domingo, 4 de agosto de 2013

Jorge Cadima :Detroit*



04.Ago.13 :: Outros autores
Jorge CadimaA ferocidade do imperialismo norte-americano – que os povos do mundo bem conhecem – vira-se também contra o próprio povo dos EUA. Nunca como hoje foi tão actual a luta de classes e a necessidade da solidariedade e do internacionalismo no combate do trabalho contra o capital.


A declaração de falência de Detroit é o retrato do capitalismo decadente dos nossos dias. A cidade e a sua indústria automóvel foram símbolo do «século americano». Ainda hoje Detroit é sede da General Motors, durante décadas a maior empresa mundial. Chegou a ser a 4.ª maior cidade dos EUA, com dois milhões de habitantes. Em 1960 tinha o maior rendimento per capita no país. Em 1950 tinha 300 mil postos de trabalho na indústria. Hoje, são menos de 27 mil. As financeirização da economia, a automatização, a deslocalização de postos de trabalho, dizimaram a cidade. Com a perda de empregos foi-se grande parte da população, que hoje não atinge os 700 mil. Cerca de um terço da sua superfície são hoje prédios devolutos e em ruína. Mais de metade da população que sobra está desempregada. Sessenta por cento das crianças vive na pobreza. Cortes orçamentais desligaram 40% da iluminação pública e a maioria das esquadras da polícia encerra durante 16 horas por dia (fontes em theeconomiccollapseblog.com, 20.7.13). A degradação da cidade acelerou a fuga dos seus habitantes (25% desde 2000 – Financial Times, 26.7.13) reduzindo a base fiscal e mergulhando Detroit numa espiral mortífera.
A comunicação social fala disto. Mas não diz tudo. Desde que em 2008 o sistema capitalista mergulhou na sua maior crise económica, o grande capital financeiro tem sido premiado com muitos milhares de milhões de apoios e subsídios estatais, pagos pelo contribuinte. E quando «o contribuinte» está em apuros? Quais abutres, os grandes bancos lançaram-se sobre a carcaça da vítima. Sufocada pela perda de impostos e privada de apoios do Estado central, Detroit foi estrangulada pelas dívidas e – lá como cá – por contratos swap ligados às taxas de juros (Bloomberg, 20.6.13). Taxas de juros que, como veio a lume com o escândalo Libor, são manipuladas pelos mesmos bancos que beneficiam desses obscuros contratos. Os bancos credores de Detroit (UBS, Bank of America, Merrill Lynch, JPMorgan Chase) são um gang engravatado. Como escrevia a Bloomberg há quatro meses (13.3.13): «Apenas Wall Street ganha com a crise de Detroit […] os banqueiros de Wall Street receberam mais de 474 milhões de dólares duma cidade tão pobre que nem tem dinheiro para manter a iluminação pública a funcionar».
Lá como cá, as «falências» são pretexto para um ataque feroz contra os direitos, o emprego e os rendimentos dos trabalhadores e reformados. Boa parte da comunicação social de regime – lá como cá – culpa as vítimas pelos problemas (exemplo: Economist, 27.7.13). A ofensiva de classe contra os trabalhadores dos EUA – que há mais de quatro décadas vêem os seus níveis de vida cair – será agora ainda mais intensa. E não se trata apenas dum ataque social. Proliferam os «gestores de emergência» que se sobrepõem a autarcas eleitos. As legislações especiais e de excepção introduzidas a pretexto do terrorismo, a vigilância omnipresente, a brutalidade policial galopante, são a antecâmara do ataque feroz que uma classe dirigente em estado terminal prepara contra o seu povo.
O outrora pujante capitalismo dos EUA é hoje um sistema condenado, que sobrevive graças a um endividamento galopante e insustentável, à falsificação e corrupção sistémicas, às bolhas artificiais e fictícias, à pilhagem sem freios e à guerra planetária. Apenas se manterá à tona exacerbando ainda mais a violência irracional que desde sempre o caracterizou. A ferocidade do imperialismo norte-americano – que os povos do mundo bem conhecem – vira-se também contra o próprio povo dos EUA. Nunca como hoje foi tão actual a luta de classes e a necessidade da solidariedade e do internacionalismo no combate do trabalho contra o capital.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2070, 1.08.2013
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