domingo, 1 de março de 2015

PL/ Notas sobre o golpe frustrado na Venezuela


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Buenos Aires (Prensa Latina) há pouco mais de um ano a direita fascista venezuelana lançava uma nova ofensiva dirigida a provocar a "saída" do presidente Nicolás Maduro. A "saída" era um eufemismo para designar uma convocação à perturbação, isto é, a destituição por meios violentos, ilegais e anticonstitucionais do mandatário legal e legitimamente eleito pelo povo venezuelano.
Esta iniciativa foi rodeada por um ato de heroísmo pela imprensa de direita de todo o continente, que com seus truques e suas "mentiras que parecem verdades" -segundo a perspicaz expressão de Mario Vargas Llosa- tentou especificar uma audaz operação de alquimia política: converter a um grupo de sediciosos em épicos "combatentes da liberdade". Tudo isto, naturalmente, foi alentado, organizado e financiado desde a Casa Branca que à data ainda não tem reconhecido o triunfo de Maduro nas eleições presidenciais de 14 de Abril do 2013.

Washington tem sido em mudança veloz como um raio para abençoar a eleição de Otto Pérez Molina, um general guatemalteco envolvido em uma macabra história de repressão genocida em seu país; ou para consagrar a eleição de Porfirio Lobo em um fraudulento processo eleitoral urdido pelo regime golpista que destituiu ao presidente legítimo José Manuel "Mel" Zelaya e sumiu a Honduras em um interminável banho de sangue.

Mas uma coisa são os amigos e outra muito diferente os inimigos ou, melhor dito, os governos que por não se ajoelhar ante os decretos imperiais se convertem em inimigos. A República Bolivariana da Venezuela é um deles, ao igual que nossa Cuba, Bolívia e Equador.

Ao desconhecer o veredicto das urnas, Washington não só transgrede a legalidade internacional mas também que, se converte em instigador e cúmplice dos sediciosos cuja obra de destruição e morte cobrou a vida de 43 venezuelanas e venezuelanos (em sua grande maioria chavistas ou membros dos corpos de segurança do estado).

Nestas últimas semanas Estados Unidos tem redobrado seus esforços desestabilizadores, mas levantando aposta. Se antes procedia através de uma liga de sediciosos que em qualquer país do mundo estariam no cárcere e sentenciados a cumprir duríssimas condenações, hoje desconfia de seus peões venezuelanos, toma o assunto em suas próprias mãos e intervém diretamente.

Já não são aqueles obscenos nomeados do império, tipo Leopoldo López, María Corina Machado ou Henrique Capriles os que impulsionam a desestabilização e o caos, mas a própria Casa Branca. Um império "atendido por seus donos" que descarrega uma bateria de medidas de agressão diplomática e sanções econômicas que se montam sobre a campanha de terrorismo midiático lançada desde os inícios da Revolução Bolivariana até chegar, nos dias passados, a promover um golpe de estado em onde as impressões da Casa Branca aparecem por todos lados.

Respondendo a essas imputações a porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki disse que eram "ridículas" e que "os Estados Unidos não apoiam transições políticas por meios não-constitucionais. As transições políticas devem ser democráticas, constitucionais, pacíficas e legais." É óbvio que a porta-voz é uma mentirosa serial e descarada ou, hipótese mais benévola, padece de uma grave doença que lhe apagou a memória de seu disco duro neuronal. Para consertá-lo bastaria convidá-la a que veja um despacho da CBC News que mostra um de seus superiores, a Secretária de Estado Anexa para Assuntos Euroasiáticos, Victoria Nuland, conversando amavelmente com os neonazis que ocupavam a Praça Maidan de Kiev e exigiam a renúncia do Presidente Viktor Yanukovich, coisa que conseguiram poucos dias depois de uma série de violentas ações.

Mais tarde as bandas neonazis do Pravy Sektor atacaram um local sindical em Odessa -onde se tinham agrupado os opositores ao golpe perpetrado na Ucrânia-, lhe prenderam fogo e queimaram vivas 30 pessoas, enquanto desde afora disparavam contra quem tratavam de fugir do edifício em lumes. Esses bandidos, alentados por Washington com a presença de Nuland, atuaram ao igual que os criminosos do Estado Islâmico quando capturaram a um piloto do avião caça jordaniano, o encerraram em uma jaula e lhe prenderam fogo. Isto foi uma atrocidade inqualificável, o outro um lamentável incidente que mal se mereceu um comentário do Departamento de Estado.

Por último, teria que lhe recordar à desmemoriada porta-voz que foi o próprio Presidente Barack Obama quem disse que Estados Unidos "em ocasiões torce o braço aos países quando não fazem o que queremos". Venezuela desde 1998 não faz o que Washington quer, e por isso trata de torcer-lhe o braço com uma parafernália de iniciativas dentro das quais agora volta a se incluir, como em 2002, o golpe militar.

Alguns poderiam objetar que a denúncia do governo bolivariano é alarmista, infundada e que não teve tentativa golpista alguma. Quem pensam desse modo ignoram (ou preferem ignorar) as lições da história latino-americana. Estas demonstram que os golpes de estado sempre começam como ações pontuas, aparentemente insensatas e alocadas de um grupo, e que não devem ser tomadas a sério.

É mais: costuma-se acusar os governos que desbaratam ou denunciam este tipo de atividades-E que são o embrião do golpe de estado!- como irresponsável que levam perturbação à população vendo fantasmas onde há tão só um pequeno núcleo de fanáticos que desejam chamar a atenção das autoridades. Em todo caso, como esquecer o trabalho preparatório da direita venezuelana quando poucas semanas atrás convidou os ex presidentes Andrés Pastrana, Felipe Calderón e Sebastián Piñera para visitar a Leopoldo López, com o pretexto de participar em um foro sobre o empoeiramento da cidadania e a democracia?

Ou quando dá a conhecer um comunicado conjunto assinado pelos principais líderes fascistas venezuelanos: Leopoldo López, María Corina Machado e Antonio Ledezma, oportunamente datado o 14 de Fevereiro e que depois de um diagnóstico apocalíptico da realidade venezuelana termina dizendo que " tem chegado a hora da mudança. O imenso sofrimento de nosso povo não admite mais dilaciones." Em todo esse comunicado só se utilizam os termos que são marca registrada da Casa Branca: "transição, mudança de regime" sem a menor alusão ao referendo revocatorio, dispositivo institucional de troca de governo previsto pela Constituição chavista e inexistente nos países dos ex presidentes acima mencionados, pese ao qual se acusa a Venezuela de ser um "estado totalitario" ao mesmo tempo que os países que não dispõem de semelhante cláusula são caracterizados como instâncias democracias, cujos presidentes podem ir à República Bolivariana a dar lições de democracia.

Por que não se alude a esse recurso? Porque nem Washington nem seus parceiros pensam em uma mudança dentro da legalidade. O libreto imperial é a troca violenta, estilo Líbia ou Ucrânia ou, no melhor dos casos, um "golpe parlamentar", como o que derrocou a Lugo, ou em um "judicial", como o que precipitou a queda de Zelaya.

Recapitulando: temos a vontade de Washington para acabar com o processo bolivariano, como o fizeram em tantos outros países; estão também as tropas de choque locais, a direita fascista ou fascistoide que conta com um impressionante apoio midiático dentro e fora da Venezuela; e apareceu também a vanguarda golpista que foi descoberta e desbaratada pelo governo de Maduro.

A técnica do golpe de estado ensina que há que proceder metodicamente: sempre se começa com um pequeno setor que toma a dianteira e serve para provar os reflexos do governo e a correlação de forças nas ruas e os quartéis. Nunca são a totalidade das forças armadas e o bloco sedicioso que saem ao rodo e, junto, se insurgem em massa.

Não foi isso o ocorrido na contramão de Salvador Allende no Chile. Foi a Infantaria da Marinha a que a primeiras horas da manhã do 11 de Setembro ocupou as ruas de Valparaíso, desencadeando uma reação em corrente que terminou com o golpe de estado. O mesmo ocorreu com o derrocamento de Juan Perón na Argentina de 1955, quando uma guarnição de Córdoba se levantou em armas. E outro tanto se verificou no Equador em 30 de Setembro de 2010, quando se produziu a insubordinação da Polícia Nacional que reteve durante mais de 12 horas em seu poder o presidente Rafael Correia.

A imediata reação popular abortou o golpe, impedindo que a vanguarda golpista recebesse o respaldo militar e político necessário para que o processo arrematasse no derrocamento do presidente equatoriano. A inação ou a subestimação oficial ante o que o princípio aparece como uma manifestação extravagante, minúscula e inofensiva de uma patrulha perdida é o que termina desencadeando o golpe de estado.

Caberia perguntar pelas razões desta desorbitada reação do império, evidenciada não só no caso da República Bolivariana mas também na Ucrânia. A resposta já demos faz tempo: os impérios tornam-se mais violentos e brutais em sua fase de decadência e decomposição. Esta é uma lei sociológica comprovada em numerosos casos, começando pela história dos impérios romano, otomano, espanhol, português, britânico e francês. Por que teria de ser a exceção os Estados Unidos? Máxime se tem-se em conta que a decadência norte-americana -reconhecida pelos principais estrategistas do império- vai acompanhada por uma rápida recomposição da estrutura do poder mundial, em onde o fugaz unipolarismo norte-americano que brotasse das ruínas da União Soviética -um infantil miragem alentado por Bill Clinton e George W. Bush e seus inefáveis assessores- e que anunciava com festas a chegada do "novo século americano" se desfez como um pequeno pedaço de gelo arrojado nas ardentes areias do Saara.

Agora o império tem que ver com um mundo multipolar, com aliados mais mornos e reticentes, tributários a cada vez mais desobedientes e inimigos cada vez mais poderosos. Nesse contexto Venezuela, a primeira reserva de petróleo do planeta, adquire uma importância essencial e a reconquista desse país não pode ser demorado. Ou, como diz o comunicado golpista da direita, "sem mais atrasos".

Uma última referência tem que ver com os alvos escolhidos pelos frustrados golpistas para realizar seus bombardeios. Aparte de edifícios governamentais chaves a lista incluía as instalações da Telesur em Caracas. Compreende-se as razões por trás deste sinistro plano pois tanto os golpistas como seus instigadores, de fora e de dentro do país, sabem muito bem a fundamental contribuição da Telesur em informar desde uma perspectiva nossa américa e em acordar e cultivar a consciência anti-imperialista na região.

Produto da visão estratégica do Comandante Chávez, que concebeu a essa empresa pública multinacional como um instrumento eficaz para livrar a grande batalha de ideias na que estamos empenhados, sua gravitação internacional e sua credibilidade não têm deixado de crescer desde então. Sua programação tem um notável conteúdo informativo e educativo, e a capacidade de quem ali trabalham tem permitido que milhões de pessoas em todo mundo possam comprovar as mentiras propaladas pelos meios do establishment. Mencionaremos só dois casos, dos tantos que poderiam ser escolhido: o relatório sobre o golpe de estado na contramão de Zelaya, minuciosamente ignorado pela televisão do sistema e quando já não podiam o ocultar o tergiversavam; e o desmascaramento da notícia que dizia que a aviação de Gadaffi estava bombardeando posições de indefesos civis na cidade de Bengasi, cabeceira de praia da OTAN em seu projeto, desgraçadamente culminado exitosamente, de matar a Gadaffi e destruir Líbia.

Enquanto toda a imprensa internacional mentia aleivosamente Telesur foi o único meio que durante quatro dias disse a verdade que depois todos deveram reconhecer. Que não teve bombardeios e que os supostos civis indefesos eram em realidade uma sanguinária liga de mercenários lançados ao saque e o assassinato pelos Estados Unidos e seus cumplices europeus. Por isso os fascistas tinham a essa empresa como objetivo a destruir. E isto é um timbre de honra do qual os colegas e amigos da Telesur podem ser orgulhado. Teria sido motivo de preocupação que tivessem desestimado a Telesur em seus planos golpistas. Podem dizer, com orgulho, como o Quixote: "ladran Sancho, sinal que estamos cavalgando."

*Prestigioso intelectual argentino e colaborador da Prensa Latina.

Em/mh/ab/cc

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