RIBEIRÃO
PRETO (SP) – Bandeiras estrangeiras, sobretudo americanas, francesas e
inglesas, tremulam nos mastros das usinas de açúcar e álcool do Brasil,
que iniciou esta semana na região de Ribeirão Preto, interior de São
Paulo, a colheita da maior safra de cana-de-açúcar da História.
Enfrentando uma crescente desnacionalização, o setor atingiu no ano
passado uma marca impressionante: os estrangeiros foram responsáveis por
33% da produção brasileira de açúcar e álcool. Em 2010, a participação
era de apenas 12%. Em 2006, quando o processo de internacionalização
começou, a presença dos estrangeiros era de somente 3%. Nessa
velocidade, a estimativa é que em breve o setor será totalmente dominado
pelo capital externo, conforme levantamento da Datagro, empresa que
presta consultoria à Organização Internacional do Açúcar.
Assim, este ano pelo menos um terço das
654 milhões de toneladas de cana que serão colhidas no país (11% a mais
do que no ano passado) será para abastecer usinas de capital
estrangeiro. Só a produção de açúcar será 13,6% maior este ano (43,5
milhões de toneladas). Os usineiros produzirão também 25,7 bilhões de
litros de etanol, com um aumento de 9% sobre o ano passado. Um recorde
total, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Os estrangeiros estão sendo atraídos pela
alternativa mundial do álcool como combustível limpo e também pela
crise dos usineiros brasileiros, pertencentes a tradicionais famílias,
especialmente em 40 municípios no entorno de Ribeirão Preto, que produz
60% da produção nacional. Somente nos últimos quatro anos, 42 usinas de
açúcar e álcool fecharam as portas. Muitas, no entanto, estão sendo
compradas pelo capital internacional.
Um exemplo dessa expansão estrangeira no
setor aconteceu nesta última sexta-feira em Ivinhema, no Mato Grosso do
Sul, com a inauguração de uma grande destilaria de etanol pertencente à
Adecoagro, do megainvestidor americano George Soros. Ele investiu US$
900 milhões (ou aproximadamente R$ 1,8 bilhão) na filial brasileira da
empresa, que tem sede na Argentina. Há dois anos, a anglo-holandesa
Shell se associou ao empresário Rubens Ometto, e virou dona da metade
das 24 usinas brasileiras pertencentes à Raízen, empresa resultante da
fusão e que é segunda maior do setor, com 9,5% da produção nacional de
açúcar e álcool. Até 2020, a Shell pode exercer o direito de comprar
100% do capital da empresa.
— Por enquanto, não pensamos em mudar
nada na nossa parceria com a Shell. Estou muito feliz com o negócio do
jeito que ele está — desconversou Rubens Ometto.
Além da Shell, os americanos da Bunge e
da Cargill já são donos de dezenas de destilarias. Só a Bunge tem sete
usinas. Os franceses da Louis Dreyfus Commodities (LDC) são
proprietários de outras 11 usinas da Biosev, a terceira maior empresa do
setor, com 7% de toda a produção. A primeira ainda é a brasileira
Copersucar, que tem 34 usinas e 23% da produção brasileira. A indiana
Renuka tem quatro usinas (duas no Paraná e duas em São Paulo), com
capacidade para a moagem de 13 milhões de toneladas. O objetivo é
exportar açúcar e etanol para a Índia, que começa este ano um programa
de misturar 5% de álcool na gasolina.
Estrangeiros investiram US$ 22 bilhões na compra de usinas
A chinesa Noble, de Hong Kong, tem duas
usinas no Brasil e os japoneses da Sojitz já detém 30% do capital da ETH
Bioenergia, do grupo Odebrecht, que tem 9 usinas para processar 22
milhões de toneladas de cana. Os franceses da Tereos foram os primeiros a
chegar ao mercado brasileiro, com a compra da Açúcar Guarani, que tem
sete usinas no país. Hoje, a Tereos tem 50% do capital nas mãos da
Petrobras e capacidade para processar 21,5 milhões de toneladas de cana.
Assim como a poderosa Petrobras, outra petroleira, a British Petroleum
(BP), comprou recentemente usinas em Goiás e Minas Gerais.
De acordo com levantamento da Datagro, os
estrangeiros investiram US$ 22 bilhões (ou R$ 44 bilhões) na compra de
usinas brasileiras de açúcar e álcool.
— O capital estrangeiro é bem vindo. Não
fosse ele, certamente não teríamos aumento da produção este ano. Os
estrangeiros é que tem crédito, que estão investindo na modernização das
indústrias e na renovação dos canaviais — disse Antonio de Pádua
Rodrigues, diretor da União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica).
As empresas internacionais, contudo, não
estão se tornando donas das terras. Até porque, a Advocacia Geral da
União (AGU) fez um parecer limitando em 2010 em cinco mil hectares o
volume de terras em mão de um estrangeiro. Com isso, as empresas estão
comprando só as usinas. A terra em que plantam é arrendada dos
produtores brasileiros ou adquirem toda a safra dos canavieiros
nacionais.
Essa é uma das razões que leva o diretor
da Unica a não ver risco dos estrangeiros dominarem o setor. Antonio de
Pádua Rodrigues acha mais perigoso o que está acontecendo com a falta de
investimentos da Petrobras no refino de gasolina, entre outras coisas.
— Será que as empresas estrangeiras
continuarão interessadas no setor, depois de anos sem lucratividade?
Eles tem mais fôlego financeiro do que os empresários nacionais e estão
dispostos a ficar no mercado, de olho no futuro, mesmo não tendo lucro
no presente — esclareceu Pádua, para quem, as recentes medidas
anunciadas pela presidente Dilma Rousseff, da desoneração do PIS/Cofins e
da redução da taxa de juros para financiamentos na modernização de
equipamentos e renovação dos canaviais, podem ajudar a minimizar os
problemas do setor, mas ainda são consideradas insuficientes para a
expansão do segmento. O aumento da mistura de 25% de etanol na gasolina,
que passa a vigorar neste 1º de maio, não é vista como incentivo para o
setor, mas como benefício para a Petrobras, que passa a importar menos
gasolina para abastecer o mercado interno.
O geógrafo Bernardo Mançano, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), contudo, vê riscos da expansão
estrangeira à segurança nacional. Afinal, o setor emprega 4,5 milhões de
pessoas e responde por 8% do PIB agrícola brasileiro.
— Ao permitir o avanço do capital
estrangeiro num setor estratégico, o governo está abrindo mão de
estabelecer sua política agrícola, de definir o uso do território para a
sua soberania. Hoje quem define a política agrícola é a Organização
Mundial do Comércio e o agronegócio. O que mais preocupa é que o capital
estrangeiro avança no setor e dentro de dois ou três anos pode chegar a
66% do setor. E o pior, é que o BNDES está financiando muitos desses
projetos —disse Mançano.
O auge da invasão estrangeira ocorreu
depois da crise mundial de 2008/2009, que afetou intensamente os
usineiros brasileiros. Segundo Plínio Nastari, presidente da Datagro,
que deu consultoria a 70% dos estrangeiros que vieram para o Brasil a
partir de 2005/2006, o capital internacional veio para o Brasil atraído
pelo fato do país ser o maior produtor mundial de cana-de-açúcar,
responsável pela exportação de 50% do açúcar mundial e de 43% da
exportação mundial de etanol. Nos últimos oito anos, o volume do açúcar
exportado pelo Brasil cresceu 48%, enquanto que o resto do mundo teve
uma queda de 1%.
— Depois que os estrangeiros vieram para o
Brasil, a exportação brasileira de etanol saltou de 1,7 bilhão para 5,1
bilhões de litros. Na safra do ano passado, caiu para 3,3 bilhões, mas
este ano já deve subir novamente e deve chegar a 4,1 bilhões de litros. A
demanda mundial por etanol está crescendo 13% ao ano e a do açúcar 2,3%
ao ano.
A partir do momento em que os
estrangeiros começaram a tomar o lugar dos usineiros tradicionais, a
produção começou a subir. Em 2004, o Brasil processava apenas 358
milhões de toneladas de cana. Em 2006, com a entrada do capital externo,
o país produzia 386,6 milhões de toneladas. No auge do ingresso do
capital internacional, a produção de cana subiu para 602,6 milhões de
toneladas em 2009 e para 620,5 milhões de toneladas em 2010.
Para este ano, a Conab estima uma
produção de 653,8 milhões de toneladas, o dobro do que produzia antes da
chegada dos estrangeiros. A produção de etanol, que era de 15,9 bilhões
de litros em 2006, deve ser de 25,7 bilhões de litros. A de açúcar era
de 25,8 milhões de toneladas e este ano deve ser de 43,5 milhões de
toneladas.
Um dos primeiros empresários brasileiros a
vender suas usinas para os estrangeiros foi Maurílio Biagi, de Ribeirão
Preto, que faz parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
(CDES), do governo Dilma Rousseff. Em 2006, ele vendeu a Cevasa (Central
Energética Vale do Sapucaí), que esmaga anualmente 4 milhões de
toneladas de cana, para a americana Cargill, uma das maiores empresas do
setor alimentício do mundo. Biagi prevê que até 2016 a participação
estrangeira no setor será de 50%.
— A maioria das aquisições de
estrangeiros no setor ocorre porque o empresário brasileiro está
quebrado, cheio de dívidas em bancos. Mas esse não foi o meu caso. Eu já
tinha negócios com a Cargill na Síria e El Salvador e acompanhei o
esforço dos americanos que queriam entrar no setor de açúcar e álcool de
qualquer maneira. Eles quase compraram a Usina Corona. Então, resolvi
vender minha usina por entender que era um ótimo negócio — disse Biagi.
A Usina São Francisco, de Sertãozinho, é
uma das que resiste ao assédio estrangeiro. Segundo Jairo Balbo, diretor
industrial, a empresa sobrevive por ter desenvolvido o projeto Native,
que faz produtos orgânicos, além dos tradicionais, e por isso ele se
recusa a vender o controle da empresa, que está com a família há 100
anos. Ele vê com bons olhos o capital estrangeiro, mas acha que a crise
do setor só vai acabar quando o preço do produtor subir em R$ 0,40 por
litro. Atualmente, um litro de etanol custa R$ 1,44 na usina, já com
impostos, ou R$ 1,15 sem impostos (para o consumidor, o preço do litro
custa em torno de R$ 2,00).
— A desoneração do PIS/Cofins em R$ 0,12
por litro, vai ajudar um pouco, mas o importante é que o governo abriu
diálogo com o setor. Não acredito que a crise levará à
desnacionalização. Os estrangeiros ainda precisam muito de nós. Tanto
que eles estão comprando só a parte industrial. A parte agrícola ainda
está na mão dos brasileiros. A tecnologia do setor também é nossa. Um
bom exemplo da parceria com o capital estrangeiro é o que aconteceu com a
Shell. Eles compraram as usinas, mas quem toca a produção são os
brasileiros — disse Balbo.
FONTE: oglobo.com
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