terça-feira, 14 de setembro de 2021

Criar, duas, três, muitas Saigons por Vijay Prashad

Criar, duas, três, muitas Saigons por Vijay Prashad [*] Pesadelo, da artista afegã Shamsia Assani, 2021.Queridos amigos e amigas, Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social . No domingo, 15 de agosto, o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, fugiu do seu país em direção ao Uzbequistão. Ele deixou para trás uma capital, Cabul, que já havia caído nas mãos das forças do Talibã. O ex-presidente Hamid Karzai anunciou que formou um conselho de coordenação com Abdullah Abdullah, chefe do Comité de Reconciliação Nacional, e o líder jihadista Gulbuddin Hekmatyar. Karzai pediu prudência ao Talibã ao entrar no palácio presidencial de Cabul e assumir o comando do Estado. Karzai, Abdullah Abdullah e Hekmatyar pediram a formação de um governo nacional. Isso servirá ao Talibã, já que permite reivindicar um governo afegão em vez de um governo Talibã. Mas é Talibã e seu líder, Mullah Baradar, que efetivamente estarão no comando do país, com Karzai-Abdullah Abdullah-Hekmatyar na fachada para aplacar as potências estrangeiras oportunistas. A entrada do Talibã em Cabul é uma grande derrota para os Estados Unidos. Poucos meses depois de os EUA iniciarem sua guerra contra o Talibã em 2001, o então presidente George W. Bush anunciou : "o regime do Talibã está chegando ao fim". Vinte anos depois, o inverso se faz evidente. Mas essa derrota dos EUA – depois de gastar 2,26 milhões de milhões de dólares e causar pelo menos 241 mil mortes – é um consolo frio para o povo do Afeganistão, que agora terá que enfrentar a dura realidade do governo do Talibã. Desde a sua formação no Paquistão em 1994, nada de progressista pode ser encontrado nas palavras e atos do Talibã ao longo de sua história de quase trinta anos. Nem nada de progressista pode ser encontrado na guerra de vinte anos que os EUA levaram a cabo contra o povo afegão. Em 16 de abril de 1967, a revista cubana Tricontinental publicou um artigo de Che Guevara intitulado "Criar dois, três, muitos Vietnames: essa é a nossa palavra de ordem". Guevara argumentou que a pressão sobre o povo vietnamita precisava ser aliviada por guerrilhas em outros lugares. Oito anos depois, os EUA fugiam do Vietname, enquanto funcionários estado-unidenses e seus aliados vietnamitas embarcavam em helicópteros do telhado do prédio da CIA em Saigon. A derrota dos EUA no Vietname ocorreu durante uma série de reveses do imperialismo: Portugal foi derrotado no ano anterior em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique; trabalhadores e estudantes expulsaram a ditadura da Tailândia, abrindo um processo de três anos que culminou no levante estudantil em 1976; os comunistas assumiram o poder no Afeganistão durante a Revolução de Saur em abril de 1978; o povo iraniano abriu um processo de um ano contra o ditador apoiado pelos Estados Unidos, o xá do Irão, que levou à revolução de janeiro de 1979; o Movimento New Jewel conduziu uma revolução na pequena ilha de Granada; em junho de 1979, os sandinistas invadiram Manágua (Nicarágua) e derrubaram o regime de Anastasio Somoza, apoiado pelos estado-unidenses. Essas foram algumas entre as muitas Saigons, as muitas derrotas do imperialismo e as muitas vitórias de uma forma ou de outra da libertação nacional. Cada um desses avanços veio com uma tradição política e um ritmo diferente. A revolta popular mais poderosa foi no Irão, embora não tenha resultado em uma dinâmica socialista, mas em uma democracia clerical. Cada um deles enfrentou a ira dos Estados Unidos e de seus aliados, que não permitiram que esses experimentos a maioria deles de natureza socialista germinassem. Uma ditadura militar foi encorajada na Tailândia em 1976, guerras por procuração foram iniciadas no Afeganistão e na Nicarágua, e o Iraque foi pago para invadir o Irão em setembro de 1980. O governo dos EUA tentou por todos os meios negar a soberania a esses países e devolvê-los à subordinação em escala total. O caos veio em seguida, por meio de duas frentes: a crise da dívida e as guerras por procuração. Depois que os países não alinhados aprovaram uma resolução da Nova Ordem Económica Internacional (NOEI) na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974, eles se viram pressionados pelas instituições financeiras dominadas pelo Ocidente, incluindo o Fundo Monetário Internacional e o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos. Essas instituições conduziram os Estados não alinhados a uma profunda crise de dívida; o México deixou de pagar sua dívida em 1982 e inaugurou a atual Crise da Dívida do Terceiro Mundo. Além disso, após a vitória das forças de libertação nacional na década de 1970, uma nova série de guerras por procuração e operações de mudança de regime foram iniciadas para desestabilizar a política na África, Ásia e América Latina por duas gerações. Ainda não saímos da destruição causada pela política ocidental dos anos 1970. A insensibilidade ocidental em relação ao Afeganistão define a natureza da contra-revolução e do intervencionismo liberal. O presidente dos EUA, Jimmy Carter, decidiu colocar recursos imensos nos piores elementos da política afegã e trabalhar com o Paquistão e a Arábia Saudita para destruir a República Democrática do Afeganistão (RDA), que durou de 1978 a 1992 (rebatizada de República do Afeganistão em 1987). Anahita Ratebzad.Anos após a queda da República do Afeganistão, encontrei-me com Anahita Ratebzad, que havia sido ministra no primeiro governo do RDA, para perguntar-lhe sobre aqueles primeiros anos. Enfrentamos graves desafios, tanto internos daqueles que tinham uma visão social reacionária como de fora de nossos adversários nos Estados Unidos e no Paquistão, disse. Meses depois de assumirmos o cargo em 1978, sabíamos que nossos inimigos se haviam unido para nos debilitar e impedir a chegada da democracia e do socialismo ao Afeganistão. Ratebzad foi acompanhada por outras líderes femininas importantes, como Sultana Umayd, Suraya, Ruhafza Kamyar, Firouza, Dilara Mark, Professor R. S. Siddiqui, Fawjiyah Shahsawari, Dra. Aziza, Shirin Afzal e Alamat Tolqun nomes há muito esquecidos. Foi Ratebzad quem escreveu no Kabul New Times (1978) que os privilégios que as mulheres, por direito, devem ter são educação igual, segurança no emprego, serviços de saúde e tempo livre para criar uma geração saudável para construir o futuro do país. (...) Educar e esclarecer as mulheres é agora objeto de atenção especial do governo. A esperança de 1978 está perdida. O pessimismo não deve ser atribuído apenas em relação ao Talibã, mas também àqueles como os EUA, Arábia Saudita, Alemanha e Paquistão que financiaram e apoiaram os fascistas teocráticos semelhantes ao Talibã. Na poeira da guerra dos EUA, que começou em 2001, mulheres como Anahita Ratebzad foram empurradas para baixo do tapete; convinha aos EUA ver as mulheres afegãs como incapazes de ajudar a si mesmas e, portanto, precisavam do bombardeio aéreo dos EUA e da entrega extraordinária dos EUA a Guantánamo. Também convinha aos EUA negar seus vínculos ativos com os piores teocratas e misóginos (pessoas como Hekmatyar, que não são diferentes dos talibãs). Os EUA financiaram os mujahideen, minaram a RDA, atraíram a relutante intervenção soviética em Amu Darya e aumentaram a pressão tanto sobre os soviéticos quanto sobre a RDA, tornando as forças contra-revolucionárias afegãs e a ditadura militar do Paquistão peões em uma luta contra a URSS. A retirada soviética e o colapso da RDA levaram a um cenário ainda pior com uma sangrenta guerra civil, da qual emergiu o Talibã. A guerra dos Estados Unidos contra o Talibã durou vinte anos, mas – apesar da tecnologia militar superior dos Estados Unidos – levou à derrota dos Estados Unidos. Imagine se os Estados Unidos não tivessem apoiado os mujahideen e se os afegãos pudessem considerar a possibilidade de um futuro socialista. Isso teria sido uma luta com seus próprios ziguezagues, mas certamente teria resultado em algo melhor do que o que temos agora: o retorno do Talibã, o açoite de mulheres em público e a aplicação dos piores códigos sociais. Imagine isso. A derrota do poder estado-unidense não vem necessariamente nos dias de hoje com a possibilidade do exercício da soberania e do avanço de uma agenda socialista. Em vez disso, vem por meio do caos e do sofrimento. O Haiti, como o Afeganistão, é parte dos detritos do intervencionismo estado-unidense, atormentado por dois golpes dos EUA, uma ocupação de sua vida política e económica, e agora por outro terremoto. A perda no Afeganistão também nos lembra a derrota dos Estados Unidos no Iraque (2011); esses dois países enfrentaram o feroz poder militar dos EUA, mas não seriam subordinados. Tudo isso elucida tanto a fúria da máquina de guerra estado-unidense, capaz de demolir países, quanto a fragilidade de seu poder, incapaz de moldar o mundo à sua imagem. O Afeganistão e o Iraque desenvolveram projetos estatais ao longo de centenas de anos. Os EUA destruíram seus Estados em uma tarde. O último presidente de esquerda no Afeganistão, Mohammed Najibullah, tentou construir uma Política de Reconciliação Nacional na década de 1980. Em 1995, ele escreveu à sua família: "o Afeganistão tem vários governos agora, cada um criado por diferentes potências regionais. Até Cabul está dividida em pequenos reinos (…) a menos e até que todos os atores [potências regionais e globais] concordem em sentar-se à mesma mesa, deixar suas diferenças de lado para chegar a um consenso genuíno sobre a não interferência no Afeganistão e cumprir seu acordo, o conflito vai continuar". Quando o Talibã conquistou Cabul em 1996, eles capturaram o presidente Najibullah e o mataram do lado de fora do complexo da ONU. Sua filha, Heela, contou-me alguns dias antes de o Talibã tomar Cabul sobre suas esperanças de que a política de seu pai fosse agora adotada. O apelo de Karzai é em vão. É improvável que seja genuinamente adotado pelo Talibã. O que moderará o Talibã? Talvez a pressão de seus vizinhos – incluindo a China – que têm interesses em um Afeganistão estável. No final de julho, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, encontrou-se com Baradar em Tianjin. Eles concordaram em que a política dos EUA falhou. Mas os chineses pediram que Baradar fosse pragmático: não apoiasse mais o terrorismo e integrasse o Afeganistão à Nova Rota da Seda. No momento, esta é a única esperança, mas sustentada por um fio frágil. Em julho de 2020, o ex-ministro do governo da República Democrática do Afeganistão (RDA) e poeta Sulaiman Layeq morreu em decorrência dos ferimentos sofridos num atentado do Talibã em Cabul no ano anterior. O poema Eternal Passions [Paixões eternas] de Layeq (1959) descreve o anseio por aquele mundo diferente que ele e tantos outros trabalharam para construir, um projeto que foi obliterado pelas intervenções dos EUA: O som do amor Transbordou dos corações Vulcânico, bêbado & Anos se passaram E ainda assim esses desejos Como o vento na neve Ou como as ondas sobre a água gritos de mulheres, lamentadoras Os afegãos estão muito contentes de ver o fim da ocupação dos EUA, de ser mais uma Saigon numa longa sequência. Mas isso não é uma vitória da humanidade. Não será fácil para o Afeganistão emergir destas décadas de pesadelo, mas o desejo de fazê-lo ainda pode ser ouvido. Cordialmente, Vijay. [*] Director do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. O original encontra-se em thetricontinental.org/pt-pt/newsletterissue/cartasemanal-33-afeganistao/ Esta carta encontra-se em https://resistir.info/ .

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

2 de Outubro: nova contraofensiva para derrubar Bolsonaro

2 de Outubro: nova contraofensiva para derrubar Bolsonaro 13 de setembro de 2021 Categoria: Brasil, Luta Popular, Últimas Notícias permalink Tagged under: Bolsonaro, brasilia, Fora Bolsonaro, Manifestação, Mobilização, neoliberal, São Paulo Share this on WhatsApp Ato em Brasília em 19 de junho reuniu mais de 30 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios. Foto: Emília Silbernstein/JAV Wanderson Pinheiro e Pedro Laurentino Reis Pereira, Diretório Nacional da UP MOBILIZAÇÃO – Bolsonaro tentou dar um golpe de Estado, passar por cima do Parlamento, do Judiciário e das instituições e declarar-se ditador supremo do Brasil para governar acima da Constituição, das leis e da vontade popular. Não conseguiu seu intento e, por isso, promoveu, com seus asseclas, um recuo vergonhoso, mas momentâneo. Sua base social raivosa – o agronegócio, pastores da igreja evangélica e caminhoneiros reacionários – manteve-se praticamente intacta, Arthur Lira, presidente da Câmara Federal, jogou panos quentes e o mercado se reanimou. Setores do capital bancário e financeiro demonstraram insatisfação com Bolsonaro apenas no ponto da instabilidade dos mercados, mas não nos enganemos: são contradições não-antagônicas, pois, no essencial, têm unidade nas pautas econômicas. Só abandonarão o barco deste governo fascista e assassino se, e somente se, encontrarem outro porto seguro que lhes permita continuar espoliando o povo, devastando as riquezas nacionais e roubando os recursos públicos. Este governo é um governo de generais e de banqueiros, que não pretendem abrir mão do poder, mas querem sim um poder maior. A estratégia de “aproximações sucessivas” continua sendo adotada. Chamamos a atenção à entrevista de Bolsonaro, logo em seguida ao 7 de setembro, quando já tinha feito o recuo, na qual falou para explicar para seus apoiadores mais exaltados: “Querem imediatismo. Se você namorar e casar em uma semana, vai dar errado”, uma metáfora clara de que pretende casar com o poder, sendo esta tentativa apenas uma primeira investida. Manifestação de 02 de outubro: a grande contraofensiva ao golpismo Por tudo isso, devemos considerar o ato do dia 02 de outubro como a verdadeira contraofensiva ao golpe e configurar-se como o início do xeque-mate final ao facínora, que transformou o país em um grande cemitério. Não podemos, nem devemos depositar nossas esperanças no Parlamento do “Centrão” e da grande burguesia, nem no STF, pois ambos já apaziguaram os ânimos, buscando negociar e conciliar com o fascismo. Devemos fazer uma grande ofensiva com todas as nossas energias e atacar o inimigo com o poder do povo, enquanto ele ainda está acuado. Estrategicamente, devemos ter o foco em Brasília, levando caravanas de todos os lugares possíveis, direcionando forças e concentrando o máximo as nossas energias. Este ato ocorrerá logo em seguida à divulgação do relatório da CPI da Covid, o que será um fato político importante. Podemos ir ao Parlamento exigir a abertura do impeachment, colocando Arthur Lira nas cordas e dar uma ofensiva no Palácio de Governo. Derrubar este governo é a única forma de defendermos a democracia. É importante ressaltar que foi Bolsonaro que fez uma importante ofensiva, mesmo que tenha saído pela culatra. O que necessitamos agora é dar uma pujante contraofensiva, jogando todas as forças para derrubar este governo. Mais do que milhares, precisamos que milhões de trabalhadores e trabalhadoras ocupem as ruas e digam em alto e bom som que lugar de fascista é na lata do lixo. Fazer do 2 de outubro apenas mais um ato para enfraquecer o governo e para vencê-lo somente em 2022, pode até parecer uma correta estratégia em um jogo de xadrez, mas é perverso e desonesto com os desempregados, desvalidos e desalentados da vida real. Enquanto Bolsonaro sangrar politicamente, o povo literalmente morrerá, seja de Covid, seja de fome, nas periferias ou nos corredores dos hospitais do país. No dia 7 de setembro, centenas de milhares de pessoas se concentraram em mais de 150 cidades do Brasil para enfrentar o golpismo. Manifestação foi condenada por neoliberais e a mídia burguesa. Foto: Jorge Ferreira/Jornal A Verdade Os neoliberais não são nossos aliados Por isso, devemos travar uma imensa e fraterna luta política com os setores do movimento popular que colocam grande peso na aliança com os neoliberais. Afirmamos que esse setor não pretende derrotar o fascismo em sua pauta econômica, nem vão colocar o povo na rua ameaçando a estabilidade e pautando os direitos. Se eles quiserem ir às ruas, tudo bem, a rua é pública. No entanto, não aceitaremos que tomem as nossas bandeiras, muito menos as nossas pautas, tão caras, como a punição dos torturadores e por direitos econômicos e sociais para a classe trabalhadora. Temos o dever e a obrigação histórica de colocar o nosso povo nas ruas organizado, consciente e determinado. Nosso centro político é o Fora Bolsonaro e a retomada dos direitos sociais, direitos estes que foram retirados por meio do golpe, que não foi principalmente contra o PT, mas pela retirada dos direitos trabalhistas e pela entrega do patrimônio público. Agora é a hora de ajustarmos as contas com os diversos matizes do neoliberalismo, seja fascista, seja pseudo-democrata. Por isso, devemos colocar a classe trabalhadora na vanguarda dessa luta, com suas pautas hasteadas e, assim, arrastar a reboque os setores da pequena burguesia e mesmo da burguesia. Só assim realizaremos uma grande ofensiva e derrotaremos de vez Bolsonaro e os fascistas, sem ilusão com os neoliberais, com o Parlamento e o STF. Vamos então concentrar todas as nossas forças e energias, navegando nesse mar turbulento com grande firmeza. Dar espaço ao fascismo, alegando que ele fez um recuo, não é uma opção. Print Friendly, PDF & Email Compartilhe! FacebookWhatsAppTwitterImprimir Curtir isso: Share this on WhatsApp classic-editor-remember:

O sonho de George Soros:

O sonho de George Soros: Tornar a China uma oportunidade para privatizações selvagens [1] Michael Hudson [*] George Soros. Num artigo no Financial Times, "Investidores na China de XI enfrentam um rude despertar" (30/Agosto/2021), George Soros escreve que a "repressão de Xi à empresa privada mostra que ele não entende a economia de mercado. ...Xi Jinping, o líder da China, chocou-se com a realidade económica. A sua repressão da empresa privada tem sido um entrave à economia". Traduzido desta dupla linguagem orwelliana , "repressão à empresa privada" significa reduzir aquilo que os economistas clássicos chamavam de busca de renda e rendimento não merecido. Quanto ao seu suposto "entrave à economia", o Sr. Soros quer dizer a polarização da economia concentrando a riqueza e o rendimento nas mãos dos Um Porcento mais ricos . Soros apresenta o seu plano para o modo como uma retaliação dos EUA pode punir a China pela retenção do financiamento estado-unidense das suas empresas (como se a China não pudesse criar o seu próprio crédito) até que a China capitule e imponha a espécie de desregulamentação e destributação que a Rússia fez depois de 1991. Ele adverte que a China sofrerá uma depressão ao salvar a sua economia seguindo linhas socialistas e resistindo à privatização ao estilo americano e à deflação da dívida sua associada. O Sr. Soros reconhece que o "sector mais vulnerável da China é o imobiliário, particularmente a habitação". A China tem desfrutado de um boom imobiliário prolongado nas últimas duas décadas, mas isso está agora a chegar ao fim. Evergrande, a maior empresa imobiliária, está sobre-endividada e em perigo de incumprimento. Isto pode causar um crash". Com isso, ele significa uma redução dos preços da habitação. É exactamente isso que é necessário a fim de impedir que os terrenos se tornem um veículo especulativo. Eu e outros exortamos a uma política de tributação da terra a fim de arrecadar o valor crescente da terra, de modo a que esta não seja comprometida junto aos bancos para crédito hipotecário para inflacionar ainda mais os preços da habitação da China. Alertando para as consequências económicas da queda da taxa de natalidade na China, Soros escreve: "Uma das razões pelas quais as famílias da classe média não estão dispostas a ter mais do que um filho é que querem ter a certeza de que os seus filhos terão um futuro brilhante". Isto, naturalmente, é verdade para todas as nações avançadas de hoje. É mais extremo nos países neoliberalizados, por exemplo, os países Bálticos e a Ucrânia – os países cartazes de Soros. Soros revela o seu jogo ao afirmar que "Xi não compreende como funcionam os mercados". O que ele quer dizer é que o Presidente Xi rejeita a procura voraz de renda, a exploração livre para todos, e que molda os mercados para servir a 99%a prosperidade global da China . "Em consequência, a liquidação foi autorizada a ir demasiado longe", continua Soros. O que ele quer dizer é, demasiado longe para manter a dominância dos Um Por cento. A China está a procurar reverter a polarização económica, não a intensificá-la. Soros afirma que as políticas socialistas da China estão a prejudicar os seus objectivos no mundo. Mas do que ele realmente reclama é que está a prejudicar os objectivos neoliberais da América quanto à forma como esperava ganhar dinheiro para si própria com a China. Isto leva Soros a lembrar aos gestores de fundos de pensões ocidentais que "devem alocar os seus activos de forma estreitamente alinhada com os valores de referência em relação aos quais o seu desempenho é medido". Mas a tragédia da financeirização das pensões é que os gestores de fundos de pensões são avaliados pelo dinheiro que ganham financeiramente – de formas que prejudicam a economia industrial ao promover engenharia financeira ao invés da engenharia industrial. "Quase todos eles afirmam que incorporam padrões ambientais, sociais e de governação empresarial (ESG) nas suas decisões de investimento", escreve Soros. Pelo menos, é o que os seus conselheiros de relações públicas anunciam. A Exxon afirma estar a limpar o ambiente através da expansão da perfuração de petróleo offshore na Guiana, etc. Quanto aos "padrões sociais", a lenga-lenga neoliberal é uma economia de gotejamento: ao fazer subir os preços das nossas acções, através da recompra de acções e do pagamento de dividendos mais elevados, estamos a ajudar os assalariados a ganhar uma pensão, apesar de estarmos a deslocalizar e a desindustrializar a economia, a des-sindicalizá-la e a "libertar" a economia das leis de protecção do consumidor e do local de trabalho. Soros tem uma solução radical, a qual sugere que "deveria obviamente aplicar-se aos padrões de referência de desempenho seleccionados pelas pensões e outras carteiras de reforma": ... O Congresso dos EUA deveria aprovar uma lei bipartidária a exigir explicitamente que os gestores de activos investissem apenas em empresas onde as estruturas de governação reais fossem transparentes e alinhadas com as partes interessadas". Uau! Tal projecto de lei impediria os americanos de investir em muitas empresas americanas cujo comportamento não está de todo alinhado com as partes interessadas. Em que proporção: 50%? 75? Mais? "Se o Congresso aprovasse estas medidas", conclui Soros, "daria à Securities and Exchange Commission os instrumentos de que ela precisa para proteger os investidores americanos, incluindo aqueles que não estão conscientes de possuirem acções chinesas e empresas de fachada chinesas. Isso serviria também os interesses dos EUA e da comunidade internacional das democracias em geral". Assim, o Sr. Soros quer impedir os Estados Unidos de investir na China. Ele parece não ver que este é também o objectivo do Presidente Xi: A China não precisa de dólares norte-americanos e está de facto a des-dolarizar. George Soros está obviamente aborrecido pelo facto de o Presidente Xi não ser Boris Yeltsin e porque a China não está a seguir a dependência cleptocrática que distorceu a economia da Rússia. Soros pensava que o fim da Guerra Fria simplesmente o deixaria comprar os mais lucrativos activos geradores de renda, como ele pretendeu fazer nos Países Bálticos e na Ucrânia. A China disse "Não", por isso não é considerada uma "economia de mercado", ao estilo de Soros. Não tornou a sua organização social comercializável e evitou a dependência financeira que torna os "mercados" um veículo para o controlo dos EUA através de sanções e aquisições de empresas estrangeiras. 02/Setembro/2021 [1] Privatizações selvagens: No Brasil diz-se privataria. Em inglês traduz-se por grabitization: uma fusão de grab (agarrar) e privatization (privatização). A palavra teve origem na Rússia cleptocrática do tempo de Yeltsin, a chamada prikhvatizatsiya, quando gigantescas empresas estatais foram entregues a privados em troca de tostões. Ver também: China procura conter o alto custo da habitação . Chinese state media label George Soros a ‘terrorist’ [*] Economista. Os seus livros estão aqui. O original encontra-se em www.unz.com/mhudson/... Este artigo encontra-se em resistir.info

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

A destruição e reconstrução da Coreia do Norte, 1950-1960

A destruição e reconstrução da Coreia do Norte, 1950-1960 Charles K. Armstrong [*] A Força Aérea dos EUA estimou que a destruição da Coreia do Norte foi proporcionalmente maior do que a do Japão, na Segunda Guerra Mundial, onde os EUA transformaram as maiores 64 cidades em escombros e usaram a bomba atómica para destruir outras duas. Os aviões americanos lançaram 635.000 toneladas de bombas na Coreia – isto é, essencialmente, na Coreia do Norte – incluindo 32.557 toneladas de napalm, em comparação com 503.000 toneladas de bombas lançadas em todo o teatro do Pacífico, na Segunda Guerra Mundial. A guerra aérea americana e a destruição da Coreia do Norte A Guerra da Coreia, uma “guerra limitada” para as forças dos EUA e da ONU, foi para os coreanos uma guerra total. Os recursos humanos e materiais da Coreia do Norte e do Sul foram usados ​​ao máximo. A destruição física e a perda de vidas em ambos os lados foi quase além da compreensão, mas o Norte sofreu os maiores danos, devido aos bombardeamentos de saturação americanos e à política de terra queimada das forças da ONU em retirada [1] . A Força Aérea dos EUA estimou que a destruição da Coreia do Norte foi proporcionalmente maior do que a do Japão, na Segunda Guerra Mundial, onde os EUA transformaram as maiores 64 cidades em escombros e usaram a bomba atómica para destruir outras duas. Os aviões americanos lançaram 635.000 toneladas de bombas na Coreia – isto é, essencialmente na Coreia do Norte – incluindo 32.557 toneladas de napalm, em comparação com 503.000 toneladas de bombas lançadas em todo o teatro do Pacífico, na Segunda Guerra Mundial [2] . O número de coreanos mortos, feridos ou desaparecidos no final da guerra aproximou-se de três milhões, dez por cento da população geral. A maioria desses mortos estava no Norte, que tinha metade da população do Sul; embora a RPDC [República Popular Democrática da Coreia] não tenha números oficiais, possivelmente 12 a 15% da população foi morta na guerra, um número próximo ou a ultrapassar a proporção de cidadãos soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial [3] O ato que, de longe, causou a maior perda de vidas civis na Guerra da Coreia, e que os norte-coreanos afirmaram ter sido o maior crime de guerra da América, foi o bombardeamento aéreo de centros populacionais norte-coreanos. O controle americano dos céus da Coreia era avassalador. Os MIG soviéticos, pilotados por pilotos soviéticos, chineses e norte-coreanos, eram às vezes eficazes contra o poder aéreo americano. Mas, sob as ordens de Stalin, os caças soviéticos eram estritamente limitados em número e no alcance a que podiam voar, para que as batalhas aéreas soviéticas não levassem a uma guerra mais ampla [4]. E, em qualquer caso, o apoio aéreo soviético não existiu até ao final de 1950. Durante o verão e o outono, as defesas aéreas norte-coreanas eram virtualmente inexistentes. Unidades de autodefesa locais na ocupada Coreia do Sul, levemente armadas, só podiam assistir e sofrer enquanto as suas cidades e vilas eram destruídas do ar [5] No final da guerra, a Coreia do Norte afirmou que apenas dois edifícios modernos permaneceram de pé em Pyongyang. Para os americanos, o bombardeamento estratégico faz todo o sentido, dando vantagem às proezas tecnológicas americanas contra a superioridade numérica do inimigo. O comando americano rejeitou as preocupações britânicas de que o bombardeamento massivo viraria a opinião mundial contra eles, insistindo que os ataques aéreos eram precisos e as baixas civis limitadas [6]. As acusações russas de ataques indiscriminados a alvos civis não foram tidas em conta pelos americanos. Mas, para os norte-coreanos, vivendo com medo dos ataques dos B-29 há quase três anos, com a possibilidade de lançamento bombas atómicas, a guerra aérea americana deixou uma impressão profunda e duradoura. O governo da RPDC nunca esqueceu a lição da vulnerabilidade da Coreia do Norte aos ataques aéreos americanos e, durante o meio século após o Armistício, continuou a fortalecer as defesas antiaéreas, a construir instalações subterrâneas e, certamente, a desenvolver armas nucleares, para garantir que a Coreia do Norte não se encontrasse de novo em tal posição. O efeito psicológico de longo prazo da guerra em toda a sociedade norte-coreana não pode ser superestimado, mas a guerra contra os Estados Unidos, mais do que qualquer outro fator isolado, deu aos norte-coreanos um sentimento coletivo de ansiedade e medo de ameaças externas, que continuariam por muito tempo após o fim da guerra. As consideráveis ​​realizações económicas da Coreia do Norte desde a libertação foram quase completamente aniquiladas pela guerra. Em 1949, após dois anos de economia planificada, a Coreia do Norte tinha recuperado do caos pós-libertação e a produção económica tinha atingido o nível do período colonial [7]. Os planos para 1950 eram os de aumentar a produção no Norte novamente em um terço, e a liderança da RPDC esperava mais ganhos económicos a seguir à integração com a agricultura mais produtiva do Sul, após a unificação. De acordo com os números da RPDC, a guerra destruiu cerca de 8.700 fábricas, 5.000 escolas, 1.000 hospitais e 600.000 residências [8]. A maior parte da destruição ocorreu em 1950 e 1951. Para escapar ao bombardeamento, fábricas inteiras foram deslocadas para o subsolo, junto com escolas, hospitais, repartições governamentais e grande parte da população. A agricultura foi devastada e a fome pairou. Os camponeses escondiam-se no subsolo durante o dia e saíam à noite para trabalhar na agricultura. A destruição do gado, a escassez de sementes, ferramentas agrícolas e fertilizantes e a perda de mão de obra reduziram a produção agrícola ao nível da subsistência, na melhor das hipóteses. O jornal Nodong Sinmun referiu-se a 1951 como “o ano de provações insuportáveis”, uma frase revivida nos anos de fome da década de 1990 [9] . Mas o pior ainda estava para vir. Pelo outono de 1952, não havia mais alvos eficazes para os aviões dos EUA atingirem. Todas as povoações, cidades e áreas industriais significativas da Coreia do Norte já haviam sido bombardeadas. Na primavera de 1953, a Força Aérea alvejou barragens de irrigação no rio Yalu, para destruir a safra de arroz da Coreia do Norte e para pressionar os chineses, que teriam de fornecer mais ajuda alimentar ao Norte. Cinco reservatórios foram atingidos, inundando milhares de hectares de terras agrícolas, inundando cidades inteiras e destruindo a fonte de alimentos essenciais para milhões de norte-coreanos [10] . Só a assistência de emergência da China, da URSS e de outros países socialistas evitou a fome generalizada. A reconstrução da Coreia do Norte como um “Projeto Fraternal Socialista” Quando a luta parou, no verão de 1953, toda a península coreana estava em ruínas. Ao sul da DMZ [zona desmilitarizada], os Estados Unidos e os seus aliados lideraram um esforço ambicioso e bem financiado para reabilitar a Coreia do Sul sob os auspícios da Agência das Nações Unidas para a Reconstrução da Coreia (UNKRA) [11] A Coreia do Norte, além de mais devastada do que o Sul e sofrendo também com a escassez de mão de obra causada pela hemorragia populacional da guerra, tinha muito menos recursos para se reconstruir. No entanto, através de uma combinação de tremendo trabalho e sacrifício por parte do povo norte-coreano, da generosa assistência económica e técnica dos “fraternos” países socialistas e da vantagem de uma infraestrutura industrial anterior à guerra, mais desenvolvida do que a da Coreia do Sul, a RPDC depressa alcançou taxas de crescimento económico que ultrapassaram em muito as da Coreia do Sul, na década de 1970. No final da década de 1950, a taxa de crescimento da produção industrial total da Coreia do Norte (média de 39% entre 1953 e 1960) foi provavelmente a mais elevada do mundo [12] A Coreia do Norte foi virtualmente destruída como sociedade industrial, e a primeira prioridade da liderança da RPDC foi reconstruir a indústria. Poucos dias após o armistício, Kim Il Sung enviou um relatório à embaixada soviética em Pyongyang, detalhando a extensão dos danos da guerra e a necessidade de ajuda soviética para reabilitar a economia industrial da Coreia do Norte. A ajuda “fraterna” à RPDC começou durante a Guerra da Coreia. É claro que a maior parte da assistência militar direta veio da URSS e da China, mas as “Democracias Populares” do Leste Europeu também contribuíram para o esforço de guerra, com apoio logístico, assistência técnica, suprimentos médicos e outros. Uma das mais pungentes formas de assistência foi o acolhimento de milhares de órfãos da guerra da Coreia. Só a Roménia abrigou cerca de 1.500 dessas crianças, que regressaram à RPDC com a conclusão do Plano Quinquenal de 1957-1961 da Coreia do Norte. O primeiro grupo de 205 crianças coreanas foi enviado para a RDA em janeiro de 1953. Essas e centenas de outras também regressaram à Coreia do Norte vários anos depois. Kim Il Sung liderou uma delegação a Moscovo, em setembro de 1953, principalmente para acertar os termos da ajuda soviética. O governo soviético concordou em cancelar ou adiar o pagamento de todas as dívidas pendentes da Coreia do Norte e reiterou a sua promessa de dar à RPDC um bilião de rublos em ajuda direta, monetária e na forma de equipamento industrial e bens de consumo. Técnicos soviéticos foram enviados para a Coreia do Norte para ajudar no esforço de reabilitação. A maior parte da reconstrução de fábricas na Coreia do Norte pós-guerra foi supervisionada por especialistas soviéticos. Pyongyang também recebeu promessas de ajuda de países do Leste Europeu e da República Popular da Mongólia, esta última prometendo enviar à Coreia do Norte cerca de 86.500 cabeças de gado. O terceiro maior contribuinte com ajuda externa depois da União Soviética e da China foi a Alemanha Oriental, que desempenhou um importante papel na reconstrução de Hamhŭng, a segunda maior cidade da Coreia do Norte e um importante centro industrial. Kim visitou Pequim em novembro e recebeu promessas igualmente generosas da RPC, refletindo em parte o interesse do governo chinês em competir com a URSS pela influência na Coreia do Norte. A China cancelou as dívidas da Coreia do Norte com a Guerra da Coreia e ofereceu à RPDC 800 milhões de yuans em ajuda para o período de 1954 a 1957, dos quais 300 milhões viriam no primeiro ano. A Coreia do Norte e a China também assinaram um acordo de cooperação económica e cultural semelhante ao assinado entre a RPDC e a URSS, em março de 1949. A China ajudou a Coreia do Norte na reconstrução de fábricas, embora não na escala em que a URSS o fez, e tornou-se uma importante fonte de bens de consumo norte-coreanos, incluindo têxteis, algodão e alimentos. Especialistas técnicos chineses foram para a Coreia do Norte e os coreanos viajaram para a China para treino técnico. Mas talvez a contribuição mais importante que a China deu para a reconstrução da Coreia do Norte, além de ajuda monetária e cancelamento de dívidas, foi a mão de obra fornecida pelas tropas de Voluntários do Povo Chinês (CPV) que permaneceram na Coreia do Norte até 1958. Essas tropas, que contavam milhares de soldados, ajudaram a consertar estradas e ferrovias danificadas pela guerra e a reconstruir escolas, pontes, túneis e represas de irrigação. Na Coreia do Norte, com escassez de mão de obra, a assistência física dos Voluntários do Povo Chinês foi inestimável para a reabilitação da infraestrutura danificada pela guerra. O período de reconstrução pós-guerra na Coreia do Norte foi a primeira e única vez em que a União Soviética, a China e os países alinhados com a União Soviética da Europa Oriental e da Mongólia cooperaram num projeto económico de grande escala dessa natureza. Foi o auge histórico da “solidariedade socialista internacional”, que nunca mais se repetiria depois de a URSS e a China se terem separado, no início dos anos 1960. Considerando que a União Soviética ainda estava a reconstruir-se após a devastação da Segunda Guerra Mundial, que a China tinha concluído recentemente a sua guerra civil e que a Alemanha Oriental (a terceira maior fonte de ajuda) também estava a reconstruir-se da guerra, a escala da ajuda para a Coreia do Norte é notável. Fontes soviéticas contemporâneas fazem uma análise da assistência estrangeira à RPDC, entre 1953 e 1960, dividida aproximadamente em três partes, sem dúvida uma divisão do trabalho sugerida por Moscovo. Exatamente um terço (33,3%) da ajuda à reconstrução veio da URSS, 29,4% da China e 37,3% de outros países. Os dados monetários não consideram a ajuda em trabalho, que foi particularmente importante do lado chinês. Ajuda Contribuições de nações fraternais (milhões de rublos) URSS 292,5 China 258,4 RDA 122,7 Polónia 81,9 Checoslováquia 61,0 Roménia 22 Hungria 21 Bulgária 18,7 Albânia 0,6 Mongólia 0,4 Vietname do Norte 0,1 Total 879,3 SSSR i Koreia (Moscovo: URSS Academia das Ciências, 1988), p.256 A Coreia do Norte dependia da assistência fraterna para mais de 80% das suas necessidades de reconstrução industrial entre 1954 e 1956, o período do Plano de Três Anos. O país não poderia ter reconstruído a sua economia tão rapidamente como o fez sem esse influxo maciço de ajuda em quase todos os setores da produção e consumo. Mas a RPDC não ficou dependente da ajuda por muito tempo. Em parte, foi por necessidade, já que a ajuda do bloco socialista foi planeada desde o início para ir sendo atenuada à medida que a reconstrução fosse concluída. No entanto, é notável a rapidez com que a dependência da ajuda da Coreia do Norte caiu – a declaração de “autossuficiência” da Coreia do Norte, no final da década de 1950, tinha razão de ser. Em 1954, 33,4% da receita do Estado da Coreia do Norte veio da ajuda externa; em 1960, a proporção caiu para apenas 2,6%. Em contraste, bem mais de metade da receita do governo da Coreia do Sul veio de assistência externa em 1956. No início dos anos 1960, bem antes da descolagem industrial da Coreia do Sul, o Norte tinha-se reindustrializado de forma impressionante. Essa diferença não pode ser explicada apenas pela ajuda externa, que foi muito maior em termos absolutos na Coreia do Sul do que no Norte. A capacidade do regime de mobilizar a população norte-coreana também foi indispensável para o sucesso deste projeto. Como disse Kim Il Sung, a reconstrução económica exigiria todo o trabalho e recursos que o povo norte-coreano pudesse congregar. Reconstrução urbana em Pyongyang e Hamhŭng Na reconstrução de Pyongyang, como na economia norte-coreana em geral, a assistência fraterna foi maciça, diversa e crucial. Na época, essa ajuda foi calorosa e amplamente reconhecida na mídia da RPDC. Depois da década de 1960, quando a autossuficiência se tornou o slogan dominante e a lente através da qual todas as experiências norte-coreanas anteriores foram filtradas, o papel dos estrangeiros na reconstrução do pós-guerra raramente foi mencionado se é que chegou a sê-lo. Em termos gerais, a China contribuiu principalmente com mão-de-obra e bens de consumo ligeiros, os soviéticos e os alemães orientais forneceram assistência técnica e supervisão e os outros países da Europa Oriental forneceram equipamentos e assistência técnica para indústrias específicas. Kim Il Sung agradeceu publicamente aos Voluntários do Povo Chinês, que lutaram “ombro a ombro” com o Exército do Povo Coreano, pelo seu papel continuado no esforço de reconstrução do pós-guerra. Soldados do VPC ajudaram a reconstruir pontes, escolas primárias, fábricas e apartamentos. Em fevereiro de 1955, por exemplo, a 47.ª Brigada dos VPC reconstruiu a Fábrica de comboios elétricos de Pyongyang. Um grupo de mais de 770 especialistas em construção chineses ficou em Pyongyang, entre novembro de 1954 até o final de 1956 para ajudar a supervisionar a reconstrução. A Albânia doou asfalto para pavimentação de estradas, a Checoslováquia deu autocarros, a Hungria construiu uma fábrica de ferramentas de precisão, a Alemanha Oriental deu telefones e centrais telefónicas para os serviços de comunicação da cidade e modernizou o Centro Nacional de Produção de Filmes. A Polónia construiu a Fábrica da Ferrovia de Pyongyang Oeste, a Bulgária construiu uma fábrica de ferramentas de madeira, a Roménia construiu o Hospital Central de Pyongyang e a URSS, a Checoslováquia, China e Alemanha Oriental contribuíram com motores e vagões de carga e de passageiros para desenvolver a indústria ferroviária da Coreia do Norte. Durante o período do Plano de três anos, muitos líderes do Leste Europeu visitaram Pyongyang, onde receberam calorosamente os agradecimentos pelas contribuições dos seus países para a reconstrução do pós-guerra, incluindo Otto Grotewohl da RDA, Enver Hoxha da Albânia e Gheorghiu-Dej da Roménia. Perante o avanço chinês no final de novembro e dezembro de 1950, o Corpo X do Exército dos EUA retirou-se em direção à área de Hamhŭng/Hŭngnam para ser evacuado por mar. Hamhŭng já tinha sido bombardeada pela Força Aérea dos Estados Unidos, mas o Corpo X recebeu a ordem de “negar abastecimentos e meios de transporte às tropas comunistas” antes de deixarem a área. Durante vários dias, a começar em 11 de dezembro, o 185.º Batalhão de Engenharia do Corpo X transportou cerca de quatro toneladas de dinamite para os arredores industriais de Hŭngnam e começou a destruir o que restava das fábricas. Em 15 de dezembro, a ponte ferroviária que levava ao sul de Hamhŭng foi dinamitada. Todas as pontes rodoviárias nas proximidades foram demolidas da mesma forma. Três dias depois, o Primeiro Pelotão queimou todos os edifícios e destruiu todos os abastecimentos para aviação no aeroporto Yongp'o de Hamhŭng, cerca de cinco milhas [8 km] ao sul de Hŭngnam, com gasolina, balas tracejantes e granadas; para garantir o resultado, um bombardeamento naval atingiu o aeroporto no final da tarde. Enquanto isso, cerca de 100.000 refugiados norte-coreanos foram transportados de Hŭngnam para a Coreia do Sul por navios-tanque da marinha dos EUA na chamada “Evacuação de Natal” entre 19 e 24 de dezembro. Dos escombros de Hamhŭng destruída e despovoada, os norte-coreanos e alemães orientais construíram uma nova cidade industrial. Não está claro exatamente quando e por quem foi tomada a decisão de que a ajuda da Alemanha Oriental se concentrasse na cidade de Hamhŭng. Parece que o primeiro-ministro da RDA, Otto Grotewohl, prometeu pessoalmente a Kim Il Sung ajuda na reconstrução de uma cidade quando os dois homens se encontraram na Conferência de Genebra em 1954. Mais tarde naquele ano, no final de junho ou início de julho, um líder norte-coreano (presumivelmente Kim Il Sung ) escreveu a Grotewohl: O governo e todo o povo coreano estão comovidos e eternamente gratos pela promessa feita por si, caro camarada primeiro-ministro, à nossa delegação na Conferência de Genebra, de reconstruir uma das cidades destruídas, com os esforços da República Democrática Alemã ... O governo de nossa República decidiu como objeto de reconstrução e recuperação pelo seu governo a cidade de Hamhŭng, um dos centros provinciais da nossa República” [13] Talvez Grotewohl, sendo ele mesmo presidente de um país destruído pela guerra, fosse movido por um sentimento de vínculo comum com os coreanos; talvez tenha sido pressionado pelos soviéticos a dar a ajuda da Alemanha Oriental a um grande projeto de reconstrução industrial, mas não na capital, que seria uma montra da ajuda soviética. Em qualquer caso, o próprio Grotewohl chefiou uma “Equipe de Trabalho Alemã”(Deutsche Arbeitsgruppe, DAG) para dirigir o projeto. Centenas de engenheiros, técnicos e artífices da Alemanha Oriental e suas famílias foram enviados para Hamhŭng, tendo alguns residido aí durante vários anos, e ganharam o cognome coletivo, que soa ironicamente alemão, “Hamhunger”. No outono de 1954, uma delegação da RDA visitou Hamhŭng para estabelecer as bases para o projeto de reconstrução e, no ano seguinte, o governo da Alemanha Oriental anunciou o seu plano para ajudar na reconstrução de Hamhŭng no período de 1955-1964. Em pouco mais de cinco anos, os norte-coreanos, com a ajuda da Alemanha Oriental, reconstruíram Hamhung como uma cidade industrial moderna e, durante décadas, a cidade seria o principal centro industrial da Coreia do Norte fora da capital, Pyongyang. Em 1960 – muito antes de o termo ser aplicado à Coreia do Sul – a imprensa da Alemanha Oriental chamou à Coreia do Norte “um milagre económico no Extremo Oriente”[14] . Em junho de 1956, Kim Il Sung visitou a RDA e agradeceu pessoalmente aos alemães orientais a sua ajuda [15]. Mas, desde o início do processo de reconstrução, a liderança da RPDC tinha visto a ajuda externa como um processo limitado que gradualmente daria lugar à autossuficiência norte-coreana [16]. Em dezembro de 1955, Kim fez o seu subsequente famoso discurso sobre “Zuche” ou autoconfiança, referindo-se originalmente à independência ideológica, especialmente em relação à União Soviética, ao longo das duas décadas seguintes, e o Zuche seria alargado a todos os aspetos do comportamento da Coreia do Norte, da política à economia e à defesa militar. Os governos da RPDC e da RDA declararam concluído o projeto Hamhŭng em 1962, dois anos antes do previsto. Os especialistas alemães e as suas famílias voltaram para casa. Ao mesmo tempo, os milhares de órfãos coreanos acolhidos por famílias alemãs, romenas e outras da Europa Oriental voltaram para a Coreia. Alguns estudantes norte-coreanos permaneceram na Europa Oriental e na URSS, mas a era de estreita “cooperação fraterna” tinha chegado ao fim. A Coreia do Norte fora reconstruída e, dali para a frente, traçaria o seu próprio caminho de desenvolvimento político e económico, ligado, mas nunca subordinado, à comunidade socialista mais ampla das nações. Notas [1] O Comando do Extremo Oriente ordenou ao General Walker que “destruísse tudo o que pudesse ser usado pelo inimigo” quando o Oitavo Exército fugiu para o Sul, em dezembro de 1950. Roy E. Appleman, Disaster in Korea: The Chinese Confront MacArthur [Desastre na Coreia: o confronto chinês de MacArthur], (College Station, TX: Texas A & M Pres, 1989), p. 360. [2] Citado em Rosemary Foot, A Substitute for Victory: The Politics of Peacemaking at the Korean Armistice Talks [Um substituto para a vitória: As políticas de fazer a paz nas conversações do Armistício da Coreia] (Ithaca: Cornell University Press, 1990), pp. 207-208. [3] Jon Halliday, “The North Korean Enigma” [O enigma da Coreia do Norte] New Left Review n.º 127 (maio - junho de 1981), p. 29 [4] A extensão do envolvimento aéreo soviético na Guerra da Coreia foi por muito tempo um segredo da Guerra Fria, cujos detalhes só se tornaram conhecidos após o colapso da URSS. Ver Xiaoming Zhang, Red Wings over the Yalu: China, the Soviet Union, and the Air War in Korea [Asas vermelhas sobre Yalu: a China, a União Soviética e a guerra aérea na Coreia] (College Station: Texas A&M University Press, 2002). [5] Arquivos Nacionais dos EUA, Grupo de Registos 242, aviso de embarque 2013, item 1/191. Organização das Unidades de Defesa Doméstica Armada (RPDC), setembro de 1950. Os relatórios incluem descrições gráficas de um ataque aéreo à cidade de Yŏch'ŏn, em 26 de agosto, e o bombardeamento de uma escola primária, em 1 de setembro. [6] Conrad C. Crane, American Airpower Strategy in Korea, 1950 - 1953 [Estratégia do poder aéreo americano na Coreia] (Lawrence: University Press of Kansas, 2000), pp. 42–43. [7] US National Archives [Arquivos Nacionais dos EUA], Record Group 59. US Embassy to State, “Economic Conditions in North Korea” [Condições económicas na Coreia do Norte], 11 de outubro de 1949, p. 8. [8] The Three Year Plan” [O plano trienal], Kyŏngje kŏnsŏl [Economic Construction], setembro de 1956, pp. 5–6. [9] Nodong Sinmun [jornal norte-coreano], 16 de março de 1952, p. 1 [10] Callum MacDonald, Korea: The War Before Vietnam [Coreia: A guerra anterior à do Vietname] (London: Macmillan, 1986), pp. 241-242. [11] A reconstrução pós-guerra da Coreia do Sul foi o maior projeto de desenvolvimento multilateral do mundo na época. Ver Stephen Hugh Lee, “The United Nations Korea Reconstruction Agency in War and Peace” [A Agência das Nações Unidas para a Reconstrução da Coreia na Guerra e na Paz], em Chae-Jin Lee e Young-ick Lew, eds., Korea and the Korean War [A Coreia e a Guerra da Coreia], (Seul: Yonsei University Press, 2002), pp. 357 - 96. [12] John Yoon Tai Kuark, “A Comparative Study of Economic Development in North and South Korea during the Post-Korean War Period” [Um Estudo Comparativo do Desenvolvimento Económico na Coreia do Norte e do Sul durante o período Pós-Guerra da Coreia], Ph.D. dissertação, University of Minnesota, 1966, p. 32; Joseph S. Chung, The North Korean Economy: Structure and Development [A economia norte-coreana: estrutura e desenvolvimento] (Stanford: Hoover Institution Press, 1974), pp. 146-47. [13] Citado em Ruediger Frank, Die DDR und Nordkorea: Dier Wiederaufbau der Stadt Hamhung von 1954-1962 [A RDA e a Coreia do Norte: a reconstrução da cidade de Hamhung de 1954 a 1962] (Aachen: Shaker, 1996), p. 23. [14] Martin Radmann, Ein Wirtschafstwunder im Fernen Osten [Um milagre económico no Extremo Oriente], Neues Deutschland , 27 de dezembro de 1960. [15] Ministério das Relações Exteriores da RDA, seção da Coreia. Visit of a Government Delegation of the DPRK in the GDR, June 1956 [Visita de uma delegação governamental da RPDC à RDA, junho de 1956].” MfAA A 6927, Ficha 1. [16] Kim Il Sung, “On Eliminating Dogmatism and Formalism and Establishing Juche in Ideological Work” [Sobre a eliminação do dogmatismo e do formalismo e a institucionalização Juche no Trabalho Ideológico] Works, vol. 9, pp. 395-417. 30/Agosto/2021 [*] Professor de história e diretor do Centro de Investigação sobre a Coreia da Universidade de Columbia. É autor de The North Korean Revolution, 1945-1950 e The Koreas, e editor de Sociedade Coreana: Sociedade Civil, Democracia e o Estado e de Coreia no Centro: Dinâmicas do Regionalismo no Nordeste Asiático. Este artigo faz parte de uma série contínua de The Asia-Pacific Journal na comemoração do sexagésimo aniversário do início da Guerra EUA-Coreia. Citação recomendada: Charles Armstrong, The Destruction and Reconstruction of North Korea, 1950 - 1960, The Asia-Pacific Journal Vol 8, Entrada 51, n.º 2, 20 de dezembro de 2010. O original encontra-se em https://apjjf.org/-Charles-K.-Armstrong/3460/article.html e a tradução de TAM e MFO em https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/a-destruicao-e-reconstrucao-da-coreia-159120 Este artigo encontra-se em https://resistir.info
Proxima Inicio