sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Miguel Urbano R./Edmilson Costa: Brasil & Socialismo

O rumo do Brasil na luta pelo socialismo
– a visão de Edmilson Costa

por Miguel Urbano Rodrigues
As gigantescas manifestações populares de Junho no Brasil arrancaram a máscara ao governo de Dilma Rousseff, cuja politica neodesenvolvimentista tem aprofundado os compromissos com o grande capital e o imperialismo.

Num livro recente, A Crise Económica Mundial e a Globalização no Brasil, [1] Edmilson Costa lembra que a atual crise mundial é muito ampla e mais complexa que a de 1929,com a agravante de atingir "de maneira sincronizada o coração do sistema capitalista".

Edmilson demonstra no seu lucido livro – um conjunto de ensaios- que esta crise é estrutural e não cíclica como as anteriores. Ela fez ruir todos os mitos neoliberais sobre o papel do mercado como regulador da vida social. Sem solução para o sistema, o imperialismo tenta encontrá-la através de guerras monstruosas que configuram uma estratégia de terrorismo de estado.

A segunda parte do livro (págs. 191 a 285) é dedicada ao Brasil, mais especificamente à natureza da revolução social que será a alternativa ao capitalismo.

É somente do capítulo final – publicado pelo odiario.info – que me ocuparei neste artigo.

Edmilson afirma que as condições objetivas para uma revolução socialista são mais favoráveis no Brasil do início do século XXI do que as existentes na Rússia imperial em l917 e na China após a grande marcha de Mao em l949.

Ambos, sublinha, eram então – sobretudo a China – países com economias atrasadas em que a esmagadora maioria da população era camponesa.

O Brasil atual responde mais às condições que Marx tinha por indispensáveis a uma revolução socialista. Mas, contrariando a logica aparente da história, não foi na Alemanha industrializada, e sim na Rússia oprimida por uma autocracia com matizes feudais que a revolução eclodiu e venceu. A carência de condições materiais propícias à construção do socialismo foi aliás nos dois casos fonte de grandes problemas.

Diferente é a situação hoje do Brasil. Na segunda metade do seculo XX transformou-se numa sociedade industrializada com a sexta maior economia do mundo. Mais de 80% da população é urbana e a sua classe operaria é a mais numerosa da América Latina. Grande produtor e exportador de alimentos e possuidor de grandes reservas de petróleo, gás e minérios raros dispõe de excelentes universidades que formam anualmente mais de 50 mil mestres e doutores. Mas somente uma pequena minoria da população beneficia desse enorme potencial económico e científico. O Brasil é um país imperializado com uma prodigiosa riqueza concentrada em gigantescas transnacionais e numa arrogante burguesia dependente. Mais de 53 milhões de pessoas vivem abaixo do nível da pobreza e 23 milhões em condições de miséria extrema (amontoada em favelas, cortiços e casebres).

Sendo um país muito rico com um povo muito pobre, a luta de classes deveria ser intensa, reunidas como estão condições objetivas favoráveis a explosões sociais permanentes.

Mas tal não tem acontecido. O nível da consciência política continua a ser muito baixo. A existência de uma base material avançada não significa, como salienta Edmilson Costa, que o país esteja em vésperas de uma situação revolucionária rumo ao socialismo.

Para isso seria indispensável o amadurecimento das condições subjetivas. A maioria dos brasileiros condena hoje a engrenagem de poder imposta ao país. Sabe o que não quer; mas não está preparada para lutar contra o sistema.

Num contexto histórico e social muito diferente, na Europa "comunitária" a ausência de condições subjectivas tem impedido também a mobilização das massas com uma perspectiva revolucionária.

Refletindo sobre situações similares, Lenin alertou para o facto de a ideologia da classe dominante marcar decisivamente o comportamento da totalidade da população das sociedades capitalistas.

A ascensão e queda dos protestos espontaneistas dos "indignados", na Europa e nos Estados Unidos confirmaram essa realidade.

A "consciência revolucionária – como adverte Edmilson, relembrando ensinamentos de Lenin – só pode ser adquirida de fora, mediante o trabalho ideológico do partido revolucionário no sentido de educar o proletariado para a revolução socialista".

Ora, no Brasil a organização vocacionada para cumprir o papel de vanguarda revolucionaria, o PCB, é um partido de excelentes quadros, mas de fraca implantação entre as massas.

É um facto que as condições subjetivas amadurecem no fragor da luta de classes, mas podem emergir inesperadamente em crises prolongadas, no contexto de situações históricas muito peculiares. A tomada de consciência das massas é então acelerada tumultuosamente num ritmo antes inimaginável.

No Brasil a cada dia se apresentam mais favoráveis as condições subjetivas. Mas falta a espoleta capaz de abrir as comportas de um período revolucionário.

Na Rússia atrasada foram os sofrimentos da primeira guerra mundial que produziram essa faísca. Em Petrogrado e Moscovo formara-se um proletariado combativo e nele crescia a influência do partido bolchevique.

Mas as lições de 1905 não tinham sido esquecidas. A contestação popular por si só não fora então suficiente para conduzir as massas à vitória. Em Fevereiro de 1917 a situação era muito diferente. O exército, instrumento de repressão do Estado, entrou num irreversível processo de desagregação.

Quando em Petrogrado, na retaguarda, os regimentos cossacos da guarnição da capital se recusaram a reprimir, ficou aberto o caminho para a vitória da Revolução de Fevereiro. O partido que se propunha a liderar o proletariado rumo à tomada do poder soube assumir a tarefa histórica que Lenin havia esboçado nas famosas Teses de Abril.

Não foi esse um caso único em que condições excecionais permitiram a irrupção de processos revolucionários cujo desenvolvimento foi atípico.

Em Portugal, o desenvolvimento impetuoso de um processo revolucionário apÓs o golpe militar que em Abril de 1974 derrubou o fascismo foi possível porque 13 anos de uma guerra colonial profundamente impopular permitiram a formação nas Forças Armadas de uma vanguarda revolucionária. Esta, após a vitoria, uniu-se ao movimento popular de massas no qual o Partido Comunista PCP desempenhou um papel fundamental.

No Brasil não são, porem, identificáveis por ora situações imprevisíveis que acelerem dramaticamente o amadurecimento das condições subjetivas citadas pode Edmilson Costa.

As forças armadas brasileiras, como instrumento do Estado burgues, têm um corpo de oficiais profundamente influenciado pela ideologia da classe dominante. Não são homogéneas, mas continuam a ser uma organização potencialmente repressora.

Não devemos esquecer os ensinamentos do Chile. O general Carlos Prats enunciou uma evidência ao criticar as ilusões românticas do MIR que atribuía aos cordones obreros capacidade para enfrentar o Exército e os Carabineros no contexto de uma intentona golpista. Prats lembrou que contra armas pesadas o povo desarmado é impotente fora de um quadro insurrecional generalizado. A História deu-lhe razão.

Acompanho com otimismo o desenvolvimento das lutas sociais no Brasil. E considero oportuno, útil e muito importante o livro de Edmilson Costa, um dos mais talentosos e criativos economistas marxistas do Brasil.

Creio, porem, que, apesar do amadurecimento de condições subjetivas favoraveis, o povo brasileiro terá de percorrer ainda um longo caminho até que a Historia lhe abra a oportunidade de se assumir como sujeito de uma revolução socialista.

É minha convicção que o agravamento da crise estrutural do capitalismo e a inevitável derrota da estratégia de dominação mundial dos EUA, alavancada numa política de terrorismo de estado, tende a encaminhar a humanidade para um período revolucionário no qual a convergência de muitas lutas, a inter-relação de processos muito diferentes e a solidariedade internacionalista encaminharão a Humanidade para o socialismo.

Antevejo como muito importante a participação do Brasil nesse processo molecular de lutas revolucionárias.
Vila Nova de Gaia, 13 de Novembro de 2013
[1] Edmilson Costa, A Crise Mundial, a Globalização e o Brasil, Instituto Caio Prado Júnior, São Paulo, 2013, 286 p., ISBN 978-85-66538-02-1.
Para encomendar o livro transfira 15 euros para o NIB 003601689910004600741 e a seguir informe nome/morada para o email resistir[arroba]resistir.info.

O original encontra-se em www.odiario.info/?p=3087


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
15/Nov/13
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