Episódios da história trágico ridícula da política de direita (2)
Episódios da história trágico ridícula da política de direita (2)
por Daniel Vaz de Carvalho
Cartoon de Latuff.4 – O imperialismo
A tragédia imperialista representa sofrimentos indizíveis aoa povos, uma tragédia associada ao ridículo das crescentes contradições e impotência para alcançar os objetivos pretendidos.
As revoluções coloridas e "levar a democracia ao Médio Oriente" com que os comentadores se deliciavam em prolixas lucubrações, apenas provocou o caos, falhando nos objetivos tanto apregoados como não confessados: a submissão dos povos ao seu domínio e permitir que as transnacionais explorem "livremente" mão de obra e recursos materiais.
Desde 2001, segundo o information clearing house os EUA gastaram mais de 5,3 milhões de milhões de dólares nas suas guerras. É ridículo dizer-se a maior força militar do mundo, mas ser incapaz de impor a sua ordem em países tão pobres como o Afeganistão ou o Iraque, a Síria, a Líbia (que assim se tornou, graças à "intervenção humanitária" da NATO) não falando do Vietname, Coreia do Norte, em África, mesmo na Sérvia, etc.
Com a ativa colaboração da social-democracia, onde o imperialismo se impõe vemos países falidos, disfuncionais, submetidos a ditaduras. Na Ucrânia títeres neonazis ocupam o poder, no Kosovo, Albânia entre outros, o crime organizado proliferara. Um elemento da política externa dos EUA, com considerável orgulho, afirmou que o seu pais investiu 5 mil milhões de dólares para influenciar a opinião pública ucraniana e a política externa do país. Assim se promovem as "revoluções coloridas". O pior vem depois.
Sem temer o ridículo, falhados os golpes contra Cuba ou a Venezuela, estes países são acusados de "favorecer o terrorismo" ou tornarem-se uma ameaça "para a segurança nacional e a política externa dos EUA", como Obama declarou em março de 2015, relativamente à Venezuela. A generalidade dos media seguem obedientemente esta agenda.
A forma de existência dos impérios é, historicamente comprovado, a guerra. Não podem fugir a isto, os EUA são mais um exemplo. Durante os 244 anos da sua existência como nação independente, estiveram em guerra 227. Nos últimos 20 anos os EUA deitaram em média 46 bombas por dia . Incluindo, claro, os oito anos de presidência do prémio Nobel da Paz (?!), Obama. Sob as bombas estão sobretudo civis.
Desde 2001, apenas no Afeganistão, Paquistão e Iraque (desde 2003) em guerras "contra o terrorismo", os conflitos provocaram entre 480 e 507 mil vítimas , números que não incluem pessoas que faleceram como resultado da guerra, por falta de acesso a alimentos, água, cuidados de saúde e eletricidade. Além disso, causaram a morte de 299 jornalistas e mais de 109 mil policiais e militares dos regimes pró-americanos.
Uma média de nove crianças foram mortas ou mutiladas todos os dias no Afeganistão em 2019, de acordo com um relatório da Unicef. No Iémen 12,4 milhões de crianças necessitam de assistência humanitária; 80% da população necessita de apoio humanitário para a sua sobrevivência. Nada disto tem que ver com democracia ou direitos humanos.
Tecnologicamente os EUA estão ultrapassados tanto na esfera militar pela Rússia, como civil pela China, que por seu lado desenvolve rapidamente o seu poder militar. Apesar dos esforços na corrida armamentista, os EUA perderam a superioridade face à Rússia, com seus misseis hipersónicos, o missil subaquático nuclear Poseidon , aviões e submarinos, capacidades na guerra eletrónica, misseis de interceção tipo S, etc. Nos EUA, o avião furtivo F-35 no qual foram investidos milhares de milhões de dólares mostrou-se um fracasso.
A condução taticamente errática da política externa dos EUA, mostra as suas fraquezas tanto internas como externas. Os EUA estão extremamente endividados, a dívida federal atinge 28,1 milhões de milhões de dólares, 130% do PIB. Considerando a divida dos Estados e das entidades locais o défice vai para os 145,5% do PIB. A sua Balança Comercial tem um défice de 917 mil milhões de dólares, as infraestruturas estão degradadas, mais de 40 milhões de pessoas sobrevivem graças a ajuda alimentar das food stamps.
A diplomacia dos EUA tornou-se simplesmente grotesca, de tão desconforme, Biden vê a política internacional como um filme de cow-boys. Mais um sintoma de fraqueza. Com ameaças, sanções, provocações, parecem tresloucados que querem uma guerra a todo o custo. Porém, em termos convencionais perderiam; numa guerra nuclear seriam também destruídos – a Europa em primeiro lugar.
Putin afirmou que: "estamos preparados para tudo", tendo também sido declarado que a Rússia reagiria nuclearmente mesmo contra um ataque convencional desde que atingisse instalações estratégicas do país. Quanto à China, replicou ao representante dos EUA na reunião do Alasca: "não subestimem a nossa determinação em defender a nossa soberania e os nossos interesses".
Há tempos um político alemão, mais ligado à NATO que ao seu país, dizia que era preciso ser duro a lidar com a Rússia. Do outro lado a resposta foi apenas irónica, recomendaram-lhe que perguntasse ao seu avô as consequências de lidar assim com a Rússia.
O caos imperialista aproxima-se perigosamente de uma guerra que se tornaria global e mesmo nuclear. Segundo o Strategic Command dos EUA, "uma guerra nuclear contra a China ou a Rússia é um cenário real" .
Perante a intenção de os EUA instalarem mísseis de médio e curto alcance em várias partes do mundo, a Rússia anunciou a correspondente retaliação. Estas ações agravam a espiral da corrida armamentista, repleta de consequências imprevisíveis. Embora nada disto contribua de forma alguma para aumentar a segurança dos EUA e muito menos dos seus aliados, tal não parece interessar os "comentadores".
Na recente reunião entre a China e a Rússia foi anunciado que as duas nações "construirão um modelo de confiança mútua estratégica, apoiando-se firmemente mutuamente na defesa de nossos interesses fundamentais, unindo forças contra "revoluções coloridas", lutando contra todos os tipos de informações falsas e mantendo nossa soberania e segurança política."
Por seu lado, a RPDC (Coreia do Norte) e o Irão mostram que as suas políticas de soberania nacional não serão diminuídas pelas sanções ou agressividade, resistindo às pressões dos EUA para reduzirem os seus programas de mísseis, declarando que não serão abandonados, dada a necessidade de defesa contra a agressão estrangeira.
5 – A UE
A UE, cada vez menos "união", enredada em contradições, mostra-se incapaz de promover o desenvolvimento económico e social, solidária em primeiro lugar com a finança, a oligarquia e o "atlantismo". Exibe a tragédia da pobreza, da estagnação, da instabilidade social e repressão, enfeudada ao imperialismo e conduzida por uma burocracia que exerce um efetivo totalitarismo sobre os povos.
Não deixa de ser ridículo os ditos apoios da UE, a tal "bazuca" que nunca mais dispara, apoios sujeitos a um verdadeiro labirinto de burocracia que em última análise serão absorvidos pela oligarquia e a finança, das quais o sistema tudo faz depender.
A UE torna-se ainda mais ridícula nas pretensões a querer impor a "democracia liberal" a todo o mundo ou exibirem-se como "Europa", quando fora da UE, mesmo sem a parte europeia da Turquia, 40% da população da Europa não pertence à UE. Retirando a Rússia desta conta, 30% não está na UE.
Os EUA consideram-se intitulados para impor os seus critérios políticos e ideológicos a todos os países. Por outras palavras os interesses do seu grande capital. Consideram que a sua legislação tem valor extraterritorial – como se o mundo lhe pertencesse de direito. A UE não escapa ao dever de obediência: devido a sanções as multas que extorquiu de empresas europeias entre 2007 e 2018 totalizaram 5,34 milhões de milhões de dólares.
As contradições da UE agudizam-se com países como a Polónia, Estados Bálticos e outras ex-republicas socialistas, cujos dirigentes estão mais interessados na obediência a Washington (que os lá colocou e apoia no poder) do que a Bruxelas. Claro que isto afronta os interesses em primeiro lugar da Alemanha e da França.
Não é por acaso que a extrema-direita se mostra reticente para com Bruxelas, sem que isto represente qualquer assomo de soberania, pelo contrário defendem um "comprometimento absoluto com a NATO".
A pressão dos EUA para o aumento das despesas militares na UE, seja diretamente seja através da NATO, mostra também as fragilidades do poder imperialista. Pressões que se agudizam agora com as exigências de ter de escolher: ou ficar do lado dos EUA ou da Rússia e da China.
A posição dos EUA relativamente aos seus aliados, foi bem evidenciada pelo seu embaixador na Índia, Kenneth Juster: "as sanções não têm o objetivo de prejudicar amigos e aliados" mas a Índia terá que fazer uma escolha sobre os S-400 , "a Índia quer manter suas opções em aberto, mas no final as escolhas têm de ser feitas".
Comentadores de política internacional, apressaram-se a repetir o mote: ou és por nós ou contra nós. Em resumo: a "Europa" não tem direito a ter uma política de soberania sequer para defender os seus interesses comerciais, como os acordos de comércio com a China ou a ligação ao gás natural da Rússia pelo Nord Stream 2, a serem postos em causa. Note-se que face à estagnação geral o FMI prevê que economia da China cresça 8,1% em 2021 .
Em Moscovo, o comissário Borrell fez entradas de leão, trazendo na agenda uma reprimenda à Rússia por não obedecer às "regras europeias", mas teve saídas de sendeiro. Lavrov mesmo na sua cara disse publicamente que a UE não era um parceiro confiável . Entretanto a Rússia cortou relações com a UE, mantendo apenas relações Estado a Estado.
Os países europeus precisam de paz nas suas fronteiras como o ar que respiram, desenvolvendo um comércio em termos mutuamente vantajosos com todos os povos, mas cumpre sem discutir as sanções aplicadas pelo imperialismo, alinhando da mesma forma nas guerras e conspirações que este engendra.
6 – A liberdade de escolha
Será que existe na UE uma democrática liberdade de escolha para questões tão essenciais como as políticas económicas, sociais ou mesmo o bem supremo da paz? Não, tudo isto é controlado pelas burocracias da UE e pela NATO.
A "Europa" tem de facto de escolher, embora a escolha seja diferente da apresentada pela NATO e pelos seus porta-vozes nos media. A única escolha possível é entre a paz e a guerra, entre a construção e a destruição, entre os interesses das transnacionais e entre os interesses dos povos.
A guerra é sem dúvida uma tragédia que com toda a evidência ameaça os povos, escamoteada por comentadores que se mostram incapazes de apresentar uma avaliação dos riscos – de toda a ordem – envolvidos em hostilizar a Rússia.
O imperialismo adotou como política central que nenhum país possa desenvolver em paz uma política progressista. A UE participa ativamente neste desiderato. Mas a estratégia imperialista pouco mais consegue que arregimentar corruptos, neofascistas, estabelecer o caos e crises.
Tal é evidente na lista de ditadores apoiados pelos EUA em que encontramos criminosos e cleptocratas como Trujillo, Somoza (Nicarágua), Pinochet, Videla, Ríos Montt (Guatemala), Hernández Martínez (Salvador), Tiburcio Carias (Honduras), Duvalier (Haití), Stroessner (Paraguai), Marcos (Filipinas), Suharto, Mobuto. Este último, após a morte de um heroico líder progressista, Patrice Lumumba, assassinado, fez em 17 de janeiro 60 anos às ordens do poder belga e americano .
Nada disto choca a UE, tal como não se choca com a violência contra os palestinianos ou os crimes cometidos na Colômbia: mais de 1 200 líderes de movimentos sociais, em especial sindicalistas e ex-combatentes das FARC (que voltaram de novo a pegar em armas) foram assassinados por paramilitares desde 2016, apesar de um tratado de paz e conciliação. Eis o que vale a palavra de fascistas. A UE prefere apoiar Guaidós e Navalnys e veicular fake news sobre a China , a Rússia, Venezuela, etc.
A direita e a extrema-direita, unidas na defesa do neoliberalismo e do imperialismo, procuram ofuscar as relações sociais que integram os seres humanos, exacerbando o individualismo como "liberdade" para suprimir a democracia, isolando os cidadãos, que como trabalhadores se tornam meras mercadorias, criando um fosso entre o pessoal e o coletivo, para que em lugar do sindicalismo de classe prolifere o lumpen proletariado.
O "populismo" difundido pela direita e extrema-direita tem este objetivo, ataca o "sistema corrupto", mas leva-o às últimas consequências com a privatização da sociedade, ataca a "constituição marxista", álibi para retirar tudo o que favoreça os trabalhadores.
Ser "popular" é o contrário de ser populista. Ser popular é ser inteligível para a grande maioria das pessoas, retomar as suas formas de expressão e enriquecê-las, tornar-lhes a realidade compreensível. É desvendar o complexo causal da sociedade, desmascarar as teses dominantes, mostrando que são as teses das castas no poder. (Brecht) [1]
Claro que o mundo há de mudar, o império está em declínio e cheio de contradições insolúveis no seu sistema, vive da mentira e da repressão. Por isso, há que resistir e esclarecer, não esquecendo que há tática e estratégia, não as misturar, não esquecer o lugar de cada uma em cada momento. Lutar por um mundo de colaboração, de pacífica cooperação, só possível em socialismo, revisitando, em primeiro lugar, Marx.
A primeira parte encontra-se em resistir.info/v_carvalho/historia_tragico_ridicula_1.html
[1] "Bertolt Brecht, sa vie, son art, son temps", Frederic Ewen, Ed. Seuil, 1973, p. 412
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
0 comentários:
Postar um comentário