quinta-feira, 21 de junho de 2012

Nunca se esqueçam: a questão não é o casamento homossexual, mas Bradley Manning








John Pilger
20.Jun.12 :: Outros autores

A súbita “conversão” de Barack Obama à causa do casamento entre pessoas do mesmo sexo casamento disfarça mal os motivos fundamentais de um presidente tão reaccionário e violento quanto George W. Bush.


Na semana em que recebeu o Prémio Nobel da Paz, em 2009, Barack Obama ordenou bombardeamentos sobre o Iémen, assassinando, segundo foi reportado, 63 pessoas, entre as quais 28 crianças. Quando, recentemente, Obama anunciou que apoiava o casamento homossexual, aviões da NATO tinham recentemente feito 14 civis afegãos em pedaços. Em ambos os casos, o assassinato em massa quase não foi notícia. O que importou foram as cínicas vacuidades desta celebridade da política, o produto de um zeitgeist impulsionado pelas forças do consumismo e pelos meios de comunicação, com o objectivo de desviar a luta pela justiça social e económica.
A atribuição do Prémio Nobel ao primeiro presidente negro norte-americano, por ter “trazido esperança”, foi ao mesmo tempo absurda e autenticamente uma expressão do liberalismo feito estilo de vida que controla a maior parte do debate político no Ocidente. O casamento homossexual é uma dessas distracções. Nenhuma “questão” desvia as atenções com tanto sucesso como este: não o voto livre no parlamento sobre a redução da idade de consentimento homossexual, promovida por esse célebre libertário e criminoso de guerra, Tony Blair; não as brechas nos “telhados de vidro” que em nada contribuem para a libertação da mulher e apenas aumentam as exigências burguesas de privilégios.
Os groupies
Não deve haver obstáculos legais a impedir as pessoas de se casarem, independentemente do sexo. No entanto, esta é uma questão do foro civil e privado; a condição burguesa não é ainda um direito humano. Os direitos historicamente associados ao casamento são relativos à propriedade, como o próprio capitalismo. Colocar o “direito” ao casamento acima do direito à vida e à justiça é tão profano como procurar aliados entre aqueles que negam a vida e a justiça a muitos, do Afeganistão à Palestina.
Em 9 de Maio, horas antes de sua declaração sobre o casamento homossexual, Obama enviou mensagens para os potenciais patrocinadores, tornando clara a sua posição. Pediu dinheiro. Em resposta, segundo o Washington Post, a sua campanha recebeu um “enorme aumento de contribuições”. Na noite seguinte, com as notícias agora dominadas pela sua “conversão”, participou de uma festa de angariação de fundos em casa do actor George Clooney, em Los Angeles.
“Em Hollywood”, relatou a Associated Press, “estão alguns dos mais destacados defensores do casamento homossexual, e os 150 patrocinadores que estão a pagar 40 000 dólares pelo jantar do Clooney irão, sem dúvida, sentir-se muito motivados pelo anúncio bombástico de Obama no dia anterior.” Espera-se que a festa de Clooney recolha uns 15 milhões de dólares, um recorde, para a reeleição de Obama. Foi seguido de “outra segunda-feira de recolha de fundos em Nova Iorque, patrocinada por apoiantes homossexuais e da comunidade hispânica”.
Em matéria de política económica e externa, pouco ou nada separa o Partido Democrata dos Republicanos. Ambos representam os super-milionários e o empobrecimento de uma nação na qual triliões de dólares de impostos foram transferidos para uma indústria de guerra permanente e para bancos, que são pouco mais que empresas criminosas. Obama é tão reaccionário e violento como George W. Bush e, nalguns aspectos, pior. A sua especialidade é o uso de drones armados com mísseis Hellfire contra pessoas indefesas.
Sob a aparência de uma retirada parcial de tropas do Afeganistão, Obama enviou forças especiais dos EUA para 120 países, onde são treinados esquadrões da morte. Reacendeu a velha guerra fria em duas frentes: contra a China na Ásia e com um “escudo” de mísseis apontados à Rússia. O primeiro presidente negro dos EUA presidiu à detenção e vigilância de um número de negros superior ao dos que foram escravizados em 1850. Moveu processos a mais delatores (pessoas que disseram a verdade) que qualquer de seus predecessores. O seu vice-presidente, Joe Biden, um zeloso belicista, chamou ao editor da WikiLeaks, Julian Assange, um “terrorista hi-tech”. Biden também se converteu à causa do casamento entre homossexuais.
Um dos verdadeiros heróis norte-americanos é o soldado homossexual Bradley Manning, o delator que alegadamente forneceu à WikiLeaks a épica prova da carnificina dos EUA no Iraque e no Afeganistão. Foi a Administração Obama quem difamou a sua homossexualidade como sendo estranha e foi Obama quem declarou culpado um homem que não foi condenado por nenhum crime.
Terá alguém, de entre os lambe-botas e jet-set na festa milionária de Clooney em Hollywood gritado: “lembrem-se de Bradley Manning”? Que eu saiba, nenhum porta-voz destacado dos direitos dos homossexuais se pronunciou contra a hipocrisia de Obama e de Biden ao afirmarem que apoiam o casamento homossexual, enquanto aterrorizam um homem, homossexual, cuja coragem deve ser uma inspiração para todos, independentemente da preferência sexual de cada um.
Serviço de classe
A conquista histórica de Obama como presidente dos EUA foi silenciar o movimento de oposição à guerra e por justiça social associado ao Partido Democrata. Tal deferência a um extremismo disfarçado por e incorporado numa figura inteligente e amoral trai a rica tradição de protesto popular nos EUA. Talvez o movimento Occupy se integre nesta tradição; ou talvez não.
A verdade é que o que importa para aqueles que querem controlar as nossas vidas não é a cor da pele, ou sexo, ou se somos homossexuais ou não, mas a classe que servimos. Os objectivos são garantir que olhamos para dentro de nós mesmos, não para fora, para os outros, que nunca compreendamos a verdadeira dimensão do poder antidemocrático, e que ajudemos a isolar aqueles que resistem. O desgaste causado pela criminalização, brutalização e proibição do protesto pode facilmente transformar as democracias ocidentais em estados do medo.
Em 12 de Maio, em Sidney, na Austrália, pátria do Mardi Gras gay e lésbico, um desfile de protesto em apoio do casamento homossexual encheu o centro da cidade. A polícia observou com benevolência, mostrando-se liberal. Três dias depois, estava planeada uma marcha para assinalar a al-Nakba (“a catástrofe”), o dia de luto que marca a expulsão, por Israel, dos palestinos das suas terras. A proibição da polícia teve que ser anulada pelo Supremo Tribunal.
É por isso que o povo da Grécia deve ser a nossa inspiração. Pela sua própria dolorosa experiência, ele sabe que a sua liberdade só pode ser recuperada enfrentando o banco central alemão, o Fundo Monetário Internacional e os seus próprios traidores em Atenas. As pessoas na América Latina perceberam-no: os Indignados da Bolívia, que eliminaram os que queriam privatizar a sua água, e os argentinos, que disseram ao FMI o que deveria fazer com a sua dívida. A coragem da desobediência era a sua arma. Lembrem-se de Bradley Manning.
16 Maio de 2012
Tradução: André Rodrigues P. Silva
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