quinta-feira, 26 de março de 2015

Haverá sangue...

Haverá sangue...


por Jacques Sapir
A questão do óleo de xisto (petróleo) retorna ao primeiro plano com a nova baixa das cotações do bruto (tanto em WTI como em BRENT). De facto, o que era anormal era a tímida alta que se experimentou em Fevereiro de 2015. Mas uma tendência altista vai certamente se afirmar a partir do Verão de 2015 como anunciado por este sítio em 1º de Janeiro último [1] . Aqui estão portanto as últimas notícias da catástrofe que se prepara nos Estados Unidos. Se se recorda o filme "There will be blood" [2] pode-se acrescentar "Yes, it will...".

A economia da produção de óleo de xisto 

A produção de óleo de xisto obedece a regras bastante particulares. Uma das características desta produção é a forma muito particular da curva de produção. O pico de produção é atingido entre o primeiro e o segundo depois de iniciar a exploração do furo. O volume de produção diminui muito rapidamente. De facto, não se obtém mais do que 25% da produção do pico de exploração entre 19 meses (2010) e 15 meses (2013).
Gráfico 1 
Gráfico 1.
Fonte: Dyker D., "Why Shale Oil Is a Ponzi Scheme", nota publicada em The Street, 17/Março/2015, www.thestreet.com/...
O nível de produção melhorou muito de 2010 a 2014, mas conserva as mesmas características. Este esgotamento rápido dos furos impõe uma renovação rápida dos mesmos e, portanto, investimentos constantes.

A indústria do óleo de xisto é constituída, nos Estados Unidos e no Canadá, essencialmente por pequenas companhias, daí o mito de um "sonho americano" no domínio do petróleo. Mas as condições de rentabilidade destas pequenas companhias (que exploram cerca de 85% do furos) são muito diferentes daquelas das grandes companhias (como a Exxon) que também investiram neste sector. Se, para alguns furos realizados pela Exxon o patamar de rentabilidade está nos 45 dólares por barril, ele é bem mais elevado nas pequenas companhias, estimado entre 70 e 75 dólares.

Estas últimas realizam seus investimentos com uma alavancagem bancária muito forte. A partir do momento em que obtêm uma concessão, elas pedem um crédito ao banco, crédito que pode cobrir de 90% a 95% do investimento necessário. O reembolso é assegurado pela produção no primeiro ano de vida activa do furo, aquele em que ele é mais produtivo. Mas isso implica garantir o preço. De facto, incluindo os juros uma companhia ganhava dinheiro desde que o petróleo se vendesse acima de 80 dólares por barril. Os seguros tomados por estas companhias garantiam-lhes um preço entre 80 e 90 dólares. Mas estes seguros não cobrem senão seis meses de produção e eles não foram renovados a partir de Outubro de 2014 devido à queda importante dos preços do petróleo. Isso significa que elas não estarão mais protegida a partir do fim do mês de Março de 2015.

A partir desta data, só as grandes companhias poderão vender com uma cotação do barril (WTI na América do Norte) entre 43-45 dólares/barril. Isso implica um colapso dos investimentos, portanto de novos furos, e a prazo da produção de petróleo nos Estados Unidos. Com efeito, cerca da metade do petróleo produzido é petróleo de xisto.

O colapso dos investimentos e da produção 

De facto, o colapso dos investimentos está em vias de verificar-se. O número de furo agora diminui muito rapidamente. Isso significa que furos antigos (em fim de vida) são retirados do mercado ao passo que novos furos não vêem substituí-los. A queda começou em meados de Dezembro de 2014 (gráfico 2).
Gráfico 2 
Gráfico 2.
Fonte: Baker-Hugues


Constata-se igualmente que esta queda, muito rápida desde o começo de 2015, afecta ainda mais a produção canadiana do que a dos Estados Unidos. Havia 430 furos no Canadá em Outubro de 2010 e cerca de 200 em Março de 2015. De facto, de acordo com relatório de meados de Agosto de 2014, momento em que a queda dos preços começou a tomada amplitude, a contracção dos furos atingiu mais de 41% nos Estados Unidos. As "bacias" mais atingidas são as do Texas e também do Dakota (tabela 1).

Tabela 1 – Número de furos utilizando trepanos rotativos. 
15/08/2014
13/03/2015
Diferença
Evolução em percentagem
ALABAMA-LAND62-4-66,7%
ALABAMA-INL WATER0000,0%
ALABAMA-OFFSHORE0000,0%
TOTAL ALABAMA62-4-66,7%
ALASKA-LAND911222,2%
ALASKA-OFFSHORE0000,0%
TOTAL ALASKA911222,2%
ARIZONA0000,0%
ARKANSAS111100,0%
CALIFORNIA-LAND4512-33-73,3%
CALIFORNIA-OFFSHORE2200,0%
TOTAL CALIFORNIA4714-33-70,2%
COLORADO7537-38-50,7%
FLORIDA-LAND011-
FLORIDA-INL WATER0000,0%
FLORIDA-OFFSHORE20-2-100,0%
TOTAL FLORIDA21-1-50,0%
GEORGIA0000,0%
HAWAII0000,0%
IDAHO10-1-100,0%
ILLINOIS1100,0%
INDIANA21-1-50,0%
KANSAS2614-12-46,2%
KENTUCKY32-1-33,3%
N LOUISIANA-LAND3127-4-12,9%
S LOUISIANA-INL WATER108-2-20,0%
S LOUISIANA-LAND1913-6-31,6%
S LOUISIANA-OFFSHORE5645-11-19,6%
TOTAL LOUISIANA11693-23-19,8%
MARYLAND0000,0%
MICHIGAN0000,0%
MISSISSIPPI145-9-64,3%
MONTANA83-5-62,5%
NEBRASKA23150,0%
NEVADA0000,0%
NEW MEXICO9458-36-38,3%
NEW YORK0000,0%
N DAKOTA185101-84-45,4%
OHIO4231-11-26,2%
OKLAHOMA209134-75-35,9%
OREGON0000,0%
PENNSYLVANIA5147-4-7,8%
S DAKOTA10-1-100,0%
TENNESSEE0000,0%
TEXAS-OFFSHORE21-1-50,0%
TEXAS-INL WATER0000,0%
DISTRICT 110673-33-31,1%
DISTRICT 28265-17-20,7%
DISTRICT 36922-47-68,1%
DISTRICT 44024-16-40,0%
DISTRICT 5115-6-54,5%
DISTRICT 63525-10-28,6%
DISTRICT 7B135-8-61,5%
DISTRICT 7C9741-56-57,7%
DISTRICT 8323199-124-38,4%
DISTRICT 8A4314-29-67,4%
DISTRICT 9163-13-81,3%
DISTRICT 106424-40-62,5%
TOTAL TEXAS901501-400-44,4%
UTAH238-15-65,2%
VIRGINIA0000,0%
W VIRGINIA2918-11-37,9%
WASHINGTON0000,0%
WYOMING5529-26-47,3%
TOTAL UNITED STATES19131125-788-41,2%
CANADA-LAND397216-181-45,6%
CANADA-OFFSHORE4400,0%
TOTAL CANADA401220-181-45,1%
GRAND TOTAL23141345-969-41,9%
Fonte: Baker-Hugues
A diferença entre meados de Agosto de 2014 e meados de Março de 2015 é espectacular, uma vez que atinge 788 furos num total inicial de 1913 furos nos Estados Unidos. O caso do Texas, com sua grande bacia de exploração, é típico do movimento geral. No entanto é preciso notar que é no Texas que estão localizados os furos dependentes das grandes companhias. Entretanto, a percentagem de contracção ali é superior à média dos Estados Unidos com -44%.
Gráfico 3 
Gráfico 3.
Fonte: Baker-Hugues
Portanto trata-se claramente de uma contracção enorme e espectacular a que se está em vias de assistir e que vai prosseguir nos próximos meses (ainda que a um ritmo provavelmente mais reduzido). Deste ponto de vista, pode-se efectivamente dizer, como o herói do filme, e pensando nas consequências destas contracções de furagens: "there will be blood"...

Consequências sobre a indústria e sobre a economia dos Estados Unidos 

É preciso avaliar as consequências desta contracção. E em primeiro no que se refere aos preços. Acerca deste ponto, há actualmente uma super-produção (excesso de oferta). Mas isto não se traduz necessariamente em excesso de oferta disponível. A oferta teórica pode ser bloqueada devido a conflitos (Líbia, Iraque, etc). É isto que explica a (pequena) recuperação dos preços do barril no fim de Fevereiro. Mas, para que se esboce uma tendência altista clara, será preciso que a produção dos Estados Unidos (e do Canadá) se estabilize, depois comece a baixar. Pode-se prever, com base na evolução das furações, que isto se verificará em Maio-Junho (para a estabilização) e em Julho-Setembro (para a baixa). O impacto sobre o preço deveria ser sensível e o barril, em índice WTI, deveria subir outra vez para os US$70 no começo de Novembro. É de notar algumas incertezas:
  • A que velocidade subirá outra vez? 
  • Como o mercado reagirá a esta tendência altista?
    Não se pode excluir completamente uma recuperação forte (para os US$85) seguida de uma correcção (para os US$65) ligada à liquidação dos stocks importantes que existem actualmente, antes que se encontre uma cotação de equilíbrio em torno dos US$70. Mas o preço deveria estabilizar-se em média a 50% acima do seu preço de meados de Março de 2015.

    É preciso a seguir encarar as consequências financeiras das evoluções actuais. Numerosas pequenas sociedades estarão na incapacidade de servir suas dívidas, na verdade entrarão em falência. Os bancos serão obrigados a reclassificar em "non-performing loans" ou apagar de 250 a 400 mil milhões de dólares de dívidas (incluindo aquelas dos sub-empreiteiros). Este choque é gerível pelo sistema bancário americano, mas é importante. O Dólar deveria ressentir-se e baixar novamente a partir de Julho-Setembro de 2015. A reserva federal deveria adiar sua alta das taxas de três a seis meses. A taxa de câmbio Euro-Dólar deveria subir outra vez para 1 Euro por US$1,5, a não ser que o BCE acentue suas intervenções.

    O impacto sobre a actividade económica nos Estados Unidos deveria manifestar-se através de dois mecanismos, por um lado a subida (certamente limitada) dos preços do petróleo, mas sobretudo pelo fim do "boom" da indústria do óleo de xisto. O primeiro mecanismo vai pesar sobre o crescimento, na medida em que os preços dos carburantes estão pouco dependentes dos impostos (ao contrário da Europa) e em que as companhias petrolíferas repercutem rapidamente uma grande parte das baixas ou das altas do preço do petróleo. O segundo mecanismo é ainda mais importante. Os lucros acumulados na indústria do óleo de xisto irrigavam amplamente a economia americana, tanto pelo volume de actividade oferecido aos sub-empreiteiros como pela alta de rendimento para uma fracção da população que implicava uma forte expansão dos serviços. Estes dois impactos tiveram um impacto considerável sobre a actividade nos últimos quatro anos. Ora, se, como se pode antecipar, a indústria do óleo de xisto entra numa crise profunda e os preços do petróleo começam a subir, é de esperar uma desaceleração importante da economia dos Estados Unidos (e do Canadá) no 2º semestre de 2015.

    Isto implicará igualmente uma reestruturação do sector do óleo de xisto, com um peso bem mais importante das grandes companhias em detrimento dos pequenos produtores. Esta reestruturação poderia então conduzir a uma mudança das regras económicas que presidem a produção de petróleo, pois as grandes companhias têm os meios para introduzir tecnologias muito mais eficazes neste sector.

    As consequências sobre o resto do mundo (zona Euro e Rússia) 

    O que nos conduz a interrogar-nos sobre duas zonas que poderiam ser potencialmente afectadas pelas consequências sobre os preços do petróleo e sobre a actividade económica nos Estados Unidos, a zona Euro e a Rússia.

    A zona Euro está bastante ligada à economia dos Estados Unidos, acima de tudo porque esta última representa ainda hoje um importante mercado de exportação para países como a Alemanha ou a Itália. Deste ponto de vista, a forte probabilidade de uma desaceleração importante da actividade nos Estados Unidos é uma má notícia. Além disso, é claro que a situação de meados de Março, em que a zona Euro é favorecida por uma depreciação do Euro e por preços de petróleo muito fracos, não se deveria manter durante o 2º semestre de 2015, com as consequências que se pode esperar sobre a actividade económica. Estes diferentes factores permitem pensar que esta última deveria enfraquecer no fim do ano, mas ainda é impossível dizer se este enfraquecimento se fará a partir do 4º trimestre de 2015 ou o primeiro trimestre de 2016. No total, não é impossível que a crise da indústria do óleo de xisto implique para a zona Euro uma perda de 0,3% a 0,5% no crescimento do PIB agregado. Este enfraquecimento deveria afectar a Alemanha, mas também países como a Itália e a Espanha que estão muito dependentes dos hidrocarbonetos importados.

    Para a Rússia, a recuperação em alta das cotações do petróleo (rumo aos US$75 para o BRENT) traduzir-se-á por um nível de equilíbrio da taxa de câmbio em torno dos 40 rublos por US$1. Tendo em conta pressões especulativas que por diversas razões pode-se pensar que se manterão, a taxa efectiva deveria estar compreendida entre 52 rublos e 35 rublos por US$1. Pode-se pensar que a Rússia tem interesse em estabilizar o rublo no intervalo 45-50 rublos por US$1 se quiser manter a competitividade da sua indústria. Mas, uma apreciação de 20% da taxa de câmbio é de encarar daqui até o fim do ano. Ela deveria ter efeitos benéficos sobre a inflação, permitindo à produção aumentar rapidamente. Neste cenário, o ano 2015 seria saldado por uma recessão de -1,5% (e não -4% como anunciado em Janeiro) e o ano 2016 poderia ser marcado por um crescimento de 1,5% a 2,5%. 
    23/Março/2015

    [1] Ver Sapir J., Schistes, schistes, rage!, nota publicada em RussEurope, le 1 janvier 2015, russeurope.hypotheses.org/3215
    [2] Filme realizado por Paul Thomas Anderson em 2007. Em Portugal recebeu o título "Haverá sangue".   É extraído do romance Petróleo! , de 1927, do escritor e dramaturgo americano Upton Sinclair. 


    O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/3658 

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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