Escritora Ana L. Strong escreve sobre Stálin
Ana Louise Strong |
Apesar disso, a imprensa norte-americana dá mostras de sua total ignorância a respeito de Stálin ao referir-se, como o faz freqüentemente, "ao enigmático mandatário do Kremlin". Recorreu-se a toda espécie de pérfidas insinuações e de caricaturas tendenciosas para criar a lenda de um ditador astuto e sanguinário, que pretendia lançar o mundo no caos e na guerra, a fim de que uma coisa que denominam de "bolchevismo" pudesse alcançar o triunfo. Essa lenda absurda está destinada a ser em breve destruída. Nasceu do fato de que a maior parte dos escritores norte-americanos não estavam dispostos a fazer um pouco de esforço para compreender a União Soviética e de que, por outro lado, o próprio Stálin se mantinha inacessível à maior parte dos jornalistas estrangeiros. Pes-soas para quem se abriam as portas dos lugares mais altos do mundo e que po-diam conversar amigavelmente com Winston Churchill, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Franklin D. Roosevelt e até com Chiang Kai-shek, sentiam-se profundamente irritadas ao ser-lhes negada uma entrevista com Stálin.
Quando
falei com Stálin não achei que fosse um homem enigmático. Pareceu-me uma
pessoa com quem é muito fácil manter contato. É o melhor presidente de
comitê que conheci em toda a minha vida. Possui o dom de dar a conhecer
os pontos de vista de cada um e saber combiná-los num mínimo de tempo.
Seu método de dirigir um comitê faz-me lembrar Jane Addams, de Hull
House, ou Lilian D. Wald, de Henry Street Settlement. Possuíam a mesma
técnica eficaz e democrática, conquanto recorressem a uma pressão maior
que Stálin.
Ainda que
tenha sido inabordável pelos estrangeiros com raras exceções isto não
significa que vivesse isolado, numa espécie de torre de marfim do
Kremlin. Cerca de duzentos milhões de pessoas o mantinham ocupado. Com
muitas se entrevistava. Nem sempre eram elementos do Partido. Uma
camponesa que tivesse superado o recorde na ordenha; um homem de ciência
que tivesse desintegrado o átomo; um aviador que tivesse voado até a
América; um mineiro que tivesse inventado um novo processo de trabalho;
um operário que enfrentasse um problema do alojamento; um engenheiro com
dificuldades nascidas de uma nova situação; toda pessoa que
representasse um triunfo notável ou um problema típico podia ser
convidada a trocar impressões com Stálin. Dessa maneira, obtinha
informações e mantinha-se em contato com o ritmo do país.
Como conheci Stálin
Essa foi a
causa (de que só tive conhecimento posteriormente) de minha entrevista
com Stálin. Durante cerca de dez anos havia-me interessado pela URSS e
havia feito esforços para triunfar ali; de dois anos para trás, eu havia
organizado e vinha editando um pequeno semanário destinado aos outros
norte-americanos que trabalhavam no país, colaborando no primeiro Plano
Qüinqüenal. Encontrava-me a ponto de abandonar a empresa, por causa da
censura, dos entraves burocráticos e devido ao aparecimento de outro
semanário rival. O diretor de meu semanário praticamente fazia uma
chantagem comigo, pois ameaçava destruir minha reputação caso eu
renunciasse.
Um amigo
russo aconselhou-me então que me queixasse a Stálin. Assim o fiz. Três
dias depois recebi um chamado de seu escritório sugerindo-me que
passasse lá para falar com alguns "camaradas responsáveis". O convite
tinha um caráter tão protocolar que me senti tentada a recusar, pois o
meu diretor já se havia resolvido a aceitar minha renúncia e eu tinha
dado por terminado o assunto. Pensei, no entanto, que, depois de haver
enviado a carta, devia comparecer à entrevista, quando mais não fosse,
por motivos de cortesia.
Esperava
encontrar-me com algum funcionário, mais ou menos importante, no
escritório do Partido, e senti-me aniquilada quando o carro se
encaminhou diretamente para o Kremlin e, sobretudo, quando ao entrar num
amplo salão de conferências não só me encontrei com Stálin, que se pôs
de pé para saudar-me, mas, também, com Kaganovich e Voroshilov. A
reunião pareceu-me extraordinariamente desproporcionada para a
importância do assunto, mas, depois, compreendi que não era meu pequeno
problema pessoal que lhes interessava. Eu era um dos milhares de
norte-americanos que começavam a preocupá-los. Tínhamos ido à União
Soviética para trabalhar em suas indústrias; éramos bastante honrados e
capazes, mas não progredíamos. Stálin desejava saber por que não nos
ajustávamos às necessidades da indústria soviética. Ao investigar minhas
dificuldades, poderia averiguar a razão de nosso êxito na terra
soviética, embora mais freqüentemente nos sucedesse o contrário. Mas se
ele, por meu intermédio, aprendeu alguma coisa a respeito dos
norte-america-nos, eu dele aprendi alguma coisa igualmente importante:
qual é o processo de integração da União Soviética e como trabalha
Stálin.
Minha
primeira impressão sobre ele foi vagamente desfavorável. Um homem
robusto, vestido com um simples uniforme cáqui, franco, modesto, cuja
primeira preocupação foi a de saber se eu entendia o russo
suficientemente para tomar parte de uma discussão. Achei que não possuía
a imponência de uma grande homem. Sentamo-nos então de maneira tão
pouco protocolar que Stálin nem sequer se instalou à cabeceira da mesa,
que foi ocupada por Voroshilov. Stálin tomou lugar num assento de onde
podia ver os rostos de todos nós. Iniciou a conversa fazendo uma
pergunta direta ao homem de quem me havia queixado e imediatamente se
colocou numa espécie de segundo plano, ouvindo os comentários dos
demais. Subitamente, manifestaram-se o engenho brilhante de Kaganovich,
as risadinhas alegres de Voroshilov e as características das pessoas de
menor categoria que foram consultadas. Principiei a entendê-los melhor e
sentir-me atraída para eles, inclusive o diretor de quem me havia
queixado. Inesperadamente, surpreendi-me falando e expressando meus
pontos de vista com maior rapidez e clareza do que nunca. Os que me
escutavam pareciam estar de acordo. E, assim, chegamos sem tropeços ao
miolo da questão, tendo Stálin falado menos que todos os presentes na
reunião.
Depois,
examinando mentalmente a entrevista, compreendi que a habilidade de
Stálin para escutar nos havia ajudado a todos nos expressarmos e
compreendermos melhor. Freqüentemente, fez-me repetir algumas de minhas
palavras, dando-lhe uma entonação interrogativa ou uma ligeira ênfase.
Isso fazia-me sentir que eu não havia compreendido bem algum ponto, ou
que o havia exagerado e, assim, induzia-me a ser mais explícita. Com os
demais, havia procedido da mesma forma. Compreendi, então, que sua
maneira de escutar possuía um força dinâmica.
O hábito de
escutar de Stálin data dos primeiros dias de sua carreira
revolucionária. "Lembro-me disso perfeitamente, desde os primeiros
tempos do nosso Partido" declarou-me um bolchevique veterano. "Era um
jovem silencioso, que não se sentava ao centro do comitê, que falava
pouco, mas escutava muito. Ao terminarem as discussões, fazia breves
comentários e, às vezes, formulava apenas algumas perguntas.
Gradualmente, começamos a compreender que ele fazia sempre o melhor
resumo de nossos pensamentos".
Todo aquele
que conhecer Stálin reconhecerá que essa opinião é exata. Em qualquer
grupo, geralmente, é o último a expressar sua opinião. Procura não
impedir a livre e completa expressão dos demais, como poderia fazer
facilmente, falando em primeiro lugar. Além disso, aprende escutando: "É
capaz de escutar até como cresce a erva" disse-me um cidadão
soviético.
O homem de aço
Com as
informações assim obtidas, Stálin chega a conclusões, não "através da
solidão da noite", segundo afirma Emil Ludwig a respeito de Mussolini,
mas conferenciando e discutindo. Nas entrevistas, raramente recebe o
visitante sem estar acompanhado de algum auxiliar; quase sempre estão
presentes Molotov, Voroshilov e Kaganovich. É possível até que não
conceda uma entrevista sem antes discutir o assunto dela com seus
camaradas mais íntimos. É um hábito adquirido há muito tempo. Nos dias
do movimento revolucionário subterrâneo, acostumou-se ao trabalho de
estreita cooperação com camaradas que tinham em suas mãos as vidas
alheias. Para sobreviver, era necessário que aprendessem a porem-se
todos de acordo rapidamente, chegando até a adivinhar os pensamentos à
distância. Foi entre esse grupo que conquistou seu nome atual: Stálin
("o homem de aço").
O próprio
Stálin fez essa afirmação por vinte vezes, a diversas pessoas que o
entrevistaram. Quando Emil Ludwig e, posteriormente, Roy Howard,
quiseram saber "como chegava às suas conclusões o grande ditador",
Stálin disse-lhes: "As pessoas, isoladamente, não podem decidir. A
experiência tem-nos ensinado que as decisões individuais, que não são
controladas por ninguém mais, contêm uma grande percentagem de erro".
Os
habitantes da URSS não se referem nunca "à vontade de Stálin", nem "às
ordens de Stálin"; falam das "ordens do governo" e da "linha do
Partido", que são resoluções tomadas coletivamente. Mas falam com muita
freqüência do "método de Stálin" como sendo uma coisa que todos devem
aprender. É o método de obter resoluções rápidas com o auxílio de muitas
pessoas, o método do bom trabalho de comitê. Na União Soviética, os
jovens de talento, que se sentem inclinados para a política, estudam
cuidadosamente esse método.
Poucos dias
depois daquela conferência pude compreender melhor esse método. Minha
impressão era a de que Stálin, Voroshilov, Kaganovich e os demais haviam
concordado numa determinada linha de ação. Mas o tempo transcorria sem
que viesse uma solução. A conferência chegou a parecer-me quase um
sonho. Transmiti minhas preocupações a um conhecido meu, que era russo, e
este riu-se de mim: "É assim a nossa terrível democracia, disse-me. É
possível que seu caso já esteja realmente resolvido. Mas, tecnicamente,
deve ser aprovado por todos os membros do Birô Político, alguns dos
quais estão no Cáucaso e outros em Leningrado. De acordo com a rotina, o
seu caso será aprovado juntamente com outras resoluções. É esse o nosso
modo de proceder costumeiro, pois qualquer dos membros do Birô poderá
desejar acrescentar ou modificar algumas dessas resoluções".
Stálin
contribui largamente para essas decisões conjuntas. As pessoas que o
conhecem admiram nele, antes de mais nada, sua franqueza e simplicidade,
assim como sua presteza em abordar os problemas. Posteriormente
apercebem-se de sua clarividência e objetividade na análise dos
assuntos. Não existe nele nada da histeria emotiva de Hitler nem da
egolatria jactanciosa de Mussolini. Não faz nenhum esforço para fazer
sentir o seu domínio. Gradualmente, a pessoa apercebe-se de sua
penetrante capacidade de análise de seus colossais conhecimentos, de seu
domínio sobre a política mundial, de seu desejo de enfrentar os fatos
e, especialmente, de sua visão perspectiva, que situa o problema dentro
da história, julgando não só seus fatores imediatos, como, também, seu
passado e seu futuro.
A ascensão
de Stálin ao poder realizou-se lentamente. Principiou muitos anos atrás
com seu estudo de história e, particularmente, de história das
revoluções. O presidente Roosevelt, em nossa palestra, comentou com
surpresa o profundo conhecimento de Stálin sobre a revolução de
Cromwell, que foi posto em foco em sua conversa com H. G. Wells. É que,
na realidade, Stálin estudou a história das revoluções da Inglaterra e
dos Estados Unidos muito mais a fundo do que costumam fazê-lo os
políticos ingleses e norte-americanos. A Rússia czarista caminhava para a
Revolução. Stálin tinha a intenção de participar dela e ajudar a
dar-lhe forma. Transformou-se num autêntico homem de ciência quanto ao
conhecimento do processo histórico segundo o ponto de vista marxista:
como vivem as massas do povo; como se desenvolvem a técnica industrial e
as relações sociais; como surgem e lutam as
classes
sociais; como alcançam êxito etc. Stálin analisou e comparou todas as
revoluções do passado. E, além de tudo isso, além de ser um homem de
ciência, é, também, um homem de ação.
A arte de ser dirigente
Nos
primeiros dias da Revolução o nome de Stálin era pouco conhecido fora
dos círculos do Partido. Em 1923, durante a última enfermidade de Lênin,
vários homens cujas opiniões me mereciam confiança disseram-me que
Stálin "era o homem do futuro". Baseavam seu parecer no agudo
conhecimento que Stálin possuía das forças políticas e no seu trato
contínuo dos problemas de organização política na qualidade de
secretário do Partido Comunista. Baseavam-se também na sua capacidade
para atuar rapidamente, no momento oportuno, e diziam que, até então, no
decurso da Revolução, nunca se havia equivocado. Diziam que era homem a
quem recorriam os membros responsáveis do Partido, sempre que desejavam
uma formulação clara e sintética do que todos eles pensavam. Naqueles
dias, Trotsky zombava de Stálin, chamando-o de "medíocre típico". E até
certo ponto isso era uma verdade. Stálin mantinha-se em contato estreito
com o "homem médio", pois este constitui a matéria-prima da política.
"A arte de
ser dirigente disse Stálin em certa ocasião é um problema muito sério.
O chefe não pode ficar atrás do movimento porque isto significaria
isolar-se das massas. Também não pode avançar com demasiada rapidez,
porque isso equivaleria ao contato com as massas". Com estas palavras
estava apontando a seus camaradas a maneira de tornarem-se líderes e ao
mesmo tempo expressava o seu próprio ideal, que tem posto em prática de
forma efetiva.
Há cerca de
vinte anos, durante a guerra civil na Rússia, em mais de uma ocasião o
instinto de Stálin para captar os sentimentos das grandes massas ajudou
os exércitos soviéticos a obter a vitória. Um dos exemplos mais
conhecidos desse fato foi a disputa entre Stálin e Trotsky a respeito de
um avanço através do Cáucaso do Norte. Trotsky desejava seguir a rota
militar mais curta. Stálin fez notar que essa rota atravessava as zonas
hostis ocupada pelos cossacos, o que, em última análise, redundava em
ser mais longa e mais sangrenta. E escolheu um caminho indireto, através
de cidades que contavam com um elevado número de trabalhadores e nas
quais o povo ajudou os exércitos vermelhos, ao invés de lhes fazer
oposição. Esse contraste é típico e, de então para cá, tem sido
ilustrado por vinte anos de história. Stálin está em seu elemento,
manejando as forças sociais, como o demonstra o seu recente apelo a uma
"guerra popular" na retaguarda dos exércitos alemães. Sabe como
despertar a terrível força de um povo enfurecido, como organizá-lo e
como conduzi-lo de acordo com os desejos populares.
O mundo
começou a ouvir falar de Stálin por ocasião das discussões que
precederam o primeiro Plano Qüinqüenal. Os trabalhadores russos não
pertencentes ao Partido Comunista começaram a ver em Stálin um chefe
durante o primeiro período da espetacular expansão da indústria
soviética. Em março de 1930, pela primeira vez, alcançou o papel de
líder entre os camponeses, graças ao seu famoso artigo A vertigem do
êxito, com o qual pôs um ponto final nos abusos que estavam ocorrendo na
coletivização rural.
A democracia proletária
O grande
dia de Stálin, quando se revelou o líder de todo o povo soviético, foi
ao apresentar o novo Código Político do Estado Socialista, como
presidente da Comissão de Constituição. Haviam sido fornecidas
instruções a uma comissão de 31 pessoas historiadores, economistas e
políticos mais destacados do país para redigirem "a Constituição mais
democrática do mundo", com a maquinaria mais eficiente idealizada até
agora para expressar a "vontade do povo". Trabalharam um ano e meio,
estudando detalhadamente todas as constituições existentes no mundo, não
só as dos governos, mas também as dos sindicatos e agrupamentos
formados voluntariamente. O projeto que preparam foi discutido, durante
vários meses, por todo o povo soviético, em mais de meio milhão de
meetings, a que corresponderam 36,5 milhões de pessoas. Como resultado
das discussões populares, chegaram às mãos da Comissão de Constituição
154 mil sugestões de emendas. Sabe-se que o próprio Stálin leu vários
milhares dessas cartas enviadas pelo povo.
Dentre mais
de uma dúzia das emendas que Stálin discutiu pessoalmente, apoiou as
que facilitavam a expressão democrática, repelindo aquelas que poderiam
entorpecê-la. Não faltaram, por exemplo, aqueles que achavam que as
diferentes repúblicas não poderiam ter o direito de separar-se da união.
Stálin afirmou que, muito embora não fosse provável que quisessem
separar-se, seu direito a fazê-lo deveria estar garantido pela
Constituição, como uma afirmação democrática. Um número considerável de
pessoas desejava negar direitos políticos aos sacerdotes, temendo que
influíssem indevidamente na política. "É chegado o momento de implantar o
sufrágio universal sem limitações" replicou Stálin, sustentando que o
povo soviético já havia alcançado o grau de maturidade necessária para
saber o que queria.
Uma frase
significativa do discurso de Stálin é, nesses momentos, de mais
importância para nós que as formas constitucionais e, até mesmo, do que
seu funcionamento. Terminou seu discurso com uma referência inequívoca à
crescente ameaça nazista na Europa. Falando a 25 de novembro de 1936,
antes que qualquer governo europeu enfrentasse o hitlerismo seriamente,
Stálin declarou que a nova Constituição Soviética representava "uma
condenação ao fascismo e uma afirmação de que o socialismo e a
democracia são invencíveis".
Nos anos
que seguiram ao Congresso Constituinte, a personalidade de Stálin
começou a ser amplamente conhecida. Seu retrato e suas frases alcançaram
tal difusão na União Soviética que houve muitos estrangeiros que viram
nesse fato uma "idolatria" forçada e insincera. A maior parte das
pessoas que conheci na URSS sente realmente uma grande devoção por
Stálin, pelo homem que construiu o regime que conduziu o país ao êxito.
Conheci pessoas que mudaram temporariamente sua residência, em vésperas
de dias de eleições, a fim de ter a oportunidade de votar diretamente em
Stálin, no distrito em que era candidato, em lugar de fazê-lo em favor
do outro, menos brilhante, de seu próprio distrito.
É
impossível desvendar a vida íntima de Stálin, principalmente através de
suas relações com as personalidades eminentes que o têm ajudado a forjar
a história soviética. Valery Chkalov, o brilhante aviador que fez o
primeiro vôo de Moscou aos Estados Unidos, passando pelo Pólo Norte,
descreveu uma visita que fez a Stálin em sua casa de verão, onde esteve
das quatro da tarde à meia-noite. Stálin cantou muitas canções do Volga,
tocou discos de gramofone para que os jovens dançassem, tendo se
comportado como um ser humano normal, que descansa no seio da família.
As três
mulheres aviadoras, que superaram todos os recordes mundiais femininos
com seu vôo espetacular de Moscou ao Extremo Oriente, foram também
honradas com uma reunião noturna realizada no Kremlin. Uma delas,
Raskova, contou depois que Stálin havia gracejado com ela acerca da
época pré-histórica da matrimônio, quando as mulheres governavam a
sociedade humana. Disse que, nos primeiros dias do desenvolvimento da
humanidade, as mulheres haviam transformado a agricultura na estrutura
básica da sociedade e do progresso, dedicando-se os homens
exclusivamente à caça e à guerra. E, depois de referir-se aos séculos
subseqüentes de escravidão feminina, Stálin acrescentou: "Agora, estas
três moças estão vingando os longos séculos de escravidão da mulher".
Creio,
porém, que o melhor incidente é o que se relaciona com Maria Demchenko,
porque revela o pensamento de Stálin a respeito dos dirigentes e de como
se formam. Maria era uma camponesa que concorreu a um congresso
agrícola em Moscou e fez um juramento pessoal a Stálin, que se achava
sentado num palanque, de que nesse ano sua brigada feminina haveria de
produzir vinte toneladas de beterraba por acre de terra. Foi uma
promessa impressionante, pois o rendimento médio, na Ucrânia, andava em
cerca de cinco toneladas. A promessa de Maria deu lugar, entre os
cultivadores de beterraba ucranianos, a uma séria competição que teve
ampla divulgação na imprensa soviética. Todo o país acompanhou com
entusiasmo a luta de Maria contra uma peste na beterraba e os esforços
dos bombeiros locais para combater a seca, tendo que levar vinte mil
caçambas de água para o campo. Todos souberam que esse grupo de mulheres
teve que limpar os campos de ervas daninhas nove vezes, e oito de
insetos. Finalmente, Maria colheu vinte e uma toneladas por acre,
enquanto que a melhor de suas concorrentes obteve treze.
Essa
colheita constituiu um acontecimento nacional. Maria e seu grupo foram a
Moscou fazer uma visita a Stálin, durante as festa do outono. Os
periódicos deram-lhes as honras de estrelas de cinema, publicando suas
entrevistas em lugar preeminente. Stálin perguntou a Maria sobre o que
desejava como recompensa ao seu próprio recorde e por haver despertado o
entusiasmo dos demais cultivadores de beterraba. Maria respondeu que a
coisa que mais desejava era ter ido a Moscou para conhecer "os
dirigentes". "Mas os dirigentes são vocês mesmos´ disse Stálin a Maria.
"Não há dúvida respondeu Maria , mas de qualquer forma desejávamos
vê-lo."
Seu maior desejo, que foi realizado, era estudar numa Escola de Agricultura.
"Para frente, para a vitória"
Quando a
Alemanha lançou seus exércitos contra a União Soviética, muitos
estrangeiros surpreenderam-se de que Stálin não tivesse pronunciado
imediatamente um discurso para levantar o ânimo do povo. Alguns de
nossos periódicos mais "marrons" lançaram a suposição de que Stálin
havia fugido. Os habitantes da União Soviética sabiam que Stálin
confiava em que eles cumpririam com seu dever e que faria um resumo da
situação, tão logo esta estivesse definida. E ele o fez, de fato, pelo
rádio, na madrugada de 3 de julho.
As palavras
com que principiou foram muito significativas: "Camaradas! Cidadãos!
disse ele, como o tem feito com freqüência. Em seguida acrescentou:
"Irmãos e Irmãs!". Pela primeira vez Stálin usava em público essas
cálidas palavras familiares. Para todos que o escutavam, isso queria
dizer que a situação era muito séria; que precisavam estar unidos para
fazer frente à prova final e que, mais do que nunca, deveriam
aproximar-se e amar-se uns aos outros; queria dizer que Stálin o
estreitava em seus braços, vigorizando-os para a tarefa que tinham pela
frente. Essa tarefa consistia em suportar com seus próprios recursos o
peso do ataque mais tremendo que conhece a História, resistir a ele,
dominando-o, salvar o mundo. Todos sabiam que era necessário fazê-lo, e
Stálin sabia que o fariam.
Stálin
explicou, com perfeita clareza, que o perigo era grave, que os exércitos
alemães se haviam apoderado da maior parte dos países bálticos, que a
luta seria incrivelmente custosa e que, nesse momento, estava em jogo a
alternativa entre liberdade ou escravidão, vida ou morte para o regime
soviético. Disse-lhes textualmente: "O inimigo é cruel e implacável.
Quer apoderar-se de nossas terras, regadas com nosso suor, para
transformar nossos povos em escravos dos príncipes e barões germânicos".
Apelou para a "valente iniciativa e inteligência que são peculiares ao
nosso povo" que ele, durante mais de vinte anos, havia ajudado a criar.
Traçou, com alguns detalhes, o áspero caminho que todos deveriam
seguir, cada um em seu próprio campo de ação, e disse que os russos
encontrariam aliados entre todos os povos do mundo amantes da liberdade.
Terminando, concitou-os a marchar "para a frente, para a vitória!".
Enviando
informações de Moscou sobre os acontecimentos ocorridos na madrugada em
que Stálin pronunciou seu discurso, Erskine Caldwell referiu-se às
imensas multidões que enchiam as praças públicas da cidade, atentas aos
alto-falantes e que "continham a respiração, num silêncio tão profundo,
que era possível escutar todas as inflexões da voz de Stálin". Em duas
ocasiões, durante o discurso, pôde-se ouvir até o cair da água num copo,
ao fazer Stálin uma pausa para beber. O absoluto silêncio continuou
durante vários minutos depois que Stálin havia terminado. Então, uma
mulher disse: "Trabalha tanto, que não tem tempo para dormir.
Preocupa-me a sua saúde". É dessa forma que Stálin conduz o povo
soviético para enfrentar a prova terrível da guerra.
Ana Louise Strong
Nascida nos Estados Unidos da América. Licenciou-se em filosofia pela Universidade de Chicago. Morreu em Pequim, em 1970, aos 84 anos.
Nascida nos Estados Unidos da América. Licenciou-se em filosofia pela Universidade de Chicago. Morreu em Pequim, em 1970, aos 84 anos.
Publicado em A Verdade nº 37