domingo, 10 de junho de 2012

História recente e perspectivas da estratégia do imperialismo no Médio Oriente*


Ángeles Maestro
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I. Agudização das contradições inter-imperialistas no quadro de uma profunda crise capitalista
I.a. Uma crise do capitalismo de dimensões históricas
Se o capitalismo chegou ao mundo a cuspir lama e sangue, o imperialismo em períodos de crise como a actual mostra a sua determinação de destruir tudo o que vive e continuar o prolongamento da sua agonia. Quando a mão invisível do mercado se debilita até à exaustão, a mão de ferro torna-se mais mortífera que nunca. Nestas condições, a criação de mais-valia só se assegura incrementando exponencialmente a exploração e a luta de morte pelas matérias-primas desenha novos cenários de guerra. Lenine, no prólogo de «O imperialismo, fase superior do capitalismo, escrito em Abril de 1917, recorda-nos: «Atrevo-me a acalentar a esperança de que a minha brochura ajudará à compreensão de um problema económico fundamental, sem cujo estudo é impossível compreender seja o que for e formar um juízo sobre a guerra e a política atuais: refiro-me ao problema da essência económica do imperialismo [1].
A profunda crise do capitalismo, que agora começa a sua etapa mais dura, tem a sua origem na década de 70 do século passado e tem a sua manifestação essencial na queda sustentada da Taxa de Crescimento do Produto Mundial Bruto – como se observa no gráfico seguinte, retirado do trabalho de Jorge Beinstein, «A crise na era senil do capitalismo [2].
No mesmo gráfico observa-se o crescimento espectacular dos produtos financeiros derivados que começa precisamente quando a crise deveria ter batido no fundo e ter começado o crescimento. O rebentamento da bolha especulativa em 2007 fez de detonante na fase mais intensa da crise geral. Fica assim mais uma vez evidente o recurso ao crédito como tentativa desesperada de saída da crise por parte de um «capitalismo que leva no seu seio os gérmenes da sua própria destruição» [3]. O crédito nas delirantes proporções actuais, como noutras etapas históricas, mais não faz do que adiar a explosão e agigantar as suas dimensões. Dois elementos que ilustram a grande intensidade da crise são os factos de desde 2008 a massa financeira mundial ter deixado de crescer e de a capitalização bolsista estar estagnada.
O gráfico seguinte, também retirado de Jorge Beinstein, mostra como rompendo a tendência observada nos ciclos longos anteriores, o quinto período de crescimento que deveria ter-se iniciado no princípio dos anos noventa do século passado não apareceu, nem mostra poder fazê-lo.
Repare-se na fase de descida – que teve uma duração média de 22,6 anos em ciclos anteriores – dura já há mais de 40 anos, apesar de todos os avanços técnico-científicos nas áreas da informática, biotecnologia e novos materiais, que noutras etapas históricas do capitalismo contribuíram decisivamente para o aparecimento da fase ascendente, como assinala o autor citado.
I.b. Importantes mudanças na estrutura económica mundial
Apesar da crise do capitalismo ter um carácter sistémico e afectar todos os países do planeta, no decurso do seu desenvolvimento vêem-se com maior nitidez as grandes diferenças com que atinge os diferentes territórios. O processo mostra que, como manifestação da lei de desenvolvimento desigual e combinado, no quadro geral da crise com uma queda geral dos produtos brutos de todos os estados, a recessão é muito forte na maior parte da União Europeia e nos EUA, enquanto em países emergentes como os chamados BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e outros países da Ásia e América Latina a crise reflecte-se numa desaceleração do crescimento.
O primeiro elemento destacado é a perda prevista a curto prazo da hegemonia económica dos EUA. Goldman Sachs previa esse acontecimento em 2026, mas um estudo recente de PWC [4] prevê que a China se converta na primeira potência mundial em 2018 [5]. E esse estudo prevê que o grupo de países composto pela Índia, China, Rússia, Brasil, México e Turquia supere na mesma data o G7 composto pelos EUA, Japão, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Canadá.
Dados recentes acabam de confirmar estas previsões. O Brasil acaba de tornar públicos os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística segundo os quais o seu crescimento em 2011 foi de 2,7%. Esta cifra implica um retrocesso significativo em relação ao ano anterior, em que o seu crescimento foi de 7,5%, reflectindo o impacto da profunda crise mundial em curso.
Não obstante, esse débil crescimento permitiu ultrapassar a Grã-Bretanha como sexta potência mundial [6] que teve em 2011 um crescimento (0,5%) muito menor [7].
Situação semelhante se verifica com o consumo de petróleo. A Agência Internacional de Energia prevê uma queda média mundial calculada em 750.000 barris/dia, mas enquanto as potências mundiais tiveram uma redução de dois milhões de barris/dia entre 2008 e 2011, A China teve um aumento da mesma quantidade. Apesar da descida global do consumo os preços não param de aumentar. Todos os prognósticos para 2012 indicam que o preço do barril de Brent oscilará entre os 100 e os 120 dólares, «devido ao facto de as preocupações com o fornecimento pesarem mais que os receios pelo lento crescimento económico mundial» [8].
A estagnação da produção de petróleo e a previsão da sua queda nos próximos anos é o principal factor que intervém no aumento do preço. É muito mais importante que factos tão relevantes como o risco de guerra no Irão e o mais que provável encerramento do Estreito de Ormuz a quem se atribui uma subida do preço do barril entre 10 e 15 dólares [9]. Outra coisa é que um ataque dos EUA ou de Israel à Síria ou ao Irão acenda a mecha de uma reacção em cadeia que envolva o conjunto do Médio Oriente.
Estes elementos combinados, crise estrutural, esgotamento de recursos energéticos, exacerbação do espólio de matérias-primas através de guerra e mudanças na hegemonia económica que não coincidem com a liderança na dominação militar, configuram um panorama de grande instabilidade. O capitalismo em crise intensifica o recurso à violência e à sobre-exploração. Os resquícios de legitimidade perderam-se e a repressão agudiza-se. A inteligência, a capacidade de organização, a vontade de luta e a decisão da classe operária e dos povos têm a palavra.
II. Médio Oriente cenário permanente de guerra
Desde o afundamento da URSS que o Médio Oriente é a pedra que segura a abóbada da estratégia do imperialismo euro-estadunidense, que tem o seu epicentro no expansionismo sionista. Desde finais da década de 70, época em que tanto o Irão como o Iraque nacionalizaram o seu petróleo, a agudização das contradições entre um imperialismo decadente, mas militarmente vantajoso, representado pelos EUA, a UE e a NATO – em cujo maquinação central se encontra sempre o Estado de Israel – vai perfilando o confronto este bloco e países como a Rússia, e sobretudo a China, que percebem com clareza crescente que se situam no centro do seu objectivo.
Até aqui, a partida foi-se jogando militarmente em países intermédios como o Iraque, o Afeganistão, a ex-Jugoslávia, a Líbia. Agora apontam para a Síria e o Irão. Também se deram
importantes acontecimentos que entorpecem os planos imperiais como a derrota de Israel em 2006 pela resistência libanesa hegemonizada pelo Hezbollah, algumas das mobilizações populares de 2011 em determinados países como o Egipto ou os avatares da Palestina e as diferentes tentativas de neutralizar o seu potencial de catalisador da unidade anti-sionista árabe e muçulmana.
Os princípios fundamentais da análise científica exigem situar o fenómeno no devir histórico do seu desenvolvimento e nas suas relações. Num processo social da complexidade do imperialismo, isolar os acontecimentos de um país do mundo do seu contexto regional e da sua evolução na relação com geoestratégia imperialista conduz a erros muito graves, como os que foram cometidos por boa parte da esquerda europeia que, deslumbrados pela propaganda sobre os direitos humanos ou sobre o carácter genuinamente «popular» de determinadas rebeliões, julgaram o penoso papel de comparsas do imperialismo.
O objectivo deste trabalho é analisar como o imperialismo utilizou os conflitos históricos entre os diferentes estados da região e a dança de alianças entre eles, bem como a exacerbação dos conflitos internos – definitivamente o «divide e vencerás – para assegurar a sua hegemonia depredadora nas últimas décadas. Assim, passaremos em revista o papel jogado em cada conflito por cada um dos estados do Conselho de Segurança da ONU e o desempenhado pela NATO como instrumento militar e diplomático, criador de novas alianças na região. Serão analisadas as novas relações entre a Rússia e a China, a guerra de baixa intensidade contra a Síria e o Irão e o novo panorama militar no amplo território do Médio Oriente, mas que se estende pela Ásia e Mediterrâneo e Oceano Pacífico. Finalmente, será valorizado um cenário incerto onde os planos do imperialismo euro-estadunidense encontram cada vez mais obstáculos para se concretizarem.
Identificar os planos do imperialismo no Médio Oriente, os seus objectivos económicos e geoestratégicos, as suas alianças e as suas debilidades é vital para enfrentar, a partir da resistência anti-imperialista, os planos de dominação de um monstro em declínio mas com uma capacidade de destruição que não duvidará em utilizar, como aliás já demonstrou.
Tanto para a luta de classes em cada nação e em cada Estado, como para o combate de cada povo pela sua soberania e tanto ou mais no plano internacional, a solidariedade internacionalista é vital.
III. Um século de intervenção e saque colonial no Médio Oriente. De Sikes-Picot à devastação do Iraque em 1991.
III.a. O acordo franco-britânico de Sikes-Picot, um antecedente histórico básico.
A chave para a compreensão da actual ingerência imperialista no Médio Oriente exige retroceder a acontecimentos de há quase um século. Em 1908 descobriu-se petróleo no Irão que, desde o primeiro momento, esteve controlado por companhias britânicas. Rapidamente se seguiram descobertas semelhantes no Iraque e Golfo Pérsico. Em plena Guerra Mundial, em 1916, a França, a Rússia e a Grã-Bretanha acordaram através o Tratado de Sikes-Picot a partilha do Médio Oriente depois da derrota do Império Otomano, aliado da Alemanha. A França ficava com o controlo da zona hoje formada pela Síria, Líbano e uma parte da Turquia, a que se acrescentava uma área de influência que chegava a Mosul (hoje Iraque). A Grã-Bretanha recebeu a zona que hoje constitui o Iraque – excepto a parte norte de Mosul – e o Koweit, mais uma área de influência que incluía a actual Jordânia, a Palestina e uma parte da Arábia Saudita. A Rússia czarista devia conseguir a ansiada saída para o Mediterrâneo através dos Dardanelos, remetendo a sua concretização para o fim da guerra. A paz de Brest-Litovsk assinada em 1918 entre a recém-criada URSS e a Alemanha eximiu o eixo franco-britânico de cumprir o acordado.
A Grã-Bretanha ocupava a Síria e a Palestina desde a sua vitória sobre o império otomano em 1917. A Sociedade das Nações outorgou formalmente, em 1920, mediante um mandato, a Palestina à Grã-Bretanha. O mandato manteve-se até que no final da II Guerra Mundial, em 1948, a recém-criada ONU dividiu o território e criou o Estado de Israel. Começava Al Naqba, o Grande Desastre, do genocídio palestino.
A divisão em zonas de influência entre as potências coloniais fez-se com a colaboração das forças vivas locais, conseguida não só com subornos. Os colonizadores venderam com sucesso o seu apoio à luta árabe pela independência dos opressores otomanos, ao mesmo tempo que punham em marcha os seus próprios mecanismos de dominação e saque da zona.
Os novos donos criaram estados títeres e estabeleceram as actuais fronteiras. A própria delimitação dos actuais estados como o Iraque, a Jordânia, a Síria, o Líbano e o Koweit – feita a régua e esquadro, como recordam os seus povos – por parte da França e da Grã-Bretanha, obedeceu a critérios de controlo da região a longo prazo, criando zonas de instabilidade e litígio que facilitaram intervenções pacificadoras das grandes potências. Como é sabido, os EUA herdaram o império colonial inglês mas mantiveram uma estreita aliança com a Grã-Bretanha.
A história parece repetir-se. A estratégia imperialista no Médio Oriente repete métodos e áreas de influência com o objectivo de conseguir a reordenação colonial da região. Até à destruição da Líbia a estratégia funcionou. Não está tão claro que continue no futuro.
III.b. Irão e Iraque. A soberania nacional e a indústria petrolífera.
O desenho de Sikes-Picot a desmantelar-se na década de cinquenta. Importantes países da zona depuseram as monarquias impostas e súbditas das potências coloniais, e nacionalizaram os recursos petrolíferos.
O imperialismo anglo-estadunidense, fortemente ancorado no Estado sionista, pôs em marcha os seus planos com o objectivo de colocar novamente a região sob controlo. O Iraque e Irão eram as peças chave.
O Iraque e o Irão são destacadas potências regionais que, sobretudo depois de sacudirem o jugo colonial, conseguiram um importante desenvolvimento demográfico e tecnológico, com uma forte identidade nacional. Ambos estão nos primeiros lugares do mundo quanto a reservas e produção de petróleo e gás de grande qualidade e com baixos custos de extracção. O Irão produz cerca de 4 milhões de barris por dia. O Iraque extraía, antes de 1991, 3 milhões de barris diários e conta com as segundas maiores reservas do mundo. O Iraque juntamente com a Palestina era uma referência da identidade árabe, com políticas claramente anti-sionistas e anti-imperialistas. Nacionalizou o seu petróleo em 1972 – ao mesmo tempo que a Argélia e a Líbia – depois de um período de revoltas populares que acabaram com a monarquia títere imposta pela Grã-Bretanha. À expropriação da companhia britânica Iraque Petroleum Company sucedeu um embargo total que durou vários anos e durante o qual, segundo recorda o povo iraquiano, «só comeram tâmaras».
No Irão, em 1953, o Primeiro-ministro Mohammad Mosaddeq foi derrubado por um golpe orquestrado por britânicos e estadunidenses, através da CIA e MI6, depois de nacionalizar o petróleo em 1951 e declarar nulos os acordos de concessão da exploração de petróleo a empresas estrangeiras. A maior parte da indústria petrolífera estava em poder da Anglo-Iranian Oil Company (mais tarde British Petroleum Company).
O Xá, imposto pelas duas potências, governou com o seu apoio recorrendo a uma brutal ditadura militar, à criminosa polícia secreta Savak, e uma lei marcial permanente. Durante os 25 anos do governo do Xá o petróleo iraniano esteve nas mãos de um consórcio hegemonizado por firmas estadunidenses. O seu derrube em Janeiro de 1979 foi provocado no imediato por uma prolongada greve dos 37.000 trabalhadores do petróleo, que fez descer a produção de 6 milhões para 1,5 milhões de barris diários. O preço do petróleo multiplicou-se por 2,7 entre 1978 e 1981.
Em 1979, uma das primeiras medidas do novo Conselho da Revolução foi declarar nulos todos os tratados de exploração de companhias estrangeiras, ainda que o Irão tivesse continuado dependente de companhias estrangeiras para os processos tecnológicos mais complexos. Em Agosto de 2011, o Presidente Ahmadinejad nacionalizou a totalidade da indústria petrolífera.
Apesar da força que lhes dá a posse da matéria-prima essencial para o funcionamento dos países industrializados, uma só vez na história dos países membros da OPEP utilizaram o petróleo como arma anti-imperialista. Aconteceu durante a guerra de Yom Kipur, em 1973, iniciada por iniciativa da Síria e Egipto contra Israel em resposta à Guerra dos Seis Dias (1967), pela qual o Estado sionista se apoderou do Sinai, dos Montes Golan, da Cisjordânia e de Jerusalém Este. Por iniciativa dos países árabes e do Irão, membros da OPEP, reduziu-se drasticamente a produção de petróleo e declarou-se o embargo progressivo às potências ocidentais pelo seu apoio a Israel, o que provocou uma grande escalada dos preços, com graves repercussões económicas.
III.c. A guerra Irão-Iraque, a primeira Guerra do Golfo.
Desde 1980 até 1988, o Iraque e o Irão defrontaram-se e debilitaram-se brutalmente, numa guerra sem vencedor claro que provocou mais de um milhão de mortos. O Iraque recebeu importante apoio técnico e em armamento dos EUA, directamente interessado em desgastar um Irão saído decididamente da sua órbitra, depois do derrube do Xá um ano antes. O Irão foi apoiado pela Síria e pela Líbia.
É bem conhecido o caso Irão-Contra [9ª], operação através da qual o governo Reagan vendeu armas ao Irão – violando o embargo por ele decretado – pelo valor de 47 milhões de dólares, com os quais financiou os Contra nicaraguenses. Henry Kissinger, afirmou durante a guerra: «Espero que não ganhe nenhum e se matem mutuamente». Parafraseava Harry Truman, presidente dos EUA durante a II Guerra Mundial que em 1941 defendia: «Se os alemães estão prestes a ganhar, deve-se ajudar os russos, e se os russos começam a impor-se, há que ajudar os alemães, e que se matem mutuamente, quanto mais melhor.» Ambos explicitaram uma das constantes da política externa e de guerra do imperialismo norte-americano.
Sem entrar em detalhes o saldo foi claro: duas potências independentes, donas de importantes recursos energéticos, ficaram enormemente desgastadas e em confronto profundo.
III.d. O ataque ao Iraque em 1991, começa a caçada.
Depois da guerra contra o Irão, o Iraque ficou economicamente muito debilitado. Contraiu importantes dívidas junto dos países do Golfo, estimadas em 80.000 milhões de dólares, e viu-se obrigado a reduzir drasticamente a sua produção de 2 milhões e meio para 600.000 barris diários.
Na reunião da OPEP de 26 de Julho de 1990 deu-se um grave confronto entre o Iraque e o Koweit devido à proposta deste último de reduzir o preço do petróleo para 14 dólares o barril, aumentando substancialmente a produção. O Iraque pretendia situá-lo entre os 18 e os 25
dólares, nível indispensável para financiar a sua recuperação. Por outro lado o Iraque tinha ficado sem saída para o mar depois da destruição do estuário do Tigre e do Eufrates em Chat el Arab, na guerra contra o Irão, e por isso necessitava de utilizar a faixa costeira do Koweit, também objecto de reivindicações históricas.
Em 2 de Agosto de 1990 o Iraque decide invadir o Koweit. Este país fazia parte do território histórico do Iraque e, 70 anos antes, foi artificialmente criado pela Grã-Bretanha onde colocou uma monarquia títere. O objectivo foi desgastar o Iraque, um território cheio de petróleo, usurpar-lhe a sua saída para o mar e utilizá-lo como plataforma de desestabilização da região. A perspectiva histórica e os acontecimentos seguintes permitem afirmar que o governo iraquiano mordeu o anzol de uma provocação económica que fazia parte dos planos geoestratégicos do imperialismo para o Médio Oriente. George W. Bush, no seu discurso na ONU em 11 de Setembro de 1990 [10], anuncia o propósito geoestratégico de uma Nova Ordem Mundial: «o que está em jogo é mais que um pequeno país, é uma grande ideia, uma Nova Ordem Mundial». As belas palavras com que embelezou o discurso concretizá-las-ia pouco depois o Secretário de Estado James Baker, numa entrevista com o vice-presidente iraquiano, Tarek Aziz, em 9 de Janeiro de 1991: «as nossas forças farão com que o Iraque regresse à era pré-industrial».
A 16 de janeiro de 1991 iniciou-se a devastação do Iraque. Durante 42 dias, os EUA, a maior potência mundial, lançava sobre um país periférico de 20 milhões de habitantes e com um nível médio de desenvolvimento, 109.876 missões de bombardeamento, uma a cada 34 segundos, que lançaram 88.500 toneladas de bombas [11], sete vezes e meia mais que as que a mesma potência lançou sobre Hiroshima em 1945.
O horror sem limites da população iraquiana que viu destruídas suas fábricas, refinarias, infraestruturas de todo o tipo, escolas, hospitais, estradas… etc., juntamento com meio milhão de mortos, chegou ao resto do mundo na colorida forma de um aparelho de televisão. E continuando, os doze longos anos de embargo decretado pelo Conselho de Segurança da ONU debilitaram o país até à exaustão. Um milhão e meio de iraquianos, a maior parte deles com menos de 5 anos, morreram como consequência directa das sanções. Madeleine Albright, ainda e enquanto representante dos EUA no Conselho de Segurança da ONU, respondeu numa entrevista com a CBS à pergunta se valia a pena pagar o preço da morte de 800.000 crianças iraquianas: «Foi uma escolha difícil, mas sim, valeu a pena pagar esse preço» [12].
O ataque foi feito por uma coligação multinacional liderada pelos EUA e a Grã-Bretanha, em que participaram a Arábia Saudita, o Egipto, a Síria e a França. O Japão e a Alemanha contribuíram generosamente para o seu financiamento. A Comunidade Económica Europeia calou-se, enquanto os países membros, o Estado espanhol incluído, reafirmavam com o seu compromisso com a NATO o envio de tropas e o apoio logístico. A implicação directa da NATO,
que participou na Operação Southern Guard de «precaução e apoio», foi impedida pela oposição da França e da Alemanha, países que, não obstante, apoiaram em diferente medida o ataque. O Estado espanhol também participou no quadro da NATO [13] e, sobretudo, com as Bases de Rota e de Móron, que serviram imensos de porta-aviões no ataque.
A Turquia, país membro da NATO, também não enviou tropas, ainda que a sua participação fosse decisiva facilitando o uso intensivo da base estadunidense de Incerlik, junto fronteira turco-iraniana, desde que descolavam até ao regresso dos bombardeiros.
Israel não participou, publicamente, em qualquer operação militar, mas recebeu no seu território o impacto de 39 misseis SCUD, disparados a partir do Iraque. A aparente passividade do estado sionista era a chave que há pouco tempo atrás parecia impossível: a presença de tropas de três países árabes num ataque militar dirigido pelos EUA contra outro país árabe. Para lá da Arábia Saudita, a participação do Egipto que ocupa o terceiro lugar do mundo entre os maiores receptores de ajuda militar dos EUA (depois de Israel e Colômbia) desde que assinou o acordo de paz com Israel em 1979, já era previsível. Não obstante, Mubarak enfrentou uma altíssima contestação interna, fruto da massiva oposição popular ao ataque ao Iraque.
A Síria, por seu lado, jogou as suas vazas numa mesa muito mais pequena: o da sua influência no Líbano. Como contrapartida pelo cumprimento da sua função estratégica de dar uma fachada árabe ao ataque ao Iraque conseguiu que os EUA e a França retirassem o apoio ao governo anti-sírio do General Aoun, que imediatamente caiu.
IV. O Conselho de Segurança ferramenta de aniquilação de povos às mãos do imperialismo: Iraque de 1991 a 2003.
Dois anos antes do início dos bombardeamentos sobre o Iraque, em 1989, conhecido em determinados meios como «o ano dos milagres», seguramente pela importante participação na conspiração do Papa Wojtyla, dá-se a queda da URSS. Sem entrar noutras considerações vale a pena reter estes dados: o PNB da Rússia em 1997 era metade do de 1989, o da Arménia e da Geórgia era 30%. A taxa de mortalidade geral aumentou 42% [13a]. 1991, o ano do ataque ao Iraque foi também o ano chave da desintegração da URSS. Boris Yeltsin comunica a 24 de Dezembro de 1991 a substituição desta última pela Rússia no Conselho de Segurança da ONU. A URSS, o grande contrapeso aos objectivos imperiais dos EUA, tinha colapsado.
As catorze Resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança da ONU relativas ao Iraque [14], desde a 660 de 2 de Agosto de 1990 até à 687 de 3 de Abril de 1991 em que se estabelecem as condições do cessar-fogo, inauguraram uma etapa ainda não concluída de
sistemáticas violações dos princípios fundamentais do Direito Internacional, por parte do órgão máximo com competências para os aplicar.
Os trinta anos decorridos desde o primeiro ataque ao Iraque aos bombardeamentos da NATO sobre a Líbia passando pela Jugoslávia, Afeganistão, a invasão do Iraque, do Líbano e Palestina, marcaram a substituição da ONU pela Aliança Atlântica e o Direito Internacional pela Estratégia de Segurança Nacional dos EUA.
Desaparecido o contrapeso da URSS, o Conselho de Segurança assumia então pela primeira vez desde a sua criação logo a seguir à Segunda Guerra Mundial o vergonhoso papel de legitimador do ataque de uma grande potência contra um país do Terceiro Mundo, e de protagonista de na aplicação genocida do embargo que assolaria o país durante os doze anos seguintes, decretado após a invasão do Koweit.
Nenhum país com direito de veto (a Rússia e a China abstiveram-se) se opôs ao embargo (Resolução 660), nem ao massivo ataque, legalizado pelo eufemismo de «utilizar todos os meios necessários» para assegurar o embargo (Resolução 670). Apenas pequenas nações como Cuba e o Iémen (este último o único país árabe, então, membro do Conselho de Segurança), resistiram às fortíssimas pressões e ameaças que lhes foram feitas e votaram contra.
As sanções adoptadas cumpriram os seguintes objectivos:
 Destruir a capacidade militar do Iraque e evitar o seu rearmamento;
 Bloquear o seu desenvolvimento científico e tecnológico com o seu isolamento e a congelação das suas importações, a que há que acrescentar o assassínio selectivo dos seus homens de ciência executado pela Mossad.
 O controlo absoluto das receitas obtidas pela venda de petróleo e dos seus haveres no exterior que foram destinados a sufragar a ajuda humanitária, o pagamento da dívida de guerra – a que o país destinava 1/3 das suas exportações desde 1991 até 2125 – bem como o financiamento dos seus gastos com as diversas agências da ONU presentes no Iraque.
Era a primeira vez desde a II Guerra Mundial que se verificava um ataque daquela dimensão, por parte das grandes potências sobre um país periférico. Inaugurava-se uma época em que as linhas mestras guerra mediática, bombardeamentos massivos e participação no ataque a estados vizinhos, embargo geral e sustentado, e invasão, não deixaram de se desenvolver [14.a.]
O primeiro objectivo era destruir o estado árabe que com um nível de desenvolvimento mais elevado proporcionado por uma mistura de recursos económicos, demográficos e científicos de
sucesso, era o mais firma baluarte do nacionalismo pan-arabista e por isso com a Palestina, símbolos da identidade árabe. A devolução do Iraque à Idade Média estava em vias de concretização.
O enfraquecimento do Iraque através da acção combinada da guerra e do embargo iniciava um processo de dominação regional muito mais amplo. Pretendia o controlo, in situ, das jazidas de petróleo e gás, a presença militar directa para «proteger os oleodutos», tudo isso fazendo parte de um ambicioso plano destinado a forçar um inserção integral (económica, militar, social e cultural) dos países árabes da zona no capitalismo neoliberal, sob a hegemonia de Israel.
O segundo era romper qualquer vestígio de unidade árabe. A participação militar directa da Arábia Saudita e, sobretudo, da Síria e do Egipto foi um marco no submetimento dos governos árabes aos planos dos EUA e Israel e incendiou a mecha do confronto com uma «rua árabe» de credenciada rebeldia.
O terceiro tratava de domesticar a OLP e de a destruir como referência de libertação do seu povo. No convincente cenário da devastação do Iraque, o objectivo era reorientar o conflito israelo-árabe transformando-o em israelo-palestino, e inaugurar um «processo de paz» que nega as reivindicações nacionais palestinas, além da libertação dos presos e o regresso dos refugiados.
O quarto tinha por meta executar a maior estratégia de manipulação informativa à escala mundial, destinada a demonizar o regime iraquiano a fim de justificar a intervenção e neutralizar a capacidade de resposta dos povos perante o massacre.
Em 2003, uma coligação liderada pelos EUA, a Grã-Bretanha e Espanha – o Trio dos Açores – invadiu o Iraque. Milhões de pessoas em todo o mundo clamaram contra a guerra. Não se conseguiu pará-la, mas a deslegitimação dos governos iniciou um processo que não parou de se aprofundar.
A invasão e ocupação do Iraque deixaram o país arrasado. Um milhão de mortos, milhão e meio – pelo menos – de exilados, a capacidade produtiva destroçada, as infraestruturas e os serviços públicos aniquilados, toneladas de urânio empobrecido contaminando o solo e deixando o seu sulco permanente de doença e morte, o património artístico foi em boa parte espoliado, a soberania do país apagada, a violência sectária persistindo e alastrando.
Os responsáveis de um dos maiores Crimes contra a Humanidade não foram processados.
V. A NATO peça chave, política e militar, na estratégia imperialista no Médio Oriente
V. a. O diálogo Mediterrâneo da NATO
Em 1994, A Divisão de Diplomacia Pública da Aliança (DDPA), que tão bem tinha desempenhado o seu papel na promoção da Aliança Para a Paz, destinada a destruir o bloco de países socialistas do Leste da Europa, muda de objectivos. Depois de cumprir a sua missão com a queda da URSS, e culminar a sua função de suavizar resistências e comprar dirigentes nos países do extinto Pacto de Varsóvia para olear a sua entrada na NATO, decide declarar o Norte de África e o Médio Oriente como objectivos prioritários.
A própria DDPA lança a iniciativa do Diálogo do Mediterrâneo que desde o primeiro momento é apoiada pelo Egipto, Israel, Mauritânia, Marrocos e Tunísia, incorporando-se depois a Jordânia (1995) e a Argélia (2000). A sua finalidade é promover uma associação militar dos estados implicados entre si, tendo Israel como mais um parceiro e sob a égide da NATO. Para isso desenvolve um trabalho sistemático e sustentado, semelhante ao que desenvolveu durante décadas nos países do Pacto de Varsóvia, dirigido a altos cargos militares, políticos, académicos, empresariais, sindicalistas, líderes de opinião, jornalistas, etc., através de subvenções, cursos de formação, viagens aos EUA e subornos de todo o tipo. O objectivo era mudar radicalmente uma opinião pública árabe que identificava o Estado sionista e os seus aliados imperialistas como seus inimigos históricos e que tinha impedido a participação directa de Israel e da NATO no ataque ao Iraque.
Nicola de Santis, Coordenador para os países do Diálogo do Mediterrâneo e da ICI [Iniciativa de Cooperação de Istambul] na Divisão de Diplomacia Pública da NATO formula assim os seus objectivos: «O Diálogo do Mediterrâneo nasceu para promover a segurança e a estabilidade regionais, melhorar a compreensão mútua entre a NATO e os seus Parceiros mediterrâneos, corrigir a imagem distorcida que alguns países participantes tinham da Aliança, e fomentar umas boas relações de amizade em toda a região. Além disso, pretende complementar outras iniciativas internacionais relativas a esta região, como o Processo de Barcelona da União Europeia e a Iniciativa Mediterrânea da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) [16].
Estes amáveis propósitos encobriam realidades mais pragmáticas como: a participação destes países em manobras da NATO, a planificação «conjunta» da reforma das suas forças armadas, incluindo a compra massiva de armamentos aos EUA e outros países da NATO [17], a formação de militares, a estreita ligação em matéria de serviços secretos, o apoio mútuo na luta antiterrorista, etc..
Como expressão palpável do nível de integração do nível de integração alcançado serve a informação seguinte proporcionada por Nicola de Santis em 2004: No contexto destas operações dizer que um dos países do Diálogo Mediterrâneo, Marrocos, participa na Força de
Estabilização da Bósnia-Herzegovina e na Força para o Kosovo, e que outros dois, o Egipto e a Jordânia, enviaram no passado tropas para as operações da NATO na Bósnia-Herzegovina. E é possível que os países do Diálogo Mediterrâneo queiram participar na Operação Active Endeavour, a missão marítima da Aliança para detectar, dissuadir e desarticular qualquer possível actividade terrorista no Mediterrâneo» [18].
V.b. O eixo EUA, Israel, Turquia
Em 1994, os EUA patrocinam outra iniciativa na região de grande transcendência e destinada a avançar a grande velocidade. Trata-se do chamado Acordo de Segurança Secreto entre a Turquia e Israel, que além de aproximar decisivamente Israel da NATO, tem importantes consequências de âmbito regional. O acordo dirige-se sistematicamente contra o Iraque, o Irão e a Síria, todos países fronteiriços com a Turquia, e em confronto com Israel pelas suas conexões com as resistências palestina e libanesa.
A aliança militar entre Israel e a Turquia, primeiro e quarto país do mundo, respectivamente no ranking de receptores de ajuda militar dos EUA, respondia a fortes interesses comuns ligados ao controlo do transporte de hidrocarbonetos e ao objectivo estratégico de Israel se apropriar das riquezas hídricas da região. A associação do estado sionista com a Turquia facilitava enormemente esta tarefa, ao mesmo tempo que os reforçava face à Síria e ao Líbano.
Ignacio Gutierrez de Terán diz-nos num interessante artigo de 1998 [19] que Israel «controla parcial ou totalmente a ribeira ocidental do Jordão, o lago Tiberíades, os Montes Golan ricos em nascentes), o Yarmuk e os rios Litani e Hasbani no Líbano, dispondo em alguns casos de poder absoluto de decisão das quotas de racionamento aos países vizinhos, como a Jordânia, obrigada a regateá-las nas conversações de paz. Ou pode também utilizar a água como garrote para atenazar os territórios autónomos palestinos que, neste aspecto e em quase todos os outros, não têm autonomia plena sobre os seus próprios recursos hídricos. Se o panorama já era sombrio para a Síria e os países árabes da região entre o aluvião israelense e as últimas obras hidráulicas turcas nos rios Eufrates e Tigre (que afectam especialmente a Síria e o Iraque), o acordo militar de 1996 accionou todos os sinais de alarme. É que por detrás do tratado assinado por Israel e a Turquia, que mantêm desde há anos diversos programas de colaboração hidráulica e de técnicas de regadio, o eixo Telavive-Ancara converte-se não só numa fortíssima tenaz militar mas também no aguadeiro do Médio Oriente». Um dos projectos mais ambiciosos é, efectivamente, captar a água do Tigre e do Eufrates na Turquia, em prejuízo da Síria e do Iraque, e transvazá-la até o estado sionista através de um aqueduto.
O alto grau de cooperação militar entre a Turquia e Israel, alcançado em tempo record, reflectiu-se dois anos mais tarde, em 1998, no Acordo de Capacitação e Cooperação Militares
que inclui a produção conjunta e armamento. Pouco tempo depois, ambos os países iniciaram conversações para um acordo de livre comércio, que se tornou efectivo no ano 2000 [20].
Vc. A mudança estratégica da NATO na Cimeira de 1999
A Cimeira da NATO, realizada em Washington em 1999, nos 50 anos da sua criação e em pleno apogeu dos seus bombardeamentos sobre a ex-Jugoslávia, foi financiada por doze grandes empresas multinacionais com 250.000 dólares cada. As razões do seu interesse foram claramente explicitadas: «A maior parte das empresas do comité de honra vendem, justamente, o tipo de produtos mais procurado pelos mercados emergentes da Europa oriental e central, (… o seu apoio continua o papel activo que tiveram numerosas companhias estadunidenses, sobretudo as que lideram o sector da Defesa como a Lockheed Martín ou Bethesda, no alargamento da NATO. Nestes últimos anos, as sociedades militares dos EUA exerceram uma forte pressão sobre o Congresso para conseguir a admissão da Hungria, da Polónia e da República Checa. Gerald B.H. Solomon, antigo deputado e hoje membro destes grupos de pressão declarou: «Nós queremos que [estes países] comprem americano» [20a].
O novo conceito estratégico da NATO está no documento intitulado «A Nova NATO do século XXI». O mais destacado é a supressão das duas restrições à sua capacidade da actuação contidas no Tratado Fundacional de 1949, artigos 5º e 6º: A Aliança só actuaria «na defesa dos seus Estados membros»» e a «resposta militar só se terá lugar depois de uma agressão exterior e exclusivamente dentro das suas fronteiras».
As ameaças que justificaram intervenções militares da Aliança, segundo a nova Carta aprovada são as seguintes:
 «proliferação de armas de destruição massiva» em países fora da NATO;
 «perigos derivados da ameaça de agressão em larga escala de grandes potências regionais interesses antitéticos aos nossos», conflitos étnicos e religiosos, e «apoio estatal ao terrorismo e à subversão contra governos amigos». Os movimentos migratórios massivos são considerados um grave risco para «a estabilidade regional que pode ameaçar seriamente e ser um perigo para as fronteiras dos países da NATO»;
 «ameaças à democracia e às reformas na antiga União Soviética, Europa Oriental e outros lugares»;
 «ameaças à nossa segurança nacional que possam dificultar-nos a construção de uma economia forte, competitiva e em crescimento».
A nova NATO, nascida em pleno bombardeamento sobre a Jugoslávia, representa a legitimação da intervenção imperialista à escala mundial sob a égide dos EUA, e garante a sua
dominação através do recurso directo ao uso da força contra aqueles estados ou povos que resistam aos planos de poder em qualquer rincão do planeta. Pulverizam-se assim os princípios básicos do Direito Internacional e todo o sistema de relações criado à volta das Nações Unidas depois da Segunda Guerra Mundial [20b].
A partir da eliminação dessas barreiras, qualquer país do mundo podia, como sucedeu, ser palco de intervenção da NATO sem autorização prévia das ONU, nem de nenhum outro organismo internacional, e por qualquer motivo «que possa pôr em perigo os interesses comuns e os valores dos membros da Aliança». Apesar da formulação da doutrina da «guerra preventiva», como «guerra total permanente» ou «guerra assimétrica de amplo espectro», inaugurar a nova escalada bélica, e de ela não ter sido levada a cabo até 2001, depois do 11 de Setembro, é inegável que em 1999 os seus fundamentos estavam já colocados.
Em Fevereiro de 2003, um mês antes de se começar a invasão do Iraque, os EUA propuseram no seio da NATO [21] um plano para incrementar desmedidamente a dotação de armamento à Turquia. O objectivo era opor-se à possível resposta iraquiana perante a participação directa dos turcos no ataque ao seu território. Invocava-se de forma absolutamente perversa o artigo 4º da Carta da NATO, pelo qual os países membros respondem solidariamente quando um deles é atacado. O critério é o mesmo que será aperfeiçoado mais tarde com o «escudo antimíssil»: neutralizar a resposta do país atacado. A diferença de critérios entre a UE e os EUA, em relação à forma de controlar o Iraque, expressou-se na oposição inicial à proposta por parte da França, da Alemanha e Bélgica, que davam conta do complexo contencioso da UE com a Turquia que impedia a participação directa da NATO na invasão do Iraque. Finalmente, os EUA impuseram-se e foi feita a operação da NATO Fisplay Deterrence de «proteção» da Turquia.
V.d. O Grande Médio Oriente e o Grande Israel. A estratégia neocolonial um século depois
O Estado de Israel, desde a sua constituição até à data, sempre recusou definir as suas fronteiras. A estratégia expansionista israelense é um elemento chave para estabelecer a continuidade histórica dos acontecimentos na região e a sua implicação com os planos do imperialismo estadunidense, que se expressam em projectos tão relacionados como o projecto sionista que preconiza o Grande Israel, desde o Nilo ao Eufrates, e o Grande Médio Oriente.
Existe uma linha de continuidade entre o primeiro ataque multinacional ao Iraque em 1991, a posterior invasão 12 anos depois: o contínuo expansionismo israelense e os seus massacres periódicos ao povo palestino, o ataque do Estado sionista ao Líbano em 2006, a intervenção da NATO na Líbia e as ameaças de ataque à Síria e ao Irão.
Em Junho de 2004, enquanto se configurava o cenário de alianças militares apresentava-se o grande projecto do capitalismo imperialista a que servem. Os EUA apresentaram na Cimeira dos G8, a que assistiu um curioso grupo de representantes governamentais (Afeganistão, Argélia, Bahrein, Jordânia, Tunísia, Turquia e Iémen), além do novo presidente do Iraque, a sua iniciativa para um Grande Médio Oriente e Norte de África.
Como diz Loles Oliván [22], trata-se de um programa multissectorial de remodelação integral que tem o seu epicentro no Iraque ocupado. Debaixo de títulos como «democracia», «direitos humanos», «estado de direito», «sociedade civil», «avanço da mulher», a iniciativa pretende tornar toda a região, incluindo Israel e a Turquia, num todo homogéneo, económica, social e culturalmente, plenamente integrado no capitalismo neoliberal.
Os instrumentos para a implementação do plano puseram-se rapidamente em marcha. Um Fórum para o futuro integrado pelo G8, governos, empresas e a «sociedade civil» definiria as reformas globais, um Plano de Apoio proporcionaria as «ajudas» para levá-las a cabo, um Serviço de Desenvolvimento Empresarial Privado para melhorar os negócios e investimentos dotado com 100.000 milhões de dólares, de uma Força Especial sobre Investimento, um Conselho Empresarial Árabe, etc.. Por certo, como assinala a autora, em cada apartado aparece uma grande preocupação pelos «direitos das mulheres». O grande prémio final aos esforços será a entrada do país correspondente na Organização Mundial do Comércio.
V.e. A Iniciativa de Cooperação de Istambul (ICI)
No mês de Julho de 2004 reuniu-se uma transcendental Cimeira da NATO, significativamente em Istambul. Nela se integraram na Aliança sete novos países – antigos membros do Pacto de Varsóvia – «aceitou-se» o controlo do ISAF no Afeganistão, e pôs-se em marcha a Missão de Adestramento do exército e das forças de segurança iraquianas. A sua Declaração afirma: «A NATO pode contribuir para a reforma e a democracia nesta região realizando o Diálogo Mediterrâneo em que participam actualmente a Argélia, o Egipto, a Jordânia, a Mauritânia, Marrocos e a Tunísia. A NATO pode também criar um conjunto mais amplo de relações com nações seleccionadas do Grande Médio Oriente, colaborando com elas nas áreas do antiterrorismo, na oposição às armas de destruição massiva, na intercepção e nas operações de estabilidade».
O Director da Planificação Política, J. Patrick Shea, analisando o quadro da ICI, ligava directamente os avanços realizados pela NATO na construção de alianças com os países do sul do Mediterrâneo com as alterações produzidas depois do 11 de Setembro, se bem que não ocultava que a presença da Aliança na zona se justificava essencialmente «no quadro de interesses comuns estratégicos», isto é, o controlo de recursos da região [23].
A ICI foi lançada de maneira complementar e paralela ao Diálogo do Mediterrâneo (DM) para integrar os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). O êxito foi fulminante. Em Junho de 2005, quatro dos seis países que o integram, o Bahrein, o Qatar, o Koweit, e os Emiratos Árabes Unidos (EAU), já se tinham unido à iniciativa.
O objectivo declarado é semelhante ao DM. Através de reuniões destes países com os 26 membros da NATO ou dos 26 com cada um deles procura-se «reforçar a segurança e a estabilidade (… particularmente no contexto da luta contra o terrorismo e a proliferação das armas de destruição massiva [24].
Os avanços foram muito rápidos ao longo de 2005 e 2006 e não restam dúvidas de que, nas suas muito secretas reuniões, se preparou minuciosamente o papel de cada um dos Estados no que estava destinado a ser um elemento chave da estratégia imperialista para a dominação da zona: o ataque de Israel ao Líbano em Julho de 2006.
Algumas das datas fundamentais foram as seguintes:
 Em Março de 2005 realizou-se em Roma uma importante conferência intitulada: A NATO e as fronteiras do Médio Oriente. Nela participaram uma centena de oficiais, parlamentares, académicos e peritos em matéria de segurança da NATO e dos países do CCG [25].
 Em Fevereiro de 2006 realizou-se o primeiro encontro de ministros da Defesa dos países do Diálogo Mediterrâneo [26].
 Em 9 e 10 de Maio desse mesmo ano reuniram-se pela primeira vez em Bruxelas os chefes dos serviços de inteligência dos 26 países membros da NATO, mais os sete do Diálogo Mediterrâneo [27].
 Em Julho anunciou-se a participação de Israel e de Argélia na operação Active Endeavour, «apoiando a partir da costa os trabalhos de inteligência e de interrupção do tráfego de mercadorias, pessoas e armas» [28].
O papel que tem sido desempenhado pela Autoridade Nacional Palestina (ANP) e os seus confrontos com o governo do Hamas em Gaza devem entender-se com a perspectiva do alinhamento da primeira com a estratégia imperial. Não se trata apenas da escandalosa extorsão a que os EUA e a UE – com a cumplicidade da ANP – estão a submeter o povo palestino de Gaza por ter votado «mal», mas dos passos que deu para se integrar na mesma Aliança militar que a potência sionista ocupante. O primeiro encontro informal e discreto entre Saeb Erakat e Mohamed Dahlan em representação de Israel e da ANP respectivamente, e
Hoop Shefer, em nome da NATO, teve lugar na Cimeira de Madrid de Março de 2005 e na sua preparação teve um papel destacado o governo espanhol do PSOE. No Outono de 2006 o embaixador espanhol junto da NATO confirmava a existência de contactos «informativos» entre a ANP e a Aliança [29].
O ataque ao Líbano estava preparado.
V.f. Líbano, um elo difícil na geoestratégia imperial
Como informou Michel Chossudovsky no seu imprescindível artigo «A guerra do Líbano e a batalha pelo petróleo [30], na véspera do começo dos bombardeamentos de Israel ao Líbano, teve lugar não longe do local do massacre um acontecimento que, se tivesse saído nos grandes meios de comunicação, teria permitido à opinião pública perceber as razões do ataque de ferocidade inusitada e que pretendia justificar com um argumento tão peregrino como o sequestro de um soldado israelense feito pelo Hezbollah.
Em 13 de Julho de 2006 inaugurou-se o maior oleoduto do mundo que transporta petróleo do Mar Cáspio para o Mediterrâneo Oriental. Num percurso de 1.600 km, une Bacu (Azerbaijão), Tbilissi (Geórgia) e desemboca no porto turco de Ceyan, situado junto à fronteira com a Síria e também próximo da costa libanesa. Teve significado especial que o oleoduto fosse inaugurado precisamente em Istambul e contasse com a presença do presidente da Turquia e do ministro da Energia e Infraestruturas de Israel.
O Oleoduto conhecido como BTC (Bacu, Tbilissi e Ceyan) é propriedade de um consórcio cuja principal proprietária é a British Petroleum controlada pelos banqueiros Rothschild, de origem hebraica, e do qual fazem parte também a Chevron (EUA), Conoco-Philips (EUA), Unocal (EUA) Staoil (Noruega), TotalFinaElf (França) ENI (Itália). A sua construção custou 3.500 milhões de dólares e foi financiado com capitais públicos do Banco Mundial, do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), apesar das múltiplas denúncias do seu impacte ambiental e social para os povos da região.
Trata-se do maior oleoduto do mundo, capaz de transportar 50 milhões de toneladas de crude por ano, um milhão de barris de petróleo/dia. O BTC, também chamado Terminal Petrolífero Cáspio Mediterrâneo, assegura o controlo dos hidrocarbonetos do Cáspio às grandes multinacionais dos EUA e da UE. O seu transporte até ao Mediterrâneo torna possível o seu desvio para o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, o caminho da Índia e do Japão, numa importante vitória estratégica pelo controlo do petróleo face à Rússia e à China. Delimita-se assim um dos aspectos essenciais do Grande Médio Oriente: é a região do mundo que vai do Iémen ao Mar Cáspio e do Mediterrâneo Oriental ao Golfo Pérsico, onde se concentra 60% das reservas mundiais de petróleo.
Uma infraestrutura de tamanha transcendência económica requer um férreo controlo militar. A Geórgia e o Azerbaijão actuam como «protectorados» dos EUA, firmemente integrados numa aliança militar com esse país e com a NATO. Mais ainda, ambas as repúblicas têm acordos de cooperação militar de longa data com Israel.
O ataque de Israel ao Líbano fazia parte de uma estratégia perfeitamente planificada, de uma larga guerra de controlo daqueles países – Líbano, Síria e Irão – cujos governos resistem a colaborar nos objectivos imperiais, como é o caso dos dois últimos, ou no que uma poderosa resistência popular bloqueia os desejos de alinhamento dos seus governantes, coo é o caso do país dos cedros.
O arranque do desenvolvimento da NATO no Mediterrâneo inicia-se em 2001 com a Operación Active Endeavour, onde participam como se viu, além de diversos estados membros da NATO como o Estado espanhol, Israel e outros países árabes.
Estas forças navais da NATO, além das tropas terrestres qualificadas formalmente como da ONU – a FINUL – são as que se encarregam de executar o escandaloso e ilegal embargo naval ao Líbano para impedir a chegada de armas e fornecimentos militares, bem como o embargo aéreo do país bombardeado, enquanto o país agressor não foi objecto de qualquer sanção. Diga-se que a firme posição do Hezbollah impediu que as tropas instaladas na fronteira israelo-libanesa estivessem sob o comando da NATO, como pretendia a Aliança imperialista.
Num importante estudo da escalada militar no Médio Oriente, onde o ataque ao Líbano era uma etapa intermédia, realizado por Mahdi Darius Nazemroaya para Global Research [31], cita-se uma fonte israelense para desmascarar os verdadeiros objectivos do descomunal aparato militar naval e terrestre na zona, e ilustrar o papel da NATO no Mediterrâneo Oriental, como parte dos planos de guerra contra Síria e o Irão. «Esta expectativa [de uma guerra contra o Irão e a Síria] reuniu a maior força naval e aérea que a Europa [a NATO] jamais tinha agrupado em ponto algum do globo desde a Segunda Guerra Mundial: dois porta-aviões, com 75 caças-bombardeiros, aviões espias e helicópteros sobre as suas plataformas; 15 barcos de guerra de vários tipos, 7 franceses, 5 italianos, 2-3 gregos, 3-5 alemães e 5 norte-americanos; milhares de marines franceses, italianos e alemães e 1.800 marines norte-americanos. Tinham como apoio terrestre, chegados antecipadamente, 7.000 soldados europeus que se deslocaram para o Líbano para impedir que a força de 4.000-5.000 soldados israelenses e uns 15.000 a 16.000 milicianos do Hezbollah entrem em confronto, bem como um elevado número de pessoas para trabalhos humanitários. (… Se tudo isto não é para o Líbano, para que era esta poderosa força naval? Primeiro, segundo as nossas fontes militares [em Israel], os participantes europeus sentem a necessidade de uma forte presença naval no Mediterrâneo
Oriental para impedir que uma possível guerra iraniana-estadunidense-israelense provoque um ataque iraniano com misseis Shalab contra [Bases norte-americanas-NATO utilizadas contra o Irão a partir da] Europa [oriental]. Segundo para dissuadir a Síria e o Hezbollah a abrir uma segunda frente contra os EUA e Israel a partir das suas costas do Mediterrâneo Oriental».
V.g. A NATO destrói a Líbia
Em Janeiro de 2011 em Portugal, a NATO autodefiniu-se como uma força global de intervenção militar. Desde a década de 90 passada, época em que se materializa o afundamento da URSS e o desaparecimento do Pacto de Varsóvia, a Aliança não fez mais do que expandir-se e consolidar o seu poder. «Agora tem 40 membros em quatro continentes para além da zona Euro-Atlântica sob os auspícios dos programas da Associação para a Paz na Europa e na Ásia, o Diálogo Mediterrâneo em África e no Médio Oriente, o Iniciativa de Cooperação de Istambul no Golfo Pérsico, o formato de País de Contacto na região do Pacífico asiático (Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul), Programas Nacionais Anuais como a Geórgia e Ucrânia, a Comissão Tripartida Afeganistão-Paquistão-Internacional das Forças de Assistência de Segurança, o Conselho NATO-RÚSSIA, a Missão de Treino da NATO no Iraque e a Missão de Treino da Organização no Afeganistão (com a versão Líbia que se lhe seguiu), um acordo bilateral com o governo de transição federal da Somália, onde a Organização aerotransportou milhares de soldados do Burundi e Uganda para as guerras locais, além de outros acordos [32].
Antes das bombas da «coligação internacional» começarem a cair sobre a Líbia, já as grandes empresas mediáticas estavam a bombardear com títulos como: «Os EUA denunciam um banho de sangue de Kadhafi com centenas de líbios mortos», «Kadhafi metralha os manifestantes com aviões militares» ou «a Líbia mergulha num caos genocida», que curiosamente não puderam ser acompanhados de qualquer suporte documental. Apesar disso, a propaganda da guerra calou profundamente, não só na opinião pública, mas até em boa parte da esquerda europeia que, inclusive, clamava pelo envio de armas aos «rebeldes».
Uma vez mais a ONU ao serviço da NATO deu cobertura à destruição de um pequeno país, praticamente desarmado. Como no Iraque, o ataque organizou-se com o pretexto de cumprir o disposto na
resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que autorizava a adopção de «todas as medidas necessárias […] para proteger os civis e as zonas povoadas por civis que estejam sob ameaça de ataque» das forças leais ao governo de Kadhafi e em que se estabelecia a «proibição de todos os voos no espaço aéreo», ao mesmo tempo que se autorizava a adopção de «todas as medidas necessárias para fazer cumprir» a dita proibição.
A Liga Árabe, numa reunião irregular promovida pela Arábia Saudita e quase sem participantes fora dos países do Golfo, apoiou a criação da zona de exclusão aérea e suspendeu a participação da Líbia naquele organismo. Qatar, os Emiratos Árabes Unidos e a Jordânia participaram no ataque da NATO. A China e a Rússia, apesar dos seus importantes interesses económicos na Líbia, abstiveram-se na votação do Conselho de Segurança.
Entre os numerosos artigos publicados que explicam a partir de diferentes pontos de vista as verdadeiras razões do ataque, destaco o de Jean Paul Pougala, «Líbia, as mentiras de uma guerra» [33]. O autor destaca como principais as seguintes razões:
 A decisiva participação da Líbia na criação em 2007 do primeiro satélite africano RASCOM, que em seguida contou com a colaboração técnica da Rússia e da China, facto que permitiu o lançamento de novos satélites. O satélite inicial, com um custo total de 400 milhões de dólares – dos quais couberam à líbia 300 – permitiu acabar com o caríssimo aluguer de 500 milhões de euros anuais pagos empresas europeias.
 O avançado projecto de criação de três instituições chave como o Fundo Monetário Africano, o Banco Central Africano, o Banco Africano de Investimentos, que contava com o impulso decisivo de Kadhafi e deve permitir aos países africanos sacudir definitivamente o jugo do Fundo Monetário Internacional. A gravidade deste assunto para os interesses imperialistas é de tal monta que várias potências ocidentais solicitaram ser membros do Fundo Monetário Africano, pretensão que foi rejeitada por unanimidade, em Dezembro de 2010, com o argumento de que só os países africanos podiam ser membros da instituição.
 A construção dos Estados Unidos de África. Este avançado projecto conta com a aberta hostilidade da UE, que de mão dada com a NATO fomenta alianças regionais como o Diálogo Mediterrâneo, tentando a todo o custo separar os países do norte do resto de África.
A Líbia, tal como o Iraque depois da invasão, converteu-se num estado falhado. Deu-se um retrocesso social e económico brutal, o país mergulhou no caos de uma guerra civil latente, ao mesmo tempo que se garante o espólio dos recursos naturais – tal como no Iraque – por parte das multinacionais estrangeiras dos países que participaram no ataque.
VI. Novas contradições, novas alianças
Pela primeira vez na história, a Rússia e a China exerceram em conjunto o seu direito de veto no Conselho de Segurança. Bloquearam em duas ocasiões, Outubro de 2011 e 4 de Janeiro de 2012, propostas de resolução sobre a Síria apresentadas pelos países da NATO e por estados membros do Conselho de Cooperação do Golfo, que pretendiam reeditar a intervenção militar sobre a Líbia.
Mas para lá das ingénuas valorações sobre o apreço pelo Direito Internacional de ambas as potências, que não marcaram presença na Líbia, nem no Iraque, nem sequer na Jugoslávia – quando a NATO massacrava o povo eslavo irmão do russo e bombardeava a própria Embaixada da China em Belgrado – a sua decisão de bloquear uma nova fase do imperialismo euro-estadunidense e israelense contra a Síria, na antecâmara do Irão, é a expressão das profundas modificações em curso na hegemonia mundial e na correspondente agudização das contradições inter-imperialistas. A dialética dos processos sociais tornou-se uma vez mais evidente. A acumulação de contradições no desenvolvimento dos acontecimentos deu lugar a uma nova qualidade, ainda incipiente: a aproximação entre a Rússia e a China.
Um dos elementos mais importantes da história recente é as brechas que aparecem na aliança económica entre a China e os EUA, que funcionava desde 1978, depois da morte de Mao Zedong. Como assinala o investigador peruano Enrique Muñoz Gamarra [34], desde princípios deste século que os EUA sobrevivem a expensas da China que, mediante a compra de títulos do Tesouro, financiava um gasto militar equivalente a metade do de todo o planeta, incrementado de forma espectacular a partir de 2001, e que é seis vezes maior que o da potência oriental. Como contrapartida a China beneficiou com esta aliança, pois converteu-se no maior parceiro comercial dos EUA.
Ao mesmo tempo, entre a URSS e a China verificou-se um esfriamento das relações entre ambas as potências comunistas iniciado com a «revolução cultural» encabeçada por Mao Zedong. Então, verificou-se o desfazer de múltiplos vínculos estabelecidos durante três décadas entre os dois enormes países que se confrontavam com o imperialismo a partir das suas tentativas de construir o socialismo. Este processo passava tanto por cortar a interdependência tecnológica, os intercâmbios comerciais, políticos – milhares de estudantes chineses, e não estudavam só para carreiras técnicas também estudavam dialéctica e materialismo histórico – e, sobretudo, as intensas relações entre militares chineses e soviéticos, reforçadas pela luta conjunta em mil batalhas. Não é preciso insistir no interesse dos EUA em fomentar aquele distanciamento.
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, Andrei Gromiko, conta nas suas memórias uma conversa com o ministro da Defesa dos EUA, Neil McElroy, tida numa época tão cedo como 1959, em que se falou de uma possível aliança contra «o perigo amarelo» [35].
O afundamento e desmembramento da URSS, e o desaparecimento do Pacto de Varsóvia colocaram a grande maioria dos países «de Leste» na órbita dos EUA e da NATO. A própria Rússia assistiu como convidada a diferentes Cimeiras da NATO.
Até finais de 2011, quando se deu o primeiro veto conjunto da Rússia e da China à primeira Resolução sobre a Síria, nenhum daqueles países tinha interposto qualquer obstáculo sério aos planos imperialistas dos EUA, da NATO e de Israel.
Mas os processos desenvolvem-se, as contradições fazem a sua aparição e a essência económica do imperialismo define os lados do conflito. De forma análoga ao papel do caminho-de-ferro para o transporte de matérias-primas – e ao seu correspondente controlo militar – estudado por Lenine na sua magistral análise do imperialismo, o controlo do petróleo, do gás e dos oleodutos – que exige igualmente protecção militar – vai definindo avanços e alianças que cada vez com mais clareza apontam contra a Rússia e a China. Abrem-se assim possibilidades de encontro entre as duas potências orientais que não se tinham verificado em circunstâncias políticas teoricamente mais favoráveis.
Um dos projectos geoestratégicos centrais dos EUA e da NATO é conhecido como a Rota da Seda. Com ele, pretende-se estabelecer um corredor energético e de transporte euro-asiático – com o correspondente desenvolvimento militar – que ligue a Europa Ocidental com a Ásia Central e o Extremo Oriente [36]. A este projecto servem diferentes acções políticas, económicas e militares presentes nesta vasta zona do planeta, e nele se inscrevem aspectos parciais como a aniquilação da República Federal da Jugoslávia, a invasão do Afeganistão em 2001 ou as diferentes etapas do Grande Médio Oriente. Ao mesmo tempo, vai-se definindo com intensidade crescente a linha de confronto entre a «coligação ocidental» com a Rússia, a China e o Irão.
Um dos momentos de maior tensão entre a Rússia e a NATO teve lugar em 2008 quando a Geórgia – aliado directo dos EUA e da NATO [37] – atacou Ossétia do Sul em 7 de Agosto. O ataque foi respondido pela Rússia no dia seguinte. Por trás deste ataque estava o objectivo de debilitar o Sistema de Oleodutos do Báltico controlado por empresas russas e fortalecer os oleodutos com que operam as grandes empresas anglo-americanas. Entre os oleodutos do Báltico, o mais relevante é o que liga Odessa, Brody e Plotsk, que leva petróleo ao norte da Europa e que se prevê ampliar até ao porto polaco de Gdansk.
Por outro lado, o Corredor de Transporte de GUAM complementa o já referido BTC ( Baku, Tbilissi e Ceyan) e ambos contam com a protecção militar da NATO [38]. Sete dias depois do ataque da Geórgia à Ossétia do Sul assinou-se o Acordo entre a Polónia e a EUA para instalar o escudo antimíssil em território polaco.
Um mês antes, a China e o Cazaquistão tinham anunciado o começo da construção dos 7.000 km do oleoduto partindo do Turquemenistão e passando por Uzbequistão e Kazaquistão e terminando no noroeste da China. Este e outros corredores energéticos da zona estão protegidos face à NATO e aos seus satélites por duas alianças militares que cooperam
estreitamente: a Organização de Cooperação de Xangai (Rússia, China, Kazaquistão, Quirguizistão, Tajiquistão e Uzbequistão, na qual o Irão têm o estatuto de observador) e a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (Arménia, Bielorrússia, Kazaquistão, Quirguizistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão).
VII. Decadência económica e hegemonia militar
O alcance da decadência económica dos EUA – ainda a primeira potência mundial – expressa-se no declínio da sua moeda, até agora referência nas trocas comerciais em todo o mundo e considerado o símbolo do próprio sistema capitalista. Países como o Brasil, a Rússia, a Índia, a África do Sul, o Irão, a Venezuela ou a Síria e também bancos como Banco Asiático de Desenvolvimento, o HSBC, Citigroup, JP Morgan ou o BBVA estão a fazer as suas trocas comerciais noutras moedas. A China e o Japão acordaram no final do ano passado abandonar o dólar nas suas trocas comerciais. Até a OPEP está a planear estabelecer o preço do crude com referência a um cabaz de moedas e não apenas ao dólar.
Esta progressiva perda de hegemonia económica manifesta-se também na decisão de reduzir a compra de títulos de Tesouro estadunidense por parte dos principais países detentores dos mesmos, sobretudo a China, mas também o Japão e o Reino Unido, embora em menor medida, de forma que nos últimos meses o principal comprador é a própria Reserva Federal norte-americana. A isto há que acrescentar um monumental
deficit orçamental acumulado, que atingiu em 2011 a cifra record de 1,6 biliões de dólares [39]. Ao longo de 2012 os EUA deverão enfrentar vencimentos da dívida no valor de 2,78 biliões de dólares.
Os EUA esticaram demasiado a corda, que mostra já sinais de partir. Durante décadas manteve uma dívida externa proporcional ao maior PIB mundial, sustentado pelo dólar, símbolo do poder económico e da hegemonia militar. Hoje, os EUA, depois de baixarem a sua taxa de juro para praticamente zero, estão a desvalorizar a sua moeda, através da injecção de liquidez em grandes proporções, como forma de incentivar as suas exportações e pagar a sua dívida com a impressão de notas. A histórica baixa de qualificação da dívida estadunidense feita recentemente pela Standard & Poor’s, revela as profundas alterações que se estão a verificar na cena económica mundial.
As arestas dos conflitos agudizam-se e reclamações mútuas como as de que a China valorize o yuan e que os EUA retirem as restrições às exportações chinesas de alta tecnologia, são cada dia maiores.
É no Médio Oriente que o confronto apresenta perfis mais nítidos. A luta pelo petróleo e o gás, bem como a pelo controlo dos oleodutos e gasodutos que asseguram o abastecimento
agudiza-se, adquire a natureza geoestratégica e actua como uma máquina de guerra sobre os povos da região.
VIIa. Escalada nos preparativos da guerra no Médio Oriente
Desde meados da década de 90 que os documentos do Comando Central dos EUA (USCENTCOM) identificam claramente que, depois do Iraque, o objectivo seguinte era o Irão. Depois da invasão do Iraque em 2003 dá-se uma escalada sem precedentes no estabelecimento de bases e no crescimento militar no Mediterrâneo, no Oceano Índico e no Golfo Pérsico. O objectivo explícito é «proteger os interesses vitais dos EUA na região: o acesso seguro ininterrupto dos EUA e dos seus aliados ao petróleo do Golfo [40].
Os acontecimentos ocorridos na região confirmam, com ligeiras alterações na ordem dos países atacados, as afirmações de Wesley Clark depois de uma conversa com um alto cargo do Pentágono em 2001, de acordo com as quais depois do Iraque seria atacada uma série de países: Síria, Líbano, Líbia, Irão, Somália e Sudão.
Vários relatórios dão conta da aceleração dos preparativos de guerra no Médio Oriente no âmbito de uma escalada da tensão militar na Síria, com os olhos postos no Irão, entre os quais destaco o intitulado «Novo desenvolvimento bélico contra o Irão e a Síria seria a III guerra mundial» de Alfred Embid, donde retirei os seguintes dados que coloco à vossa disposição [41].
As maiores manobras militares conjuntas dos EUA e Israel em toda a história, denominadas Austere Challenge 2012 [42] realizaram-se no passado mês de Janeiro no Golfo Pérsico. O objectivo foi provar o sistema de misseis Aegis dirigidos por radar e computador. No âmbito destas manobras instalaram-se em Israel 9.000 soldados estadunidenses por tempo indeterminado.
Estas manobras tiveram lugar dez dias depois de o Irão fazer as maiores manobras navais de guerra da sua história, perto do Estreito de Ormuz, numa zona que se estende do Golfo Pérsico e Golfo de Omã ao Golfo de Áden e ao Mar Arábico.
A Rússia, perante a possibilidade de um ataque dos EUA e Israel ao Irão poder alargar-se a outros países, realizou manobras militares no Cáucaso do Norte. Além disso está a proporcionar à Síria um eficaz sistema de defesa aérea integral que, segundo disse o Chefe do Comando Central norte-americano (CENTCOM, instalado no Qatar), general Mattis, ao Comité de Defesa do Senado, seria difícil e muito custoso impor, como na Líbia, uma «zona de exclusão aérea» [43].
Os países integrados no Conselho de Cooperação do Golfo incrementaram fortemente os seus gastos militares nos últimos anos e contam com um grande arsenal que inclui aviões de combate F-15, misseis Patriot, helicópteros Apache e tanques de guerra, além do escudo antimísseis dos EUA.
Há mais de trinta bases militares dos EUA a rodear o Irão, das quais se destaca a Base Naval de Bahrein que abriga a V Esquadra dos EUA, ampliada em 2010 com um investimento de 580 milhões de dólares. A V Esquadra aumentou a sua composição com três novos grupos de combate dirigidos por três porta-aviões nucleares, a que se acrescentou o antigo Enterprise (CVAV-65).
A escalada armamentista de Israel, que deve ser considerado membro da NATO, está perfeitamente integrada nos planos dos EUA e não correcto pensar quem caso algum, inicie de motu próprio um eventual ataque unilateral. Uma acção militar individual de Israel deve considerar-se integrada numa encenação que sirva de justificação à posterior intervenção dos EUA e da NATO, em defesa do seu aliado.
Os EUA estão em condições de utilizar a curto prazo três novas armas: um novo míssil hipersónico, capaz de alcançar uma velocidade superior aos 6.000 km/hora, uma nova bomba chamada MOP (Penetrador Massivo de Artilharia), fabricado pela Boeing e capaz de penetrar mais de 60 metros em cimento armado, com um poder destructivo equiparável a uma pequena bomba nuclear, e um novo sistema de guerra robótica composto por um enxame de mini-drones Maldi-J capaz de saturar os radares inimigos. A captura por parte do Irão de um dos mais modernos aviões espia – o RQ-170 –, em Dezembro de 2011, e a oportunidade, sem dúvida não desaproveitada, de ter acesso às suas inovações tecnológicas abrirá uma nova fase nas capacidades militares iranianas.
VII.b. O cerco à Rússia
Toda a operação da NATO que culminou com o desmembramento da República Federal da Jugoslávia teve, entre outros objectivos estratégicos, a finalidade de estreitar o cerco à Rússia. O enclave fundamental é a base de Camp BondSteel, no Kosovo, o maior enclave dos EUA desde a guerra do Vietname, que alberga 10.000 soldados estadunidenses.
A justificação está bem explícita em numerosas declarações: a necessidade de proteger os «nossos» interesses no Mar Cáspio. Em 1999, o general Jackson, que então dirigia a NATO, foi muito claro quando disse que «sem dúvida que permaneceremos muito tempo para garantir a segurança dos corredores energéticos que atravessam este país» [44]. O enclave, na fronteira com a Macedónia, permite intervenções directas sobre o Cáucaso, Irão e depois a Rússia. A criminosa conivência entre as máfias do tráfico de drogas, armas e prostituição e as
forças da KFOR, incluindo as tropas espanholas e dos EUA, foi já documentada em várias ocasiões [45].
A Rússia já solicitou formalmente ao Conselho de Segurança da ONU a adopção de uma Resolução sobre a implicação das máfias albano-kosovares no tráfico de órgãos humanos procedentes, entre outros, de prisioneiros sérvios [46].
VII.c. China, o inimigo principal
A agudização da tensão militar à volta da China aparece bem reflectida na actualização feita em Janeiro de 2012 da Estratégia de Segurança Nacional (ESN) de 2010 dos EUA. A China identifica-se como a principal ameaça militar, já que a Rússia se considera controlada por instalações da NATO que a rodeiam e pelo Escudo Antimísseis instalado na Polónia.
Os EUA planeiam incrementar a sua presença militar directa no Mar Meridional da China que será enormemente reforçada com a instalação da nova base militar de Darwin, na Austrália, com capacidade de albergar 2.500 soldados norte-americanos. Esta base unir-se-á às bases dos EUA já existentes na Coreia do Sul e na ilha de Guam, e também aos projecto de reabrir a grande Base de Okinawa no Japão e às conversações para instalar novos enclaves militares nas Filipinas, Vietname e Tailândia [47]. Como consequência, a importante redução do orçamento militar dos EUA previsto para este ano não afectará o incremento da sua presença militar na região Ásia-Pacífico.
O fundamento económico crescente enfrentamento entre os EUA e a China é crescente. O importante e sustentado crescimento da economia chinesa levou a que fosse retirado aos EUA e à UE o estatuto de principal parceiro comercial em muitos países da Ásia, de África e América Latina. Como disse James Petras num trabalho recente [48], a penetração das empresas chinesas noutros países do mundo foi levada a cabo através de uma estrita política de não intervenção nos assuntos internos dos seus parceiros comerciais. Ao contrário dos EUA, a China não começou guerras pelo controlo de matérias-primas, nem tem qualquer base militar noutros países.
A política chinesa de não intervenção levou a assistir passivamente à destruição dos seus parceiros comerciais pelos EUA e pela NATO, com o objectivo de bloquear a sua expansão comercial. O ataque da NATO à Líbia, com quem a China tinha assinado importantes acordos comerciais e onde mantinha 35.000 trabalhadores e técnicos da indústria petrolífera – que teve de repatriar rapidamente – é demonstrativo disso mesmo. Outro caso semelhante é o do Sudão, país em que a China tinha feito importantes investimentos na indústria petrolífera. Os EUA, a UE e a Israel apoiaram militarmente a secessão do Sudão do Sul para controlar a indústria petrolífera e atacar os trabalhadores chineses.
O autor citado [Petras] analisa como, se a China não reverte a situação e se fortalece como potência militar – como já começou a fazer incrementando substancialmente a sua despesa armamentista – pode ver repetida a situação vivida no século XIX. Então o império britânico destruiu a superior potência económica chinesa, com a sua esmagadora hegemonia militar.
O próximo e decisivo Congresso do Partido Comunista Chinês deve responder a questões chave para o futuro do país que não se cingem apenas à necessidade premente de fortalecer as suas capacidades defensivas. O crescimento económico da China diminuiu e a sua enorme capacidade produtiva depende da capacidade de compra dos EUA, do Japão e da EU, que estão a entrar em recessão.
As tensões sociais agudizam-se perante a percepção da classe operária da intensa exploração, das grandes desigualdades sociais e as enormes perdas no sistema de protecção social que acompanharam o «milagre chinês». Por seu lado, os grandes empresários chineses e uma boa parte da intelectualidade estão profundamente influenciados pela ideologia capitalista e, sobretudo, têm importantes interesses económicos em países ocidentais. Tudo isto tem, uma expressão directa em destacados membros do PC Chinês. O resultado deste Congresso que põe frente a frente este e outros sectores – entre os quais se destaca o Exército – que compreende claramente a necessidade imperiosa que a necessidade de uma volta política é crucial. O futuro da China depende da adopção de decisões vitais, tais como:
 Fortalecimento defensivo e aprofundamento dos acordos com a Rússia.
 Apoio aos governos e movimentos anti-imperialistas, cuja preservação e independência são essenciais para a China.
 Profunda mudança na política económica e social que permita responder adequadamente às necessidades populares.
VIII. Últimos dados sobre o explosivo tabuleiro árabe.
VIII.a. Egipto
As importantes mobilizações populares no Egipto, envolvidas pelos grandes meios de comunicação na maré confusa da «primavera árabe», que ocultam sistematicamente a crescente agudização da luta de classes num país com um movimento operário combativo e organizado, abrem perspectivas de resolução incerta. Se recordarmos que o Egipto ocupa o terceiro lugar, depois de Israel e da Colômbia, entre os países do mundo que recebem mais ajuda militar dos EUA (até agora recebia 1.300 milhões de dólares anuais, ainda que para 2012 haja uma diminuição de 1.000), podemos avaliar as consequências que podem ter acontecimentos como os seguintes:
1. A passagem em Fevereiro de 2011 de dois barcos iranianos pelo canal do Suez autorizados pelas autoridades egípcias, uma semana depois da queda de Mubarak. Este facto não se verificava desde a revolução iraniana de 1979.
2. O assalto à Embaixada israelense no Cairo em Setembro de 2011 e a repetida sabotagem ao oleoduto egípcio que alimenta de gás Israel.
3. A detenção em Fevereiro se 2012 de supostas ONGs, entre elas o Instituto Nacional Democrático (NDI), o Instituto Republicano Internacional (IRI) e a Freedom House, dos EUA, e a Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, num total de 44 membros, 19 deles norte-americanos, acusados de contratar cidadãos egípcios para provocar confrontos religiosos e dirigir a revolução popular egípcia de acordo com os interesses dos EUA e Israel. Segundo a acusação egípcia eram portadores de documentação relativa ao plano «sionista-estadunidense» que prevê a divisão do Egipto em quatro países [49]. Quando se verificaram estes acontecimentos a delegação militar egípcia que se encontrava em Washington a negociar a ajuda militar para este ano, regressou precipitadamente ao país.
4. Depois dos bombardeamentos israelenses sobre a Faixa de Gaza, o Parlamento egípcio decidiu por unanimidade, no passado dia 14 de Março, declarar Israel inimigo número um, apoiar a resistência palestina «sob todas as suas modalidades», exigir a expulsão do Embaixador israelense, suspender as exportações de gás à entidade sionista e rever a sua posição de não proliferação de armas nucleares, enquanto Israel não assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Esta decisão, apesar de carecer de eficácia prática porque o poder real está exclusivamente na Junta Militar, revela até que ponto se abriu a panela de pressão e as suas imprevisíveis consequências.
VIII.b. Palestina
Estes factos mostram a enorme fragilidade da estratégia imperialista no Médio Oriente e até que ponto a Palestina é o coração da poderosa «rua árabe», que cada vez percebe melhor o suborno sobre os seus dirigentes para os tornar cúmplices de uma gigantesca reordenação colonial que prossegue o saque dos seus recursos e o roubo da identidade árabe.
O hipotético reconhecimento do Estado palestino, ao mesmo tempo que prosseguem imparáveis os assentamentos, o bloqueio e a repressão, nas vésperas do enésimo «processo de paz» com Israel, era a moeda de troca da Arábia Saudita, enquanto se aprofundava a aliança militar e económica da Casa Sauri com Israel e se pressionava os EUA a atacar a Síria e o Irão. Os sucessivos «planos de paz» com diferentes chamarizes têm o mesmo objectivo: neutralizar a Palestina e impedir que a causa árabe, profundamente enraizada nos povos da região e profundamente anti-sionista, se oponha aos planos de penetração imperialista, impulsionados pelos seus aliados na zona, de forma destacada a Arábia Saudita e o Qatar.
A aliança cada vez mais evidente entre a Arábia Saudita e Israel está a ter importantes repercussões no Hamas. Como escreve Alberto Cruz [50], os principais dirigentes desta organização estão a proceder a mudanças decisivas que serão ratificadas no próximo Verão, quando tiver lugar a renovação do Bureau Político. Sob a poderosa influência dos Irmãos Muçulmanos do Egipto e da Tunísia e no meio das tensões internas ainda por decidir, está a promover-se um acordo de unidade entre o Hamas e a Autoridade Palestina que inclui o possível abandono da luta armada contra Israel, o reconhecimento das fronteiras de 1967, a mudança da sede da Organização para fora da Síria, um possível governo «tecnocrata» de Gaza e dos Bantustões da Cisjordânia e a renúncia na prática à reivindicação histórica do regresso dos exilados. Tudo isto acompanhado da correspondente lubrificação económica – 250 milhões de dólares oferecidos pelo Qatar depois da assinatura do acordo de paz entre o Hamas e a Fatah – e das promessas de reconhecimento internacional do mini-estado palestino.
Estes movimentos traduziram-se, ainda que de forma incipiente, num crescimento da Jihad Islâmica e da resistência armada agrupada à volta dos Comités de Resistência Popular. Foram precisamente estas duas organizações, que rejeitam o acordo de paz com Israel, foram o objectivo do brutal ataque israelense do passado mês de Março, de que resultaram 25 mortos e 85 feridos.
Toda esta estratégia pode estilhaçar-se perante um povo que já estava à beira do colapso por falta de electricidade e petróleo, como consequência do bloqueio. O desespero de uma população com os barcos paralisados, a agricultura destruída e com os serviços públicos em agonia por falta de luz e combustível pode ser a mecha de uma «rua árabe» que sente sobre os seus ombros o peso da corrupção dos seus dirigentes, do espólio dos seus recursos, de uma crise que assola as suas débeis estruturas produtivas e que cada vez percebe com mais clareza a estratégia imperial que os lança numa guerra entre os seus povos.
IX. Um futuro em aberto: Comunismo ou Barbárie.
O futuro é incerto, os processos desenvolvem-se a grande velocidade e, pese o seu potente poderio militar, os planos de dominação dos EUA, da UE e de Israel encontram-se em dificuldades crescentes.
 Em 2005 o Uzbequistão encerrou a base de grande importância para o abastecimento das tropas da NATO no Afeganistão.
 O governo do Quirguistão, país membro da Organização do Tratado de Segurança Colectiva – OTSC (que agrupa a Arménia, a Bielorrússia, o Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão), pretende fechar a base de Manas, que também presta apoio às forças da NATO no Afeganistão.
 
 A derrota da Geórgia (aliado dos EUA) na Ossétia do Sul confirmou o controlo russo do vital enclave do Cáucaso – Mar Negro e Mar Cáspio.
 Ao atoleiro militar dos EUA no Afeganistão e as dificuldades crescentes em financiar os custos da guerra, junta-se a decisão dos seus aliados da NATO de ir retirando as suas tropas, quer devido ao fustigamento militar afegão quer às dificuldades económicas próprias. A tudo isto há que somar o esfriamento das relações com o Paquistão, potência nuclear criada pelos EUA, cujo povo manifesta clara hostilidade às tropas da NATO.
A aproximação entre a Rússia e a China fundamenta-se em interesses partilhados e por uma mútua percepção de que ambos estão no ponto de mira dos Estados Unidos, Israel e da NATO, incluindo a União Europeia. No recente artigo já anteriormente citado publicado no Diário do Povo, órgão do Partido Comunista Chinês, com o inequívoco título «China e Rússia devem formar uma aliança euro-asiática» dizia-se: «a tarefa dos americanos consiste na conquista do mundo, em que a eurásia se converte no principal campo de acção» [51]. A visita de Putin a Pequim está destinada a apressar a aliança de ambas as potências frente a um poderoso inimigo que pode destruí-los cada um de per si, mas que talvez o não consiga se estiverem juntos.
Apesar de tudo isto, o declínio económico dos EUA e da UE e a sua desesperada corrida para conseguirem recursos energéticos ilimitados, juntamente com o seu poderio militar, perfila um futuro próximo em que o confronto militar em grande escala é previsível. O braço-de-ferro entre o poderoso complexo militar industrial dos EUA aliado às máfias das agências privadas, que empregam já mais pessoal que o exército regular, e a pressão clara do governo israelense para atacar a Síria e o Irão têm de enfrentar importantes sectores do Departamento de Defesa, do próprio
exército israelense e dos seus serviços secretos que percebem os enormes riscos de desencadear uma guerra em grande escala de resultados incertos.
Um poderoso agente não convidado para estes cenários estratégicos, nos quais a guerra imperialista pode perfilar-se como a única saída para a crise pelas classes sociais dominantes das principais potências pode irromper com força. As classes dominadas das grandes potências e dos países periféricos, incluído de forma destacada um povo árabe mil vezes atraiçoado pelas suas elites corruptas, estão já a despertar com força, apesar do único futuro que lhe preveem ser a intensificação da exploração e o espólio dos seus recursos, podem começar a vislumbrar que a única saída é escaqueirar o tabuleiro do jogo.
As palavras de Lenine para definir o imperialismo permanecem vigentes: «O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulação financeira da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países "adiantados". A partilha deste saque efectua-se entre duas ou três potências rapaces, e armadas até aos dentes, que dominam o mundo e que arrastam para a sua guerra pela partilha do saque todo o planeta». E
noutro local afirma com destaque, confrontando os que a partir da social-democracia pretende voltar ao capitalismo «humano», o do «Estado de Bem-Estar»: «as relações de dominação e a violência ligada à dita dominação: esta é a característica distintiva na fase contemporânea do desenvolvimento do capitalismo».
Para as organizações políticas e sociais revolucionárias, hoje como noutras épocas de grande crise em que às classes dominantes perdem qualquer resquício de legitimidade, a luta pela emancipação de classe e de género e pela libertação nacional, no quadro de uma poderosa unidade e solidariedade anti-imperialista apresenta-se como a única alternativa à barbárie. O comunismo é muito mais que uma opção ideológica, é a única esperança credível.
1 de Maio de 2012
NOTAS:
[1] http://www.marx2mao.com/M2M(SP)/Lenin(SP)/IMP16s.html
[2] Beinstein, Jorge (2009) "Las crisis en la era senil del capitalismo". (http://www.fpmr.cl/home/index.php?option=com_content&view=article&id=70:las-crisis-en-la-era-senil-del-capitalismo&catid=43:aportes&Itemid=76
[3] Luxemburg, Rosa (1900) Reforma o revolución.
http://www.marxists.org/espanol/luxem/01Reformaorevolucion_0.pdf
http://www.fpmr.cl/home/index.php?option=com_content&view=article&id=70:las-crisis-en-la-era-senil-del-capitalismo&catid=43:aportes&Itemid=76
[4] http://www.pwc.com/en_GX/gx/world-2050/pdf/world-in-2050-jan-2011.pdf
[5] Actualmente a China é a segunda economia do mundo, à frente do Japão.
[6] http://economia.elpais.com/economia/2012/03/06/actualidad/1331049231_264212.html
[7] http://labolsa.com/agenda/PIB+(anual)/Gran+Breta%F1a/
[8] http://www.preciopetroleo.net/precio-petroleo-2012.html
[9] http://www.telegraph.co.uk/finance/commodities/9122311/Plateau-Oil-meets-125m-Chinese-cars.html
[9a.] http://www.nuestraamerica.info/leer.hlvs/2887
[10] http://www.youtube.com/watch?v=7a9Syi12RJo
[11] http://www.nodo50.org/csca/iraq/al-amiriya/al-amiriya.html
[12] http://www.nodo50.org/csca/iraq/petroleoxalimentos-ddhh.html
[13] http://www.rebelion.org/noticia.php?id=46831
[13a.] As consequências sobre la mortalidade das privatizações massivas nos países da ex-URSS podem consultar-se em Maestro, A. (2010):
"Crisis capitalista, guerra social en el cuerpo de la clase obrera"
http://www.rebelion.org/docs/135854.pdf
[14] http://www.nodo50.org/csca/iraq/trib_int-96/IIIparte.html
[14a.] Neste enlace ao Editorial da prestigiosa revista Nación Árabe pode ver-se o resultado devastador do macabro agregado de guerra e sanciones. http://www.nodo50.org/csca/na42/na42.iraq_10sanciones.html
[15] http://www.nodo50.org/csca/na42/na42.iraq_10sanciones.html
[16] De Santis, Nicola (2004) "La apertura al Mediterráneo y Oriente Medio". Pág 1. http://www.nato.int/docu/review/2004/issue3/spanish/art4.html
[17] Desde 1993, cada dois anos, tem lugar em Abu Dhabi (Emiratos Árabes Unidos) a mais importante feira internacional de armamento e a única no mundo que permite exibições com fogo real. Em 2003, horas antes de se iniciar a invasão do Iraque, em 20 de Março, a 850 km da sua costa, encerrava IDEX 2003 com um êxito sem precedentes em participação e vendas.
[18] De Santis, Incola (2004). Documento citado en nota 15.
[19] Gutierrez Terán, Ignacio (1998) "Últimas tendencias del Nuevo Orden Mundial". Nación Árabe, nº 37. http://www.nodo50.org/palestina/articu60.htm
[20] Estes temas foram tratados com grande suporte documental por Michel Chossudowsky em "La triple alianza: USA, Turquía Israel y la gran guerra contra Líbano". http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=916&lg=es
[20a.] Washington Post, 13 de Abril de 1999. Citado por Collon, M. (2000). Monopoly. L´OTAN à la conquête du monde. Pág. 92. Ed. EPO. Anvers.
20b. Un análisis de la situación internacional creada por la aniquilación de la República Federal de Yugoslavia y la Cumbre de la OTAN de 1999 puede consultarse en Maestro, A (2000) "Estado de Guerra" http://www.lahaine.org/index.php?p=17395
21.http://www.lanacion.com.ar/Archivo/nota.asp?nota_id=472937&origen=acumulado&acumulado_id=
22 http://www.nodo50.org/csca/agenda2004/misc/g8_14-06-04.html
23 En Shea, J. Patrick (2006) "Una visión desde la OTAN". Ponencia presentada en el IV Seminario Internacional sobre Seguridad y Defensa en el Mediterráneo, puede leerse:"Mucho después de 1994, el Diálogo Mediterráneo en la Alianza era un tema promovido por los seis (sic) aliados mediterráneos y que no contaba necesariamente con la atención o el pleno apoyo de los otros. El Diálogo estaba allí, pero antes del 11-S no recibió el impulso necesario que se merecía. El contexto del 11-S nos ha dado una segunda oportunidad y, como el embajador Benavides indicó, esto se ha reflejado no sólo en la mejora del viejo Diálogo Mediterráneo, sino también en el lanzamiento de la Iniciativa de Cooperación de Estambul. Personalmente creo que si bien el 11-S puede haber servido como fuerza impulsora, la necesidad de un diálogo OTAN-Mediterráneo se basa en una sólida y estratégica razón y en un interés común que precede, naturalmente al 11-S y que, por supuesto, no puede limitarse simplemente a las percepciones de amenazas del Sur o del terrorismo internacional". www.cidob.org/es/content/download/2935/26764/file/05_shea_cast.pdf -
24 www.iemed.org/anuari/2006/earticles/eotrasiniciativasmultilaterales. Med. 2006. Anexos. pág. 327
25 Ibidem.
26 Ibidem.
27 Benavides, Pablo (2006). "Hacia una mayor sinergia civil-militar". Ponencia presentada en el IV Seminario Internacional sobre Seguridad y Defensa en el Mediterráneo. Pág. 36. www.cidob.org
28 Shea, J. Patrick (2006). Artículo citado en nota 22. Página 41.
29. Ibid. Pág.38
30. http://lahaine.org/index.php?p=17118
31. www.globalresearch.ca/PrintArticle.php?articleId=8628
32. http://contralinea.info/archivo-revista/index.php/2012/02/02/eu-busca-integrar-paises-asiaticos-a-la-otan-para-enfrentar-a-china/
33. Pougala, Jean Paul (2011) http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1318&lang=es
34. http://www.enriquemunozgamarra.org/Articulos/33.html
35. Drabkin Alexánder. "La señal china". Pravda.
36.Chossudowsky, Michel. "El corredor euroasiático: la geopolítica de los oleo y gaseoductos y la Nueva Guerra Fria".
37. Georgia está integrado en el GUAM que es un acuerdo militar entre este país, Ucrania, Azerbaiyán y Moldavia realizado en 1997 y que funciona como apéndice de la OTAN.
38. Chossudowsky, Michel. Ibid.
39.http://www.presos.org.es/ARCHIVOS/archivobase.phpn=000031&tema=movobrero&subtema=
40. La cita está tomada de Chossudowsky, Michel. "El papel de Israel en la gestación de un ataque a Irán. El autor indica que el sitio del USCENTCOM del que se tomó no está ya activo, pero el documento puede consultarse en: http://tinyurl.com/37gafu9
41.http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=28519; http://www.visionesalternativas.com/index.php?option=com_content&task=view&id=55363&Itemid=9
42http://intelligencebriefs.com/?p=1438;
http://globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=28498
43. http://signosdeizquierda.blogspot.com.es/2012/03/eeuu-no-se-decide-atacar-siria-tiene.html
44. Giribets, Miguel (2010) Kosovo: independencia para albergar la mayor base militar yanki del mundo. http://www.argenpress.info/2010/07/kosovo-independencia-para-albergar-la.html
45. Collon, Michel (2008) "Si, la ilegalidad y la corrupción reinan en Kosovo". El autor reproduce una carta que le fue dirigida por la Unión Federal de Guardias Civiles de España en la que se ofrecen numerosos datos sobre la corrupción generalizada que reina en Kosovo. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=62498
46. http://spanish.ruvr.ru/2012_03_16/68631749/
47. http://www.lahaine.org/index.php?p=59471
48. Petras, J. (2012). China: Auge, caída y resurgimiento como potencia global. Algunas lecciones del pasado http://www.lahaine.org/index.php?p=60166
49. Este plan de reparto, no sólo de Egipto, sino de todo Oriente Medio fue formulado en la década de los 80 por el profesor de la Universidad de Princeton, Bernard Lewis y expresa la estrategia sionista. A Israel le correspondería la parte de Egipto que va desde el Sinaí al Delta del Nilo. http://www.granma.cu/espanol/internacional/14-febrero-revueltas.html
50. Cruz, A. (2012) "Adios, Palestina, adios. La lucha por el poder en Hamás". http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1377
51.Drabkin, Alexander. "La señal china" Pravda.
*Comunicação apresentada no Congresso "Marx em Maio"
** Angeles Maestro, amiga e colaboradora de odiario.info, é dirigente da Red Roja.
Tradução de José Paulo Gascão
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