A economia milagreira
por Carlos Carvalhas
![]() Quando se queria justificar tal ou tal medida (privatizações, desregulação do mundo do trabalho, facilidades de despedimento, impostos sobre os lucros), à falta de argumentos apresentava-se o caso da Irlanda. Paulo Portas chegou a visitar este país com o objectivo de "estudar" o caso de sucesso. A crise de 2007 e anos seguintes pôs a nu a artificialidade do milagre da Irlanda e do seu sector financeiro que ruiu como um baralho de cartas. A Irlanda, com uma grande comunidade nos Estados Unidos, situada ao lado da Grã Bretanha e com uma política fiscal de contratualização do imposto com as holdings , foi uma privilegiada placa giratória para a instalação de grandes multinacionais como a Dell, Microsoft, Google, Facebook e Twiter.. que aí beneficiaram do dumping fiscal. As multinacionais pouco contribuem a nível de emprego e de produção. Deixam algumas receitas fiscais mas, sobretudo, alimentam o seu sistema financeiro e a especulação. O crescimento da Irlanda era e é em grande parte artificial e assente em pés de barro, com elevada financeirização da sua economia, como a crise veio a revelar. "Com tal crescimento os efeitos no bem-estar dos seus habitantes deviam ser visíveis, no entanto eles continuam a deixar o país." Hoje a situação é muito semelhante. A Irlanda é de novo apresentada como o caso de sucesso das políticas da troika, e das suas bem fundadas medidas de competitividade que faliram rotundamente nos outros países. O caso de "sucesso" da Irlanda durará até uma nova crise que, com grande probabilidade, não estará num horizonte muito longínquo. Num livro recentemente publicado, que recomendo a leitura, La Fin de L'Union Européenne , de Coralie Delaume e David Cayla, os autores chamam a atenção para o delírio das estatísticas irlandesas. Dizem-nos os autores: "O pequeno Eire, e os seus 4,6 milhões de almas, exporta quase tanto como a Espanha que conta dez vezes mais de habitantes". De facto, se estes dados relativos à exportação fossem reais a Irlanda devia estar repleta de fábricas! Mais, o excedente comercial da Irlanda é um dos maiores do mundo. Segundo o Eurostat, em 2015 a Irlanda exportou 195 milhares de milhões de euros, ou seja cerca de 76,5% do seu PIB. "Onde se encontra o porto na Irlanda de escala mundial por onde transitam os três quartos do PIB irlandês? O de Dublin não aparece nem na lista dos vinte maiores portos europeus nem nos cem a nível mundial. A fraude fiscal organizada é em escala industrial e cria na Irlanda uma realidade estatística completamente desconectada da realidade económica. (…) A Irlanda teria conhecido em 2015 um crescimento de 26,3%." Com tal crescimento os efeitos no bem-estar dos seus habitantes deviam ser visíveis, no entanto eles continuam a deixar o país. Na realidade, a produção industrial continua a cair ao contrário do que dizem as estatísticas e as contradições são evidentes a este nível. "(...) A produção manufactureira irlandesa é suposto ter multiplicado por 2,5 entre 2000 e 2015, no entanto o emprego industrial baixou 22%." Os autores concluem: "portanto não há nenhum milagre irlandês. O país desindustrializou ao mesmo ritmo que em França mas esta cruel realidade é mascarada pelas estratégias de optimização fiscal que fizeram aparecer uma produção industrial perfeitamente artificial".
13/Fevereiro/2017
O original encontra-se em www.abrilabril.pt/os-milagres?from=newsletter-abrilabril-hoje Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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