sábado, 7 de julho de 2012

A tentação do romantismo (Correia da Fonseca)

A tentação do romantismo

Correia da Fonseca
05.Jul.12 :: Colaboradores

Se a desgraçada situação nacional permitisse alguma brejeirice, poder-se-ia, por exemplo, imaginar um encontro romântico entre Passos e Merkel. Passos assumiria a tarefa patriótica de seduzir a patroa, à margem de uma qualquer Cimeira. Afinal de contas, não foi ele que afirmou estar decidido a levar até ao fim a sua política «custe o que custar»?


1. Creio que para a maioria das gentes telespectadoras, talvez sobretudo femininas mas não só, televisão são telenovelas e o resto pouco interessa. Será sobretudo o gérmen dos pendores românticos à portuguesa, vindos de muito longe no tempo, sabe-se lá de quando ao certo, com escala conhecida pelos folhetins do século XIX, pelos romances em fascículos distribuídos porta a porta e também pela justa glória de Camilo. E de qualquer modo seria
inútil que eu aqui tentasse demarcar-me pessoalmente, pelo menos a título absoluto e total, do que pode muito bem ser uma vocação lusitana ainda que com gradações de intensidade de indivíduo para indivíduo. Pelo contrário, o que até me convém fazer é assumir a minha parte de contaminação, digamos assim, e partir daí para referir o que me acontece quando, naturalmente tocado pela angústia que a imensa maioria dos meus compatriotas vive em
consequência da Crise, já para não falar da talhada que me cabe, diante do ecrã encaro as notícias e as imagens de mais uma Cimeira, dessas que parece haver agora dia sim, dia não, sempre para salvação do euro e da Eurolândia.
2. Ora, o que me acontece é que, perante as imagens «de grupo» que, como se sabe, são já uma tradição quando os eminentes líderes da Europa dos Sete se reúnem, eu deparo sempre com a Senhora Merkel, baixota, redondinha, madura, já um poucochinho sorvada, quase sempre entrincheirada modestamente na última fila dos retratados. E ao lado dela, alto, desempenado, jovem, o primeiro-ministro de Portugal, creio bem que de entre todos
aqueles líderes o mais parecido com o mítico retrato-robot do galã tradicional, não infectado por modernices que não poderiam agradar a uma senhora firmemente plantada no terreno do
conservadorismo decerto também na área das figuras masculinas.
Desencadeia-se-me então uma espécie de curto galope imaginativo. Nele surge, por um lado, Angela a permitir-se deixar-se embeiçar um pouco por aquele jovem político de tão perfeitinha apresentação e, coitado, a braços com dificuldades grandes de mais para o seu aspecto. E, do outro lado, o jovem PM português a decidir-se por uma estratégia indesmentivelmente patriótica: a de pôr o seu charme ao serviço do seu País e por essa via conquistar as boas graças da Patroa da Europa. Sem exageros imorais, entenda-se, não obstante podermos lembrar que Passos Coelho afirmou estar decidido a levar até ao fim a sua política «custe o que custar». Não nos permitamos levar estas palavras mais longe do
que os melhores usos da diplomacia europeia recomendam.
3. Como decerto já claramente se entendeu, tudo isto não passa de um excesso meu em matéria de tecitura de romantismos imaginados, essa vocação portuguesa a que acima se aludiu.
Porém, o que parece poder ser importante é que essa decerto abusiva «leitura» das imagens que a TV nos traz possa surgir como não propriamente absurda. Porque isso significará que a política de pauperização nacional conduzida por Pedro Passos Coelho já é reconhecida por ele próprio como irremediavelmente falhada, tanto e de tal modo que lhe restaria como única alternativa a via da sedução da Patroa, de onde uma constante colagem física, digamos
que corpo-a-corpo, de que até os posicionamentos para as habituais «imagens de grupo» dariam testemunho. É, repito, uma espécie de pesadelo soft, decorrente do pendor nacional para imaginar situações românticas. Mas é um pesadelo que, embora num quadro de sabor caricatural, faria sentido. E isso talvez possa ser reforço para o entendimento de um outro pesadelo, esse nada imaginado, que é o da situação para que Portugal foi empurrado.
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