sábado, 7 de dezembro de 2013

Angola/ Batalha de Cuito-Cuanavale


Vadim Sagatchko, presidente da União dos Veteranos de Angola, descreve assim a preparação dessa operação: «Os acontecimentos em Cuito-Cuanavale começaram em Julho de 1987 com uma operação das Forças Armadas angolanas contra destacamentos armados da oposição na província de Cuito-Cuanavale, cuidadosamente preparada com a ajuda de conselheiros militares soviéticos. A operação chamava-se "Ao Encontro de Outubro". O seu objectivo era derrotar os destacamentos militares da oposição no sudeste do país, a destruição das vias de fornecimento da oposição a partir da Namíbia para o centro do país, conquistar a base avançada da UNITA em Ma vinga e Jamba, situada na fronteira com a Namíbia, onde se pensava situar-se o centro de comando de Savimbi.» Sagatchko sublinha que «as tropas cubanas, que se encontravam em Angola a pedido do seu Governo para defender o país da agressão externa, não participavam nas operações.» No entanto, os planos angolano-soviéticos não atingiram os resultados ambicionados.
Igor Jdarkin, tradutor militar, foi um dos soviéticos que participaram na defesa de Cuito-Cuanavale, praça forte das tropas angolanas no sul do país, e nos deixou um relato vivo e impressionante desses acontecimentos: «10 de Outubro de 1987. Haja seis meses que me encontro na 6a região e há dez dias em Cuito-Cuanavale. É a nossa base de apoio, mas a situação na cidade está longe de ser pacífica. No dia 20 de Agosto, um grupo de operações especiais do exército sul-africano fez explodir a ponte através do rio Cuito. Frequentemente, os homens da UNITA chegam tão perto que atacam a cidade e o aeródromo de lança-granadas. No dia 1 de Outubro, voltaram a Cuito-Cuanavale de uma operação os nossos conselheiros da 21a e 25a brigada das FAPLA. Sofreram baixas. Durante os combates no rio Lomba, o tradutor da 21a brigada, Oleg Snitko, foi atingido numa perna e perdeu um braço. Faleceu um dia e meio depois. Mais quatro foram feridos.»
No dia 11 de Outubro, o tradutor soviético escrevia: «O dia de hoje foi rico em acontecimentos. Às 6.00 horas da manhã, a coluna estava pronta para a marcha, estivemos meia hora à espera de notícias dos batedores. Mas, às 6.30, a UNITA começou a atacar com lança-morteiros. Disparavam fundamentalmente minas incendiárias, tentando queimar veículos. Durante o dia, aviões da Força Aérea da África do Sul apareceram duas vezes. Às 11.10 e, depois, às 14.30. O nosso complexo de defesa anti-aérea "Osa-AK" acompanhou-os. Os meios da Defesa Anti-Aérea da 21a brigada abateram dois aviões. Continuar assim!»

Igor Jardkin descreve o espírito reinante entre os militares do MPLA durante os combates no rio Lomba: «A 47a brigada foi instalada ao longo da margem do Lomba. Os sul-africanos e as unidades da UNITA atacaram inesperadamente, lançando três ataques, um atrás de outro. Os soldados das FAPLA não aguentaram e fugiram em pânico. Havia muitas razões para isso: as munições tinham acabado, não havia um comando preciso, a cobardia dos oficiais e o medo dos soldados perante os militares sul-africanos, principalmente perante a sua artilharia de longo alcance. Mas o factor decisivo, segundo os nossos conselheiros, foi a existência de uma passagem através do rio. Todas sabiam da sua existência. Se ela não existisse, os soldados não teriam fugido, porque não havia por onde fugir.»33

«Aqui - continua Jardkin -, na região militar, nas brigadas de combate, entre os especialistas, muitos tinham passado pelo Afeganistão. Eis a sua opinião: "Nós não vimos no Afeganistão horrores como aqui". Um deles disse isto: "Quando a artilharia sul-africana abriu fogo, eu pensei que isso seria o mais horrível. Mas, depois, atacou a aviação e nós ficámos simplesmente sem lugar em terra. Mas o pior começou quando os angolanos fugiram, começaram a abandonar as armas e meios técnicos..." Durante a travessia do rio Lomba, a 47a brigada abandonou 18 tanques, 20 carros blindados, 4 canhões D-30, 3 BM-21 (sistemas reactivos de lança-morteiros), quatro camiões com o complexo Osa-AK, dois com o complexo TZM Osa-AK, um radar P-19, camiões de carga, estações de rádio, lança-minas, lança-granadas, cerca de duzentas armas ligeiras...»
Quase um mês depois, a 12 de Novembro de 1987, a situação continuava a ser crítica. Jadkin escreveu então: «Ocorre algo incompreensível: as tropas angolanas estão praticamente desmoralizadas, as brigadas têm apenas 45% dos soldados necessários, a 10-15 munições do inimigo podem responder com uma, e nem sempre, o nosso serviço de reconhecimento trabalha mal e o adversário sabe tudo sobre nós. Os angolanos têm medo dos sul-africanos como do fogo e, se ouvem que o "Bufallo" ataca, entram em pânico, abandonam tudo e fogem... A artilharia e aviação sul-africanas agem impunemente a qualquer hora, a nossa aviação tem medo de voar aqui e, se aparece, voa a muita altura. Não obstante tudo isto, da região militar continuam a chegar ordens: organizar defesa, criar uma forte reserva (mas com quem?) para actuar no flanco e na retaguarda do inimigo que avança, etc., etc.»
Historiadores e veteranos de guerra russos atribuem essas dificuldades ao facto de Pretória ter intervindo ao lado da UNITA. Serguei Kolomnin escreve a propósito: «Tentando evitar a derrota total do seu aliado na região, Pretória enviou urgentemente, por terra e por ar, para as regiões dos rios Cuito, Cuanavale e Lomba, um forte contingente das suas tropas (tanques pesados "Oliphaunt", carros blindados "Ratei", "Oland", "Casspir") e uma potente artilharia (obus de 155mm G-5, sistema de foguetes "Valquíria"). Depois da ingerência da África do Sul, a correlação de forças deixou de estar a favor das Forças Armadas angolanas. Os sul-africanos e membros da UNITA passaram ao contra-ataque e tentaram tomar a base de apoio das tropas governamentais: Cuito-Cuanavale...»
«Numa situação catastrófica, o Governo angolano pediu ajuda ao contingente de tropas cubano. A mais alta direcção política e militar cubana de Cuba decidiu prestar ajuda imediata a Angola, enviar as forças indispensáveis e desferir o golpe final nas tropas sul-africanas», escreve Vadim Sagatchko, presidente da União de Veteranos de Angola. «Em Novembro de 1987, quando as divisões sul-africanas chegaram aos arredores da cidade, Fidel Castro decidiu reforçar urgentemente as tropas cubanas em Angola. De Cuba foram transferidas unidades da 50a Divisão das Forças Armadas Revolucionárias, equipadas com tanques soviéticos T-62. A África chegaram experientes pilotos cubanos dos aviões Mig-23 e da URSS para os exércitos angolano e cubano foram enviados novos lotes de armas, peças e munições. A 16 de Novembro de 1987, com a ajuda dos cubanos, foi travado o avanço das tropas sul-africanas e da UNITA a apenas 10-15 quilómetros de Cuito-Cuanavale.»

«Entretanto, Havana preparava o ataque...Unidades blindadas das Forças Armadas Revolucionárias, utilizando tanques soviéticos T-54 e T-62, realizaram um avanço brusco, ladeando as unidades sul-africanas nos arredores de Cuito-Cuanavale, e chegaram à fronteira. A 27 de Maio, os "Mig" cubanos desferiram o primeiro ataque contra as posições sul-africanas perto de Calueke, ali quilómetros da fronteira entre Angola e Namíbia. Várias horas após esse ataque, os sul-africanos foram obrigados a explodir a ponte no rio fronteiriço Cunene, receando mortalmente que os tanques cubanos entrassem através dela no território namibiano.»
Vadim Sagatchko considera que «a Batalha de Cuito-Cuanavale (1987-1988) foi o maior confronto entre as tropas cubanas e russas, por um lado, e os destacamentos sul-africanos e da UNITA, por outro, durante todo o conflito angolano... Da dimensão dos combates é testemunha o facto de as forças aéreas angolanas e cubanas, entre Agosto de 1987 e Maio de 1988, terem realizado cerca de 3000 voos de combate a partir dos aeródromos de Cuito-Cuanavale e Menongue. Mais de 1100 foram feitos para desferir ataques, com bombas e mísseis, contra tropas terrestres.»
O veterano da guerra de Angola reconhece: «Embora o Governo da URSS declarasse que as tropas soviéticas não participavam nos combates em Angola, esta operação foi "recordista" no que respeita à quantidade de conselheiros, especialistas e tradutores militares soviéticos que nela participaram. Ao longo de toda a frente, ao longo de toda a linha de contacto com o inimigo, nas brigadas angolanas, nos pontos de comando da frente, das regiões e zonas militares encontravam-se conselheiros, especialistas e tradutores soviéticos. Não obstante os combates, os bombardeamentos da artilharia e da aviação, eles continuavam a cumprir o seu dever. E cumpriram o seu dever internacionalista com honra.»

Historiadores e veteranos de guerra russos consideram que esta batalha constituiu o ponto de viragem na guerra, conduzindo ao início de conversações de paz entre os participantes do conflito. «Estas acções decisivas obrigaram Pretória a aceitar conversações, durante as quais, a 22 de Dezembro de 1988, foi assinado um acordo em Nova Iorque sobre a retirada total das tropas da África do Sul de Angola e a concessão da independência à Namíbia. As unidades cubanas, pelo seu lado, tiveram de abandonar Angola.» Mas antes de virar a página, não podemos deixar de recordar alguns episódios da guerra submarina entre a África do Sul e a União Soviética nas águas de Angola.

Na noite de 29 para 30 de Julho de 1984, minas magnéticas, que os soviéticos dizem ter sido instaladas por mergulhadores sul-africanos, atingiram dois navios de carga no porto de Luanda: «Lundoje» (Angola) e «Areens» (República Democrática Alemã). Este último transportava cerca de 10 mil toneladas de munições, que só por acaso não explodiram. Na noite de 5 para 6 de Junho de 1986, no porto de Namibe (Moçamedes), minas submarinas atingiram três navios de transporte: os soviéticos «Capitão Vislobokov» e «Capitão Tchirkov» e o cubano «Habana». Os dois primeiros transportavam dez mil toneladas de munições e o terceiro mantimentos e material bélico.
O transporte de tão grande quantidade de munições e material bélico para o porto de Namibe deveu-se ao facto de as FAPLA, com apoio de militares cubanos e soviéticos, estarem a preparar mais uma forte ofensiva contra as tropas da UNITA e da África do Sul. «O resultado da operação de diversão, genialmente organizada por desconhecidos, fez abortar a ofensiva angolana... A análise desta acção por especialistas soviéticos levou à conclusão de que ela foi cuidadosa e minuciosamente preparada pelo adversário. Tornou-se evidente que a espionagem acompanhou o movimento dos navios de transporte. A propósito, mesmo depois de a carga ter sido retirada dos navios para um comboio e ter sido enviada para o interior de Angola, ela foi destruída durante o transporte.»
A agência de informação soviética TASS, citando fontes angolanas, anunciou que se tinha tratado de mais uma acção das tropas especiais sul-africanas, o que foi prontamente desmentido pelas autoridades de Pretória. Como duas das minas que foram instaladas nos navios soviéticos não explodiram, Moscovo mandou retirá-las para determinar a sua origem. O capitão lúri Pliatchenko, que fazia parte de uma unidade de combate a ataques submarinos na Armada Soviética do Mar Negro, foi encarregado de cumprir essa missão.«O Estado Maior deu-nos quatro horas para a preparação. Reuni os meus marinheiros e perguntei: há voluntários? Todos deram um passo em frente. Escolhi dois que tinham recentemente regressado de cumprir serviço militar na Etiópia, já estavam aclimatizados e tinham visto tubarões não só em quadros. Incluí no grupo mais dois aspirantes e um oficial. Quatro horas depois, já voávamos para Moscovo», recorda o capitão soviético.
«Na capital - continua Pliatchenko -, também não demorámos muito tempo... A pressa era terrível. Os médicos não nos deixavam partir sem vacinas, por isso ouvi como Nikolai Ivanovitch Rijkov (primeiro-ministro soviético) telefonou para o Quartel General da Marinha: "De que estão à espera? Eu já combinei com 17 Estados o voo extraordinário de um avião e vocês não conseguem convencer uma médica". Em dois automóveis, passando por sinais vermelhos, fomos onde era necessário e "fomos vacinados". E daí para o aeroporto.»
«Chegamos ao local 20 horas depois. Mergulhámos de manhã cedo. A disposição era asquerosa. Tínhamos chegado sem armas. E se um inimigo desconhecido decidisse voltar a visitar-nos? Como se irão comportar as minas? Bates as barbatanas com pouco cuidado e... E os tubarões nas costas de Angola são enormes. Mas tudo correu bem. Analisei as minas que não explodiram e ordenei aos meus rapazes que juntassem na areia todos os estilhaços das minas que explodiram. Eles removeram o fundo durante vários dias e eu armazenava os ferrinhos na praia. Descobri coisas interessantes. Esse tipo de mina ainda não tinha sido utilizada no mundo», recorda.
Além disso, os especialistas soviéticos ficaram agradavelmente surpreendidos por duas minas não terem explodido. O capitão Pliatchenko escreve: «Determinámos que as minas tinham sido colocadas de forma a não poderem ser retiradas. Compreendemos por que é que duas delas não explodiram: os mergulhadores "adversários" não tiveram em conta o Inverno angolano. O óleo engrossou e os detonadores do explosivo não funcionaram.»
O capitão soviético neutralizou uma das minas com uma «contra-explosão», mas a outra deveria ser retirada inteira a qualquer custo: «Não tínhamos opções. Era a única oportunidade de êxito, mas muito fraca. Voltámos a calcular tudo e a arriscar. Atámos à mina uma cordinha de nylon e puxámos. Tivemos sorte, porque a mina não explodiu. Puxaram-na para uma praia deserta. Aí desmontei-a até ao último parafuso...»

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