quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

– As negociações secretas e as esperanças goradas de Varoufakis com a China, Obama e o FMI

O testemunho de Yanis Varoufakis esmaga a ele próprio

– As negociações secretas e as esperanças goradas de Varoufakis com a China, Obama e o FMI

por Eric Toussaint [*]
No capítulo 11 do seu livro, Yanis Varoufakis explica que interveio para levar a bom porto a venda do terceiro terminal do Porto do Pireu à sociedade chinesa Cosco que, desde 2008, geria os terminais 1 e 2. Como Varoufakis reconhece, o Syriza tinha prometido, antes das eleições, não permitir a privatização do resto do porto do Pireu. Varoufakis acrescenta: " O Syriza fazia campanha desde 2008 não apenas para impedir este novo acordo, mas para correr completamente com a Cosco ". E acrescenta: " Eu tinha dois colegas ministros que deviam a sua eleição a esta promessa ". Varoufakis, apesar de tudo, apressa-se a tentar finalizar a venda à Cosco. Empenha-se nisso com a ajuda de um dos principais conselheiros de Alexis Tsipras, Spyros Sagias, que até ao ano precedente tinha sido o conselheiro jurídico da Cosco. Havia, pois, um manifesto conflito de interesses no caso de Sagias, o que Varoufakis reconhece (p. 313). Fora, aliás, a empresa de Sagias que redigira a primeira convenção com a Cosco em 2008. Sagias também tinha aconselhado, nos anos 90, o primeiro-ministro PASOK Konstantinos Simitis que havia organizado a primeira grande vaga de privatizações. Em 2016, depois de ter deixado as suas funções de secretário do governo Tsipras, Sagias voltou ainda mais ativo ao seu gabinete de negócios , nomeadamente ao serviço da Cosco [1] . Varoufakis não se abstém de explicar que, no início de março de 2015, reviu o processo do concurso para corresponder ao que a Cosco queria: " Sagias e eu fizemos o ponto da situação com Alexis (Tsipras) antes de nos dedicarmos aos preparativos (da finalização do acordo com a Cosco sobre o Pireu). O objetivo era reformular o processo do concurso para o Pireu de acordo com as condições que os chineses tinham aceitado " (p. 316).

Varoufakis resume assim a proposta que fez a Pequim, por intermédio do embaixador chinês em Atenas: " A Grécia possui uma mão-de-obra muito qualificada, cujos salários diminuíram 40%. Porque não pedir a empresas como a Foxconn para construir ou reunir instalações num pólo técnico, beneficiando de um regime de impostos específicos, não muito longe do Pireu?" (p. 312). Nesta proposta, encontramos a pequena panóplia dos argumentos dos governos neoliberais que querem atrair os investidores: uma mão-de-obra qualificada, cujos salários diminuíram e presentes fiscais aos patrões.

Varoufakis explica que propôs às entidades chinesas resgatar os caminhos-de-ferro gregos, para a China ter um acesso mais fácil ao resto do mercado europeu por via férrea, ficando assim com um elo suplementar na Nova Rota da Seda. Este último projeto não se concretizou [2] ].

Varoufakis esperou em vão que Pequim comprasse em março de 2015 títulos do Tesouro gregos (treasury bills) num montante de vários milhares de milhões de euros (estava a contar com um total de 10 mil milhões, p. 315), que o governo iria utilizar para reembolsar o FMI. Para grande desespero de Varoufakis, os dirigentes chineses não cumpriram a promessa e contentaram-se com duas compras de 100 milhões de euros.

As propostas que Varoufakis fez às entidades chinesas são inadmissíveis: emprestar à China para reembolsar o FMI; abandonar o controlo da Grécia sobre os caminhos-de-ferro; proceder a outras privatizações! 

O seu projeto fracassou porque as autoridades chinesas e alemãs entraram em acordo para que a China não oferecesse um balão de oxigénio ao governo de Tsipras. Varoufakis escreve: " Berlim tinha ligado para Pequim com uma mensagem clara: evitem comercializar com os gregos antes de nós termos acabado com eles " (p. 317).
As empresas chinesas, alemãs, italianas ou francesas fazendo aquisições a preços de saldos.
Por fim, a concretização do acordo com a Cosco não se fez enquanto Varoufakis foi ministro. Teve lugar no início de 2016 e em condições que, segundo ele, eram mais favoráveis à empresa chinesa do que o pré-acordo que ele tinha tentado realizar (cap. 11, nota 8, p. 516). Isso demonstra que as autoridades chinesas se entenderam com as autoridades de Berlim; deixaram asfixiar a Grécia e, depois, aproveitaram-se disso para repartir o bolo com os outros predadores dos bens públicos gregos. As empresas chinesas, alemãs, italianas ou francesas fizeram aquisições a preços de saldos. Mas se as autoridades chinesas tivessem concretizado em 2015 as esperanças de Varoufakis, isso também não teria beneficiado a Grécia e a sua população.

Do seu lado, as autoridades russas, que foram contactadas por Tsipras e Panagiotis Lafazanis, pouco depois dos contactos de Varoufakis com Pequim, também se recusaram a ajudar o governo grego [3] . Vladimir Putin negociou com Angela Merkel para ela suavizar as sanções da União Europeia contra a Rússia ligadas ao conflito com a Ucrânia, em troca da recusa de Moscovo em ajudar o governo de Syriza.

Quanto às esperanças de Varoufakis e de Tsipras em obter ajuda de Barack Obama, foi mais uma desilusão. Segundo Varoufakis, a administração de Barack Obama fez saber que a Grécia fazia parte da esfera de influência de Berlim e o próprio Obama recomendou a Varoufakis que fizesse concessões à Troika [4] .

A ação da diplomacia secreta e duma comunicação enganadora de que Tsipras e Varoufakis foram cúmplices. 

Varoufakis esclarece a reunião do Eurogrupo que se seguiu à capitulação de 20 de fevereiro apresentada à opinião pública grega falsamente como um êxito: o fim da troika e o fim da prisão da dívida para a Grécia. Aquando do Eurogrupo que teve lugar a 9 de março em Bruxelas, Varoufakis não conseguiu obter nenhum gesto, nenhuma concessão dos dirigentes europeus, do Banco Central Europeu e do FMI. Apesar disso, Varoufakis e Tsipras continuaram a dizer que a reunião fora um êxito. Varoufakis relata que Tsipras lhe teria declarado: " Vamos apresentá-la como um êxito: na sequência do acordo de 20 de fevereiro, as negociações políticas vão começar em breve para sairmos do impasse " (p. 330).

O que é chocante é o tempo passado por Varoufakis e Tsipras nas intermináveis reuniões no estrangeiro para negociações no decorrer das quais fazem concessões, enquanto que a Troika prossegue metodicamente a sua obra de demolição das esperanças do povo grego. Não ocorre a Tsipras e a Varoufakis arranjar tempo para ir ao encontro do povo grego, falar em reuniões convocadas para o povo grego. Não se deslocam pelo país para ir ao encontro dos eleitores, para os escutar e lhes explicar o que se passava no decorrer das negociações, apresentar medidas que o governo pretendia tomar para lutar contra a crise humanitária e relançar a economia do país.

Varoufakis e Tsipras não procuraram dotar-se dos meios de comunicar com a opinião pública internacional e mobilizar a solidariedade internacional com o povo grego. Nunca se aproveitaram da sua passagem por Bruxelas ou por outras capitais para falar diretamente com os numerosos ativistas que queriam compreender o que se passava realmente e que queriam exprimir a sua solidariedade com o povo grego.

Varoufakis e Tsipras têm uma enorme responsabilidade na evolução insuficiente duma solidariedade maciça e ativa . Para uma mobilização de muitos cidadãos a favor da Grécia, era preciso falar com eles, informá-los para contrariar a enorme campanha de difamação e de estigmatização da população grega, não apenas do seu governo.

Varoufakis e o FMI 
Teria sido preciso anunciar a suspensão do pagamento da dívida.
A 12 de fevereiro de 2015, a Grécia reembolsou 747,7 milhões de euros para um dos créditos concedidos pelo FMI no quadro do primeiro memorando. Foi um erro grave. Devia ter sido anunciada a suspensão do pagamento dessa dívida, evocando dois argumentos: 1. O estado de necessidade [5] no qual se encontrava o governo grego e a urgência de dar a primazia à luta contra a crise humanitária. 2. O arranque de um processo de auditoria da dívida com a participação de cidadãos, durante a qual era conveniente suspender o pagamento [6] . Era possível explicar esta auditoria pela aplicação do regulamento 472 da União Europeia. Este artigo enuncia: " Um Estado membro que tenha por objeto um programa de ajustamento macroeconómico realiza uma auditoria completa das suas finanças públicas a fim de, nomeadamente, avaliar as razões que levaram à acumulação de níveis de endividamento excessivos, assim como detetar qualquer eventual irregularidade ". [7] Nem Varoufakis nem Tsipras encararam seriamente a suspensão de pagamento combinada com uma auditoria a fim de se determinar se a dívida reclamada era legítima ou não, era odiosa ou não.

Teria sido possível começar uma campanha de comunicação por parte do governo para tornar ilegítimos os créditos do FMI concedidos à Grécia a partir de 2010. Tsipras e Varoufakis tinham os documentos secretos do FMI que atestavam o carácter altamente ilegítimo e odioso dos créditos em questão. O problema é que Varoufakis estava convencido que não fazia sentido falar da ilegitimidade e do carácter odioso das dívidas reclamadas à Grécia.

Wall Street Journal tinha colocado na praça pública os documentos secretos do FMI, em outubro de 2012, conforme já mencionei num artigo . Uns dias depois da publicação, encontrei Tsipras para falar duma possível colaboração do CADTM na realização da auditoria da dívida. Disse a Tsipras e ao seu conselheiro económico da época, John Milios: " Vocês têm um argumento de peso para ir contra o FMI, porque se têm a prova de que o FMI sabia que o programa dele não podia funcionar e sabia que a dívida não era sustentável, vocês têm o material que permite denunciar a ilegitimidade e a ilegalidade da dívida [8] . Tsipras respondeu-me: " Ouve… o FMI distancia-se da Comissão Europeia ". Percebi logo que ele achava que o FMI podia ser um aliado do Syriza, no caso de o Syriza chegar ao governo. Mas isso não tinha nenhum fundamento a sério.

Em fevereiro de 2015, Tsipras e Varoufakis ainda continuavam nessa. Pensavam que conseguiriam cortejar o FMI, nomeadamente graças ao apoio de Barack Obama e graças à influência dos conselheiros norte-americanos que Varoufakis havia escolhido, ou seja, Jeffrey Sachs e Larry Summers. Estavam redondamente enganados. Varoufakis testemunhou isso mesmo, pela primeira vez, de forma evidente, a 20 de fevereiro e nos dias seguintes, quando Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, declarou no seio do Eurogrupo que não havia nenhuma hipótese de fugir ao memorando em curso.

Apesar desta demonstração do comportamento hostil do FMI, Varoufakis e Tsipras continuaram os reembolsos ao FMI, durante todo o mês de março de 2015. Varoufakis explica que o seu Ministério entregou ao FMI 301,8 milhões de euros a 6 de março, 339,6 milhões a 13 de março, 565,9 milhões a 16 de março e 339,6 milhões a 20 de março. Ao todo, foram pagos mais de 1500 milhões de euros no decurso do mês de março de 2015, utilizando toda a liquidez disponível e quando as esperanças de Varoufakis de encontrar dinheiro do lado da China já se tinham evaporado, que o Banco Central Europeu tinha confirmado que não entregaria os juros devidos à Grécia nos títulos comprados entre 2010 e 2012, que não restabeleceria o acesso dos bancos gregos à liquidez normal. No entanto, o governo grego, para lutar contra a crise humanitária e relançar o emprego, tinha necessidade desse dinheiro que enchia os cofres do FMI. Varoufakis declara: " que o meu ministério tenha conseguido encontrar 1500 milhões para pagar ao FMI foi um milagre, sobretudo porque era preciso continuar a pagar as reformas e os funcionários públicos". (cap. 13, p. 348)

A decisão de suspender o pagamento da dívida ao FMI 

Varoufakis conta-nos uma reunião surrealista entre Tsipras e os seus ministros principais que ocorreu a 3 de abril de 2015. Explica que, antes da reunião, tentou convencer Tsipras a não fazer o pagamento seguinte ao FMI, previsto para 9 de abril de 2015 de um montante de 462,5 milhões de euros. O seu argumento: era preciso fazer pressão sobre os dirigentes europeus e sobre o Banco Central Europeu a fim de obter alguma coisa (por exemplo, a devolução à Grécia dos dois mil milhões de euros de benefícios do BCE sobre os títulos gregos de 2010-2010) porque nada tinha sido obtido da parte deles no decurso do mês de março. Varoufakis declara que teve a impressão de não ter conseguido convencer Tsipras. Relata as propostas e o comportamento de Tsipras no "conselho informal de ministros" (sic! p. 348) que se seguiu:

"Estávamos num caminho que não ia dar a nenhuma parte, disse ele, mas quanto mais ele falava, mais lúgubre se tornava a atmosfera. Quando ele acabou, havia uma sombra de resignação na sala. Vários ministros usaram da palavra, mas traíam uma profunda melancolia. Alexis retomou a palavra para concluir. Acabou como tinha começado – lento, sombrio, quase deprimido – lembrando que a situação era crítica e possivelmente perigosa, mas a pouco e pouco ganhou ritmo e ganhou energia.

- Antes de vocês chegarem, estava a discutir com Varoufakis. Ele tentava convencer-me que chegou o momento de não cumprir com o FMI. Os nossos interlocutores não mostram nenhuma vontade de chegar a um acordo honesto, economicamente viável e politicamente sustentável, era o que ele me dizia. Eu respondi-lhe que ainda não chegou o momento (…) Mas sabem uma coisa, camaradas? Penso que ele tem razão. O que é demais é demais. Nós respeitámos escrupulosamente as regras deles. Cumprimos com os seus procedimentos. Recuámos para lhes mostrar que estamos prontos a aceitar compromissos. E eles, o que fazem? Adiam para melhor nos acusarem de adiar. A Grécia é um país soberano e hoje eles vêm ter connosco, com o gabinete ministerial e declaram: "Basta!" Levantou-se da cadeira e com uma voz cada vez mais forte, apontou o dedo para mim e gritou: "Não vamos apenas deixar de cumprir, tu vais apanhar o avião, e vais a Washington anunciá-lo pessoalmente à grande dama do FMI!"

Gritos de alegria soaram na sala. Alguns trocavam olhares estupefactos, conscientes de viver um momento histórico. A tristeza e as sombras tinham desaparecido, alguém tinha corrido as cortinas para deixar entrar a luz. Como toda a gente, talvez até mais, eu deixei-me levar pela exaltação. Dir-se-ia uma revelação, uma eucaristia, por muito estranho que isso possa parecer a um grupo de ateus confessos". (cap. 13, pp. 349-350) 


Silêncio total de Varoufakis sobre a Comissão para a verdade da dívida 
Varoufakis ignora totalmente a existência da comissão a que tinha prometido ajuda
A sequência desta história tem tanto de farsa como de escândalo. Varoufakis parte no dia seguinte para Washington, via Munique, a fim de se encontrar de urgência com Christine Lagarde, diretora-geral do FMI. Enquanto Varoufakis conta em pormenor a reunião de 3 de abril e o seu encontro com a diretora do FMI em Washington, a 5 de abril, mantém um silêncio total sobre uma reunião em que participou a 4 de abril. Isso não é anódino, porque nesse mesmo dia realizou-se no Parlamento grego a sessão pública inaugural da Comissão para a verdade sobre a dívida pública grega, na presença de Alexis Tsipras, de Zoé Konstantopoulou, a presidente do parlamento, de Prokopis Pavlopoulos, presidente da República e de dez ministros, entre eles Yanis Vaoufakis, que usou da palavra . Eu era o coordenador científico desta comissão e, portanto, usei da palavra logo a seguir às intervenções do presidente da República e da presidente do Parlamento grego e antes das intervenções de três dos meus colegas da comissão assim como da de Varoufakis.

Na realidade, no seu livro volumoso, Varoufakis ignora totalmente a existência da comissão à qual tinha prometido a sua ajuda. Bem pode pretender, no seu blogue e em entrevistas posteriores à publicação do seu livro, que apoiou a Comissão – é totalmente falso.

O que é igualmente significativo aos meus olhos, é que a 3 de abril, dia em que ocorreu esta importante reunião em que foi decidido suspender o pagamento da dívida devida ao FMI, George Katrougalos, que era membro do governo, nem sequer estava ao corrente dela. Eu estava com ele no Ministério durante essa reunião. Na tarde de 3 de abril, também vi a presidente do Parlamento, durante muito tempo, a preparar os últimos pormenores da sessão inaugural da Comissão e ela também não tinha conhecimento da existência dessa reunião e da decisão da suspensão da dívida. Panagiotis Lafazanis, um dos seis "super" ministros (é a expressão que era utilizada por Tsipras), não tinha sido convidado para aquela reunião.

Isto mostra o tipo de funcionamento de Tsipras e do seu círculo: tomavam-se decisões essenciais num pequeno grupo, em segredo, sem consulta a uma grande parte dos membros do governo, sem consulta à presidente do Parlamento e sem consulta à direção do Syriza.

É preciso sublinhar também que os trabalhos da comissão para a verdade sobre a dívida tiveram um enorme eco na população grega, fui testemunha pessoal disso. Muitas vezes, as pessoas demonstraram-me a sua simpatia ou o seu agradecimento quando eu me deslocava a pé pela rua, nos transportes públicos ou ainda no mercado semanal do bairro popular de Atenas onde morei entre abril e julho de 2015. Isso indica que numerosas pessoas acompanhavam os trabalhos da comissão e reconheciam os seus membros principais que, por outro lado, eram objeto duma sistemática campanha de difamação por parte dos media de direita.

Da tragédia à farsa: só há um voo de avião 
Nunca assisti a uma coisa tão absurda.
Retomemos a narrativa de Varoufakis. À sua chegada a Washington, no domingo, 5 de abril, Tsipras comunica-lhe uma contra-ordem.

Eis o diálogo entre Tsipras e Varoufakis, tal como apresentado no livro deste último:

"- Escuta, Yanis, a gente decidiu não entrar em incumprimento de imediato, é demasiado cedo.
- Como assim "a gente"? respondi estupefacto. Quem foi a "gente" que decidiu não entrar em incumprimento?
-Eu, Sagias, Dragasakis… achámos que era uma decisão inadequada, mesmo antes da Páscoa.
- Obrigado por me prevenires, digo eu, fora de mim. Assumi o tom mais neutro e mais desinteressado possível e perguntei-lhe: O que é que eu faço agora? Apanho o avião e volto? Não vejo qual o interesse de ver a Lagarde.
- Não, nada disso, não anules o encontro. Apareces como combinado. Vais ver a grande dama e anuncias-lhe que vamos entrar em incumprimento.
Eu nunca tinha ouvido uma coisa tão absurda.
- O que é que queres dizer exatamente? Eu anuncio-lhe que vamos entrar em incumprimento enquanto me dizes que decidiram o contrário?
- Exatamente. Ameaça-a para ela ficar nervosa e chamar Draghi, para lhe pedir que ponha fim à contração da liquidez. Nesse momento, agradecemos-lhe e anunciamos que pagamos ao FMI". 


E Varoufakis aceita ir representar uma comédia grotesca na sede do FMI e declara a Christine Lagarde: " Estou autorizado a informá-la que, dentro de quatro dias estaremos em incumprimento do pagamento em relação ao nosso calendário de reembolso ao FMI, e isso enquanto os nossos credores arrastarem as negociações e o BCE limitar a nossa liquidez ".

Ora, a partida de Varoufakis para Washington tinha sido tornada pública. O que Varoufakis não diz no seu livro é que Dimitris Mardas, vice-ministro das Finanças, escolhida por Varoufakis [9] , tinha declarado à imprensa internacional que a Grécia pagaria o que devia ao FMI a 9 de abril de 2015. A agência de notícias oficial alemã, Deutsche Welle,escreve : " O vice-ministro das Finanças Dimitris Mardas garantiu este sábado que a Grécia dispunha de dinheiro suficiente. 'O pagamento devido ao FMI será efetuado a 9 de abril. Há o dinheiro necessário para o pagamento dos salários, das pensões e de todas as despesas que deverá ser feito na próxima semana', declarou Mardas ". 
09/Fevereiro/2019

Notas 
[1] Sagias voltou ao conselho comprometido com os grandes interesses estrangeiros para favorecer novas privatizações. Serviu os interesses do Emir do Qatar, em 2016, que desejava adquirir uma ilha grega, a ilha de Oxyas em Zakinthos, pertencente a uma zona Natura, Sagias também foi conselheiro da Cosco em 2016-2017 num litígio com os trabalhadores do porto do Pireu, quando se tratou de encontrar uma fórmula de partida antecipada (ou seja, despedimento disfarçado) para mais de uma centena de trabalhadores perto da idade da reforma. Fonte: www.cadtm.org/...
[2] A empresa privada italiana Ferovialia resgatou os caminhos-de-ferro públicos gregos OSE por 45 milhões de euros em junho de 2016, sob a tutela do ministro Stathakis, um dos ministros próximos de Tsipras ( tvxs.gr/... ) na perspetiva duma subvenção de funcionamento de 250 milhões de euros do Estado grego durante os cinco anos seguintes (50 milhões por ano). Ver também: net.xekinima.org/trainose-to-xroniko-mias-idiotikopoi/
[3] Ver p. 342 e nota 5, cap. 12, p.518.
[4] Ver as propostas de Obama, segundo Varoufakis, cap. 14, pp. 368-369.
[5] O estado de necessidade é reconhecido pelo direito internacional como uma situação que permite suspender o pagamento da dívida.
[6Lembremos que, no programa do Syriza para as eleições de junho 2012 podia-se ler, entre as cinco prioridades: "a constituição duma comissão internacional de auditoria da dívida combinada com a suspensão do pagamento da dívida até ao fim dos trabalhos desta comissão".
[7] "Regulamento (EU) N.º 472/2013 do Parlamento europeu e do Conselho do 21 de maio de 2013", art. 7
eur-lex.europa.eu/legal-content/FR/TXT/PDF/?uri=CELEX:32013R0472&from=FR
[8] Em 2017, o CADTM publicou e comentou estes documentos secretos que foram conhecidos graças às revelações do Wall Street Journal a partir de 2012:
www.cadtm.org/Documents-secrets-du-FMI-sur-la
[9] No que respeita a D. Mardas, é preciso saber que, a 17 de janeiro de 2015, oito dias antes da vitória do Syriza, Mardas publicou um artigo particularmente agressivo contra a deputada do Syriza, Rachel Makri, com o titulo "Rachel Makri vs Kim Jong Un e Amin Dada". O artigo terminava com a pergunta muito eloquente (sublinhada por ele próprio): " São estes que nos vão governar? " Dez dias mais tarde, este mesmo Mardas vinha a ser, graças a Varoufakis, ministro suplente das Finanças. Varoufakis explica no seu livro que, ao fim de um mês como ministro, tinha-se apercebido que tinha feito uma má escolha. Assinalemos que Mardas, que apoiou a capitulação em julho de 2015, foi eleito deputado pelo Syriza nas eleições de setembro de 2015. 


Os capítulos anteriores desta série encontram-se em:
1 - Les propositions de Varoufakis qui menaient à l’échec
2 - Le récit discutable de Varoufakis des origines de la crise grecque et ses étonnantes relations avec la classe politique
3 - Comment Tsipras, avec le concours de Varoufakis, a tourné le dos au programme de Syriza
4 - Varoufakis s’est entouré de tenants de l’ordre dominant comme conseillers
5 - Dès le début, Varoufakis-Tsipras mettent en pratique une orientation vouée à l’échec
6 - Varoufakis-Tsipras vers l’accord funeste avec l’Eurogroupe du 20 février 2015
7 - La première capitulation de Varoufakis-Tsipras fin février 2015

[*] Historiador e cientista político, doutorado pelas universidades de Paris VIII e Liège. É presidente da CADTM (Comissão para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo)

O original encontra-se em www.les-crises.fr/ .Tradução de Margarida Ferreira. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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