sábado, 1 de agosto de 2015

China e a sua primeira crise capitalista

010815 criseChina - La Jornada - [Alejandro Nadal, tradução do Diário Liberdade] As taxas de crescimento da economia na China foram objeto de admiração em todo mundo. Parecia que o capitalismo tinha chegado a China para mostrar todas suas virtudes e quando se assinalavam os defeitos, a maioria da gente preferia os ignorar.

 Hoje a economia chinesa caminha pelo caminho da crise, sua primeira crise capitalista de índole macroeconômica.
Dados oficiais na China revelam que a taxa de crescimento média para o período 1991-2014 foi de 10 por cento. Embora se saiba que as estatísticas do governo chinês são objeto de manipulações significativas, ainda as cifras corrigidas registram o que parece um desempenho espetacular. Mas, desde 2010, a economia chinesa sofreu uma desaceleração de 35 por cento e em 2014 registrou-se a taxa de crescimento mais baixa desde 1991.
Quando uma economia cresce a taxas de dois dígitos, não é estranho observar o surgimento de fortes distorções. Não me refiro aqui às distorções que os economistas neoclássicos querem ver no sistema de preços devido à intervenção do governo na vida econômica. Esses economistas querem ver uma maior liberalização do mercado porque argumentam que a economia socialista na China acarreta uma séria deformação de preços e incentivos. Desta maneira, os problemas da economia chinesa carregam-se à conta da intervenção do governo, não à instabilidade intrínseca das economias capitalistas. Esquecem que o Partido Comunista Chinês é hoje o administrador de uma das economias capitalistas mais selvagens da história.
Referimo-nos às distorções estruturais que hoje marcam a economia chinesa. Em especial, destacam as distorções sobre os setores imobiliário e financeiro.
O setor imobiliário foi chave no processo de acumulação capitalista e nas transformações estruturais na China. Um destas mudanças foi a transição urbana: desde 1949, quando se consolidou a vitória do Partido Comunista Chinês, surgiram mais de 600 novas cidades.
Em 2004, introduziu-se uma reforma constitucional sobre a propriedade privada residencial e acelerou-se o investimento no setor imobiliário. As expetativas sobre a evolução do mercado impulsionaram a demanda e o acréscimo de preços de casas e departamentos até o ano passado. Mas entre janeiro e dezembro de 2014, o mercado contraiu-se e os preços de casas desabaram.
Alguns dados indicam que a bolha nos preços de bens raízes está caindo, em vez de rebentar. Mas nada garante que o pior passe e outros indicadores são menos otimistas. O excesso de espaço residencial e de escritórios sem vender é enorme (há mais de 60 milhões de departamentos que não se puderam vender) e com a desaceleração não será fácil identificar compradores.
O travão da expansão do setor imobiliário é um poderoso condicionante sobre a economia chinesa: tomando em conta os encadeamentos para trás com as indústrias de aço, cimento, vidro, móveis e aparelhos elétricos, o setor imobiliário representa 30 por cento do PIB. Sem a recuperação do setor imobiliário, a economia chinesa seguirá mostrando menores taxas de crescimento e se agravará a difícil situação pela qual atravessam essas indústrias que já acusam altíssimos níveis de sobre-investimento.
Sem novas injeções de crédito, o setor imobiliário não poderá crescer. Mas uma boa parte da avultada carteira vencida dos bancos chineses está vinculada ao setor imobiliário. A única maneira de endereçar o setor da construção é mediante uma correção maior nos preços de casas e departamentos para atrair um número crescente de compradores. Mas esse ajuste de preços afetará a posição dos agentes imobiliários que se têm sobre-endividado e não poderão pagar seus créditos.
O governo chinês fez até o impossível para manter o desempenho de seu sistema financeiro. Mas uma das caraterísticas do mercado de ações e das operações financeiras na China é a excessiva alavancagem. Como se sabe, isso não ajuda nada quando o pânico toma posse do conjunto de investidores e especuladores.
O colapso no mercado de valores na China foi espetacular: desde 15 de junho o valor de mercado tem sofrido uma queda de 30 por cento, com mais de 4 mil biliões de dólares de perdas em capitalização.
Para apoiar o mercado o governo tentou tudo: desde iniciar um programa de compra de títulos e reduzir as taxas de juro, até suspender as transações do 54 por cento das ações que se cotam na China.
E quando por fim nada parecia parar o colapso, o governo teve que interromper as transações. Mas a alavancagem foi desorbitada e a queda mal começou.
Se alguém pensou alguma vez que o capitalismo na China não mostraria sua verdadeira cara, deve o pensar duas vezes e revisar os números e indicadores sobre o setor financeiro e a economia real. É possível que a crise na China mal esteja começando.

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