sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Ricardo André Vasconcelos - Entre estancar a sangria, o poste e o cachorro


  - ATUALIZADO EM 15/02/2017 19:47

Capitaneada pelo presidente da República, está em curso evidente uma operação para, nas palavras do notório presidente nacional do PMDB, Romero Jucá, “estancar a sangria da Lava Jato”, com a concordância tácita ou explícita da maioria dos parlamentares e dos partidos políticos. Enfrentar esse momento em que mandaram às favas os últimos escrúpulos e mantendo a condução das investigações e processos dentro dos limites do estado democrático de direito talvez seja o grande desafio do país para atravessar essa quadra da vida nacional. Tudo acontecendo ao mesmo momento em que o Estado se desmantela, não como consequência só da corrupção, mas de um projeto de país conduzido sem o batismo das urnas.
Em vias de perder o sigilo, as deleções dos 77 executivos e ex-funcionários da Odebrecht devem levar de roldão cerca de 200 políticos, entre os quais mais da metade com mandato, incluindo o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) que, além de citado já é investigado em outro inquérito penal sobre suas relações com outra empreiteira, a OAS.
Na iminência da tsunami, Temer, ele mesmo encalacrado nas delações, decidiu arriscar: blindou seus ministros, além de exercer pressão sobre seus “amigos” no próprio Supremo Tribunal Federal, onde serão julgados todos os que têm prerrogativa de foro por função, o chamado “foro privilegiado”. Agride os ouvidos a declaração do ministro Gilmar Mendes, com sua peculiar voz malemolente e entre-os-dentes, de que "temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos". Longe de defender a jurisprudência, a fala do ministro mais parece uma senha, um recado do amigo de 30 anos e com quem costuma degustar pizzas dominicais no Palácio do Jaburu.
Nenhum lance dessa operação “estanca sangria” foi mais ousado, no entanto, do que a indicação de um menino de recados para a vaga aberta com a morte do ministro Teori Zavascki no STF. O substituto vai assumir com a função de revisor dos processos da Lava Jato. No Plenário, o ex-DEM, ex-PMDB e ex-PSDB, Moraes deve ser juntar a uma ala, já perigosamente numerosa, que parece entender que as investigações já foram longe demais. Nomear ministros para a Corte Suprema é prerrogativa do Presidente da República “entre os cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de notório saber e moral ilibada” (artigo101 da CRFB). Temer não é o primeiro a nomear um auxiliar o STF. Lula indicou seu Advogado Geral da União, José Antônio Dias Tofolli; Fernando Henrique mandou os subordinados Nelson Jobim e Gilmar Mendes; o mesmo fez Sarney com Paulo Brossard; Itamar Franco com Maurício Corrêa e Fernando Collor com Francisco Rezek. O problema com Alexandre de Moraes, o nomeado de Temer, é o contexto em que se deu sua escolha e o ambiente em que será sabatinado e aprovado.
O que esperar de um ministro nomeado por alguém citado nas delações e que vai ser sabatinado por 13 citados ou investigados numa Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) presidida pelo senador Edison Lobão (PMDB-MA), também investigado? Pode não ser, porque nem todos os citados e investigados serão indiciados e condenados, mas a sensação e talvez o objetivo seja de que os eventuais réus estão escolhendo o juiz que vai julgá-los.
Em linguagem de bar, é o poste mijando no cachorro.
fonte: Folha da Manhã
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