segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Roberto Requião / Para 2017, podemos esperar dias de ira

Para 2017, podemos esperar dias de ira

por Roberto Requião* — publicado 09/01/2017 15h07
O partido da crise será outra vez a parteira da nossa história. A fogueira arde e a PEC 55 é o principal agente dessa combustão
Delacroix
De nada têm servido os claros sinais de repúdio à globalização



Quando Marx fala nos dias que condensam séculos, certamente inspira-se em Dies Irae, o canto latino do século XII: Dias de Ira, aqueles dias, em que o século dissolver-se-á em cinzas.
É o que podemos esperar, é o que se anuncia para 2017. 
A crise, o partido da crise, mais uma vez será a parteira da nossa história. Não por meu desejo, vontade ou torcida. É a verdade dos fatos. A fogueira em que este governo e seu modelo de Estado mínimo, excludente e submisso ao capital financeiro global pode se dissolver, essa fogueira tem sido alimentada por ele mesmo. E a inacreditável PEC 55 é o principal agente dessa combustão, prova de que a estultícia humana não tem limites.
De nada servem os claros sinais de saturação, de repúdio à globalização neoliberal que o mundo dá: Donald Trump, Brexit, a ascensão da direita parafascista na França, Alemanha, Áustria e mais.
Nada disso parece comover as nossas lamentáveis elites políticas, a mídia comercial e monopolista, os economistas habitués da Globonews, e o tal do mercado. Insensíveis acolhem aqui um cadáver em decomposição que o mundo enxota.
Se as águas de março não levarem o governo de roldão, as fogueiras de junho vão dissolver e consumir o espectro do neoliberalismo que os nefelibatas insistem em manter assombrando os brasileiros.
O congelamento dos gastos públicos por 20 anos é uma dessas besteiras monumentais que há de provocar resultados também retumbantes.
De papel passado, registrado nesse cartório do Executivo chamado Congresso Nacional, o governo compromete-se com o mercado a arrochar investimentos, direitos e salários para garantir a sagrada renda da banca e dos especuladores. E espera que, servilmente, os brasileiros ofereçam-se em sacrifício.
É uma hipótese. Que não elimina conflagração, é claro. No caso, sob o uso sistemático e impiedoso da repressão (de que o governo deu mostras de ser capaz, em Brasília, na Praça dos Três Poderes, no dia 29 de novembro, na primeira votação da PEC 55), o brasileiro será compelido a submeter-se e cooperar. Vai gritar, mas será contido, acredita o Planalto e o seu especialista em conflitos de rua, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
Mas não há garantia de que assim haverá de ser.
Outra possibilidade é o governo ser atropelado e tenhamos, então, uma superação dessa dolorosa e infeliz etapa da vida nacional.
Mas também não há garantia de que vai ser desse jeito. 
Depois do segundo choque do petróleo, em 1981-1982, nos estertores da ditadura, o desemprego, em torno de 15%, o arrocho salarial, a disparada dos preços dos alimentos, dos combustíveis, do gás de cozinha, dos aluguéis e do transporte público, enfim, do custo da vida em geral, chegou a preocupar fortemente os militares.  Como reagiriam os brasileiros?
Um velho e sábio conservador mineiro, ex-maestro da banda de música udenista, acalmou-os. Segundo Afonso Arinos de Melo Franco, não havia no País dois fatores atuantes para uma revolta popular: a inexistência de um partido nos moldes do Partido Bolchevique, em 1917, e a ausência na frente desse partido de um Lenin.
Não proponho que se organize um partido revolucionário ou que desça sobre alguém o espírito de Vladimir Ilyich. Não é isso. Mas também não sou um espontaneísta, que confie na geração sem origem ou causa das coisas.
Quer dizer, se continuarmos encastelados em nossas certezas, em nossas teses, em nossos magníficos programas de governo, em nossos textos e discursos fulminantes, arrasadores ou no círculo viciante dos blogs e da internet, as erupções poderão acontecer, mas sem abalar o núcleo central do poder. 
Ao mesmo tempo, qualquer movimento de insatisfação, de inconformismo e revolta apenas poderá se desenvolver, encorpar-se e ter êxito se tivermos claro o caminho a seguir. Não adianta o vento, se o marinheiro não sabe o rumo.
Essa é a minha convocação. Um chamamento à conspiração, a um complô em favor do Brasil. Abertamente, claramente, à luz do dia, convoco os brasileiros a conspirar, a tramar, a conluiar para a derrubada de um projeto de poder, resumido na PEC 55, que subordina o Brasil à lógica da globalização neoliberal.
Se as elites, a mídia que a serve e das quais se serve, se o mercado, os rentistas, a banca, os agentes da globalização e da neocolonização imperial conjuram contra o Brasil e os brasileiros, predam as nossas riquezas e querem nos ver, na divisão mundial do trabalho, como simples plantadores de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar, se eles assim maquinam e assim traem despudoradamente o nosso País, é justo, digno, imperioso que insurjamos.
Vamos conspirar, brasileiros. Vamos urdir a derrubada do projeto neoliberal. Estudantes, generosa e combativa juventude brasileira, trabalhadores do campo, das fábricas, dos escritórios, dos bancos, empresários, professores, advogados, médicos, dentistas, engenheiros, contabilistas, economistas, jornalistas, padres e pastores. Que ninguém falte à conspiração.
Imediatamente iniciemos a trama. Cada casa, cada bairro, cada cidade, cada escola, cada fábrica, cada sindicato, cada clube, cada parlamento, cada prefeitura, cada quartel, cada delegacia de polícia, cada igreja precisa constituir-se em uma célula da conspiração.
Às armas, Brasil!
Às armas do protesto, da denúncia, da palavra, do convencimento, da fé, do patriotismo, da brasilidade. Às armas das reuniões, dos debates, da organização, da mobilização, das manifestações e da militância. 
Conspiremos e insurjamos, brasileiros.
Feliz 2017 rebelde e vitorioso, Brasil! 
CartaCapital


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