segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Colômbia, «Israel da América Latina»

 


Bruno Carvalho

10.Dez.12 :: Outros autores

Na sua recente visita a Portugal, o presidente da Colômbia trazia na sua comitiva Germán Efromovich, dono do Synergy Group, único candidato, até ao momento, à compra da companhia aérea portuguesa. Efromovich não só detém a maior empresa de aviação do seu país, a Avianca, como está a ser investigado por queixas de violação dos direitos dos trabalhadores aeroportuários. É um exemplar típico da oligarquia delinquente que controla o mais fiel aliado do imperialismo na América Latina.


Quando o presidente da Colômbia aterrou em Lisboa, para uma visita de dois dias, levantava-se em Portugal a maior greve geral das duas últimas décadas. Em confronto com o governo português, rejeitando a ingerência externa da troika e sem medo de dar a cara, milhares de trabalhadores, de braço dado, davam corpo aos piquetes à porta das empresas. Um dos mais importantes membros da comitiva colombiana, provavelmente, não terá ficado agradado com o nível de adesão dos trabalhadores da TAP à paralisação. É que Germán Efromovich, dono do Synergy Group, único candidato, até ao momento, à compra da companhia aérea portuguesa, não só detém a maior empresa de aviação do seu país, a Avianca, como está a ser investigado por queixas de violação dos direitos dos trabalhadores aeroportuários.
As ligações perigosas entre o potencial comprador da TAP e Israel
Também no dia da greve geral, do outro lado do Mediterrâneo, caía assassinado, na Faixa de Gaza, o responsável pela ala militar do Hamas. A morte de Ahmed Jabari terá feito esquecer ao mais velho dos irmãos Efromovich, pelo menos por momentos, a combatividade dos trabalhadores da TAP. Germán e José, nascidos na capital da Bolívia com cinco anos de diferença, são fruto da relação entre dois judeus polacos que para aí fugiram durante a II Guerra Mundial. Cresceram em São Paulo, no Brasil, e estenderam, mais tarde, os negócios à Colômbia. Entre o grupo económico Synergy Group, com sede em Bogotá e com negócios em vários sectores, destaca-se a EAE Soluções Aeroespaciais, criada no ano passado, em parceria com a Israel Aerospace Industries (IAI). Trata-se nada mais, nada menos do que o maior fabricante israelita de produtos aeroespaciais e aeronáuticos para uso militar e civil e que é propriedade do Estado de Israel.
É muito provável que os aviões e os mísseis que rasgam os céus de Gaza à procura de novas vítimas tenham o selo de ambas as marcas. À indignação que possa crescer entre os leitores que já imaginam a TAP nas mãos de um grupo que tem ligações tão fortes com a indústria de guerra e o Estado sionista há que esclarecer: a Bedek, empresa subsidiária da IAI, já usa, no Brasil, os centros de manutenção e de produção da TAP Maintenance & Engineering. A alienação da companhia aérea portuguesa aos interesses privados permitiria, neste caso, reforçar os vínculos com a bárbara ocupação da Palestina por parte de Israel e abrir as portas a uma companhia que foi considerada culpada e condenada a pagar uma multa milionária por usar cooperativas para a subcontratação ilegal de trabalhadores. A Avianca, por exemplo, tem processos por perseguição sindical e por limitação ao direito à sindicalização.
Mercenários israelitas na formação do paramilitarismo
Os vínculos entre a Colômbia e Israel são impossíveis de esconder. Por estes dias, não são só os diálogos de paz, entre as FARC e o governo, que enchem as capas dos jornais colombianos. A imprensa destaca as declarações por videoconferência desde Israel a um tribunal colombiano por parte de uma das figuras mais sinistras da história recente da Colômbia. Yair Klein, ex-militar israelita e mercenário em vários países, foi contratado por Gonzalo Rodriguez Gacha, traficante de droga e sócio de Pablo Escobar, para treinar grupos paramilitares criados pelos latifundiários colombianos. Carlos Castaño, ex-líder do principal grupo paramilitar, as Audefensas Unidas de Colômbia, admitiu na sua autobiografia, em 2002, sem qualquer pudor, que o conceito de auto-defesa havia sido copiado de Israel. Vinte anos antes, havia estado um ano no Estado hebreu para um curso. “Ao regressar ao país, eu era outra pessoa…Aprendi uma infinidade de temas em Israel e a esse país lhe devo parte da minha cultura, das minhas conquistas humanas e militares”, destacou Carlos Castaño com orgulho. A sua família passou, então, de informadora do exército a líder do maior grupo paramilitar da América Latina. Nessa época, o jornalista Antonio Caballero, do El Espectador, que veria o seu director assassinado e a redacção despedaçada por uma bomba, exclamava: “o rio Magdalena é a coluna vertebral da Colômbia e por ele já só descem cadáveres de homens assassinados”. As principais vítimas eram, com a cumplicidade da oligarquia e do Estado, sindicalistas e comunistas.
Puerto Boyacá, controlado totalmente pelos paramilitares, era já considerada a capital anti-subversiva da Colômbia e por lá passavam importantes personalidades dos serviços secretos do Estado hebreu. Em 1988, Yair Klein foi contratado por uma sociedade do Ministério colombiano de Defesa. Naquela época, a Colômbia era o melhor cliente da indústria de guerra israelita. Foi também nessa década que se perpetrou o genocídio contra a União Patriótica, partido de esquerda criado durante o processo de paz entre as FARC, o ELN e o governo de Belisario Betancur com a participação destas organizações e do Partido Comunista Colombiano. Mais de cinco mil membros desse partido foram assassinados, entre os quais dois candidatos presidenciais, oito deputados nacionais, 13 deputados regionais, 11 presidentes de autarquias e 70 vereadores. Em 2008, Yair Klein foi detido na Rússia e o Kremlin anunciou a sua extradição para a Colômbia onde os tribunais o condenaram à revelia. Dois anos depois, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos bloqueou essa decisão.
Colômbia, ponta-de-lança do imperialismo
A Colômbia não é só um dos países mais desiguais do mundo. Em 2009, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, é o terceiro país do mundo com mais cidadãos que procuram refúgio e asilo ou que se deslocam dentro das próprias fronteiras para escapar à violência. São mais de três milhões de pessoas nestas condições. A guerra ininterrupta que assola o povo colombiano, desde que, em 1948, assassinaram o candidato presidencial liberal Jorge Eliécer Gaitán, tem nas suas origens a propriedade da terra. A maré humana que ainda hoje abandona os campos agrícolas ameaçada pelo terror latifundiário e narcotraficante não tem outra opção senão fugir para as cidades ou ingressar na guerrilha. O Estado, desde cedo, tomou a decisão de apoiar a oligarquia e de votar os camponeses ao abandono.
Como Israel, a Colômbia recebe, há mais de meio século, o apoio financeiro, logístico e militar dos Estados Unidos e é, como Israel, ponta-de-lança continental do imperialismo. Em 1951, as únicas forças armadas latino-americanas que aceitaram participar na guerra contra a Coreia foram enviadas pelo Estado colombiano. Actualmente, a Colômbia tem o maior número de efectivos militares de toda a América Latina. Para uma população de 46 milhões, Bogotá financia, com o apoio dos Estados Unidos que dizem querer combater o narcotráfico, uma estrutura com mais de dois milhões de soldados. A Argentina que tem 40 milhões de habitantes não tem mais do que 120 mil efectivos militares. Em 2009, o governo colombiano aceitou a polémica proposta de Washington para a construção de sete bases militares norte-americanas. A resposta do presidente venezuelano Hugo Chávez foi peremptória: “a Colômbia vai converter-se em Israel da América Latina”.
A modernização e a militarização ao exagero do Estado colombiano foi o resultado do terror vivido no fim dos anos 90 pela burguesia quando assistiram em choque à tomada, por parte das FARC, de Mitú, cidade com 30 mil habitantes e capital da região de Vaupés. A mudança táctica da organização guerrilheira, da tradicional guerra de guerrilha para a guerra de posições, e a proximidade cada vez maior da capital colombiana fez soar os alarmes em Bogotá e em Washington. Hoje, quando as FARC regressaram à guerra de guerrilha, a correlação de forças é ainda mais desigual. A utilização de sofisticados meios militares, com o apoio dos Estados Unidos e Israel, trouxe ao Estado colombiano alguns êxitos indesmentíveis. Por isso, é ainda mais incrível o crescente número de acções guerrilheiras para níveis próximos do pico histórico de 2002. É que, apesar da propaganda, as FARC não se batem somente com o Estado colombiano. Batem-se também com os Estados Unidos.
Estado terrorista
Meses antes do anúncio das negociações de paz, a esquerda colombiana lançou a Marcha Patriótica. As grandes expectativas que envolvem o projecto e as mobilizações que o precederam fizeram lançaram o pânico entre os latifundiários e as grandes empresas desse país. A estratégia estatal e oligarca para anular a força do povo organizado é a mesma em relação a todas as organizações de esquerda. Assinalá-las como braços políticos da guerrilha e transformá-las em alvos militares da extrema-direita paramilitar. Desde o primeiro momento, os órgãos de comunicação social apresentaram a Marcha Patriótica como uma criação das FARC. Apesar da sua recente fundação, este movimento político já tem os seus mortos. O último caiu assassinado em Soacha, zona pobre de Bogotá, no princípio de Novembro. Edgar Sánchez Paredes, sobrevivente do extermínio da União Patriótica, tinha 54 anos e era também membro do Partido Comunista Colombiano.
O terror que vivem milhões de colombianos é vivido também nas universidades. Nas últimas décadas, milhares de professores e alunos universitários foram ameaçados e assassinados. Há quem receba uma chamada pela madrugada de alguém que lhe adverte que se não abandonar a cidade no dia seguinte será assassinado. E no dia seguinte, bloqueado pelo medo, deixa-se a terra onde se viveu e trabalhou durante anos sem sequer se poder levar consigo a maioria dos seus bens. Há várias semanas, nove professores da Universidade do Magdalena foram ameaçados de morte através de uma mensagem enviada por correio electrónico: “Vocês, politiqueiros, promotores do voto em branco e da queixas contra o processo de eleição do reitor abstenham-se de continuar a torpedear o processo de autonomia universitária ou pagarão com as vossas vidas. Por cada queixa ou processo judicial contra nós morrerá um de vocês, porcos. Estão avisados que se não gostam da forma de gerir esta universidade, há outras onde vossas excelências podem exercer. Vamos tirar-vos daqui, vivos ou mortos. Vocês decidem. Se tornam público esta carta obrigam-nos a mostrar a nossa contundência.”
É esta a tragédia de um país em que o Estado, através das forças armadas, e a oligarquia latifundiária e narcotraficante, através dos paramilitares, conjugam esforços para derrotar quem se levanta em armas para exigir a reforma agrária. A acumulação de terras cada vez maior entre os grandes grupos económicos é o resultado desta guerra profundamente desigual. A correlação de forças favorável aos agrários é o que permite que, por exemplo, a mesma Synergy Group que quer comprar a TAP tenha entrado no sector agrícola e que esteja a ser acusada de adquirir grandes porções de terra roubadas aos camponeses pela força das armas.
A propaganda estatal e oligarca tenta fazer passar a imagem de um país moderno que conseguiu praticamente derrotar os insurgentes comunistas. Escondem que por ano morrem mais soldados na Colômbia que soldados americanos no Afeganistão. As televisões difundem imagens de companhias das FARC que se entregam ao Estado para depois se descobrir que, afinal, não passavam de desempregados e indigentes aos quais se vestiram fardas da guerrilha para simular uma vitória do exército. Foi o que aconteceu, em 2006, com a forjada companhia das FARC Cacica La Gaitana. Outras vezes, as forças armadas recorrem aos falsos positivos para atingirem as metas de guerrilheiros abatidos e apresentá-los como troféus de guerra. Em 2008, rebentou o escândalo e descobriu-se que uma parte desses combatentes da guerrilha eram, afinal, cadáveres de jovens dos bairros pobres de Bogotá assassinados para ilustrar, com o equipamento das FARC, as capas dos jornais. Não foi por acaso que uma das porta-vozes da Marcha Patriótica, Piedad Córdoba, denunciou que a Colômbia é uma imensa vala comum e o maior cemitério da América Latina.
Desta barbárie de contabilidade incerta diz-se que a guerra pode ter levado à morte de quase 300 mil pessoas em meio século. Para lá dos números, fica a esperança de um processo de paz que acaba de começar e dentro do qual as FARC já anunciaram um cessar-fogo unilateral de dois meses. O Estado já respondeu que não deixará de atacar a guerrilha. É, pois, também a incerteza de um sistema que sempre preferiu a guerra ao silêncio dos fuzis e que nunca duvidou em usar o terrorismo para manter o poder nas suas mãos. A guerrilha comunista já tem, contudo, a sua primeira conquista. Em comunicado conjunto, as FARC e o governo anunciaram a criação de um espaço para a participação do povo colombiano nas negociações. Uma coisa é certa e não o diz só a guerrilha. Sem justiça social não pode haver paz.

Anterior Proxima Inicio

0 comentários:

Postar um comentário