os homens da UNITA chegam tão perto que
atacam a cidade e o aeródromo de lança-granadas. No dia 1 de Outubro, voltaram a
Cuito-Cuanavale de uma operação os nossos conselheiros da 21a e 25a brigada
das FAPLA. Sofreram baixas. Durante os combates no rio Lomba, o tradutor da 21a
brigada, Oleg Snitko, foi atingido numa perna e perdeu um braço. Faleceu um dia e meio
depois. Mais quatro foram feridos.»
No dia 11 de Outubro, o tradutor soviético escrevia: «O dia de hoje
foi rico em acontecimentos. Às 6.00 horas da manhã, a coluna estava pronta para a
marcha, estivemos meia hora à espera de notícias dos batedores. Mas, às 6.30, a UNITA
começou a atacar com lança-morteiros. Disparavam fundamentalmente minas incendiárias,
tentando queimar veículos. Durante o dia, aviões da Força Aérea da África do Sul
apareceram duas vezes. Às 11.10 e, depois, às 14.30. O nosso complexo de defesa
anti-aérea "Osa-AK" acompanhou-os. Os meios da Defesa Anti-Aérea da 21a
brigada abateram dois aviões. Continuar assim!»
Igor Jardkin descreve o espírito reinante entre os militares do MPLA
durante os combates no rio Lomba: «A 47a brigada foi instalada ao longo da
margem do Lomba. Os sul-africanos e as unidades da UNITA atacaram inesperadamente,
lançando três ataques, um atrás de outro. Os soldados das FAPLA não aguentaram e
fugiram em pânico. Havia muitas razões para isso: as munições tinham acabado, não
havia um comando preciso, a cobardia dos oficiais e o medo dos soldados perante os
militares sul-africanos, principalmente perante a sua artilharia de longo alcance. Mas o
factor decisivo, segundo os nossos conselheiros, foi a existência de uma passagem
através do rio. Todas sabiam da sua existência. Se ela não existisse, os soldados não
teriam fugido, porque não havia por onde fugir.»33
«Aqui - continua Jardkin -, na região militar, nas brigadas de
combate, entre os especialistas, muitos tinham passado pelo Afeganistão. Eis a sua
opinião: "Nós não vimos no Afeganistão horrores como aqui". Um deles disse
isto: "Quando a artilharia sul-africana abriu fogo, eu pensei que isso seria o mais
horrível. Mas, depois, atacou a aviação e nós ficámos simplesmente sem lugar em
terra. Mas o pior começou quando os angolanos fugiram, começaram a abandonar as armas e
meios técnicos..." Durante a travessia do rio Lomba, a 47a brigada
abandonou 18 tanques, 20 carros blindados, 4 canhões D-30, 3 BM-21 (sistemas reactivos de
lança-morteiros), quatro camiões com o complexo Osa-AK, dois com o complexo TZM Osa-AK,
um radar P-19, camiões de carga, estações de rádio, lança-minas, lança-granadas,
cerca de duzentas armas ligeiras...»
Quase um mês depois, a 12 de Novembro de 1987, a situação continuava
a ser crítica. Jadkin escreveu então: «Ocorre algo incompreensível: as tropas
angolanas estão praticamente desmoralizadas, as brigadas têm apenas 45% dos soldados
necessários, a 10-15 munições do inimigo podem responder com uma, e nem sempre, o nosso
serviço de reconhecimento trabalha mal e o adversário sabe tudo sobre nós. Os angolanos
têm medo dos sul-africanos como do fogo e, se ouvem que o "Bufallo" ataca,
entram em pânico, abandonam tudo e fogem... A artilharia e aviação sul-africanas agem
impunemente a qualquer hora, a nossa aviação tem medo de voar aqui e, se aparece, voa a
muita altura. Não obstante tudo isto, da região militar continuam a chegar ordens:
organizar defesa, criar uma forte reserva (mas com quem?) para actuar no flanco e na
retaguarda do inimigo que avança, etc., etc.»
Historiadores e veteranos de guerra russos atribuem essas dificuldades
ao facto de Pretória ter intervindo ao lado da UNITA. Serguei Kolomnin escreve a
propósito: «Tentando evitar a derrota total do seu aliado na região, Pretória enviou
urgentemente, por terra e por ar, para as regiões dos rios Cuito, Cuanavale e Lomba, um
forte contingente das suas tropas (tanques pesados "Oliphaunt", carros blindados
"Ratei", "Oland", "Casspir") e uma potente artilharia (obus
de 155mm G-5, sistema de foguetes "Valquíria"). Depois da ingerência da
África do Sul, a correlação de forças deixou de estar a favor das Forças Armadas
angolanas. Os sul-africanos e membros da UNITA passaram ao contra-ataque e tentaram tomar
a base de apoio das tropas governamentais: Cuito-Cuanavale...»
«Numa situação catastrófica, o Governo angolano pediu ajuda ao
contingente de tropas cubano. A mais alta direcção política e militar cubana de Cuba
decidiu prestar ajuda imediata a Angola, enviar as forças indispensáveis e desferir o
golpe final nas tropas sul-africanas», escreve Vadim Sagatchko, presidente da União de
Veteranos de Angola. «Em Novembro de 1987, quando as divisões sul-africanas chegaram aos
arredores da cidade, Fidel Castro decidiu reforçar urgentemente as tropas cubanas em
Angola. De Cuba foram transferidas unidades da 50a Divisão das Forças Armadas
Revolucionárias, equipadas com tanques soviéticos T-62. A África chegaram experientes
pilotos cubanos dos aviões Mig-23 e da URSS para os exércitos angolano e cubano foram
enviados novos lotes de armas, peças e munições. A 16 de Novembro de 1987, com a ajuda
dos cubanos, foi travado o avanço das tropas sul-africanas e da UNITA a apenas 10-15
quilómetros de Cuito-Cuanavale.»
«Entretanto, Havana preparava o ataque...Unidades blindadas das
Forças Armadas Revolucionárias, utilizando tanques soviéticos T-54 e T-62, realizaram
um avanço brusco, ladeando as unidades sul-africanas nos arredores de Cuito-Cuanavale, e
chegaram à fronteira. A 27 de Maio, os "Mig" cubanos desferiram o primeiro
ataque contra as posições sul-africanas perto de Calueke, ali quilómetros da fronteira
entre Angola e Namíbia. Várias horas após esse ataque, os sul-africanos foram obrigados
a explodir a ponte no rio fronteiriço Cunene, receando mortalmente que os tanques cubanos
entrassem através dela no território namibiano.»
Vadim Sagatchko considera que «a Batalha de Cuito-Cuanavale
(1987-1988) foi o maior confronto entre as tropas cubanas e russas, por um lado, e os
destacamentos sul-africanos e da UNITA, por outro, durante todo o conflito angolano... Da
dimensão dos combates é testemunha o facto de as forças aéreas angolanas e cubanas,
entre Agosto de 1987 e Maio de 1988, terem realizado cerca de 3000 voos de combate a
partir dos aeródromos de Cuito-Cuanavale e Menongue. Mais de 1100 foram feitos para
desferir ataques, com bombas e mísseis, contra tropas terrestres.»
O veterano da guerra de Angola reconhece: «Embora o Governo da URSS
declarasse que as tropas soviéticas não participavam nos combates em Angola, esta
operação foi "recordista" no que respeita à quantidade de conselheiros,
especialistas e tradutores militares soviéticos que nela participaram. Ao longo de toda a
frente, ao longo de toda a linha de contacto com o inimigo, nas brigadas angolanas, nos
pontos de comando da frente, das regiões e zonas militares encontravam-se conselheiros,
especialistas e tradutores soviéticos. Não obstante os combates, os bombardeamentos da
artilharia e da aviação, eles continuavam a cumprir o seu dever. E cumpriram o seu dever
internacionalista com honra.»
Historiadores e veteranos de guerra russos consideram que esta batalha
constituiu o ponto de viragem na guerra, conduzindo ao início de conversações de paz
entre os participantes do conflito. «Estas acções decisivas obrigaram Pretória a
aceitar conversações, durante as quais, a 22 de Dezembro de 1988, foi assinado um acordo
em Nova Iorque sobre a retirada total das tropas da África do Sul de Angola e a
concessão da independência à Namíbia. As unidades cubanas, pelo seu lado, tiveram de
abandonar Angola.» Mas antes de virar a página, não podemos deixar de recordar alguns
episódios da guerra submarina entre a África do Sul e a União Soviética nas águas de
Angola.
Na noite de 29 para 30 de Julho de 1984, minas magnéticas, que os
soviéticos dizem ter sido instaladas por mergulhadores sul-africanos, atingiram dois
navios de carga no porto de Luanda: «Lundoje» (Angola) e «Areens» (República
Democrática Alemã). Este último transportava cerca de 10 mil toneladas de munições,
que só por acaso não explodiram. Na noite de 5 para 6 de Junho de 1986, no porto de
Namibe (Moçamedes), minas submarinas atingiram três navios de transporte: os soviéticos
«Capitão Vislobokov» e «Capitão Tchirkov» e o cubano «Habana». Os dois primeiros
transportavam dez mil toneladas de munições e o terceiro mantimentos e material bélico.
O transporte de tão grande quantidade de munições e material bélico
para o porto de Namibe deveu-se ao facto de as FAPLA, com apoio de militares cubanos e
soviéticos, estarem a preparar mais uma forte ofensiva contra as tropas da UNITA e da
África do Sul. «O resultado da operação de diversão, genialmente organizada por
desconhecidos, fez abortar a ofensiva angolana... A análise desta acção por
especialistas soviéticos levou à conclusão de que ela foi cuidadosa e minuciosamente
preparada pelo adversário. Tornou-se evidente que a espionagem acompanhou o movimento dos
navios de transporte. A propósito, mesmo depois de a carga ter sido retirada dos navios
para um comboio e ter sido enviada para o interior de Angola, ela foi destruída durante o
transporte.»
A agência de informação soviética TASS, citando fontes angolanas,
anunciou que se tinha tratado de mais uma acção das tropas especiais sul-africanas, o
que foi prontamente desmentido pelas autoridades de Pretória. Como duas das minas que
foram instaladas nos navios soviéticos não explodiram, Moscovo mandou retirá-las para
determinar a sua origem. O capitão lúri Pliatchenko, que fazia parte de uma unidade de
combate a ataques submarinos na Armada Soviética do Mar Negro, foi encarregado de cumprir
essa missão.«O Estado Maior deu-nos quatro horas para a preparação. Reuni os meus
marinheiros e perguntei: há voluntários? Todos deram um passo em frente. Escolhi dois
que tinham recentemente regressado de cumprir serviço militar na Etiópia, já estavam
aclimatizados e tinham visto tubarões não só em quadros. Incluí no grupo mais dois
aspirantes e um oficial. Quatro horas depois, já voávamos para Moscovo», recorda o
capitão soviético.
«Na capital - continua Pliatchenko -, também não demorámos muito
tempo... A pressa era terrível. Os médicos não nos deixavam partir sem vacinas, por
isso ouvi como Nikolai Ivanovitch Rijkov (primeiro-ministro soviético) telefonou para o
Quartel General da Marinha: "De que estão à espera? Eu já combinei com 17 Estados
o voo extraordinário de um avião e vocês não conseguem convencer uma médica". Em
dois automóveis, passando por sinais vermelhos, fomos onde era necessário e "fomos
vacinados". E daí para o aeroporto.»
«Chegamos ao local 20 horas depois. Mergulhámos de manhã cedo. A
disposição era asquerosa. Tínhamos chegado sem armas. E se um inimigo desconhecido
decidisse voltar a visitar-nos? Como se irão comportar as minas? Bates as barbatanas com
pouco cuidado e... E os tubarões nas costas de Angola são enormes. Mas tudo correu bem.
Analisei as minas que não explodiram e ordenei aos meus rapazes que juntassem na areia
todos os estilhaços das minas que explodiram. Eles removeram o fundo durante vários dias
e eu armazenava os ferrinhos na praia. Descobri coisas interessantes. Esse tipo de mina
ainda não tinha sido utilizada no mundo», recorda.
Além disso, os especialistas soviéticos ficaram agradavelmente
surpreendidos por duas minas não terem explodido. O capitão Pliatchenko escreve:
«Determinámos que as minas tinham sido colocadas de forma a não poderem ser retiradas.
Compreendemos por que é que duas delas não explodiram: os mergulhadores
"adversários" não tiveram em conta o Inverno angolano. O óleo engrossou e os
detonadores do explosivo não funcionaram.»
O capitão soviético neutralizou uma das minas com uma
«contra-explosão», mas a outra deveria ser retirada inteira a qualquer custo: «Não
tínhamos opções. Era a única oportunidade de êxito, mas muito fraca. Voltámos a
calcular tudo e a arriscar. Atámos à mina uma cordinha de nylon e puxámos.
Tivemos sorte, porque a mina não explodiu. Puxaram-na para uma praia deserta. Aí
desmontei-a até ao último parafuso...»
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