domingo, 28 de outubro de 2012

Entrevista de Julian Assange com Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah



Entrevista de Julian Assange com Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah

[OFF] Eu sou Julian Assange. Editor do Wikileaks. Nós expusemos os segredos do mundo. Esses documentos pertencem ao governo americano. Fomos atacados pelos poderosos. Os Estados Unidos condenam fortemente... Ei, pare de fazer perguntas! Ele infringiu a lei. Atirem ilegalmente no filho da... Há 500 dias eu estou detido sem acusação, mas isso não nos deteve. Hoje estamos em busca de ideias revolucionárias que possam mudar o mundo amanhã.

A Primavera Árabe é a declaração de um sonho ou uma fantasia impossível? Esta semana, eu fui direto à raiz e falei diretamente com dois líderes da revolução. Do Cairo, o escritor e ativista Alaa Abd El-Fattah conversou comigo.

Detido e agora proibido de viajar, ele se tornou o símbolo de uma revolução traída. Conversamos também com Nabeel Rajab, diretor do Centro de Direitos Humanos do Bahrein e um dos mais personagens mais importantes do levante bareinita.

Eu vou perguntar sobre as revoluções no Oriente Médio. Elas foram bem sucedidas ou desmanteladas? Captadas ou acobertadas? E o que os motiva a continuar arriscando suas vidas na linha de frente?


Alaa.

AE

Alá!

JA

Você está me vendo, nós temos o Nabeel aqui do Bahrein.

AE


Hum...


NR


Estávamos preocupados contigo.


AE


Muito bom te ver!


JA


É, ele está livre agora. Não por muito tempo e…


AE


Nenhum de nós está livre por muito tempo, né?


JA


Talvez não…


JA


O que aconteceu nos últimos meses? Quando te convidamos para cá...


NR


Da última vez…


JA


… quando você estava preso…

NR

Bem, eu passei meio dia preso. E antes daquele mês eu apanhei na rua. Há poucos meses, fui sequestrado na minha casa por seguranças encapuzados e levado a um lugar desconhecido. Depois de ser vendado e amarrado, fui torturado, depois me largaram de volta em casa. Quando eu disse no meu Twitter que eu iria encontrar Julian Assange e ia falar com ele num programa de TV.

Na noite passada, minha casa foi cercada por quase 100 policiais armados com metralhadoras. Eles notaram que eu não estava em casa, então mandaram avisar para eu ir à promotoria pública hoje às 4 horas. Bem, estou aqui.


JA


Então, você está aqui hoje às 4 horas.


NR


Eu estava aqui, recebi isso na noite passada...

E eu acho… Mas estou acostumado…


JA


O que você vai fazer?


NR


Eu vou voltar. Quer dizer, eu tenho que encarar isso, sabe? Não é a primeira vez... Essa é uma luta. Isso é a liberdade. Essa é a democracia pela qual lutamos. Tem um custo, e nós temos que pagá-lo. E o custo pode ser muito caro. Assim como nós temos pagado caro no Bahrein. Mas queremos pagar por mudanças pelas quais lutamos.


JA


E, Alaa, como você está legalmente? Você está livre agora?


AE


Não. Eu ainda estou sendo processado. O caso está sendo investigado. Estou proibido de viajar e sou acusado de assassinatos, sabotagem de propriedade pública, principalmente tanques militares, roubo de armas militares, incitar reunião com propósito de terrorismo. Então, sou basicamente acusado de surrar alguns pelotões, roubar suas armas e matar um deles... Um soldado...


JA


Você é acusado de ser um menino muito levado?


AE


Sim, e um super-homem, claro! Eu sou capaz de fazer coisas que seriam impossíveis... Enfrentar veículos blindados sozinho e assim por diante... E tenho testemunhas disso... As testemunhas da promotoria atestaram que eu estive em dois lugares ao mesmo tempo, e mesmo assim eu continuo sendo investigado.

Então obviamente sou capaz de muito mais, muitos superpoderes... O que é bem legal.

Eu tinha uma boa reputação e moral na prisão. Sabe, quando as pessoas são presas por roubarem carros... Mas eu fui acusado de roubar tanques.


JA


No que isso vai dar pra você?


AE


Eu não sei se eles estão interessados em mim ou se é apenas a ideia deles usarem os tribunais como ferramenta contra ativistas, e como ferramenta legítima, sabe...

Não é suficiente poder surrá-los, não é suficiente poder matar gente. Na verdade, mesmo quando eles fazem assassinatos seletivos - nós achamos que são assassinatos seletivos – estão mirando gente que é crucial em campo,

mas que não é muito conhecida.

Eles estão enrolados com isso... Com o dilema do ativista famoso. O que fazer com eles? Eu acho que eles tentam criar uma legitimidade usando os tribunais contra nós, o que acaba saindo pela culatra. Estão ganhando tempo.

É por isso que o caso ainda permanece, e é por isso que ainda sou acusado.

Talvez, eles vão eventualmente manchar minha imagem o suficiente e... Eles trabalham nisso... Eu sou acusado de ter opiniões a favor de gays, por exemplo, o que de novo vem da minha boa moral nas ruas...


JA


Qual a situação atual… O que se passa no Bahrein agora?


NR


Eu diria que há três situações diferentes. Na Tunísia, a revolução completa, a queda completa do regime,

E um sistema completamente novo...


AE


Não, cara… Não está nada completo na Tunísia.


NR


Você tem o Egito, que está a meio caminho da revolução, não completa ainda. O exército, o sistema e o regime ainda existem. E depois você tem no Bahrein uma revolução que ainda existe e trabalha, e ainda não conquistou algo.

Mas a revolução ainda está em andamento. Ela segue depois de um ano. Muitas pessoas foram mortas em termos de porcentagem. Muito mais que na Tunísia e no Egito. Infelizmente, somos uma região comandada por famílias,

ditadores desde algumas centenas de anos. Mas a força deles vem do dinheiro, do apoio americano, dos exércitos que eles têm, e não da legitimidade popular.

Nenhuma legitimidade popular.

Mas estas são realidades que eles nos impõem e não podemos mudá-los porque ninguém quer falar sobre isso.


JA


Alaah… E o que se passa no Egito agora?


AE


Bem, basicamente, a coisa dos 18 dias foi... foi bem surpreendente que Mubarak tenha caído tão rápido.

E o preço foi alto. Mas nós achávamos que seria mais caro ainda. Então, o que acontece no Egito é que…

O que esperávamos acontecer, como por exemplo, nós todos esperávamos que a revolução seria algo

que iria durar mais de um ano, talvez.

Então, aquele ano o que não aconteceu com Mubarak, está acontecendo agora com os militares.

E as pessoas, depois de um primeiro momento em que pensavam que os militares poderiam decidir deter sua unidade e status por meio da não proteção do regime... Na verdade, o exército é o núcleo do regime.

A revolução agora é uma revolução contra o comando militar.


JA


Os grupos revolucionários no Bahrein e as pessoas que apoiaram estes movimentos de protesto no Bahrein se feriram? Estão com medo demais para agir? Estão fragilizadas? Apáticas? Quem sobrou e quem continua apoiando?


NR


Bem, ainda há muita gente. Eu não me surpreenderia, ou você não deveria ficar surpreso, em ver metade da população baremita saindo em um único protesto.

Isso ainda acontece. E não está acontecendo em nenhuma das outras revoluções. Em nenhuma das revoluções que tivemos nos últimos 50 anos de história se viu 50% da população saindo às ruas em um protesto.

Mas você vê no Bahrein. Infelizmente, por conta de dois pesos e duas medidas por muitos países, e muitos canais estatais como a Al-Jazeera, a Al-Arabia, como outros canais europeus, isso não é mostrado, mas é a realidade.


JA


Por que a Al-Jazeera não cobre o levante... ?


NR


A Al-Jazeera foi positiva no Egito, eles foram positivos na Tunísia. Na verdade, a Al-Jazeera era um cartaz para qualquer revolução no mundo árabe, fosse uma revolução verdadeira ou não. Se a Al-Jazeera cobrir estas

revoluções, elas são verdadeiras. Mas, quando se trata do Bahrein, a Al-Jazeera se cala. Eu estou falando da Al-Jazeera em árabe, não em inglês. Em inglês é completamente diferente.


JA


Sim. Em inglês foi tudo certo, não foi?


NR


Ainda há um certo limite… Eles foram bem. Na versão árabe, eles ficaram completamente calados. Na verdade, em muitas áreas, tomaram o lado do governo.


JA


Por quê?


NR


Por quê?

Porque eles são todos da mesma família dominante e da mesma região. Uma democracia no Bahrein significa que irá impactar no Catar, irá impactar na Arábia Saudita, que possui o canal de TV Al-Arabia.


JA


Então, por que os sauditas mandaram tropas para o Bahrein?


NR


Isto é algo que o mundo todo tinha que falar e condenar o que aconteceu. Mas nós vimos a invasão dos sauditas ao meu país em total silêncio. Agora, os mesmos governos que mandam tropas para a Líbia para lutar contra o regime e que agora lutam contra o sírio Assad , o que eles tinham que fazer, talvez... Mas, quando se trata do Bahrein, não se manifestam. Com os sauditas e as tropas...


JA


Eles temiam que o ativismo xiita no Bahrein se disseminasse entre os sauditas?


NR


Não, porque os sauditas são muito influentes nos EUA, na Europa. Eles têm… Pelos interesses dos EUA, pelos interesses de muitos países americanos, pela venda de armas, pelo fluxo de petróleo, pelos interesses mútuos que muitos países veem ali...

Eles têm prioridade maior sobre os direitos humanos dos baremitas. Por exemplo, os mesmos EUA, que pediram aos russos que não vendessem armas à Síria, estão vendendo armas para o Bahrein. Ontem, uma declaração do representante americano no Conselho de Direitos Humanos dizia que "Nós não falaremos sobre o Bahrein

porque o Bahrein está melhorando e assim está melhor". Mas enquanto eu falo contigo, algumas horas atrás,

um homem morreu por conta de gás lacrimogêneo. Há pessoas morrendo diariamente.


JA


O Irã está está abastecendo as forces revolucionárias em...?


NR


Isto é o que o nosso governo diz. Isto é no que os americanos talvez tentam crer. Mas isso não é nada... Nada da revolução é...


JA


Eu li um telegrama na época destes protestos baremitas cerca de 8 meses atrás, e este telegrama americano

que nós publicamos, dizia que oficiais do governo baremita foram à embaixada americana e disseram: "Olhe, o Irã está por trás destes apelos por direitos humanos no Bahrein. Está injetando dinheiros e armamentos na resistência baremita". E então, o embaixador americano escreveu a Washington dizendo que ele não viu provas de que isso fosse verdade. Que eles continuam alegando isso... Eles continuam alegando isso, mas eles nunca viram evidência alguma.

NR

Sim, sim…

Como este, pelo menos um telegrama era sobre mim, no qual um dos agentes do governo vai à embaixada americana e diz que Nabeel Rajab está recebendo dinheiro do governo iraniano e os americanos dizem ao Departamento de Estado que aquilo não era verdade, eles não têm nada que garanta isso.


JA


Você acha que este promoção do medo em relação ao Irã é a principal razão pela qual o Ocidente não está apoiando...?


NR


Estou certo de que eles querem o Bahrein estável como a Quinta Frota baseada no Bahrein.

Eles querem que o Bahrein seja muito calmo e estável. Perder o Ben Ali na Tunísia e perder o Mubarak no Egito

irritou muito os sauditas. Você sabe que houve uma conversa de telefone em que eles brigaram, o rei saudita e o Obama? E quando se trata do Bahrein, esta é a última coisa que os sauditas querem ver, uma revolução no Bahrein a poucas milhas de suas fronteiras. O que significa que irá impactar, negativamente, na Arábia Saudita. É por isso que os sauditas enviaram tropas para o Bahrein para participar da repressão, matar gente, deter pessoas.

Eles fizeram parte daquela repressão sangrenta com o silêncio completo da comunidade internacional. Sim, os sauditas não querem democracia. Sim, Catar, que quer promover a democracia na Síria e em outras partes do mundo, mas não quer democracia no Catar. Você tem que pedir ao seu povo, você tem que dividir poder, você tem que dividir riqueza e estes governos não irão aceitar que isso aconteça.


JA


Alaa, você deve lembrar, durante o calor da revolução egípcia, Suleiman, o chefe da inteligência doméstica do Egito,

foi proposto por Joseph Biden, pelo Departamento de Estado, por Hillary Clinton para ser uma espécie de figura de transição para Mubarak, uma figura de negociação.

E nós publicamos muitos telegramas sobre ele e sua posição em relação a Israel, sua relação com os EUA e como ele era uma espécie de torturador-chefe.

Mas, muito subitamente depois, Ficou claro que Suleiman não iria ser o sucessor. Você viu Hillary Clinton dar a volta e começar a louvar a revolução egípcia e dizer que na verdade as revoluções egípcia e tunisiana se deram por conta de duas grandes empresas americanas, o Twitter e o Facebook. Você deve ter ouvido isso várias e várias vezes...


AE


Você tem que notar que há uma guerra pelas narrativas nas revoluções. As revoluções são sobre ideias tanto quanto são sobre corpos nas ruas e balas e tudo mais. E o aspecto mais crucial nesta guerra da narrativa é tentar e limitar a revolução a ser algo da juventude do Facebook. Isso não significa que o Facebook não teve um papel importante na revolução. Eles tiveram. Mas o fato é, se você faz um círculo em volta de um lado da revolução e diz "esta é a verdadeira revolução, todo resto não é de verdade", então você começa a jogar com isso. Você joga com a questão de classe, joga com o quanto as pessoas estão dispostas a usar de violência para se defenderem, sabe, para isolar as forças revolucionárias umas das outras. Eles são pessoas ricas, de classe média, bem educadas. A juventude conectada à internet teve um papel importante na revolução e foi, por razões táticas,

eles foram os símbolos da revolução porque se precisava que todo mundo amasse a revolução egípcia.

E também essa grande festa como um Woodstock na praça Tahrir sem drogas e sexo, houve esta maravilha impressionante e muito inspiradora... Que também é muito real, não há fantasia sobre isso.

Uma festa na praça Tahrir.

Mas se você conta a história sobre a revolução egípciacomo sendo estes garotos maravilhosos, bonitos, conectados, na praça Tahrir, então, você ignora os trabalhadores, ignora as batalhas nas ruas, ignora o quanto de violência tivemos de usar. Nós não seguimos o roteiro que as pessoas de fora da revolução pensam que foi. Hillary não estava apenas forçando a barra para empresas americanas. Eles estava forçando uma narrativa que é desenvolvida para frear a revolução, para assegurar que não vá mais além que Mubarak.


JA


Alaa, você escreveu: "A praça é uma lenda que cairia se as famílias dos mártires parassem de acreditar nisso.

O sonho é a alternativa ao regime. Se abandonarmos isso por um debate realista, racional e comprometido que siga uma ordem certa de prioridade, isso pereceria... Deixe os especialistas de lado e ouça aos poetas, pois estamos numa revolução. Livre-se do pensamento e agarre-se ao sonho, pois estamos numa revolução.

Cuidado com a cautela e abrace o desconhecido, pois estamos em uma revolução. Celebre os mártires, pois entre ideias, histórias, espetáculos e sonhos, nada é real além do seu sangue e nada é garantido além da sua eternidade".

Esta parte da revolução no Egito já acabou, a Praça. Mas o sonho acabou?


AE


Não há consenso do que aquele sonho é. Certamente não é uma democracia representativa ocidental decepcionante

na qual o seu país pode ir à guerra, como o Reino Unido fez, sem o consentimento da população.

Na qual eleger o presidente que promete esperança é quase exatamente o mesmo que eleger o presidente que não prometia esperança, como ocorreu nos EUA.

O sonho é aquilo que faz seu trabalho desnecessário.

Julian, o sonho é o que faz... É uma democracia que não dê origem ao Occupy Wall Street, ao Occupy London, às manifestações gregas e assim por diante. Ainda é muito forte e ainda existe, mas não tem tido articulação.

Não temos uma teoria. Nós não temos… ainda… Daí, o sonho. Você o vê em momentos em que você pode tornar-se poético como eu fiz neste artigo.

Você vê o sonho no grafite, e é por isso que ele tem sido tão associado aos mártires. Nós não os tratamos apenas como pessoas que morreram. Eles são imortais. E não é o sacrifício, mas como nós vemos o seu sacrifício

e como nós re-expressamos o sacrifício deles e como mantemos a sua memória viva. Daí nós tocamos no que o sonho é. Mas eu não posso dizer a você exatamente o que é. E é em momentos de batalha, na verdade, que eu quase posso tocá-lo. Quando nós enfrentamos a polícia sempre tem estes momentos de cessar-fogo que não duram muito tempo.

Eu acho que geralmente são os policiais recarregando a munição e tal. Quando a polícia para de atirar, nós paramos automaticamente. Nessas horas, você vê as pessoas formarem círculos. Você tem fogo por todo lugar porque as pessoas usam coquetéis Molotov ou coisa parecida.

E estas chamas ficam parecidas com uma fogueira, as pessoas ficam em volta. Chá... De repente, sabe? Vendedores de rua vêm do nada e as pessoas bebem chá e cantam junto e tal.

Há um estado pós-moderno que queremos alcançar e nós não sabemos o que é exatamente, mas é por isso que estamos tendo uma revolução e não apenas uma reforma encomendada. E é por isso que na verdade não importa

o que este governo dos EUA quer e o que a Al-Jazeera está fazendo e tudo mais. Porque isso é algo muito mais profundo. Eu não sei se nós vamos vencer agora e não sei se vamos vencer enquanto eu estiver vivo.

Mas é suficiente que quase diariamente eu tenha estes momentos quanto eu posso quase tocar no sonho.


JA


Nabeel?


NR


Eu acho que no fim de 2010 com Bouazizi, a onda começou um tsunami. E eu acho que isso vai mudar toda a região.

Talvez em alguns poucos anos a região tenha mudado. Aqueles governos ardilosos, que vão se reformar rápido,

e aqueles que irão resistir às mudanças, eu acho que o tsunami irá mudá-los...

Removê-los de suas cadeiras. Aqueles governos, nos EUA ou os governos europeus, que construíram suas relações...

Que constituíram seus interesses, interesses estratégicos de longo prazo, com aqueles ditadores...

Eu acho que eles vão perder muito. Os governos que forem espertos o suficiente para manterem uma relação com o povo em vez daqueles ditadores, eu acho que se vão se beneficiar. Mudanças... Eu sou muito otimista sobre as mudanças que vão acontecer na nossa região, mudanças positivas.


JA


Nestas horas em que você está preso ou está em situação de ser capturado, sequestrado e espancado, quando você está em isolação máxima, você não tem controle do seu espaço físico, você não tem controle do seu corpo.

Alguém detém o seu corpo e você não está livre no sentido mais fundamental da palavra. No que você pensa e como você tenta controlar seus sentimentos, para enxergar além daquele momento?


NR


Eu acho que se você tem um objetivo, se acredita só no seu objetivo, na sua luta, você superará estas dificuldades.

E você sabe que os desafios que enfrenta, eles estão lá há centenas de anos. Não é uma coisa fácil de transformar.

Então, para atingir estas mudanças, você tem que estar disposto a pagar um preço e este preço pode ser sua vida.

E eu tenho certeza que estas pessoas que lideram o movimento no mundo árabe são o tipo de gente que está disposta a pagar com suas vidas para conseguir estas mudanças.


JA


Alaa?


AE


Prisão é um saco, cara. Esta é a segunda vez que vou para a prisão. E minha batalha desta é por conta de eu ter encarado um promotor militar e ter me negado a reconhecer a legitimidade do sistema judicial militar.

Então, eu fui mandado para lá... De qualquer modo, conseguimos conquistar uma grande vitória e eu fui mandado para um juiz apropriado. E ele então me manteve em detenção. Houve uma hora em que eu estava entrando em colapso, completamente em colapso. Eu queria muito sair e assistir ao nascimento do meu primeiro filho...

E eu não pude por conta disso. Então eu entrei em colapso, e ele nasceu. E três horas depois minha família conseguiu me mandar fotos dele. E não importou, naquele momento não importava mais... E desde então, sabe...

Tem sido sempre a experiência de estar rodeado de amor, em um nível muito pessoal. Mas também de solidariedade, sabe? Eu tenho sido privilegiado e sortudo o bastante que quando eu vou para a prisão há uma enorme, enorme solidariedade de todo o mundo e geralmente é de um modo muito pessoal.


JA


Você sabia do apoio que você tinha fora da prisão quando estava lá dentro?


AE


Sim, principalmente nas visitas familiares. Então, não é isolamento. Isso eu seria capaz de lidar. E não é ser posto com criminosos perigosos numa cela lotada. Isso eu seria capaz de lidar. Mas se eu fosse privado de visitas, não sei como poderia lidar com isso... Não conte a eles!


JA


Nabeel, você é pai de duas crianças.


NR


Eu tenho duas, sim.


JA


Você vai dizer a seus filhos para crescerem para serem ativistas como você e talvez serem sequestrados, presos e espancados?


NR


Você não precisa falar a eles. É predefinido que vai acontecer e...


JA


Eles vão aprender pelo exemplo?


NR


Sim, quer dizer… Meu filho e minha filha agora lideram os protestos. Eu acabei de mudá-los de escola

porque eles estavam sendo assediados. Era a mesma escola das crianças da família dominante, e eles pagam caro.

Talvez mais que eu, porque eu estou na minha luta e estou pronto para reagir. Mas eles começaram a crescer,

vendo reação por razões que não entendem.

A casa deles sendo atacada à meia noite, o pai deles sendo tirado da cama e espancado na frente deles. A casa deles sendo atacada com gás lacrimogênio, talvez mais de 20 vezes no ano passado. Eles têm visto coisas que crianças normais não veem. Mas têm aprendido bastante. São maduros para sua idade. Quando eles…


JA


Quanto anos eles têm?

NR

Minha filha tem nove anos. E meu filho acabou de completar 14 anos. Ele costumava participar comigo

de todos os protestos desde que tinha 5 anos, e minha filha também. Ela nunca gostou de direitos humanos e política, nada do tipo. Mas desde que fui sequestrado e espancado na frente dela, tornou-se uma radical, e agora é ativista. E minha mulher também. Ela é uma mulher muito calma, mas ela é uma ativista. Eu acho que toda minha família tornou-se ativista. Nós somos mais de mil membros...


JA


Todo o clã?


NR


Sim, a família…

E eu acho que muitos deles se tornaram ativistas agora. Toda a nação. A revolução transformou toda a nação em ativista. Imagine que o governo do Bahrein impediu jornalistas de entrar no país, impediu organizações de direitos humanos de entrar no país. Mas a maioria do povo... Os jovens tornaram-se jornalistas, tornaram-se ativistas de direitos humanos, tornaram-se blogueiros...


JA


Taí uma oportunidade de mercado, agora…


NR


Graças a Deus e ao governo do Bahrein ter incitado um movimento tão jovem, que é... Eu acho que nós vamos nos beneficiar e todo o mundo árabe vai se beneficiar, em suas próprias revoluções.


JA


Alla, seu filho vai crescer em um novo Egito.


AE


Eu tive esse pensamento que… Agora eu tenho que fazer meu filho odiar futebol para que ele evite ser morto.

E então eu lembrei que coloquei nele o nome de Khalid Saeed, que foi uma vítima de tortura policial.

Um homem jovem que morreu em Alexandria dois anos atrás, antes da revolução. Mas seu rosto tem sido um símbolo para a revolução. E ele não fez nada... Não há nenhum modo de eu protegê-lo.

Não há porquê dizer... Criar meu filho para que ele evite ser um ativista, ou até para ser a favor do regime

ou qualquer coisa do tipo.

Porque isso não importa. Quando você tem repressão, a violência é tão aleatória que vai te afetar de qualquer modo.

A injustiça é tão aleatória que vai te afetar de qualquer jeito. Você não pode garantir uma boa vida para seu filho

a não ser que garanta isso para as outras crianças... E isso não está em minhas mãos. Eu não posso fazer nada a respeito.


Tradução: Marcus V. F. Lacerda / Walmor Carvalho

Agência Pública – apublica.
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