Posted: 02 Nov 2013 09:25 PM PDT
O
livro Who Paid the Piper: The CIA and the Cultural Cold War (London:
Granta Books) de Francis Stonor Saunders conta em detalhes a maneira
como a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA)
infiltrou-se e influenciou um grande número de organizações culturais
por meio de seus agentes e de organizações filantrópicas associadas,
como as Fundações Ford e Rockfeller. O livro revela ainda como a CIA no
pós guerra alistou muitos intelectuais na campanha para provar que o
engajamento à esquerda é incompatível com a arte séria e o conhecimento.
A
autora Francis Stonor Saunders, detalha como e porque a CIA patrocinou
congressos culturais, montou exibições de arte e organizou concertos. A
Agência também publicou e produziu autores conhecidos que seguiam essa
linha de Washington, patrocinou a arte abstrata e fez ataques à arte de
conteúdo social. E, em todo o mundo, financiou publicações que atacavam o
marxismo, o comunismo e as políticas revolucionárias, ao mesmo tempo
que justificavam ou ignoravam políticas imperialistas destrutivas e
violentas dos Estados Unidos.
A
CIA conseguiu atrair um dos mais proeminentes porta-vozes (ou
defensores) do discurso da liberdade intelectual, a ponto de incluir
alguns intelectuais em sua folha de pagamento.
Muitos
desses intelectuais ficaram conhecidos por se envolver com esses
"projetos", mas outros ficaram orbitando em torno desses projetos,
alegando que não sabiam das ligações com a CIA, depois que os seus
patrões foram denunciados publicamente no final da década de 60 e
durante a Guerra do Vietnã, e depois que a maré política virou para a
esquerda .
Publicações
anticomunistas americanas e européias receberam várias verbas, direta e
indiretamente, entre as quais a Partisan Review, Kenynon Review, New
Leader e Enconuter. Entre os numerosos intelectuais pagos pela CIA
estavam Irving Kristol, Melvin Lasky, Isaiah Berlin, Stephen Spender,
Sidney Hook, Daniel Bell, Dwight MacDonald, Robert Lowel, Hannah Arendt e
Mary MacCarthy. Na Europa, a CIA teve um interesse pela promoção da
"Esquerda Democrática" e de ex-esquerdistas entre eles Inacio Silone,
Stephen Spender, Arthur Koestler, Raymond Aron, Anthony Crosland,
Michael Josselson e George Orwell.
Contando
com o entusiasmo de Sidney Hook e Melvin Lasky, a CIA teve um papel
destacado na fundação do Congresso pela Liberdade Cultural, uma espécie
de OTAN cultural que agrupou todo tipo de esquerdistas e direitistas
"antiestalinistas". Eles tinham absoluta liberdade para defender os
valores culturais e políticos do Ocidente, atacar o "totalitarismo
estalinista" e tergiversar sobre o racismo e imperialismo americano.
A CIA e a arte pela arte
De vez em quando, um artigo de
crítica marginal a sociedade de massas americana era publicada nas
revistas subsidiadas pela CIA. Uma coisa particularmente estranha nesse
grupo de intelectuais pagos pela CIA não era o seu comprometimento
político, mas a pretensão de que buscava a verdade de maneira
desinteressada, de que eram humanistas iconoclásticos e
livres-pensadores e artistas que defendiam a arte pela arte em
contraposição aos "filiados" e "assalariados" corruptos da máquina
estalinista. É impossível acreditar na alegação que não sabiam das
ligações com a CIA.
Como
é que eles podiam ignorar a falta de qualquer crítica básica em suas
revistas contra os inúmeros linchamentos que estavam ocorrendo no Sul
dos Estados Unidos naquele período? Como podiam ignorar, durante a
realização de seus congressos culturais, qualquer crítica às
intervenções imperialistas dos Estados Unidos na Guatemala, no Irã,
Grécia e Coréia, que provocaram milhões de mortes? Como podiam ignorar
as grosseiras justificativas, publicadas em suas revistas para os crimes
imperialistas que estavam ocorrendo naquela época?
Todos esses intelectuais eram
soldados: alguns falastrões, venenosos, rudes e polêmicos, como Sidney
Hook e Melvim Lasky; outros eram ensaístas elegantes, como Stephen
Spender, ou informantes, donos da verdade como George Orwell. A autora
do livro, Francis Stonor Saunders, retrata a elite wasp(1) manipulando
os cordéis na CIA e os ex-esquerdistas rosnando contra os dissidentes
esquerdistas.
Quando
a verdade veio à tona no final dos anos 60 e alguns "intelectuais" de
Nova York, Paris e Londres fingiram indignação por terem sido usados, a
CIA fez retaliações contra eles. Tom Braden, que dirigiu a Seção das
Organizações Internacionais da CIA, entregou-os contando detalhes de que
todos eles tinham que saber quem pagavam seus salários e bolsas. De
acordo com Branden, a CIA financiou as suas "espumas literárias"
expressão usada pelo chefe linha-dura da CIA Cord Meyer, para qualificar
os "exercícios intelectuais" de Hook, Kristol e Lasky.
Braden
escreveu que o dinheiro das publicações mais conhecidas e prestigiadas
da autodenominada "Esquerda Democrática" (Encounter, New leader,
Partisan Revew), vinha da CIA e que "um agente (da CIA) tornou-se o
editor da Encounter". Por volta de 1953, escreveu Braden; "nós
influenciávamos ou trabalhávamos em organizações internacionais em todos
os campos".
O
livro de Saunders traz informações úteis sobre as maneiras pelas quais
as operações da CIA eram montadas para defender os interesses
imperialistas dos Estados Unidos na frente Cultural. O livro dá início
também a uma importante discussão sobre as conseqüências a longo prazo
das posições ideológicas e artísticas defendidas pelos intelectuais da
CIA.
Saunders
rechaça as alegações (de Hook, Kristol, e Lasky) de que a CIA e suas
fundações associadas ofereciam ajuda sem pedir nada em troca. Ela
demonstra que "dos indivíduos e das instituições subsidiadas pela CIA
esperava-se que tomassem parte... da propaganda de guerra". A propaganda
mais eficaz seguindo a definição da CIA, era do tipo em que "o sujeito
se move na direção que você quer por razões que ele acredita ser a
deles".
O plano da CIA para impedir o prêmio Nobel para Pablo Neruda
Quando
a CIA punha recursos à disposição da "Esquerda Democrática" para
eventuais discussões sobre reforma social, seus intelectuais ficavam
interessados nas polêmicas "antiestalinistas" e nas diatribes literárias
contra os marxistas ocidentais e contra os escritores e os artistas
soviéticos. Eles recebiam então patrocínios mais generosos e eram
promovidos com maior visibilidade. Braden refere-se a isso como a
"convergência" entre a CIA e a "Esquerda Democrática" européia na luta
contra o comunismo.
A
colaboração entre a "Esquerda Democrática" e a Agência incluía
operações fura-greves na França, a deduragem contra estalinistas (Orwell
e Hook) e campanhas camufladas de difamação para evitar que artistas
esquerdistas fossem premiados (isso aconteceu por exemplo na disputa de
Pablo Neruda pelo Prêmio Nobel em 1964).
(....)
Uma das mais importantes e fascinantes discussões do livro de Saunders é
o fato da CIA e seus aliados no museu de arte Moderna de Nova York
(MoMA) terem aplicado vastas somas de dinheiro na promoção da pintura e
dos pintores do Expressionismo Abstrato, considerado um antídoto à arte
de conteúdo. Ao promover o Expressionismo Abstrato a CIA comprou uma
briga com a ala direita do Congresso. A Agência achava que a escola
espresava "uma ideologia anticomunista, a ideologia da liberdade e da
livre empresa, cujo o não figurativismo e apoliticismo constituíam a
própria antítese do realismo socialista". O Expressionismo Abstrato era
visto como a verdadeira expressão da vontade nacional. Para enfrentar as
críticas da direita no Congresso, a CIA voltou-se para o setor privado,
mais precisamente para o MoMA e seu cofundador, Nelson Rockefeller, que
se referia ao Expressionismo Abstrato como "a pintura da livre
empresa". Muitos diretores do MoMA mantiveram duradouras relações com a
CIA e quiseram dar mais que uma mãozinha na promoção do Expressionismo
Abstrato como arma da Guerra Fria cultural. Caríssimas exposições foram
organizadas por toda Europa e críticos de arte foram mobilizados para
escrever artigos repletos de entusiásticos elogios. A combinação de
recursos econômicos do MoMA com a fundação Fairfeld, ligada à CIA,
garantiram a colaboração das mais prestigiosas galerias de arte da
Europa, as quais por sua vez puderam espalhar sua influência estética
pela Europa afora.
O
Expressionismo Abstrato, como uma ideologia "da arte livre" (segundo
George Kennan) foi usado para atacar politicamente os artistas engajados
da Europa. O Congresso pela Liberdade Cultural (ponta de lança da CIA)
ofereceu grande apoio à cultura abstrata em oposição à estética
figurativa e realista, num explícito ato político. Comentando o papel
político do Expressionismo abstrato, Saunders sublinha "Uma das
características mais extraordinárias no papel que a pintura americana
jogou na Guerra Fria cultural não foi o fato de ter se tornado parte da
iniciativa, mas o fato desse movimento, tão deliberadamente declarado
apolítico, ter se tornado tão intensamente politizado". A CIA associou
artistas apolíticos e a arte com liberdade. Isso foi feito para isolar
os artistas da esquerda européia. A ironia é que a postura apolítica só
valia para o consumo da esquerda. Apesar de tudo, a CIA e suas
organizações culturais foram capazes de moldar profundamente a visão de
arte no pós-guerra. Alguns escritores, poetas, artistas e músicos de
prestígio proclamaram a sua independência da política e declararam sua
crença na arte pelo amor da arte. O dogma do artista do intelectual
livre, como alguém desconectado do engajamento político, ganhou corpo e
está disseminado até hoje.
Embora
tenha apresentando uma detalhada descrição das ligações entre CIA e os
artistas e intelectuais ocidentais, Saundres deixou inexploradas as
razões estruturais para a necessidade da CIA de controlar os
dissidentes. Seus argumentos estão muito baseados no contexto da
competição política e no conflito com o comunismo soviético. Ele não faz
uma tentativa séria de localizar a Guerra Fria cultural da CIA no
contexto das lutas de classes, da revolução e do Terceiro Mundo e nos
desafios marxistas independentes à dominação do imperialismo econômico
dos Estados Unidos. Isso leva Saunders a valorizar algumas iniciativas e
operações da CIA em detrimento de outras. (....)
A tarefa dos intelectuais pagos pela CIA não era questionar, mas servir ao império
As
verdadeiras origens da Guerra Fria cultural estão enraizadas na luta de
classes. Muito antes a CIA e seus agentes ex-comunitas da AFL-CIO
Irving Brown e Jay Lovestone usaram milhões de dólares para subverter
sindicatos militantes e acabar com greves comparando sindicatos
social-democráticos. O Congresso pela Liberdade Cultural e seus
esclarecidos intelectuais receberam dinheiro dos mesmos agentes da CIA
que contrataram os gângsters de Marselha (França) para acabar com a
greve dos portuários em 1948. Depois da Segunda Guerra, com a
desmoralização na Europa da velha direita (comprometida por suas
ligações com os fascistas e com o sistema capitalista enfraquecido), a
CIA chegou a conclusão de que para submeter os sindicalistas e
intelectuais contrários a OTAN seria necessário encontrar ou (inventar)
uma Esquerda Democrática disposta a participar das lutas ideológicas. A
CIA criou uma seção especial para neutralizar as objeções da bancada
direitista do Congresso. A Esquerda Democrática foi essencialmente usada
para combater a Esquerda radical e dar um verniz ideológico à hegemonia
americana na Europa. Até o ponto dos pugilistas ideológicos da Esquerda
Democrática poderem dar forma às políticas estratégicas e interesses
dos Estados Unidos. A tarefa deles não era questionar ou reivindicar,
mas servir ao império em nome dos "valores democráticos do Ocidente".
Somente quando surgiu uma oposição maciça à Guerra do Vietnã nos Estados
Unidos e na Europa, e as suas ligações com a CIA foram denunciadas é
que muitos intelectuais promovidos ou financiados pela Agência
abandonaram o navio e começaram a criticar a política externa dos
Estados Unidos. Um exemplo: depois de passar a maior parte de sua
carreira na folha de pagamento da CIA, Stephen Spender tornou-se crítico
da política americana no Vietnã, assim como alguns editores da Partisan
Review. Todos eles alegaram inocência, mas poucos críticos acreditaram
que um caso de amor com tantas revistas e conferências, de tão longo e
profundo envolvimento, pudesse transpirar sem um certo grau de
conhecimento.
Ataques à Stálin visavam encobrir os crimes do imperialismo
O
envolvimento da CIA na vida cultural dos Estados Unidos, Europa e
outras regiões teve importantes conseqüências a longo prazo. Muitos
intelectuais foram recompensados com o prestígio e reconhecimento
público e verbas para pesquisas justamente para trabalhar com viseiras
ideológicas da Agência. Alguns dos grandes nomes da Filosofia, da Ética
Política, da Sociologia e da Arte, que ganharam visibilidade com as
conferências e revistas financiadas pela CIA, definiram as normas e os
padrões para a formação da nova geração, baseado nos parâmetros
políticos estabelecidos pela CIA. Não foi nem o mérito nem a
competência, mas sim a política – a linha de Washington- que definiu a
"verdade" e a "excelência" e as futuras cátedras das universidades,
fundações e museus de maior prestígio. As ejaculações retóricas da
Esquerda Democrática antiestalinistas dos Estados Unidos e da Europa e
suas profissões de fé nos valores democráticos e na liberdade serviam
como capa ideológica para os mais abomináveis crimes do Ocidente .
Uma
vez mais recentemente, muitos intelectuais da Esquerda Democrática
perfilaram-se com o Ocidente e com o exército de libertação de Kosovo2
no apoio ao banho de sangue de milhares de servos e ao assassinato de um
monte de inocentes vítimas civis. Se o antiestalinismo foi o ópio da
Esquerda Democrática durante a Guerra Fria, o intervencionismo praticado
em nome dos direitos humanos tem hoje o mesmo efeito narcortizante,
iludindo os esquerdistas democráticos contemporâneos.
A CIA foi quem criou o modelo de artistas apolíticos e divorciados das lutas
As
campanhas culturais da CIA criaram o protótipo dos intelectuais,
acadêmicos e artistas que hoje se dizem apolíticos e que estão
divorciados das lutas populares e cujo valor aumenta na medida em que se
distanciam das classes populares e se aproximaram das fundações de
prestígio. O modelo do profissional de sucesso criado pela CIA é o
porteiro ideológico que deixa de fora os intelectuais que escrevem sobre
a luta de classes, a exploração de classes e o imperialismo americano –
ou seja, categorias "ideológicas", "não objetivas", como eles dizem. A
pior e mais duradoura influência dos integrantes do Congresso pela
Liberdade Cultural não foi a defesa que eles fizeram das políticas
imperialistas dos Estados Unidos, mais o êxito que conseguiram ao impor
sobre as novas gerações de intelectuais a idéia de excluir qualquer
discussão sobre o imperialismo americano nos meios de comunicação
políticos e culturais influentes. A questão não é se os intelectuais ou
artistas atuais podem ou não assumir uma posição progressista a respeito
deste ou daquele assunto. O problema é a permanente crença entre os
escritores e artistas de que as expressões sociais e políticas
anti-imperialistas não devem aparecer em música, pintura ou qualquer
escrito sério se querem que sua obra seja considerada um trabalho de
substancial mérito artístico. A mais persistente vitória política da CIA
foi a de convencer os intelectuais de que o engajamento sério e firme à
esquerda é incompatível com a arte séria e o conhecimento. Hoje, na
ópera, no teatro ou nas galerias de arte assim como nos encontros
profissionais das universidades , os valores definidos pela CIA durante a
Guerra Fria estão visíveis e disseminados: quem ousa despir o
imperador?
James Petras é sociólogo marxista norte-americano
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