Crédito: BP | |
Por Paulo Schueler e Heitor Oliveira*
Na quarta-feira 1º de fevereiro, a presidente Dilma Roussef pousou em Porto Príncipe, capital do Haiti, sob o argumento oficial de “intensificar a colaboração” com o país caribenho. A visita, após o governo federal restringir a entrada de haitianos no Brasil, desmascara que tipo de colaboração o Brasil pretende estabelecer com aquele país: sob o falso argumento da “cooperação regional” que enfrenta os interesses “ianques” na América Latina, o que interessa para nossa política externa é elevar a participação da burguesia brasileira no capitalismo internacional – fundamentalmente na região.
É o que confirma documento vazado pelo WikiLeaks em 14 de janeiro. Através dele, ficamos sabendo que empresários brasileiros pressionaram o governo norte-americano para entrar na iniciativa Hope II - que criou “zonas francas” para a produção de produtos no Haiti que são exportados aos EUA livre de impostos.
Quando tal solicitação foi feita, vigorava o governo Lula. E a empresa Coteminas, do então vice-presidente José Alencar, foi quem liderou o pedido revelado pelo Wikileaks.
Para facilitar a liberação, e a serviço da burguesia brasileira, em 17 de setembro de 2009 o Brasil ratificou com Washington um plano para o estabelecimento de fábricas brasileiras no Haiti sob os termos da Hope.
Além de servir como entreposto para exportação aos EUA, o Haiti garante outro “benefício” aos “colaboradores” empresários do Brasil. É o que podemos ler nesta matéria do Valor Econômico de 15/08/2008:
“Apesar da confusão institucional, o Haiti tem vantagens importantes para oferecer para uma empresa têxtil: proximidade e acesso diferenciado ao maior mercado do mundo, os EUA, e mão-de-obra barata. Uma costureira na capital Porto Príncipe recebe US$ 0,50 por hora. É uma remuneração inferior aos US$ 3,27 pagos no Brasil e muito abaixo dos US$ 16,92 dos EUA, conforme a consultoria Werner. O valor é inferior até aos US$ 0,85 pagos no litoral da China e perde apenas para os US$ 0,46 do Vietnã e os US$ 0,28 de Bangladesh”.
Mas não se trata apenas de mão-de-obra barata e uma plataforma de exportação livre de impostos. Os empresários brasileiros também ganham com os poucos investimentos necessários e a “boa vontade” das grandes redes varejistas. Vejamos em outra matéria do Valor, de 06/04/2011:
“Os haitianos e os assessores internacionais apontam como vantagem, além do ingresso privilegiado ao mercado dos EUA, o baixo custo de mão de obra no Haiti, onde o salário médio é de US$ 75 ao mês, o baixo custo das terras (US$ 2 a US$ 5 o metro quadrado, em comparação com pelo menos US$ 20 em São Paulo) e o baixo custo logístico, pela proximidade com o porto de Miami. Grandes compradores, como a GAP, apoiam a missão e mostram interesse em aumentar as compras de produtos fabricados no Haiti, e, segundo técnicos que acompanham o assunto, têm incentivado fornecedores a instalar fábricas no país”.
Para garantir tamanha exploração dos trabalhadores, o imperialismo precisa manter aquele povo sob controle. E o faz através da manutenção de tropas militares no país, com o Brasil a frente, após sequestro pelos EUA do então presidente legitimo. A Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah) custa US$ 900 milhões por ano. Tal soma permitiria, por exemplo, a construção de casas para 400 mil pessoas – lembremos que o país foi devastado por um furacão em 12 de janeiro de 2010 – se o interesse fosse realmente ajudar o país a se recuperar.
Além de não o fazermos, o governo brasileiro decidiu dificultar ainda mais a vida dos haitianos – cuja entrada aqui foi recentemente alvo de desastrada intervenção federal. É dever do Brasil acolher estes refugiados, que saem de seu país de origem devido ao inequívoco fracasso da Minustah em seu “intento oficial”. A vergonha é ainda maior ao observarmos a solidariedade de Cuba para com os haitianos, através do envio de profissionais de saúde ao país. Os projetos de combate à fome e erradicação da pobreza executados no Brasil, por exemplo, são apenas - e de longe - citados quando se fala em Haiti e a "solidariedade" brasileira.
Enquanto isso, o empresariado brasileiro – sob o escudo do governo federal – vislumbra novas possibilidades de exploração no Haiti. Em visita ao site do Itamaraty, não foi possível obter os nomes da comitiva brasileira que pousou em Porto Príncipe. Mas estava lá, na agenda oficial da presidente, que às 15h do dia 1º houve um convescote com o pomposo nome de " Encontro com representantes empresariais e da sociedade civil brasileiros que atuam no Haiti".
Mas para além dos fantoches, o que importa são os interesses que terão na presidente brasileira uma perfeita ventríloqua – bem como foi a seleção brasileira de futebol em visita que fez lembrar a política de “pão e circo” tão ao gosto dos poderosos desde Roma.
São eles, por exemplo, que garantiram a construção de uma usina hidrelétrica ao custo de US$ 350, dos quais US$ 45 milhões são financiados pelo Brasil e o restante pela comunidade internacional. Que a empreiteira OAS construa uma estrada no sul do país num projeto de US$ 100 milhões financiado pelo governo do Canadá e pelo BID. Que a Odebrecht tenha feito as obras do Aeroporto Internacional de Toussaint Louverture, em Porto Príncipe, após o terremoto. Que após visita ao Haiti do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, ele tenha defendido que o BNDES entre como sócios nos projetos no país – desmascarando por completo as reais intenções do governo brasileiro.
Não é à toa. A burguesia brasileira não tem do que reclamar e uma rápida pesquisa ao site da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Planejamento não deixa margem para dúvidas: desde que passou a comandar a Minustah, o Brasil (ou melhor, a burguesia brasileira) vem ganhando cada vez mais dinheiro junto àquele país. Se houver apoio do governo então, melhor ainda. Confira no gráfico abaixo como manter este tipo de "solidariedade" com aquele país na verdade configura um ótimo negócio:
Um dia antes, em passagem por Cuba, a presidente Dilma Roussef citou a base norte-americana de Guantánamo e que "violações de diretos humanos ocorrem em todos os países" como resposta a quem questiona o sistema político socialista cubano.
A declaração, que pode ter sido encarada como um alento para quem ainda acredita em boas intenções - à esquerda - na política externa brasileira, entretanto, não pode turvar nosso olhar: Dilma não fez mais do que uma demonstração pública de que está muito atenta aos negócios brasileiros na aguerrida ilha socialista.
Por isso, também deixou claro que sua visita a Havana tinha como principal objetivo "impulsionar as relações econômicas e a cooperação entre Brasil e Cuba". Segundo o Ministério do Desenvolvimento, o intercâmbio comercial entre os dois países atingiu o valor recorde de US$ 642 milhões no ano passado, um crescimento de 31% em relação a 2010 e com saldo amplamente favorável ao Brasil (superávit de US$ 458 milhões).
E sobre a questão dos direitos humanos, cabe um último registro: diferentemente do que a presidente afirmou, em Cuba, se existirem, não são fruto de uma política de estado, ao contrário de "todos os países". A realidade lá é bem diferente da do Brasil, Dilma, como o recente caso do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP) não deixa negar.
* Membros do Comitê Central do PCB
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