sábado, 11 de fevereiro de 2017

James Petras / Criticar Trump sem deixar de criticar Obama


«Devemos criticar, atacar fortemente, sem excluir o legado de Obama, para evitar que as críticas a Trump sejam oportunistas por parte dos democratas, esquecendo o horrível registo que deixaram, antes de Trump chegar à presidência.
Uma vez que Obama saiu com a retórica demagógica de pseudo progressista, é positivo que agora haja mais protestos, mais mobilização, mais radicalização. O ter provocado um processo de mobilizações populares é um resultado positivo da eleição de Trump.»

Efraín Chury Iribarne: Vamos começar por falar das novas medidas tomadas por Trump…
James Petras: Em primeiro lugar assinaram-se de imediato muitos Decretos, supostamente para realizar o seu programa, a começar pelo Decreto que permite a construção dos oleodutos que atravessam territórios indígenas no Dakota do Norte.
Outros Decretos assinados são os que permitem continuar o muro contra o México, para tentar controlar os imigrantes e o comércio do México para os Estados Unidos. Finalmente, o mais importante e que provocou uma resposta mundial e milhares de manifestações nos Estados Unidos, são os Decretos que respeitam à imigração de muçulmanos de sete países, onde não constam a Arábia Saudita e Paquistão, curiosamente, os países que enviaram maior número de terroristas. É muito contraditório, porque os países que sofreram restrições são os que não têm mais de um ou dois supostos terroristas a actuar nos EUA.
Dito de outro modo, vimos mobilizações em mais de 50 cidades, nos aeroportos norte-americanos como o Kennedy de Nova Iorque, e nos de Los Angeles, Chicago, etc., contra o que também provocou uma divisão na NATO e com a União Europeia, todos a denunciarem Trump.
EChI: Entretanto nos EUA os republicanos deram o seu apoio quase unânime a Trump e ao seu gabinete. Os democratas estão contra, e os partidários do Partido Democrata manifestam-se nas ruas com muitas outras pessoas. Como vai isto terminar?
JP: É difícil responder, pois a decisão de não permitir a entrada de muçulmanos destes sete países vai ao Supremo Tribunal para ser, ou não, ratificada, por isso vamos esperar mais alguns dias. Entretanto, Trump não recuou, continua a apoiar as medidas, diz que são medidas de segurança, mas muitas pessoas questionam se são medidas de segurança porque exclui a Arábia Saudita, de onde saiu a maioria dos terroristas que destruíram as torres de Nova Iorque e os atentados de Washington.
EChI: Como se pode explicar a exclusão do Paquistão e da Arábia Saudita, que são os países que financiaram mais terroristas do ISIS que qualquer outro país do mundo?
Obviamente que a política está incluída. Que política?
JP: Creio que supostamente terá que ver com as campanhas que se lançaram contra os muçulmanos, que poderão servir de apoio aos islamofóbicos dos EUA.
Mas devemos reconhecer que há muitos sectores do Partido Republicano que se sentem incomodados com tanto protesto e que vão esperar pela deliberação do Supremo Tribunal, e que supostamente acatarão essa deliberação.
Ou seja, estamos numa situação bastante dramática, muito conflituosa, sem qualquer consenso na NATO e divisões dos capitalistas em todo o mundo.
Isto tem repercussões imediatas porque o Iraque juntamente com o Irão querem proibir a entrada de cidadãos norte-americanos. Dizem que vão tomar medidas de reciprocidade e, como os EUA estão a eliminar os emigrantes do Iraque e do Irão, eles vão fazer o mesmo com cidadãos norte-americanos.
Poderá ir-se mais além, mas ainda não temos notícia que outros países estejam tomando esta decisão.
Por último, salientar que em Inglaterra um milhão de cidadãos querem que o governo não convide Trump para qualquer visita, conferência ou presença país.
Há uma vaga de protestos e mobilizações contra Trump, ao mesmo tempo que ele continua a fazer o seu programa, com o apoio dos sectores mais reaccionários.
EChI: Lembras-te de algum outro presidente que tenha recebido tanto protesto no período inicial do mandato?
JP: No início do mandato não.
Vimos protestos massivos durante a guerra do Vietname, muitos protestos contra Johnson e Nixon e outros políticos. Mas isso não aconteceu no início dos mandatos, foi mais à frente e receberam protestos particularmente a nível internacional, principalmente contra a guerra na Indochina.
Vimos grandes manifestações de protesto pelos direitos civis dos afro-americanos, que foram os maiores protestos dessa época e encabeçados por Martin Luther King.
Mas nenhum deles no início de um governo.
Assim, é excepcional que comecem os protestos em grande escala de mulheres e agora nos aeroportos logo nas primeiras semanas do governo de Trump.
EChI: Israel continua com os colonatos ilegais.
JP: Sim, absolutamente.
Pelos discursos pró-Israel de Trump eles sentem-se com as mãos livres para avançar com os colonatos e a repressão dos palestinos.
Mas estão também a provocar uma forte oposição no mundo árabe e no mundo muçulmano, e o grau de apoio de Trump a Israel aumenta os conflitos. Inclusive ontem a Arábia Saudita – que é o melhor aliado dos EUA – condenou os novos colonatos de Israel. E já hoje, recebemos a notícia de que o parlamento israelense está a adiar a Lei que oficializa os novos colonatos. Assim, os colonatos continuam, mas a legalidade fica pendente – nem eliminados nem cancelados – mas continuam pendentes, à espera de uma coordenação com algumas declarações de Trump.
Por enquanto, os colonatos continuam a crescer e o gabinete de Benjamin Netanyahu diz que tem que eliminar todo o território palestino, anexar toda a Palestina. Alguns sectores judaicos não estão de acordo, não por respeito pelos direitos dos palestinos, mas porque acreditam que a inclusão de dois milhões de palestinos sob a jurisdição israelense poderá criar a imagem de um Estado de apartheid. Já é um Estado de apartheid, mas querem manter a ficção com um pequeno Estado como na África do Sul, durante o período das ditaduras brancas.
EChI: Bem Petras, temos ainda algum outro assunto?
JP: Sim, há ainda duas coisas que devemos abordar.
A primeira é que o foco principal dos EUA sob o governo de Trump tem a ver com o tratamento relativamente ao México. Washington procura atrair as multinacionais norte-americanas que foram dos EUA para o México. E já começaram a atrair a Ford, a General Motors e a Chrysler, para voltarem a instalar as suas empresas nos EUA.
E começam a aplicar medidas contra a Toyota e a Volkswagen, podendo criar um grande problema com as multinacionais europeias, o que pode levar a sérios conflitos entre Trump e as multinacionais europeias no México.
Para além disso, há uma grande rebeldia no México, o que poderá vir a ter consequências no actual governo de Peña Nieto, muito reaccionário, mas que já adiou a entrevista com Trump.
Assim, os efeitos destas políticas anti-imigrantes e de restrições sobre as empresas – porque Trump anunciou que vai aplicar um imposto sobre qualquer produto que venha do México – poderá vir a ter repercussões no comércio com o México, um mercado de mais de 500 mil milhões, um dos maiores do mundo. As relações com a América Latina, principalmente com o México mas, para além disso, há poucas declarações por uma razão muito curiosa: não houve nenhuma declaração de Trump sobre o Brasil, a Argentina, o Uruguai, etc.. É com expectativa que esperamos o que se vai passar por lá.
Outros países de África e da Ásia, também expectantes, começaram a pensar que talvez as coisas fossem melhorar porque Obama era um belicista, mas já começam a ter dúvidas.
Por fim, quero relevar que na oposição a Trump não se referem as medidas tomadas por Obama. Isto é, muitos opositores vêem o Partido Democrata com uma crítica a Trump muito selectiva. Por exemplo, no mandato e governo de Obama foram expulsos mais de dois milhões de latino-americanos; o que se passou é que, para melhorar a sua imagem, Obama limitou as expulsões, mas de qualquer modo, dois milhões é um record. Falam dos muçulmanos, mas durante a presidência de Obama foram mortos milhões de muçulmanos nas guerras no Iraque, Síria, Iémen, etc..
Assim, creio que devemos criticar, atacar fortemente, sem excluir o legado de Obama, para evitar que as críticas a Trump sejam oportunistas por parte dos democratas, esquecendo o horrível registo que deixaram, antes de Trump chegar à presidência.
É positivo, uma vez que Obama saiu com a retórica demagógica de pseudo progressista, que agora haja mais protestos, mais mobilização, mais radicalização. O ter provocado um processo de mobilizações populares é um positivo resultado da eleição de Trump.
Tradução de José Paulo Gascão
                
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