sábado, 3 de agosto de 2013

O STALINISMO DE GRAMSCI NO CAMPO POLÍTICO-PARTIDÁRIO


O STALINISMO DE GRAMSCI

NO CAMPO POLÍTICO-PARTIDÁRIO

 

Texto de Autoria de
Portau Schmidt von Köln

A Enfermidade Gramsciana
no Movimento Trotskysta Contemporâneo
e nas Lutas de Emancipação do Proletariado
Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky  
O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana
de Atualização, Correção
e Superação do Marxismo
(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)
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O Capítulo III em destaque é composto pela presente página de Internet e pelas seguintes subdivisões :

Capítulo III. Introdução : Qual a Compatibilidade entre os Posicionamentos de Gramsci e de Trotsky

Capítulo III.B. : Gramsci contra Trotsky no Campo Teórico-Doutrinário

Capítulo III.C. : A Lógica Filosófica de Gramsci contra o Socialismo Científico de Marx e Engels

Capítulo III.D. : A Via ao Socialismo Democrático-Pacifista da “Guerra de Posição” de Gramsci    


Com efeito, um primeiro Gramsci em face de Trotsky é o que redige as páginas jornalísticas de “Il Grido del Popolo” e “Avanti !”, entre 1917 e 1918, venerando entusiasticamente a atuação dos bolcheviques e de seus dirigentes, no quadro das revoluções russas, criticando, porém, acerbamente, a doutrina histórico-materialista de Marx e Engels, desde um ponto de vista idealista-subjetivista, neo-hegeliano, gentilista-crociano[1]. 

Um primeiro Gramsci em face de Trotsky é ainda o redator, em colaboração com Palmiro Togliatti, Umberto Terracini e Angelo Tasca, do semanário “L’Ordine Nuovo” e “Avanti !”, entre 1919 e 1920[2], anos de suas melhores produções literárias, em essência mais próximas da linha prático-política dos bocheviques, sob a direção de Lenin, e enriquecidas, objetivamente, com o ascenso dos Conselhos de Fábrica e dos Comissários de Repartição de Turim[3], ainda que, no domínio teórico-doutrinário, revelem-se, mesmo nesses anos, consideráveis equívocos de Gramsci, em particular no que concerne à doutrina de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, acerca do Estado[4].

Sem embargo, o II Congresso do Komintern achou devido, diante desse quadro multiforme, considerar, em essência, como correta e coerente com todos os princípios da III Internacional a crítica dirigida ao social-reformismo do Partido Socialista Italiano, bem como as propostas práticas, formuladas especificamente pela seção turinesa desse partido, na revista “L’Ordine Nuovo”, de 8 de maio de 1920[5].

Com efeito :


„TESES SOBRE AS PRINCIPAIS TAREFAS DO II CONGRESSO DA INTERNACIONAL COMUNISTA
...........................
III.  A CORREÇÃO DA LINHA E, EM PARTE, TAMBÉM DA COMPOSIÇÃO DOS PARTIDOS QUE ADERIRAM À INTERNACIONAL COMUNISTA OU QUEREM A ELA ADERIR
............................
No que concerne ao Partido Socialista Italiano, o II Congresso da III. Internacional considera como sendo essencialmente corretas e concordantes com todos os princípios fundamentais da III Internacional a crítica a esse partido e as propostas práticas formuladas à direção regional do Partido Socialista Italiano pela Seção de Turim desse partido, na revista „A Nova Ordem“(L’Ordine Nuovo), de 8 de maio de 1920.“[6]  

Referentemente ao tema, cumpre observar que, nessa ocasião, Lenin e Bukharin declararam, entretanto, formalmente, não possuir a intenção de expressar um juízo acerca da orientação geral de „L’Ordine Nuovo“, acerca da qual não possuíam documentos suficientes para a formulação de um julgamento, senão apenas indicar que conferiam sua aprovação a uma crítica e a certas propostas dirigidas à direção do PSI, contidas em um determinado documento em específico, intitulado „Pela Renovação do Partido Socialista“, publicado em 8 de maio de 1920, nas colunas de „L’Ordine Nuovo[7]. 

Por fim, um primeiro Gramsci em face de Trotsky surge como sendo o membro representante do setor da minoria ordinovista do Comitê Central do Partido Comunista Italiano(PCI), fundado, em Livorno, em 21 de janeiro de 1921[8], bem como aquele da carta de resposta a ele solicitada pelo próprio Trotsky, acerca do movimento literário futurista na Itália dos anos 20, intitulada “Uma Carta a Trotsky sobre o Futurismo”, datada de 8 de setembro de 1922[9], e em sua atividade de militância enquanto representante do PCI junto ao Komintern, que se projeta ao longo dos anos de 1922 e 1923.

Ainda nesse mesmo contexto, localiza-se a afirmação de Trotsky, manifestada em 1932, de que companheiros italianos teriam-lhe dito (possivelmente, a referência em tela está relacionada com informações prestadas por Pietro Tresso (Basco) - esse último um convicto gramscista que, após ter sido expulso do PCI, adere temporariamente às fileiras trotskystas) que Gramsci havia sido o único membro da direção do PCI a considerar a possibilidade de os fascistas tomarem o poder.[10]

Para o exame da temática em referência, relativa à eventual compatibilidade entre os posicionamentos de Gramsci e de Trotsky, resulta imperioso frizar, entretanto, que um segundo e último Gramsci diante de Trotsky emergiu, a seguir, enquanto um dos principais dirigentes do Partido Comunista Italiano(PCI), intervindo, doutrinária e politicamente, logo nos mêses subsequentes à morte de Lenin, ocorrida em janeiro de 1924, e do V Congresso do Komintern, realizado entre 17 de junho e 8 de julho desse mesmo ano, escrevendo, a partir de então, nas colunas de “L’Ordine Nuovo”, “Lo Stato Operaio” e “l’Unità”[11], elaborando, intelectualmente, as Teses de Lyon do PCI, juntamente com Palmiro Togliatti (Ercoli), em janeiro de 1926[12], cristalizando seus pensamentos doutrinários, por fim, em seus Cadernos do Cárcere, redigidos preponderantemente entre 1928 e 1933, porém ainda, de maneira esparsa e intermitente, até 1937, ano de sua morte[13].

Nessa sua segunda e última fase, é possível verificar-se em Gramsci seu gradativo amadurecimento teórico, até a sua mais plena desenvoltura, plasmada em seus Cadernos do Cárcere, enriquecidos com sua experiência conjunta de 5 anos, de 1921 à 1926, enquanto dirigente do Partido Comunista Italiano, e de dois anos, entre 1922 e 1923, junto à direção do Komintern[14].

Nesse mesmo sentido, Gramsci participou ainda, ativamente, entre 21 de março e 6 de abril de 1925, da V. Conferência Ampliada do Comitê Executivo do Komintern, que tratou das questões teóricas e práticas relacionadas com a stalinização dos partidos comunistas, sob a alcunha nominal de “Teses sobre a Bolchevização dos Partidos Comunistas[15].

No início dessa sua segunda e última fase, seria de difícil persuasão afirmar-se, entretanto, dando por líquido e certo, que Gramsci, por ocasião de sua estadia em Moscou, onde se encontrou nos anos de 1922 e 1923, na qualidade de delegado do PCI junto ao Comitê Executivo do Komintern, amadureceu sua distância em relação às posições abstencionistas ultra-esquerdistas de Amadeo Bordiga, à época secretário geral do PCI, “graças sobretudo à influência de Trotsky”[16].

O exame detido de seus escritos, produzidos até o V Congresso do Komintern, realizado entre 17 de julho e 8 de julho de 1924, bem como a análise demorada de todo o complexo de sua obra, conduzem, mais propriamente, ao convencimento de que Gramsci fundava seus próprios posicionamentos políticos não na defesa coerente de sólidas concepções teórico-doutrinárias, prático-políticas e estratético-programáticas, próprias à dialética histórico-materialista do marxismo revolucionário, mas sim assentava-os nas orientações e nos giros políticos circunstanciais impulsionados por grupos e personalidades dirigentes da Internacional Comunista, dos quais dependia para travar suas próprias lutas políticas, no seio das organizações partidárias e dos órgãos publicísticos do movimento proletário e camponês italiano.

Precisamente esse enfoque permite afirmar que Gramsci amadureceu sua distância em face de Bordiga escorando-se, formalmente, de início, “sobretudo”, nas críticas de Lenin dirigidas a esse último, formuladas no seio do Komintern, já a partir dos primeiros anos de sua fundação, em 1919, – reconhecendo, por consegüinte, nesse contexto, as contribuições de Trotsky e de outros dirigentes bolcheviques acerca do tema.

Posteriormente, após a progressiva ausência de Lenin, apoiou-se, porém, ainda que, de início, de maneira mais velada, devido à indefinição momentânea da luta fracional no seio do PC da URSS, nos posicionamentos firmados pela burocracia encabeçada por Stálin, em sua luta contra Trotsky e seus defensores.  

Nesse contexto, já mesmo a carta de Gramsci, dirigida a Togliatti e Terracini, em 9 de feveiro de 1924, i.e. dias após a morte de Lenin, não permite, efetivamente, entrever, de nenhuma maneira, o fato de que “traços da influência de Trotsky” perpassaram, outrora, ainda que transitoriamente, as concepções de Gramsci, ou ainda que Gramsci, nessa ocasião, defendeu, de início, “substancialmente, as posições trotskystas contra a troika”, apesar de ser, em verdade, a esse tempo, sua apreciação a respeito de Trotsky, bem como acerca da disputa sobre o Outubro de 1917 e a Revolução Permanente, ainda consideravelmente diferente daquela que se encontra em seus Cadernos do Cárcere, em cujas páginas Gramsci ataca, hostil, desbragada e ostensivamente – e não apenas velada, disfarçada e moderadamente –, os principais posicionamentos e concepções de Trotsky.

A referida carta de Gramsci, datada de 9 de fevereiro de 1924, ao conter considerações cuidadosamente formuladas, de modo eminentemente factual-constatatório, e esclarecimentos descritivos, metodologicamente analítico-atestatórios, visando a combater, antes de tudo, as posições de Amadeo Bordiga, voltadas ao impulsionamento de uma ruptura abstencionista em relação da Internacional Comunista, fornece, além disso, elementos para seguramente afirmar que Gramsci, estando plenamente consciente das diversas posições existentes no interior do PC da URSS e do Kominern, agiria à maneira de um trânsfuga, em face dos resultados da luta fracional entre Trotsky e Stálin, tal como descreve haveriam de posicionar-se Zinoviev e Kamenev, na hipótese de demonstrar-se falido o Levante de Petrogado, de Outubro (Novembro) de 1917, levante esse que Gramsci, tal qual o pensador neo-kantista, idealista-subjetivista alemão, Max Weber, qualifica, indevida e equivocadamente, como um “golpe de Estado”[17]. 

Examine-se, pois, os argumentos de Gramsci, contidos em sua carta de 9 de fevereiro de 1924, dirigida a Togliatti e Terracini :

 

“No que concerne à Rússia, sempre soube que na topografia das frações e das tendências Radek, Trotsky e Bukharin ocupam uma posição de esquerda, Zinoviev, Kamenev, Stálin, uma posição de direita, enquanto Lenin posicionava-se no centro e funcionava de árbitro, em todas as situações. Isso, naturalmente, na linguagem corrente política.

O núcleo assim-chamado leninista, como é sabido, sustenta que essas posições “topográficas” são absolutamente ilusórias e falaciosas, sendo que, nas suas polêmicas, demonstrou, continuamente, que os assim-denominados de esquerda nada são senão mencheviques, acobertados de linguagem revolucionária, na medida em que são incapazes de avaliar as relações reais das forças efetivas.

É sabido, de fato, que, em toda a história do movimento revolucionário russo, Trotsky estava politicamente mais a esquerda do que os bolcheviques, enquanto nas questões de organização fazia bloco freqüentemente ou, até mesmo, confundia-se com os mencheviques.

É sabido que, em 1905, Trotsky já considerava que, na Rússia, pudesse verificar-se uma revolução socialista e operária, enquanto os bolcheviques pretendiam estabelecer apenas uma ditadura política do proletariado aliado aos camponeses, que servisse de invólucro ao desenvolvimento do capitalismo, não agredido em sua estrutura econômica.

É sabido que, em novembro de 1917, enquanto Lenin e a maioria do partido passou para as concepções de Trotsky e pretendeu implodir não apenas o governo político, mas também o governo industrial, Zinoviev e Kamenev permaneceram com a opinião tradicional do partido, quiseram o governo de coalizão revolucionária com os mencheviques e com os sociais-revolucionários, sairam, por isso, do CC do partido, publicaram declarações e artigos em jornais não bolcheviquese e, por pouco, não chegaram até à cisão.

É certo que se, em novembro de 1917, o golpe de Estado falisse, como faliu em outubro passado o movimento alemão, Zinoviev e Kamenev teriam se afastado do partido bolchevique e, provavelmente, adeririam aos mencheviques.

Na recente polêmica, ocorrida na Rússia, revela-se como Trotsky e a oposição, em geral, tendo em conta a ausência prolongada de Lenin da direção do partido, preocupam-se, intensamente, com um retorno da velha mentalidade, que seria prejudicial para a revolução.

Exigindo uma maior intervenção do elemento operário na vida do partido e uma diminuição dos poderes da burocracia, querem assegurar, com profundidade, um caráter socialista e operário à revolução, impedindo que lentamente chegue àquela ditadura democrática, invólucro de um capitalismo em desenvolvimento, que era o programa de Zinoviev e seus companheiros, ainda em novembro de 1917.

Essa me parece ser a situação no partido russo, a qual é muito mais complicada e mais substancial do que entrevê Urbani(i.e. Umberto Terracini, à época um dos principais dirigentes do PCI, ainda solidário às posições dirigentes de Bordiga. Esse último se encontrava aprisionado pelo fascismo, desde 3 de fevereiro de 1923).

A única novidade é a passagem de Bukharin para o grupo de Zinoviev, Kamenev e Stálin.”[18] 

 

No que concerne à interpretação de Gramsci acerca do fracasso da Revolução Alemã de 1923, o enfoque apresentado pela presente investigação torna-se ainda mais claro :

 

“É natural que Zinoviev, que não pode atacar Brandler e Thalheimer como incapazes e nulidades individuais, ponha a questão no plano político e procure, em seus erros, as idéias para acusá-los de direitismo.

A questão complica-se, além disso, desgraçadamente.

Em certos aspectos, Brandler é um putchista, muito mais do que um membro da ala de direita e pode-se também dizer que é um putchista porque é da ala de direita.

Ele havia assegurado ser possível, no outubro passado, dar um golpe de Estado na Alemanha e que o partido estava tecnicamente pronto para tanto.

Zinoviev estava, pelo contrário, muito pessimista e não considerava que a situação estivesse madura politicamente.

Nas discussões ocorridas no centro russo, Zinoviev foi colocado em minoria e apareceu, ao invés disso, o artigo de Trotsky : “Se a Revolução Pode Ser Feita com Data Marcada”. Em uma discussão ocorrida na Presidência, isso foi dito bem claramente por Zinoviev.

Ora, em que consiste o cerne da questão ?

A partir do mês de julho, depois da Conferência da Paz de Haia, Radek, retornando a Moscou, depois de uma tournée, fez um relatório catastrófico sobre a situação alemã. ...

É evidente que, depois desse relatório de Radek, o grupo Brandler colocou-se em movimento e, para evitar o ascenso da minoria (i.e. da minoria alemã de Fischer-Maslov), preparou um novo março de 1921.

Se existiram erros, esses foram cometidos pelos alemães.

Os companheiros russos, i.e. Radek e Trotsky, cometeram o erro de acreditar nas bravatas(no original em italiano : nos leilões de fumaças) de Brandler e de seus companheiros, porém, de fato, também nesse caso, a posição deles não era de direita, senão muito mais de esquerda, a ponto de poderem incorrer na acusação de putchismo.”[19]   


Já com base nos excertos retro-apresentados, é possível entrever, nitidamente, que, a despeito de ter plena consciência do fato de que Trotsky e a Oposição de Esquerda, preocupavam-se, intensamente, com um retorno da velha mentalidade, que seria prejudicial para a revolução“, e exigiam „uma maior intervenção do elemento operário na vida do partido e uma diminuição dos poderes da burocracia”, querendo “assegurar, com profundidade, um caráter socialista e operário à revolução”, com eles Gramsci de nenhuma maneira se identifica, defendendo, pelo contrário, no segundo excerto de sua carta em destaque, ardilosa e sibilinamente, a mesmíssima caracterização, elaborada  pela Troika, em relação a Trotsky, por ter esse último, supostamente, cometido, no contexto da Revolução Alemã de 1923[20], “o erro de acreditar nas bravatas(no original em italiano : credere alle vendite di fumo, acreditar nos leilões de fumaças) de Brandler e de seus companheiros”[21].
No segundo excerto acima reproduzido, Gramsci cria, em verdade, argumentos de logro, voltados a pretendidamente dissimular a inteira imperícia de Zinoviev, à época Presidente do Komintern[22] – e, adicionalmente, o decidido posicionamento contrário de Stálin[23] – relativamente à inafastável necessidade tomar medidas no sentido de preparar e organizar, perspicaz, rigorosa, inteligente e dialeticamente, um levante na Alemanha, já mesmo a partir dos primeiros mêses de 1923[24] - e não no apagar das luzes desse mesmo ano, fazendo-no, então, de maneira serôdia e sonolenta, visionária e fatalista[25].
O resultado extraído cuidadosamente por Gramsci a partir do balanço político da Revolução Alemã de 1923 surge elaborado no sentido de reforçar a tese arquitetada pela Troika, consistente na imputação de pretensa culpabilidade de Trotsky pelo fracasso da empresa, bem como relativa à suposta mais plena inocência de Zinoviev e de Stálin, esses últimos, até fins de agosto de 23, plenamente reticentes à e, até mesmo, antagonistas da efetiva deflagração, a partir de então, alucinados entusiastas do levante alemão.
A causa do debacle do Outubro de 23 haveria de ser interpretada, assim, em sentido burocrático-stalinista, como sendo decorrente da insuficiente “bolchevização” do Partido Comunista Alemão(KPD), estimulada pelo “liquidacionismo e o capitulacionismo mencheviques trotskystas”[26], tal como Gramsci admite serem esses últimos plenamente “acobertados de linguagem revolucionária, na medida em que são incapazes de avaliar as relações reais das forças efetivas.”
Em um raciocínio conclusivo e enfático, contido nessa mesma carta de 9 de fevereiro de 1924, é possível entrever-se, por fim, que Gramsci colocava-se em favor, nessa ocasião, não das posições trotskystas minoritárias contra a Troika de Stálin, Zinoviev e Kamenev, senão precisamente em prol da corrente burocraticamente majoritária da Internacional Comunista, em processo de solidificação após a morte de Lenin: 

„Amadeo (i.e. Amadeo Bordiga) coloca-se do ponto de vista de uma minoria internacional.
Nós nos devemos colocar do ponto de vista de uma maioria nacional.
Não podemos, por isso, querer que a direção do partido seja dada a representantes da minoria porque estes estão de acordo com a Internacional, mesmo se depois da discussão do manifesto (i.e. do manifesto da esquerda comunista de Amadeo Bordiga) a maioria do partido permanecer com os atuais dirigentes.
Em meu parecer, é esse o ponto central que deve determinar politicamente o nosso posicionamento.
Se estivéssemos de acordo com as teses de Amadeo, deveríamos naturalmente colocar-nos o problema de, tendo conosco a maioria do partido, convir permanecer na Internacional, dirigidos nacionalmente pela minoria, a fim de dar tempo ao tempo, e chegar até uma reversão da situação que nos desse razão teoricamente, ou de convir rompê-la.
Porém, se não estamos de acordo com as teses, firmar o manifesto (i.e. o manifesto de Amadeo Bordiga) significa assumir toda a responsabilidade pelo equívoco.
Se se obtem a maioria com base nas teses de Amadeo, (devemos problematizar) acerca de aceitar a direção da minoria, nós que não estamos de acordo com essas teses, e que poderíamos, assim, resolver a situação organicamente ou permanecer na minoria, quando, por nossas concepções, estamos de acordo com a maioria que se perfilaria em torno da Internacional.
Isso significaria a nossa liquidação política e a separação em relação a Amadeo. A seguir, um tal estado de coisas assumiria o aspecto mais antipático e odioso.“[27]     

A partir desse primeiro mês subseqüente à morte de Lenin, quando viria a se aguçar, exponencialmente, a mais impiedosa luta de Trotsky contra o ascenso da burocracia stalinista, é possível encontrar-se, então, Gramsci, no âmbito de sua luta político-partidária já deflagrada precedentemente contra a tendência de Amadeo Bordiga[28], acusando esse último de inclinações (semi-)trotskystas e defendendo as posições téoricas e práticas de Stálin, a esse tempo aliado de Zinoviev e Kamenev, contra Trotsky[29].
Em virtude de sua posições cada vez mais resolutas contra o trotskysmo e seus potenciais defensores em solo italiano, Gramsci assumiu, já a partir de fins de fevereiro de 1924, a função de principal dirigente político-estratégico do PCI, em processo acelerado de stalinização[30].
Com base nas resoluções do V. Congresso do Komintern, realizado entre 17 de junho e 8 de julho de 1924, o Comitê Central do PCI foi reorganizado, passando, então, a compor-se de 17(dezessete) membros.

Seu secretariado passou a ser encabeçado por Gramsci e Togliatti, sua ala de direita, por Angelo Tasca – que pessoalmente, entretanto, não integrava esse comitê central -, sua ala de centro, integrada pelos terceiro-internacionalistas, advindos da mais recente ruptura com o Partido Socialista Italiano, por Giacinto Serrati.

A ala de esquerda, encabeçada por Amadeo Bordiga, já havia sido, a essa altura, excluída do Comitê Central do PCI[31].    

Quando, em novembro de 1924, contando o PCI com cerca de 25.000 a 30.000 militantes[32], Gramsci elaborou sua introdução a um artigo publicado no Pravda sem firma - porém muito provavelmente de autoria de Bukharin -, dedicado exclusivamente à impugnação das lições de Trotsky acerca da Revolução de Outubro, colheu tal oportunidade para registrar publicisticamente :  

 

“No terceiro volume de suas obras (1917), publicado recentemente, existe um prefácio de 60 páginas.
Tal como outrora, os epígonos de Marx procuraram realizar, sob sua bandeira, a revisão do marxismo, da mesma forma, hoje, Trotsky, em nome do bolchevismo, pretende revisar o bolchevismo.”[33]

 

No quadro da acirrada disputa política voltada a implantar, nas mais diversas seções nacionais do Komintern, direções estrita e dogmaticamente leais aos posicionamentos político-burocráticos do stalinismo, contra as orientações de Trotsky, destacou-se Gramsci, já em fins de 1924, na qualidade de um dos mais exaltados e candentes antagonistas do trotskysmo. Se não, vejamos :

 

“Não basta declarar sermos disciplinados.
É necessário engajar-se no plano de trabalho indicado pela Internacional. ...
Trotsky, embora participando “disciplinadamente” dos trabalhos do partido tinha, com sua postura de oposição passiva – similar àquela de Bordiga – criado um estado de mal-estar em todo o partido, o qual não podia ter um presságio acerca dessa situação.”[34] 

Em seu relatório ao Comitê Central do PCI, datado de 6 de fevereiro de 1925, Gramsci exprimiu da seguinte forma seus posicionamentos na luta contra Trotsky, posicionando-se resolutamente em favor do então chamado “processo de bolchevização (leia-se de stalinização) dos partidos comunistas”  :


“Na moção, dever-se-ia, além disso, dizer como as concepções de Trotsky e, sobretudo, o seu posicionamento representam um perigo, na medida em que a falta de unidade do partido, em um país no qual existe um único partido, cinde o Estado.

Isso produz um movimento contra-revolucionário.

Tal afirmação não significa, porém, que Trotsky seja um contra-revolucionário : significa que, nesse caso, devemos exigir sua expulsão.”[35]  


É mister referir-se, ainda, a intervenção decisiva de Gramsci no processo preparatório do III Congresso do PCI, ocorrido entre agosto de 1925 e janeiro de 1926, que levou, finalmente, entre os dias 20 e 26 de janeiro de 1926, em Lyon, na França, à consagração inconstrastável da doutrina dogmático-messiânica e da política burocrático-visionária do stalinismo na seção italiana do Komintern[36].

Com efeito, tal congresso - cuja realização se tornou quase impossível em virtude da intensa perseguição do fascismo contra as organizações de esquerda - foi orquestrado pelos principais dirigentes do PCI – entre eles, antes de tudo, Gramsci, Togliatti e Scoccimarro - de modo a consagrar uma vitória aplastante e inimpugnável da linha stalinista-gramsciana-togliattiana sobre o agrupamento de esquerda de Amadeo Bordiga.

Tais dirigentes do PCI conferiram aplicação sistemática, nessa oportunidade, às mesmas manobras organizativas que propiciaram a vitória da ala comanda por Stálin no PC da URSS, a partir de 1923 e 1924 : organização de plenárias e pronunciamento, em primeiro lugar, das regionais e das federações que tinham acordo com a política stalinista do CC, publicação antecipada dos votos das células das grandes fábricas em que a política stalinista adquiria maioria considerável, atuação em sistema disciplinado de fração secreta, em compasso com a direção do Komintern, dirigido por Stálin e seus aliados, proibição formal e oficial de todas e quaisquer outras frações no interior do partido, atribuição à linha stalinista do CC de todos os votos não expedidos por escrito à fração de oposição bordiguista, mudança das regras de tirada de delegados para os congressos etc[37].

O resultado impactante de 90,2 % dos votos atribuídos à corrente de Gramsci e Togliatti contra 9,2 % à corrente de Amadeo Bordiga permite já entrever com se procedeu estritamente, seguindo o figurino das mais autênticas manipulações stalinistas, contra a corrente encabeçada por um dos principais fundadores históricos do PCI, o qual comandara, há não mais de cinco atrás, a ruptura da ala comunista no XVII Congresso do Partido Socialista Italiano de Livorno, em 1921, i.e. Amadeo Bordiga[38].                

Não é demasiado recordar que as Teses de Lyon, redigidas nesse mesmo janeiro de 1926, obra intelectual conjunta de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti (Ercoli) são as que nada mais fizeram senão ratificar -  criativa e inovadoramente, à maneira gramsciana ! - a validade da famosa palavra de ordem anti-monárquica, de natureza supostamente democrático-intermediária, que já ordenava toda a intervenção do PCI, desde o assassinato do deputado socialista-unitário Giacomo Matteotti, em 1924[39] : “Assembléia Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses”, alegando-se conceber tal consigna como instrumento de mobilização das massas e formação de embriões de soviets em face da ditatura fascista de Benito Mussolini[40].

Na “Carta ao Comitê Central do Partido Comunista Soviético”, sem data e sem firma, porém indiscutivelmente redigida por Antonio Gramsci, em nome do Comitê Político do PCI, em outubro de 1926, na cidade de Roma, enviada, a seguir, à Moscou, para as mãos de Palmiro Togliatti, esse último representante agora da seção italiana no Comitê Executivo do Komintern, atesta-se o posicionamento totalmente favorável da ala partidária comandada por Gramsci à política stalinista, no momento mais polarizado dos choques do Bloco das Oposições, a essa altura encabeçado por Trotsky, Zinoviev e Kamenev, contra o stalinismo, no domínio das temáticas relativas à construção do “Socialismo Em Um Só País”, ao Internacionalismo, à Revolução Permanente, às lições da Revolução de Outubro, enfim.

Nessa carta, escreve Gramsci, expressamente :

 

“Caros companheiros, os comunistas italianos e todos os trabalhadores conscientes do nosso país sempre seguiram com a máxima atenção as vossas discussões. ....

 Hoje, às vésperas da vossa XV Conferência, não temos mais a segurança do passado, sentimo-nos irresistivelmente angustiados.

Parece-nos que a atual postura do Bloco das Oposições e a agudeza das polêmicas do PC da URSS exijem a intervenção dos partidos irmãos. ...

O Comitê Político do PCI estudou, com a maior diligência e atenção que lhe eram permitidas, todos os problemas que hoje estão em discussão no Partido Comunista da URSS. ...

Nós, até aqui, exprimimos uma opinião de Partido apenas sobre a questão estritamente disciplinar das frações, querendo ater-nos à vossa orientação, após o XIV Congresso, de não transpostar a discussão russa nas seções da Internacional.

Declaramos, agora, que consideramos fundamentalmente justa a linha política da maioria do CC do Partido Comunista da URSS (i.e. a linha que era, então, formulada por Stálin e Bukharin) e que nesse sentido pronunciar-se-á, certamente, a maioria do Partido Italiano, se necessário for colocar toda a questão em seu seio. ...

Repetimos que nos impressiona o fato de que a postura da oposição atropele toda a linha política do CC, tocando o próprio coração da doutrina leninista e da ação política do nosso Partido da União. ...

Na ideologia e na prática do Bloco das Oposições renasce, plenamente, toda a tradição da social-democracia e do sindicalismo que impediu, até agora, o proletariado ocidental de organizar-se como classe dirigente. ...

Os companheiros Zinoviev, Trotsky, Kamenev, contribuiram, poderosamente, para nos educar para a revolução.

Algumas vezes, corrigiram-nos, muito enérgica e severamente.

Foram os nossos mestres.

Voltamo-nos especialmente a eles, enquanto os maiores responsáveis da atual situação, pois queremos estar seguros que a maioria do CC da URSS não pretenda vencer, arrasadoramente (no original : stravincere), e esteja disposta a evitar medidas excessivas.”[41]

    

Eis, portanto, os posicionamentos de Gramsci, à frente do PCI, em face da luta de Trotsky e do Bloco de Oposições contra a burocratização stalinista do Estado Soviético e do Komintern.

Gramsci, em defesa da política stalinista, qualifica os posicionamentos defendidos conjuntamente por Trotsky, Zinoviev e Kamenev, em face de Stálin e Bukharin, como sendo ameaçadores do próprio coração da doutrina leninista, como estando essencialmente impregnados pela ideologia e prática do social-reformismo e do sindicalismo, responsabilizando-os, por isso, pela crise do PC da URSS.

A alegação de que Gramsci, à distância, i.e. desde Roma, pouco conhecimento possuia acerca do contexto das disputas travadas entre o stalinismo e o Bloco de Oposições não há como proceder absolutamente, já porque ele mesmo indica na introdução de sua carta que os comunistas italianos seguiam com a máxima atenção as discussões soviéticas, já porque possuia uma considerável experiência de dois anos, de 1922 a 1923, como representante italiano junto ao Komintern, já, por fim, porque Palmiro Togliatti, seu companheiro de armas stalinistas, encontrava-se, efetivamente, em Moscou, informando-lhe detalhadamente acerca do que aí se passava[42].

Tal efetiva defesa dos posicionamentos de Stálin por Gramsci, na luta contra o Bloco de Oposições de Trotsky, Zinoviev e Kamenev, é reconhecida, presentemente, até mesmo pelo renomado Professor da Universidade de Urbino e membro do Comitê Direitor da International Gramsci Society, Giorgio Baratta, considerado, presentemente, como uma das mais pronunciadas autoridades em estudos gramscianos da Itália de hoje e um dos mais profundos inspiradores dos meta-marxistas franco-gramscianos.

Sem embargo, Giorgio Baratta, efetuando um exercício de malabarismo hermenêutico sobre o texto vocabular dessa última carta de Gramsci que indico acima, dedica, em seu artigo intitulado “Socialismo, Americanismo e Modernidade de Gramsci”, todo um capítulo procurando provar, por A mais B, que Gramsci se posicionava com “Com Lenin, além de Lenin, contra Stálin” ..., de modo a pretender construir em torno da imagem fúnebre de Gramsci uma bela auréola de anti-stalinismo radical[43], método esse plenamente louvado não apenas entre os mais dogmáticos ideólogos do meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx e dos Espaces Marx, senão ainda entre os mais atuais idealistas-gramscianos de todas estirpes teóricas e de todos os continentes do mundo.

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