quinta-feira, 6 de outubro de 2011

El Salvador: Assassinos de trabalhadores e jesuítas impunes.

 

El Salvador: a via crucis dos militares assassinos de 2 trabalhadoras e 6 jesuítas

La Haine
06.Out.11 :: Outros autores
A recente recusa em levar a julgamento militares responsáveis pelo assassínio de oito pessoas em El Salvador é um preocupante sinal de uma “paz” mantida à custa de perigosas cedências a uma grande burguesia reaccionária e com as mãos manchadas de sangue.

O Supremo Tribunal, com a aprovação do governo “progressista” da FMLN, decretou a libertação dos militares indiciados por um juiz espanhol. Esta é a história dessa infâmia.
Terminou como era previsto o pedido de detenção de 10 militares salvadorenhos que planificaram e participaram no assassínio de duas empregadas domésticas e seis jesuítas seguidores da teologia da libertação em 16 de Novembro de 1989. O Supremo Tribunal de “justiça” definiu jurisprudência: decide que o alerta vermelho da Interpol solicitado pelo juiz espanhol Velasco não implica detenção mas apenas averiguação do paradeiro.
Oxalá tivessem calhado juízes destes ao jornalista colombiano Joaquín Becerra, que foi preso devido a um alerta vermelho mal chegou ao aeroporto de Caracas, sendo de imediato remetido para as masmorras colombianas. No caso salvadorenho os juristas recorreram ao dilema do ovo e da galinha: determinaram que como não existia pedido de extradição os assassinos não podiam ser detidos. E isto apesar de que segundo organizações de defesa dos Direitos Humanos a lei internacional diz que para se poder solicitar uma extradição a pessoa em causa deve em primeiro lugar estar sob detenção. O PSOE espanhol meteu também o seu grãozinho de areia quando contribuiu para que Alfredo Cristiani, presidente do país na altura dos assassínios, não fosse a julgamento. Negociadores salvadorenhos reuniram-se em Dezembro de 2008 com Fernando Burgos, fiscal da Audiência Nacional, e Trinidad Jiménez, secretária de Estado para a América Latina, para tentar que o juiz Velasco retirasse Cristiani da lista de acusados, coisa que conseguiram.
E o governo da FMLN? Bem, muito obrigado. Embora já se soubesse para que direcção se apontava – dada a anterior negativa do mesmo tribunal à entrega ao juiz espanhol da informação acerca de como o aparelho judicial salvadorenho actuara relativamente a este massacre – realizou no decurso destas duas semanas todo o género de equilibrismos semânticos para dizer a mesma coisa que a direita: é preferível não remexer nas coisas. O importante é manter a paz que se alcançou (leia-se lugares de ministro, deputados, presidentes de câmara) e por último que aquilo que os juízes decidirem estará bem decidido. Mas na verdade dizer que fez o mesmo que a direita não é inteiramente correcto. Na verdade fez pior.
8 de Agosto: “Mijam-nos em cima e a informação diz que chove”
Os militares, quando tomaram conhecimento no domingo 7 de Agosto de que o alerta vermelho da Interpol chegaria dentro de algumas horas (e foi através do Governo, não poderia ter sido de outra forma, uma vez que quem recebe um requerimento desses é a polícia), decidem refugiar-se num quartel.
A versão dos meios de comunicação da FMLN foi de que “os militares em situação de reserva indiciados por um tribunal de Espanha pelo assassínio de seis sacerdotes jesuítas foram colocados à ordem do 12º Julgado de Paz, após o que se entregaram voluntariamente à Brigada Especial de Segurança Militar, nas instalações da ex Guarda Nacional, na altura em que a Polícia Nacional Civil dava seguimento à ordem internacional, informou oficialmente o Governo esta manhã”.
Atenção: “apresentaram-se voluntariamente” e “estão à ordem do Julgado”. É isto que diz o comunicado oficial difundido pela Rádio Nacional de El Salvador. Ambas as coisas são mentira: o “voluntariamente” dá a entender que querem ajudar a justiça, e o estar à ordem do Julgado num quartel, o famoso “resguardo militar”, é juridicamente inexistente. Mas para além disso deu também muita satisfação aos jornalistas alinhados a frase “na altura em que a Polícia Nacional Civil dava seguimento à ordem internacional”, ou seja que não chegaram a detê-los porque estavam ocupados com a papelada, já quase mesmo a sair, e precisamente nesse momento os militares foram “entregar-se” num quartel.
A direita utilizou duas tácticas nesse dia: por um lado a ameaça de golpe, e por outro a sinceridade, sabendo que quem saía prejudicada era a FMLN. O ex vice-presidente durante o governo de Cristiani disse que as coisas devem ficar como estão e que não deve remexer-se em velhas feridas que possam pôr em risco os Acordos de paz assinados em 1992. Não acha “conveniente” que o caso seja reaberto e venha a pôr em risco a estabilidade. Mas também lançou uma ameaça velada à FMLN, dizendo que se este caso for reaberto outros também o poderão ser. Outros políticos e empresários direitistas (chamam-lhes “esquadroneros”, por terem dirigido e/ou financiado os esquadrões da morte) igualmente difundiram ameaças.
9 de Agosto: começa a lavagem de mãos
Dando continuidade à paródia legal, “o juiz Calderón, ao receber o texto do qual consta a entrega dos militares, realizou uma inspecção ao local onde se encontram recolhidos os processados”, segundo afirma o “Colatino”, diário próximo da FMLN. Esse texto, que organizações de direitos humanos consideraram como inteiramente ilegal, era uma declaração ajuramentada perante um notário de que os indiciados se encontravam “à disposição da justiça”. Para lhe atribuir um ar de seriedade mandam um juiz de paz “inspeccionar” o local de “reclusão”.
Este juiz de paz remete de imediato o assunto para o Supremo Tribunal, e este começa a abrir o guarda-chuva. “Não sabemos ainda se existe uma solicitação formal do governo espanhol pedindo a extradição dos militares acusados, e tão pouco sabemos se o Juiz Eloy Velasco os requer para que sejam processados ou apenas para que apresentem advogados de defesa”. O requerimento abrange um total de 10 militares embora um, ao que parece, já tenha falecido: trata-se do ex chefe de Estado Maior e o líder da conjura, René Emilio Ponce. Após uma operação no Hospital Militar saiu directamente num caixão fechado, cujo conteúdo ninguém viu. Dizem as más-línguas que estaria a viver em Miami com documentação falsa.
10 de Agosto: a FMLN pede o ressarcimento moral
Em comunicado pago, a FMLN deixou claro que não estava para se maçar com o trabalho de meter os assassinos na prisão, assegurando “que é um partido programaticamente comprometido com a verdade, o respeito pelos direitos humanos, a aplicação da justiça que inclui o ressarcimento moral das vítimas, enquanto elementos que conduzam a alcançar o grande objectivo da Reconciliação Nacional, estabelecido nos Acordos de Paz” e que, dado que este é “um tema de interesse nacional no qual deve prevalecer a prudência e a responsabilidade política”, o melhor é não o agitar muito.
Mas nesse mesmo dia o director do Instituto de Direitos Humanos da UCA (universidade jesuíta a que pertenciam os assassinados) numa posição claramente divergente da do seu reitor, afirma publicamente o que dizia a vox populi: “A justiça neste país está à venda, ninguém possui a informação completa. Só temos o comunicado do Governo que diz que os iam a capturar e eles vão e entregam-se num quartel que é propriedade do Executivo, ora eu creio que ninguém se entrega assim sem mais uma vez que arriscam demasiado, pois correm o risco de ser capturados”.
O director afirma que alguém, a partir da esfera do Governo, avisou os militares sobre a difusão do alerta vermelho da Interpol, o que os levou a refugiar-se no quartel. “Gabam-se de um processo de paz bem sucedido, e agora por irem nove militares para a prisão já se acaba a paz? É por se aplicar a justiça que corre perigo uma paz tão sólida de 20 anos? Volto a dizer que estão a querer insultar a inteligência das pessoas”.
11 de Agosto: a direita diz a verdade sem qualquer problema
O defensor de sete dos militares, Lisandro Quintanilla, admitiu que a captura seria o procedimento correspondente, e não o “resguardo militar”. É o que acontece quando se quer ser mais papista do que o papa, como sucede com a FMLN: és ridicularizado pela direita. O advogado pago pela associação de empresários acrescentou, para o caso de não ter ficado claro, que “quando existe alerta vermelho a PNC (Polícia nacional civil) tem a obrigação de capturar e sobre isso não há discussão, e uma vez capturados devem ser colocados à ordem do juiz”.
E metendo os dedos nos olhos [da FMLN] ainda um pouco mais, disse que os seus representados tinham decidido, todavia, “entregar-se aos seus pares” uma vez que não confiam no Governo”. Indicando, dessa forma, que o comunicado oficial do Governo não passava de uma tentativa de ocultar a atitude ziguezagueante da FMLN.
O Procurador de Direitos Humanos também zurziu na FMLN, declarando que “quando é difundido um alerta vermelho internacional, existe dentro de cada polícia uma divisão que mantém os contactos internacionais e que deve tornar efectivas as ordens de captura”. No que diz respeito à situação jurídica dos implicados, o Procurador acrescenta: “Ouvi dizer que os militares não dispõem de qualquer imunidade legal, a PNC pode entrar no quartel e detê-los porque tem de cumprir a ordem, e assim, quem é que tornou efectivas as ordens de captura? É que ninguém as executou”.
Por seu lado, a deputada e ideóloga da FMLN, para além disso uma ex-guerrilheira, Norma Guevara, mostra-se “prudente e acredita que são as instâncias competentes quem deve tomar conhecimento do caso e resolvê-lo”. E diz isto esquecendo-se dos múltiplos pedidos de justiça e de castigo que o seu partido impulsionou ao longo destes 20 anos, pedidos que só voltaram a aparecer quando este caso ficou encerrado na sexta-feira passada. “Somos um partido que sempre esteve com a verdade e o ressarcimento das vítimas, este assunto deve ser encarado pelo país com a maior responsabilidade e prudência, e as instâncias competentes são as que são chamadas a intervir”, disse Guevara. “Aqui não tem que intervir nem o Executivo nem a Assembleia [parlamento], isto é competência do Judicial e esperamos que essa instância dê resposta”. Bolas para fora.
14 de Agosto: a igreja também ameaça
O arcebispo de San Salvador, o mesmo cargo que ocupou o também assassinado monsenhor Romero (o da opção preferencial pelos pobres) manifestou a sua própria opção dizendo que o pais precisa mais de viver em paz do que de revolver casos do passado. “Nós desejaríamos certamente que se exercesse a verdade, a justiça, por o que está acima de tudo é a paz e teremos que ser prudentes”, assinalou o prelado. “A Igreja está sempre a favor da justiça e da verdade, e o ideal é que todo o crime cometido seja julgado e objecto de reparação; no entanto, neste caso estamos numa situação especial”. E não deixa de ameaçar a FMLN: “É possível que a amnistia seja uma boa forma de evitar uma problemática maior se outros casos começam a ser abertos”.
Entretanto o Tribunal Supremo, que já deliberava há uma semana, informou que ainda não tinha tomado qualquer decisão sobre a questão e que iria manter-se “em sessão permanente dado o relevo do caso”, mas apenas discutira sobre recusas, ou pelo menos foi isso que disseram. O arcebispo esteve de acordo em que quanto maior a demora, melhor: “É necessário que depositemos um pouco de confiança no Tribunal, que lhe demos o tempo necessário para analisar da forma mais conveniente”.
17 de Agosto: um Editorial deixa a FMLN a nu
O diário “Colatino”, próximo da FMLN, que vive da publicidade estatal (e, ao alguns dizem, recebe dinheiro da embaixada de Taiwan) e cujo director visita assiduamente a casa presidencial, publica um editorial intitulado “Há que exigir justiça, mas sem passionalismos”, onde “passionalismo” seria pedir um cumprimento mínimo da justiça burguesa. Em resumo:
“Desde há mais de oito dias, a Polícia Nacional Civil (PNC), tem estado a ser pressionada para que seja cumprida a ordem de Difusão Vermelha emanada da INTERPOL… diferentes vozes, de líderes de opinião reconhecidos e de outros cidadãos que têm acesso aos media, por via internet ou telefónica, exigem à Polícia Nacional Civil que irrompa pela base militar e capture os militares processados.”
“Estas vozes, embora seja legítimo o seu clamor pela justiça, não compreendem que no final o que os seus pedidos e ansiedades poderiam provocar seria uma tensão, senão mesmo um confronto entre a PNC e a Força Armada. Não estamos convencidos de que a Força Armada tenha assimilado o seu novo papel nesta época de paz, e portanto não sabemos não sabemos qual seria o seu comportamento se a polícia interviesse nesta altura”. O que já estava dito: não mexer.
19 de Agosto: Não há nada para deter
O secretário da presidência defendeu abertamente a Polícia Nacional Civil, deixando clara a posição do governo da FMLN acerca das críticas pela ausência de execução da ordem de captura enviada pela INTERPOL. O todo-poderoso funcionário sustentou que a PNC desempenhou o seu papel ao entregar a ordem de captura ao juiz de paz. Aí termina o paple do Governo.
Entretanto, o “Auto de processo dos militares envolvidos no Caso Jesuítas” do juiz espanhol explicita claramente: “seja exarada ordem europeia de detenção e entrega e ordem internacional de detenção para a sua busca e captura internacional”.
O jesuíta Andreu Oliva, reitor da Universidade Centroamericana (o mesmo cargo que desempenhava um dos assassinados, Ignacio Ellacuría), demonstrou que 20 anos e o papado de João Paulo II não passaram em vão. Disse que está “satisfeito” com a actuação dos militares. Oliva valorizou positivamente que ao “indiciados” se encontrem sob “resguardo militar” e que não seja tratados como réus comuns. Opinou que os miltares se refugiaram na Base Especial de Segurança Militar para se “antecipar à captura”, o que considerou positivo para o processo. Efectivamente, se estão num quartel, não há deus que os tire de lá.
26 de Agosto: Fim da história
Às nove da manhã o Tribunal Supremo dava nota da sua decisão. O documento, que ainda por cima produz jurisprudência, estabelece que “A difusão vermelha é uma medida administrativa plicial de localização de um possível extraditável, que pode ou não ser acompanhada de um pedido de extradição”. Para se justificar acrescenta que apenas existiu “uma difusão vermelha que não é em si mesma uma ordem de captura nem um pedido de detenção preventiva”, pelo que a polícia “não está habilitada a deter os militares”. Na normativa da INTERPOL as notificações vermelhas “são utilizadas para solicitar a detenção preventiva com vista à extradição de uma pessoa procurada e baseiam-se numa ordem de detenção ou numa decisão judicial”. Seguramente que o Tribunal não desconhece que para a localização são utilizadas notas azuis e não vermelhas.
Tudo baseado em que não existia um pedido de extradição a partir de Espanha, embora o país solicitante disponha de 60 dias, a partir da detenção, para enviar o pedido de extradição. Para além disso, e apenas 3 meses antes, em 20 de Maio deste ano, o mesmo Tribunal decidiu que era suficiente o recebimento de uma difusão vermelha da Interpol para que a polícia detivesse umas pessoas acusadas nos EUA de narcotráfico. Quando foi perguntado ao presidente do Tribunal como é que se articulava a decisão actual com a anterior, respondeu que antes o Tribunal se tinha enganado, e que a decisão actual é que era correcta.
E se isto ainda fosse pouco, o artigo 327 do Código do Processo Penal salvadorenho, cujo título é “outros casos de detenção”, diz textualmente: “Para além dos casos estabelecidos neste código, a polícia procederá à captura de uma pessoa, mesmo sem ordem judicial, nos casos seguintes: […] 3) Quando relativamente à pessoa exista difusão ou circular vermelha de instituições policiais internacionais”. De acordo com a resolução, sobre os nove militares não impendem limitações jurídicas “nem nenhuma outra privação, restrição ou limitação na sua liberdade de deslocação que tivesse sido originada por este processo”. Caso encerrado.
E agora é a altura da FMLN retomar o seu discurso progressista. Vários deputados e dirigentes desse partido vêm exibir, agora que o problema terminou, as frases que têm guardadas para estas ocasiões. Entre eles Sigfrido Reyes, presidente do parlamento, que proclamou que os familiares das vítimas têm direito à justiça, “a procurar a justiça que hoje por hoje lhes é negada…mas que ainda não terminou”, e acrescentou “é um compromisso da sociedade, a luta contra a impunidade. O direito à justiça não pode ser negado”.
O editorial do diário próximo da FMLN de 27 de Agosto segue a mesma linha: “Fica hoje mais claro que com este Tribunal Supremo de Justiça, a justiça continuará á espera de cada vez que os envolvidos sejam gente do poder económico ou da velha casta militar”: Linha muito diferente da que fora expressa no editorial de 17 de Agosto.
E é escusado argumentar, como fazem os escribas da FMLN, que o Governo é uma coisa e o partido é outra, ou que a FMLN não tem maioria no parlamento. Nestes dias a proverbial atitude ziguezagueante do ex-partido de esquerda foi cristalina.
O presidente Funes ameaçou os professores, mobilizados pela falta de pagamento de um aumento prometido, de que não pagaria os dias de greve e, caso persistissem, os despediria. A FMLN, apoiando o presidente, disse que o governo não tem dinheiro e que os professores não podem exigir aumentos perante a situação em que o país se encontra. E isto apesar de que, para enviar tropas para o Afeganistão como sucede por estes dias, já há dinheiro. A FMLN manda um deputado desconhecido dizer que na verdade o partido não está muito de acordo com esta medida “do governo”, como se neste caso o governo fosse exterior ao partido. Mas quando, na semana passada, o presidente Funes decidiu reconhecer o estado palestino, aí sim, foi o governo da FMLN quem o fez. Continuamos a ser de esquerda.
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