terça-feira, 6 de dezembro de 2016

"No Rio, há um quadro de bomba-relógio"

Entrevista

"No Rio, há um quadro de bomba-relógio"

por Carlos Drummond — publicado 06/12/2016 05h02
No centro das crises econômica e política, o Rio de Janeiro está no limite, alerta o economista Mauro Osorio
Tânia Rêgo / Agência Brasil
Rio
Servidores estaduais do Rio de Janeiro protestam contra o pacote de cortes do governo do estado em frente ao prédio da Alerj

N
a terça-feira 22, em Brasília, em reunião sobre a crise fiscal aguda nos estados, o governo federal deixou claro: pingará 5,3 bilhões de reais da repatriação de recursos em troca da intensificação do arrocho nas unidades federativas.
O risco é o agravamento do impacto na sociedade, mostram os protestos populares no Rio de Janeiro nas últimas semanas. Atingido pelas crises do petróleo, da Petrobras e dos estaleiros e com a máquina pública sucateada, o estado possui a periferia metropolitana em pior situação socioeconômica no País e tende a ser o estopim de uma eventual reação nacional à austeridade.
A possibilidade horroriza Brasília, empenhada na aprovação da PEC 55 no Senado. O economista Mauro Osorio, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente do think tank Instituto Pereira Passos, explica na entrevista a seguir por que o Rio se tornou uma bomba-relógio.
CartaCapital: Qual é a situação dos municípios da periferia da capital?
Mauro Osorio: A maioria das prefeituras está quebrada, há pouquíssimo emprego formal, a situação da educação e da saúde é a pior do País. Existe um quadro de bomba-relógio muito mais grave do que nos entornos de São Paulo e Belo Horizonte. Há uma carência inacreditável de infraestrutura e políticas sociais. Em Duque de Caxias, 40% das escolas públicas não têm água encanada.
Enquanto São Caetano e São Bernardo do Campo, da periferia de São Paulo, possuíam taxas de 4,48 e 6,20 homicídios por 100 mil habitantes, respectivamente, em 2013, várias cidades do entorno da cidade do Rio de Janeiro apresentavam proporções acima de 40 homicídios por 100 mil habitantes.
CC: Como está a arrecadação?
MO: A crise agudizou uma dificuldade crônica. A receita líquida corrente per capita é de 896 reais em São Gonçalo, 904 em São João de Meriti e 947 em Ribeirão das Neves. Muito longe da arrecadação de 7,6 mil reais em Barueri e 6,8 mil em São Caetano, na região metropolitana de São Paulo. Ou dos 3,4 mil de Betim, na periferia de Belo Horizonte.
CC: Há excesso de funcionários no estado?
MO: O Rio tem falta de funcionários, não excesso. O número de trabalhadores na ativa no serviço público estadual cresceu só 2,5%, entre 2006 e 2014. No período de 2010 a 2014, houve queda de 3,7%. Há escassez de concursos públicos desde o governo Chagas Freitas, na ditadura.
CC: O Ministério da Fazenda diz que o Rio de Janeiro foi a única unidade da Federação a elevar o gasto com pessoal entre 2014 e 2015.
MO: A causa principal foi o crescimento do gasto com inativos, por causa da não renovação dos quadros. O número de engenheiros caiu de 1,2 mil nos anos 1980 para cerca de 400 hoje. Não há nenhum assistente social no quadro de carreira ativo do estado, enquanto a prefeitura do Rio tem 1,2 mil.
A Fundação Ceperj, órgão de estatística e treinamento dos servidores públicos estaduais, tem só um estatístico e um cartógrafo. Houve também reajuste para o pessoal ativo, porque, em 2014, o governo fez planos de carreira com aumentos escalonados por vários anos.
Alerj
A tomada da Assembleia desnudou a gravidade do problema (Wladimir Platonow/Agência Brasil)
CC: Os gastos com pessoal são bem distribuídos?
MO: A despesa per capita com o Legislativo, em 2015, foi de 77 reais no estado do Rio, bem acima dos 29 reais em São Paulo e 56 reais em Minas Gerais. No Judiciário, a diferença se repete, com 239 reais no Rio, 188 em São Paulo e 169 em Minas Gerais.
CC: Quem perde?
MO: Os principais prejudicados são a saúde e a educação. Os gastos com o Legislativo subiram de 1,61% da folha, em 2014, para 3,14%, entre janeiro e agosto deste ano, segundo a Secretaria da Fazenda, e os do Judiciário subiram de 4,61% para 7,14%. As despesas com educação, entretanto, só cresceram de 8,25% para 9,23% e as da saúde tiveram pequena queda, de 6,74% para 6,53%, no mesmo período.
CC: O desbalanceamento tem quais efeitos?
MO: Os piores resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, em 2015, no conjunto das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, são os de Belford Roxo (4,1), São Gonçalo (4,3) e Queimados (4,4), todos na periferia carioca.
No entorno da cidade de São Paulo, São Caetano do Sul alcançou 7,2 e São Bernardo do Campo, 6,8. As desproporções são grandes também na saúde. O Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal mais baixo no setor, em 2013, foi 0,447, em Japeri, na região metropolitana do Rio. O mais alto, de 0,967, o de São Caetano do Sul, no entorno de São Paulo.
CC: A saúde perdeu mais do que a educação.
MO: Na educação, o gasto é muito concentrado em pessoal. Na saúde, nem tanto, pois é preciso comprar remédio, materiais cirúrgico e hospitalar, as unidades funcionam 24 horas por dia e gastam mais energia elétrica.
CC: Qual é a sua opinião sobre os arrestos determinados pela Justiça em ações de associações de funcionários com salários em atraso?
MO: Um absurdo, uma maluquice. Quando ocorrem, o governo não pode desembolsar nada. Como comprar remédio para hospitais, comida para os presos, insumo para a polícia?
CC: Como funciona a arrecadação?
MO: Há uma lógica injusta e cruel. O ICMS é cobrado tradicionalmente onde ocorreu a produção do bem ou do serviço. No caso da extração e refino do petróleo, a tributação é, no entanto, permitida só no destino onde serão consumidos.
Essa norma foi criada porque a produção estava muito concentrada no Rio, mas subtrai uma receita pública entre 8 bilhões e 10 bilhões de reais. Há outro problema. A extração é feita em alto-mar, gera menos atividade produtiva no entorno em comparação com a exploração em terra.
Aumenta, porém, o PIB do Rio, o que diminui a sua participação no Fundo de Participação dos Estados, distribuído conforme uma regra que procura reduzir as desigualdades. A situação fica ainda mais grave no contexto de queda do preço da commodity e paralisação política e econômica. Atinge em cheio a periferia metropolitana com estrutura produtiva rarefeita, baixa geração de tributos e alta dependência dos royalties.
Restaurante Bangu
O ajuste fechou o restaurante popular de Bangu e outros nove (Jorge Heli/Futura Press)
CC: Como está a arrecadação dos royalties?
MO: Acompanha a queda dos preços e da atividade econômica. Além disso, a Petrobras e as multinacionais do setor se recusam a fazer a atualização periódica dos valores e geram uma perda adicional entre 1 bilhão e 2 bilhões de reais para o estado.
Outro problema é a substituição das encomendas de embarcações e plataformas marítimas daquela estatal à indústria naval local por aquisições no exterior. Metade dos estaleiros do País fica no Rio e eles estão quebrando. Para nossa periferia metropolitana, uma situação dessas é absolutamente dramática.
CC: Houve problemas na concessão de subsídios?
MO: Há situações defensáveis, outras não, mas é preciso abrir os dados, pois as informações disponíveis são contraditórias. Não está entre as causas mais importantes dos problemas.
CC: Qual o papel do governo federal na solução da crise?
MO: O quadro descrito mostra claramente que a saída passa necessariamente pela esfera federal, pois o estado não a superará com seus próprios recursos. A queda da taxa Selic é parte da solução. Sem isso, as receitas públicas não voltarão a aumentar, pois o imposto é pró-cíclico, cresce ou cai com o movimento da economia. São mais de 500 bilhões de reais drenados para os credores da dívida pública por causa dos juros altos.
CC: Como está o ânimo dos funcionários?
MO: O nível de irritação está num grau absurdo. A possibilidade de greve da polícia no réveillon, no Carnaval ou durante o verão é imensa. A segurança pública piora a olhos vistos.
*Entrevista publicada originalmente na edição 929 de CartaCapital, com o título "Triste e pobre Guanabara
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