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terça-feira, 14 de setembro de 2021

Criar, duas, três, muitas Saigons por Vijay Prashad

Criar, duas, três, muitas Saigons por Vijay Prashad [*] Pesadelo, da artista afegã Shamsia Assani, 2021.Queridos amigos e amigas, Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social . No domingo, 15 de agosto, o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, fugiu do seu país em direção ao Uzbequistão. Ele deixou para trás uma capital, Cabul, que já havia caído nas mãos das forças do Talibã. O ex-presidente Hamid Karzai anunciou que formou um conselho de coordenação com Abdullah Abdullah, chefe do Comité de Reconciliação Nacional, e o líder jihadista Gulbuddin Hekmatyar. Karzai pediu prudência ao Talibã ao entrar no palácio presidencial de Cabul e assumir o comando do Estado. Karzai, Abdullah Abdullah e Hekmatyar pediram a formação de um governo nacional. Isso servirá ao Talibã, já que permite reivindicar um governo afegão em vez de um governo Talibã. Mas é Talibã e seu líder, Mullah Baradar, que efetivamente estarão no comando do país, com Karzai-Abdullah Abdullah-Hekmatyar na fachada para aplacar as potências estrangeiras oportunistas. A entrada do Talibã em Cabul é uma grande derrota para os Estados Unidos. Poucos meses depois de os EUA iniciarem sua guerra contra o Talibã em 2001, o então presidente George W. Bush anunciou : "o regime do Talibã está chegando ao fim". Vinte anos depois, o inverso se faz evidente. Mas essa derrota dos EUA – depois de gastar 2,26 milhões de milhões de dólares e causar pelo menos 241 mil mortes – é um consolo frio para o povo do Afeganistão, que agora terá que enfrentar a dura realidade do governo do Talibã. Desde a sua formação no Paquistão em 1994, nada de progressista pode ser encontrado nas palavras e atos do Talibã ao longo de sua história de quase trinta anos. Nem nada de progressista pode ser encontrado na guerra de vinte anos que os EUA levaram a cabo contra o povo afegão. Em 16 de abril de 1967, a revista cubana Tricontinental publicou um artigo de Che Guevara intitulado "Criar dois, três, muitos Vietnames: essa é a nossa palavra de ordem". Guevara argumentou que a pressão sobre o povo vietnamita precisava ser aliviada por guerrilhas em outros lugares. Oito anos depois, os EUA fugiam do Vietname, enquanto funcionários estado-unidenses e seus aliados vietnamitas embarcavam em helicópteros do telhado do prédio da CIA em Saigon. A derrota dos EUA no Vietname ocorreu durante uma série de reveses do imperialismo: Portugal foi derrotado no ano anterior em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique; trabalhadores e estudantes expulsaram a ditadura da Tailândia, abrindo um processo de três anos que culminou no levante estudantil em 1976; os comunistas assumiram o poder no Afeganistão durante a Revolução de Saur em abril de 1978; o povo iraniano abriu um processo de um ano contra o ditador apoiado pelos Estados Unidos, o xá do Irão, que levou à revolução de janeiro de 1979; o Movimento New Jewel conduziu uma revolução na pequena ilha de Granada; em junho de 1979, os sandinistas invadiram Manágua (Nicarágua) e derrubaram o regime de Anastasio Somoza, apoiado pelos estado-unidenses. Essas foram algumas entre as muitas Saigons, as muitas derrotas do imperialismo e as muitas vitórias de uma forma ou de outra da libertação nacional. Cada um desses avanços veio com uma tradição política e um ritmo diferente. A revolta popular mais poderosa foi no Irão, embora não tenha resultado em uma dinâmica socialista, mas em uma democracia clerical. Cada um deles enfrentou a ira dos Estados Unidos e de seus aliados, que não permitiram que esses experimentos a maioria deles de natureza socialista germinassem. Uma ditadura militar foi encorajada na Tailândia em 1976, guerras por procuração foram iniciadas no Afeganistão e na Nicarágua, e o Iraque foi pago para invadir o Irão em setembro de 1980. O governo dos EUA tentou por todos os meios negar a soberania a esses países e devolvê-los à subordinação em escala total. O caos veio em seguida, por meio de duas frentes: a crise da dívida e as guerras por procuração. Depois que os países não alinhados aprovaram uma resolução da Nova Ordem Económica Internacional (NOEI) na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974, eles se viram pressionados pelas instituições financeiras dominadas pelo Ocidente, incluindo o Fundo Monetário Internacional e o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos. Essas instituições conduziram os Estados não alinhados a uma profunda crise de dívida; o México deixou de pagar sua dívida em 1982 e inaugurou a atual Crise da Dívida do Terceiro Mundo. Além disso, após a vitória das forças de libertação nacional na década de 1970, uma nova série de guerras por procuração e operações de mudança de regime foram iniciadas para desestabilizar a política na África, Ásia e América Latina por duas gerações. Ainda não saímos da destruição causada pela política ocidental dos anos 1970. A insensibilidade ocidental em relação ao Afeganistão define a natureza da contra-revolução e do intervencionismo liberal. O presidente dos EUA, Jimmy Carter, decidiu colocar recursos imensos nos piores elementos da política afegã e trabalhar com o Paquistão e a Arábia Saudita para destruir a República Democrática do Afeganistão (RDA), que durou de 1978 a 1992 (rebatizada de República do Afeganistão em 1987). Anahita Ratebzad.Anos após a queda da República do Afeganistão, encontrei-me com Anahita Ratebzad, que havia sido ministra no primeiro governo do RDA, para perguntar-lhe sobre aqueles primeiros anos. Enfrentamos graves desafios, tanto internos daqueles que tinham uma visão social reacionária como de fora de nossos adversários nos Estados Unidos e no Paquistão, disse. Meses depois de assumirmos o cargo em 1978, sabíamos que nossos inimigos se haviam unido para nos debilitar e impedir a chegada da democracia e do socialismo ao Afeganistão. Ratebzad foi acompanhada por outras líderes femininas importantes, como Sultana Umayd, Suraya, Ruhafza Kamyar, Firouza, Dilara Mark, Professor R. S. Siddiqui, Fawjiyah Shahsawari, Dra. Aziza, Shirin Afzal e Alamat Tolqun nomes há muito esquecidos. Foi Ratebzad quem escreveu no Kabul New Times (1978) que os privilégios que as mulheres, por direito, devem ter são educação igual, segurança no emprego, serviços de saúde e tempo livre para criar uma geração saudável para construir o futuro do país. (...) Educar e esclarecer as mulheres é agora objeto de atenção especial do governo. A esperança de 1978 está perdida. O pessimismo não deve ser atribuído apenas em relação ao Talibã, mas também àqueles como os EUA, Arábia Saudita, Alemanha e Paquistão que financiaram e apoiaram os fascistas teocráticos semelhantes ao Talibã. Na poeira da guerra dos EUA, que começou em 2001, mulheres como Anahita Ratebzad foram empurradas para baixo do tapete; convinha aos EUA ver as mulheres afegãs como incapazes de ajudar a si mesmas e, portanto, precisavam do bombardeio aéreo dos EUA e da entrega extraordinária dos EUA a Guantánamo. Também convinha aos EUA negar seus vínculos ativos com os piores teocratas e misóginos (pessoas como Hekmatyar, que não são diferentes dos talibãs). Os EUA financiaram os mujahideen, minaram a RDA, atraíram a relutante intervenção soviética em Amu Darya e aumentaram a pressão tanto sobre os soviéticos quanto sobre a RDA, tornando as forças contra-revolucionárias afegãs e a ditadura militar do Paquistão peões em uma luta contra a URSS. A retirada soviética e o colapso da RDA levaram a um cenário ainda pior com uma sangrenta guerra civil, da qual emergiu o Talibã. A guerra dos Estados Unidos contra o Talibã durou vinte anos, mas – apesar da tecnologia militar superior dos Estados Unidos – levou à derrota dos Estados Unidos. Imagine se os Estados Unidos não tivessem apoiado os mujahideen e se os afegãos pudessem considerar a possibilidade de um futuro socialista. Isso teria sido uma luta com seus próprios ziguezagues, mas certamente teria resultado em algo melhor do que o que temos agora: o retorno do Talibã, o açoite de mulheres em público e a aplicação dos piores códigos sociais. Imagine isso. A derrota do poder estado-unidense não vem necessariamente nos dias de hoje com a possibilidade do exercício da soberania e do avanço de uma agenda socialista. Em vez disso, vem por meio do caos e do sofrimento. O Haiti, como o Afeganistão, é parte dos detritos do intervencionismo estado-unidense, atormentado por dois golpes dos EUA, uma ocupação de sua vida política e económica, e agora por outro terremoto. A perda no Afeganistão também nos lembra a derrota dos Estados Unidos no Iraque (2011); esses dois países enfrentaram o feroz poder militar dos EUA, mas não seriam subordinados. Tudo isso elucida tanto a fúria da máquina de guerra estado-unidense, capaz de demolir países, quanto a fragilidade de seu poder, incapaz de moldar o mundo à sua imagem. O Afeganistão e o Iraque desenvolveram projetos estatais ao longo de centenas de anos. Os EUA destruíram seus Estados em uma tarde. O último presidente de esquerda no Afeganistão, Mohammed Najibullah, tentou construir uma Política de Reconciliação Nacional na década de 1980. Em 1995, ele escreveu à sua família: "o Afeganistão tem vários governos agora, cada um criado por diferentes potências regionais. Até Cabul está dividida em pequenos reinos (…) a menos e até que todos os atores [potências regionais e globais] concordem em sentar-se à mesma mesa, deixar suas diferenças de lado para chegar a um consenso genuíno sobre a não interferência no Afeganistão e cumprir seu acordo, o conflito vai continuar". Quando o Talibã conquistou Cabul em 1996, eles capturaram o presidente Najibullah e o mataram do lado de fora do complexo da ONU. Sua filha, Heela, contou-me alguns dias antes de o Talibã tomar Cabul sobre suas esperanças de que a política de seu pai fosse agora adotada. O apelo de Karzai é em vão. É improvável que seja genuinamente adotado pelo Talibã. O que moderará o Talibã? Talvez a pressão de seus vizinhos – incluindo a China – que têm interesses em um Afeganistão estável. No final de julho, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, encontrou-se com Baradar em Tianjin. Eles concordaram em que a política dos EUA falhou. Mas os chineses pediram que Baradar fosse pragmático: não apoiasse mais o terrorismo e integrasse o Afeganistão à Nova Rota da Seda. No momento, esta é a única esperança, mas sustentada por um fio frágil. Em julho de 2020, o ex-ministro do governo da República Democrática do Afeganistão (RDA) e poeta Sulaiman Layeq morreu em decorrência dos ferimentos sofridos num atentado do Talibã em Cabul no ano anterior. O poema Eternal Passions [Paixões eternas] de Layeq (1959) descreve o anseio por aquele mundo diferente que ele e tantos outros trabalharam para construir, um projeto que foi obliterado pelas intervenções dos EUA: O som do amor Transbordou dos corações Vulcânico, bêbado & Anos se passaram E ainda assim esses desejos Como o vento na neve Ou como as ondas sobre a água gritos de mulheres, lamentadoras Os afegãos estão muito contentes de ver o fim da ocupação dos EUA, de ser mais uma Saigon numa longa sequência. Mas isso não é uma vitória da humanidade. Não será fácil para o Afeganistão emergir destas décadas de pesadelo, mas o desejo de fazê-lo ainda pode ser ouvido. Cordialmente, Vijay. [*] Director do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. O original encontra-se em thetricontinental.org/pt-pt/newsletterissue/cartasemanal-33-afeganistao/ Esta carta encontra-se em https://resistir.info/ .

terça-feira, 17 de agosto de 2021

O Talibã entra em Cabul

O Talibã entra em Cabul – Todas as cidades estão agora nas mãos do Talibã, assim como todas as passagens de fronteira. – O presidente Ashraf Ghani demitiu-se – Um novo governo interino será anunciado assim que o Mullah Abdul Ghani Baradar chegar a Cabul – Os EUA evacuam freneticamente a sua embaixada – Comandantes talibãs entram no palácio presidencial em Cabul por Moon of Alabama Saigon, 1975 - Cabul, 2021.Observações do Presidente Biden acerca da retirada das forças dos EUA do Afeganistão, feitas em 06/Julho/2021 P. Será a tomada do Afeganistão pelo Talibã agora inevitável? O PRESIDENTE: Não, não é. P. Por que? O PRESIDENTE: Porque as tropas afegãs têm 300 mil soldados bem equipados – tão bem equipados como qualquer exército no mundo – e uma força aérea contra uns 75 mil Talibãs. Não é inevitável. P. Sr. Presidente, poderá estender a resposta, por favor? Por que não confia no Talibã? O PRESIDENTE: É uma pergunta tola. Confia você no Talibã? Não. Mas eu confio na capacidade dos militares afegãos, os quais estão melhor treinados, melhor equipados e são mais competentes em termos de condução da guerra. P. Sr. Presidente, alguns veteranos do Vietname vêem reflexos da sua experiência nesta retirada do Afeganistão. Vê quaisquer paralelos entre esta retirada e o que aconteceu no Vietname, como algumas pessoas sentem? O PRESIDENTE: Nada, em absoluto. Zero. O que havia ali era brigadas inteiras a irromperem através dos portões da nossa embaixada – seis, se não estou em erro. O Talibã não é o sul – o exército norte-vietnamita. Eles não são, nem remotamente, comparáveis em termos de capacidade. Não haverá qualquer circunstância em que verá pessoas a serem evacuadas do teto de uma embaixada – dos Estados Unidos no Afeganistão. Não é de todo comparável. Não é de todo comparável. Isto é totalmente diferente – o tipo de helicóptero. Taliban enters Kabul, awaits 'peaceful transfer' of power , August 15, 2021 Afghanistan - Taliban Enter Kabul - Will Announce Interim Government , August 14, 2021 Talibãs fazem novas ofertas de paz e outras A história agora desenrola-se a uma velocidade raramente vista. Situação actual: No total, 21 das 34 províncias estão agora nas mãos do Talibã. A maior parte das outras são contestadas. August 6 - Zaranji (Nimruz) August 7 - Sheberghan (Jowzjan) August 8 - Kunduz (Kunduz) August 8 - Sar-e Pol (Sar-e Pol) August 8 - Talquan (Takhar) August 9 - Aybak (Samangan) August 10 - Farah (Farah) August 10 - Pul-i Khumri (Baghlan) August 11 - Faizabad (Badakhshan) August 12 - Ghazni (Ghazni) August 12 - Kandahar (Kandahar) August 12 - Herat (Herat) August 12 - Qala-e-Naw (Badghis) August 13 - Lashkar Gah (Helmand) August 13 - Tirin kot (Uruzgan) August 13 - Chaghcharan (Ghor) August 13 - Pul-e Alim (Logar) August 13 - Qalat (Zabul) August 14 - Sharana (Paktika) August 14 - Asasabad (Kunar) August 14 - Gardez (Paktia) Situação em 14/Agosto/21. Ver também: US Embassy warns Americans in Kabul to take shelter, says airport reportedly UNDER FIRE amid hasty evacuation of western missions Taliban spokesman says Afghan war is over, militants convinced ‘foreign forces won’t repeat failed experience in Afghanistan’ Governo russo ordena ao seu embaixador no Afeganistão que permaneça em Cabul O original encontra-se em www.moonofalabama.org/ Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

quarta-feira, 20 de maio de 2020

A guerra quase esquecida

A guerra quase esquecida

De um formal a um informal império americano no Afeganistão

por B. Arjun
Mapa do Afeganistão.Em 21 de Fevereiro, iniciou-se o plano de sete dias de redução da violência no Afeganistão, negociado pelos EUA com os Talibãs. Posteriormente, as duas partes em guerra assinaram em 28 de Fevereiro um acordo para trazer a paz ao Afeganistão. Os Estados Unidos prometeram a retirada gradual das suas forças militares no Afeganistão. Espera-se que isto marque o princípio do fim do envolvimento americano da guerra no Afeganistão, com quase duas décadas, após os ataques de 11 de Setembro de 2001.

O ambíguo acordo entre os EUA e os Talibãs assinado em Doha, no Qatar, foi negociado durante mais de um ano. O governo do Afeganistão, apoiado pelos EUA, foi excluído destas negociações. Tratou-se de um acordo directo entre o império norte-americano e uma organização não governamental, o Emirado Islâmico do Afeganistão ou os Talibãs.

Este chamado acordo de paz é bastante ambicioso. O objectivo é atingir a redução do nível actual de tropas dos EUA e coligação de12 a 13 mil para 8 600 e é "baseado em condições". Segundo o acordo, espera-se que os Talibãs abandonem o movimento de rebelião e não estabeleçam contactos com grupos terroristas como a Al Qaeda.

Apesar de alguns sinais de despeito dentro da elite política afegã, o desejo de paz e do fim do domínio estrangeiro dos EUA é esmagador entre o povo do Afeganistão. O povo afegão está ansioso por um amplo diálogo intra-afegão para alcançar um cessar-fogo e uma paz duradoura no seu país.

Casa construída com mísseis.No dia seguinte à assinatura do acordo de Doha, os Talibãs lançaram um ataque contra forças do governo afegão. O ataque chocou a comunidade internacional que esperava que o acordo inaugurasse uma nova era em Cabul. Porém, após o choque inicial, as coisas parecem estar a voltar ao normal.

Os Talibãs reivindicam o acordo como uma vitória da sua luta nacionalista. No entanto, é tolice imaginar que os Estados Unidos estão a deixar o Afeganistão para sempre. O crescente envolvimento de Washington no Irão e na Ásia Central, para combater a aliança sino-russa simplesmente não permite que os norte-americanos voltem para casa.

É provável que o carácter do império dos EUA no Afeganistão possa sofrer uma mudança. De colónia formal, Cabul pode tornar-se uma colónia informal dos EUA. As autoridades militares americanas presentes em Cabul podem chegar a 1 000 ou até menos, mas os EUA continuarão a governar o Afeganistão.

Para muitos norte-americanos, o acordo de Doha é, em vários sentidos, um amargo de boca. Pouco faz para resolver as diferenças entre os vários senhores da guerra afegãos e o governo central em Cabul, há muitos anos um fantoche dos EUA.

Plantação de papoula.Andar de mãos dadas com os Talibãs, é uma proposta difícil para os liberais dos EUA. Nas mentes dos norte-americanos a rebelião dos Talibãs enquadra-se na categoria de "guerras injustas". São considerados uma organização terrorista, em torno da qual a narrativa de "guerra ao terror" foi construída nos últimos 20 anos.

Por outro lado, para os afegãos, é igualmente perturbador aceitar um acordo com a América que se dedica sem piedade a bombardear as suas cidades e arruinar o seu país.

Os EUA conseguiram superar a sua aversão aos Talibãs por razões pragmáticas. Como afirma um professor: "Sair do Médio Oriente pode realmente significar mais violência, em vez de menos, a curto prazo. Também pode significar que organizações como os Talibãs afegãos acabem detendo o poder nos seus próprios países, em vez dos liberais que os americanos preferem. Mas se alguém leva a sério o fim de uma guerra sem fim, essas são as trocas, às vezes dolorosas, que devem ser levadas em consideração."

Quem diz que os Estados Unidos saem porque não conseguiram vencer a guerra, recusa-se a entender que os EUA nunca ocuparam Cabul para construí-la nem conquistar os corações e mentes do povo afegão. Os Estados Unidos basicamente entraram em Cabul para alcançar os seus estritos objectivos geopolíticos, reforçar sua hegemonia e engordar o complexo industrial militar (CMI).

Esta prolongada guerra não é necessária aos interesses de segurança dos EUA, nem a oposição foi grande, continuou principalmente porque as elites políticas e económicas dos EUA precisam de violência contínua para justificar o seu imenso orçamento anual de defesa de 700 mil milhões de dólares.

A política internacional do pós-Guerra Fria deu a Washington um amplo espaço para se envolver em guerras ilusórias para apaziguar o CMI.

Dado que apenas 3 500 militares americanos e da coligação foram perdidos no Afeganistão, a elite americana usufruiu desta "guerra sem fim" na qual foram gastos cerca de 2 milhões de milhões de dólares e mortos dezenas de milhares de afegãos.

A questão é: por que desejam os Estados Unidos negociar com o seu inimigo das últimas duas décadas? Por que desejam os EUA considerar os Talibãs guardiões dos seus interesses no Afeganistão?

Uma razão clara é que a posição financeira americana está apertada. Nos EUA agora repensa-se nos custos envolvidos numa guerra prolongada, especialmente quando é difícil manter os interesses dos aliados. Além disso, à medida que o desafio sino-russo cresce, os EUA pretendem alcançar muito mais com muito menos e preservar os seus recursos para outras batalhas.

A assinatura do pacto de paz no Qatar foi testemunhada pelo embaixador indiano no Qatar, P. Kumaran. No entanto, foi um revés para a diplomacia indiana que trabalhou duramente para garantir que os Talibãs, apoiados pelo Paquistão, permanecessem na periferia de Cabul.

Agora, a Índia não tem escolha a não ser aceitar que os Talibãs não são mais um pária para os Estados Unidos, que pouco se importa com os interesses nacionais indianos.

O Paquistão certamente está feliz com a evolução, porque terá um regime que trabalhará para reduzir o envolvimento da Índia no Afeganistão.

Além disso, a elite diplomática paquistanesa congratula-se por ter desempenhado um papel crucial ao ajudar o governo de Trump a fazer um acordo com os Talibãs.

Olhando para o estado actual da geopolítica, é difícil ser optimista quanto às perspectivas de paz na região. Os Talibãs prometeram cuidar dos interesses de segurança de Washington no país, impedindo qualquer outra força estatal ou não estatal de usar o solo afegão para ameaçar os interesses dos EUA.

A questão é: como se comportará um regime dominado pelos Talibãs na Organização de Cooperação de Xangai e como reagirá às propostas da China e da Rússia para investimentos em infraestruturas. Os EUA permitirão que se aproximem da China e do Irão? Por quanto tempo os Talibãs continuarão a servir aos interesses americanos na região?

E, mais importante, por quanto tempo o CMI dos EUA continuará sem uma guerra? O desenvolvimento de novas armas exigirá novos campos de tiro real como o Afeganistão e a estratégia americana continuará a identificar novos locais para novas guerras.
17/Maio/2020

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2020/0517_pd/formal-informal-us-empire-afghanistan

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Phoenix 2.0 - A CIA desencadeia a campanha do Terror da Era do Vietnã sobre o Afeganistão

24 de outubro de 2017


Na semana passada, o novo chefe da CIA Mike Pompeo ameaçou publicamente tornar a CIA uma "agência muito mais viciosa". Seu primeiro passo para isso é libertar as bandas assassinas patrocinadas pela CIA para o povo do Afeganistão:
A CIA está expandindo suas operações secretas no Afeganistão, enviando pequenos times de oficiais e empreiteiros altamente experientes ao lado das forças afegãs para caçar e matar militantes do Talibã em todo o país... 
... 
O papel ampliado da CIA aumentará as missões realizadas por unidades militares, O que significa que mais o papel de combate dos Estados Unidos no Afeganistão estará escondido da opinião pública .
Esta será uma campanha de assassinato em massa. As pessoas serão puxadas de suas casas à noite e desaparecerão - "eliminadas". Isso tem acontecido no Afeganistão por anos, mas em uma escala relativamente pequena. Até agora, os alvos eram "al-Qaeda", um pequeno grupo terrorista, e não a insurgência local. A nova campanha direcionará os talibãs, uma insurgência em massa contra a ocupação dos EUA. Assim, será uma campanha em massa e causa baixas em massa.
Não vai ser uma campanha de contra-insurgência, mesmo que alguns afirmem que é. Uma campanha de contra-insurgência combina componentes políticos, de segurança, econômicos e informativos. Só pode ser bem sucedido em apoio de uma autoridade legítima.
O atual governo afegão tem pouca legitimidade. Foi embutido e subornado pela embaixada dos EUA depois que uma fraude eleitoral ampla e aberta ameaçou se transformar em caos total. Em agosto, o diretor da CIA, Pompeo, conheceu o presidente afegão Ashraf Ghani e provavelmente discutiu o novo plano. Mas a campanha agora anunciada não tem um componente político nem econômico. Apenas centrado em "segurança", acabará por ser uma expedição aleatória de tortura e matança sem o contexto necessário e sem resultados positivos para a ocupação.
A campanha será uma benção para o Taliban. Embora provavelmente matará os insurgentes alinhados pelo Talibã aqui e ali, também alienará muitos outros afegãos. Cerca de 75% dos combatentes do Talibã são locais que lutam perto de suas casas. Matá-los cria novos recrutas locais para a insurgência. Também dará ao Talibã uma população mais simpática que pode usar para cobrir suas futuras operações.
Uma campanha similar durante a guerra do Vietnã era conhecida como Operação Phoenix . Então, cerca de 50.000 a 100.000 vietnamitas do sul, todos suspeitos de comunistas, foram mortos pelas gangues itinerantes da CIA. A versão polida da Wikipedia:
[Phoenix] foi projetado para identificar e "neutralizar" (via infiltração, captura, contra-terrorismo, interrogatório e assassinato) a infra-estrutura da Frente de Libertação Nacional do Vietnã do Sul (NLF ou Viet Cong). A CIA descreveu isso como "um conjunto de programas que procuraram atacar e destruir a infra-estrutura política do Viet Cong". Os dois principais componentes do programa foram as Unidades Provinciais de Reconhecimento (PRUs) e os centros regionais de interrogatório. Os PRUs matariam ou capturariam membros suspeitos de NLF, bem como civis que se pensava terem informações sobre as atividades do NLF. Muitas dessas pessoas foram então levadas para centros de interrogatório onde muitos foram supostamente torturados na tentativa de obter informações sobre atividades de VC na área. A informação extraída nos centros foi então dada aos comandantes militares,
O programa de Phoenix foi incorporado a um programa de desenvolvimento político e econômico civil conhecido como Operações Civis e Apoio ao Desenvolvimento Revolucionário . A parte civil do CORDS falhou parcialmente sobre suborno e incompetência. Era muito caro e não sustentável. O julgamento histórico aceito é que a parte de "segurança", Phoenix , não alcançou seu objetivo, apesar da ampla conceptualização. Sua brutalidade total alienou o povo. O apoio passivo para o Viet Cong aumentou devido à campanha.
Nos últimos anos, os esforços revisionistas da RAND Corporation do Pentágono mudaram essa visão. Eles afirmam que a campanha foi bem e foi bem sucedida. Mas aqueles que participaram de Phoenix (Vídeo: Parte 1 , parte 2 ) pintaram uma imagem muito diferente. A brutalidade de Phoenix, que enfureceu o público, foi uma das razões que obrigaram o governo dos EUA a acabar com a guerra.
campanha agora anunciada parece semelhante à de Phoenix, mas não possui qualquer componente político. Não foi concebido para pacificar insurgentes, mas para "eliminar" qualquer resistência:
O novo esforço será liderado por pequenas unidades conhecidas como equipes de busca antiterrorismo. Eles são geridos por oficiais paramilitares da CIA da Divisão de Atividades Especiais da agência e operários da Direcção Nacional de Segurança, braço de inteligência do Afeganistão , e incluem tropas americanas de elite do Comando de Operações Especial Conjunto. A maioria das forças, no entanto, são membros da milícia afegã .

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