sábado, 13 de setembro de 2014

México / O fim de uma ilusão

O fim de uma ilusão

Pável Blanco Cabrera*
13.Set.14 :: Colaboradores
«Com que actualidade a socialização da economia e o poder operário e popular emergirão nos próximos dias ou, para o dizer mais francamente, com que actualidade se coloca na agenda nacional a tarefa de uma nova Revolução de que o povo será protagonista!
O poder operário e popular é hoje a única alternativa ao governo da fome e da miséria, e vamos pôr o acento tónico na frente ideológica para impedir que entre os trabalhadores se voltem a semear ilusões».

Dois acontecimentos paralelos tiveram um fortíssimo impacto em todos os países do mundo no final do século XX: o processo de reestruturação capitalista, e o triunfo temporário da contra-revolução que levou ao derrube da construção socialista na URSS e noutros países da Europa, Ásia e África.
A ilusão de que era possível um terceiro caminho veio assim por dois atalhos. Esta ilusão assentava na correlação aberta pelo confronto entre o campo socialista e o campo do imperialismo. Alguns pensadores e as suas organizações, tal como a retórica do nacionalismo revolucionário, argumentavam sobre a originalidade do caminho mexicano e o seu sistema de economia mista (intervenção do Estado na economia e propriedade privada); alguns reformistas defendiam, deformando o marxismo, que isso abria caminho para a passagem gradual e pacífica ao socialismo. Hoje, essa ilusão chega ao fim com a aprovação a todo o vapor, pelo Congresso da União e o órgão Constituinte Permanente, do fim do monopólio do Estado mexicano sobre o petróleo e a electricidade, abrindo assim o caminho para a promulgação presidencial por Peña Nieto da reforma energética. Este facto marca, definitivamente, a morte do que alguns chamam o nacional-desenvolvimentismo. A sua agonia começou em meados dos anos 80, com um acelerado processo de privatizações que desmantelou o sector estatal da economia (que representava, então, quase 70% da economia), transferindo-o através de processos irregulares e impregnados de corrupção para os que hoje são os poderosos monopólios dos diversos ramos da economia: no sector mineiro e metalúrgico, nas telecomunicações, no sector financeiro, na agro-indústria alimentar, etc., assim como em sectores parasitários da economia como a especulação imobiliária, a compra-e-venda de dólares, a especulação bolsista dos fundos sociais – como as pensões e reformas –, e também o branqueamento de dinheiro do narcotráfico, etc..
A primeira geração de reformas deixou já muito maltratada e no leito de morte aquela ilusão. A reforma do artigo 27º da Constituição tirou a terra ao campesinato e pôs fim ao baldio, a unidade territorial colectiva que alimentava essa ilusão de um capitalismo que podia dar bem-estar a camponeses e indígenas. O TLCAN [N. do T.: Tratado de Livre Comércio da América do Norte entre os EUA, o Canadá e o México] foi a via para que os capitais do norte do continente se entrelaçassem e a interdependência das economias se maximizasse. Neste contexto, o petróleo e a electricidade mantinham acesa a chama de que o México podia seguir um terceiro caminho, e que um sector da burguesia podia ter um papel na conquista da independência nacional e, inclusive, em formas de democracia superior que nos colocavam na antecâmara do socialismo. O terceiro caminho é uma ilusão, como também o é a ideologia da revolução mexicana porque, por fim, se continuava no quadro do capitalismo, isto é, no sistema de propriedade privada dos meios de produção e das relações de mercado.
Hoje, não podemos suspirar por um passado que também foi capitalista [1]. Todos os governos posteriores à década de 1920 representaram o desenvolvimento do capitalismo, inclusive o de Lázaro Cárdenas, personagem que com muito exagero é exaltada pelas decisões tomadas no seu mandato; isto não pode ser esquecido nem defendido. Se formos coerentes com a cosmovisão marxista-leninista, as definições adoptadas no decurso do capitalismo contemporâneo são consequência dos anos passados, das decisões tomadas nas décadas anteriores, e neste caso, a rota de estatizações e nacionalizações não tinha uma orientação socialista, mas uma lógica de centralização e concentração de capitais.
Este processo de desenvolvimento capitalista foi elogiado como progressista e algumas forças políticas trataram de o justificar a partir do marxismo – deformando-o abertamente –, sobretudo no que se refere ao carácter do Estado; como sabemos, esta foi uma operação tentada pelo oportunismo da decadente II Internacional. Então, chegou-se a colocar o Estado acima da luta de classes – como um árbitro entre estas –, infeliz formulação que subordinou durante décadas a luta proletária, permitindo que o capital actuasse impunemente.
Felizmente para a classe operária essas ilusões não existirão mais, ainda que, devemos sublinhar, as forças políticas reformistas continuarão agarradas a essas posições. Actualmente, essas forças estão cada vez mais minguadas e no seu papel de testemunhas dedicam-se, apenas, a lamentar, rabiar e, quais carpideiras, a pregoar que o futuro está no regresso ao passado. O seu argumento é primário, e têm uma leitura diferente da que têm os comunistas sobre a realidade do país. Enquanto os reformistas veem o México como um país dependente, nós, comunistas, consideramos que o México é um país de pleno desenvolvimento capitalista, inserido no sistema imperialista, onde ocupa um lugar intermédio, com monopólios consolidados e poderosos.
E nada resta na Constituição que sirva de argumento para ocultar que o conflito social é do capital contra o trabalho, que será no campo de batalha que se dará o confronto entre a burguesia e o poder dos monopólios, contra o proletariado, a classe operária, o conjunto dos trabalhadores, dos desempregados, de todos os explorados e oprimidos, entre os cima e os de baixo.
Como efeito, das reformas aprovadas durante este ano e da série de manobras políticas feitas por todos e cada um dos partidos políticos que governam, podemos também falar da morte da democracia burguesa, cujos sintomas agónicos estão nas fraudes e na crescente abstenção. Mais claro que nunca, o poder dos monopólios mostrou-se através do Pacto pelo México, suplantando as suas próprias instituições parlamentares que se limitaram a ser simples câmaras de eco, não só pela encenação no Senado e na Câmara de Deputados, mas também pela celeridade com que o órgão Constituinte Permanente concluiu a empreitada.
O nosso partido opôs-se a esta reforma, mas não o fizemos defendendo a PEMEX como o modelo que considerávamos exemplar. Uma nacionalização não é positiva em si; o que, finalmente, determina o sentido da nacionalização de uma empresa é a natureza de classe do Estado. Num Estado burguês, as nacionalizações são funcionais ao desenvolvimento do capitalismo. Não podemos embandeirar em arco com o desenvolvimento capitalista, nem chorar pela via de desenvolvimento burguês que entrou na sua fase monopolista. O que sempre faremos é trabalhar na organização das massas com vista ao derrube do capitalismo e na concentração de forças contra o poder dos monopólios, desligando-nos do populismo neokeynesiano e trabalhando para a independência de classe.
Durante anos, as organizações e de classe do México estiveram enroladas na defesa de uma via de desenvolvimento capitalista ou, para ser exactos, um grau prévio de desenvolvimento capitalista, que é hoje colocado num novo patamar. Por isso, a acção era sempre defensiva, de resistência.
É indubitável que iremos assistir à pauperização do nível de vida do nosso povo, pois recursos que antes eram destinados, embora numa percentagem mínima, para a saúde, a educação, as infraestruturas, vão hoje exclusivamente para a rentabilidade dos monopólios; haverá maiores dificuldades na vida quotidiana, já de si afectada pela crise capitalista de sobreprodução e de sobre-acumulação e pelas medidas adoptadas no nosso país para estabilizar a dita crise, como a reforma laboral. Sobretudo neste último ano, o nível de vida caiu abruptamente, e nos bolsos dos trabalhadores e das famílias populares isso sente-se com brutalidade. Todos estes factores maximizarão inexoravelmente as contradições do conflito de classe.
Estamos perante o fim de uma etapa e o começo de uma nova, e tudo pode passar-se, pois o desenvolvimento capitalista varreu as suas próprias bases de sustentação e legitimidade.
A luta não será fácil, há muitas complicações. O Estado é o instrumento de que se valem as classes dominantes para a opressão. Na sua ingenuidade, alguns falam da extinção do Estado ou do seu empequenecimento, mas de facto verifica-se um fortalecimento do Estado com o reforço do exército e da polícia, dos corpos jurídicos e a ampliação dos paramilitares (uma extensão do braço repressivo), enquanto constitucionalmente se verifica uma redução das garantias individuais e das liberdades democráticas. Tal erro obedece à já afirmada premissa de uma visão que considerava o Estado mexicano autónomo da classe dominante ou da luta de classes.
Há uns meses, o Partido Comunista do México sublinhou que o governo do Pacto pelo México é o governo da fome e da miséria, mas também conduz o México a um estado de excepção.
Peña Nieto é inculto mas não é tonto, e com o apoio dos monopólios num breve lapso de tempo completou o que não conseguiram Zedillo, Fox e Calderón, apesar de bem o terem tentado fazer. Ele, para lá das habilidades do priismo [N. do T.: do PRI] obedece sobretudo aos monopólios, que cerraram fileiras à volta do objectivo de conter as explosões do proletariado ou das camadas médias em processo de proletarização, neste período de crise e de turbulência económica.
Além da organização da classe operária á volta dos objectivos do socialismo-comunismo, nós, comunistas, estamos a cumprir o dever de agrupar todas as camadas da sociedade que são oprimidas, exploradas e empobrecidas numa direcção anticapitalista e antimonopolista.
O Pacto pelo México já cumpriu a sua missão, mas ainda não desaparecerá, e veremos o PRD juntar-se na aliança governamental com o PRI e o PAN, no seu destacado papel de apaga-fogos, tal como MORENA tem agora o papel de barreira de contenção e instrumento de desmobilização [N. do T.: PRI – Partido Revolucionário Institucional, hoje muito institucional e nada revolucionário; PRD – Partido da Renovação Democrática, fusão no final do século passado de pequenos partidos social-democratas e reformistas; PAN - Partido da Acção Nacional, direita tradicional; MORENA – Movimento de Regeneração Nacional, partido formado em 2012, ligado a López Obrador]. As tarefas mais complexas do Pacto pelo México estão no futuro imediato e têm a ver com o assegurar a estabilidade dos interesses do capital frente às turbulências que desencadearam a reforma laboral e energética.
O MORENA e López Obrador demonstraram a inutilidade da sua táctica, e seguramente iremos assistir à sua rápida adaptação às novas medidas do capitalismo, pois também o seu programa já ficou enterrado. Ainda assim, os amplos sectores populares devem afrontar a luta e exigirem aos seus dirigentes que avancem, e chegado o momento devem tomar nas suas mãos o controlo das decisões, e desempenhar todas as tarefas desde as mais simples às mais firmes acções, lado a lado com os sectores populares combativos.
A tentativa da social-democracia de com o seu discurso capitalizar a seu favor o descontentamento popular, de se colorem à cabeça das mobilizações contra a Reforma, ou de recolherem assinaturas, ou pedir uma entrevista, etc., para a partir daí semearem ilusões de uma gestão «alternativa» do capitalismo está a colher os seus fracassos. Difícil é para quem quer que seja engolir o seu discurso de oposição à reforma energética, quando foram eles próprios que votaram a favor de todas as agressões, incluindo a reforma laboral, ou aprovam medidas como o aumento do preço do bilhete do metro, a criminalização e o assédio policial aos protestos, o assassínio de dirigentes populares, etc.. Ontem, o PAN demarcava-se da reforma fiscal aprovada pelo PRD e PRI, mas depois continuou a votar em bloco com o Pacto pelo México; hoje, cabe ao PRD representar o mesmo papel na comédia da vida parlamentar que o Pacto pelo México representa, ao «opor-se», sem abandonar o Pacto, à reforma energética aprovada pelo PRI e pelo PAN.
Entretanto, a verdadeira oposição encontra-se nas fábricas, nos campos e nas ruas. As paragens de trabalho, as greves e protestos contra as medidas contempladas na reforma laboral sucedem-se continuamente, ainda que não apareçam nas manchetes dos jornais. Um número cada vez maior de trabalhadores, donas-de-casa, estudantes, etc. procura formas de oposição ao ataque contra o seu nível de vida e contra os seus direitos políticos. Os guardas comunitários em Huasteca e em Guerrero enfrentam mesmo o despejo que as companhias mineiras e petrolíferas pretendem, e enfretam a barbárie militar e paramilitar.
Com que actualidade a socialização da economia e o poder operário e popular emergirão nos próximos dias ou, para o dizer mais francamente, com que actualidade se coloca na agenda nacional a tarefa de uma nova Revolução de que o povo será protagonista!
O poder operário e popular é hoje a única alternativa ao governo da fome e da miséria, e vamos pôr o acento tónico na frente ideológica para impedir que entre os trabalhadores se voltem a semear ilusões.
O objectivo será forjar a consciência de que o único caminho para a emancipação está no que os próprios trabalhadores forem capazes de fazer, guiando-se pelos seus interesses, que são os de todos os oprimidos, e desfazendo-se de ideias que são de outras classes que, em última instância, só desejam prolongar a vida do sistema.
A classe operária, os trabalhadores, os explorados hão-de tomar consciência de classe e organizar-se para derrubar o Estado capitalista que impede a construção de uma sociedade verdadeiramente livre e justa.
Notas:
[1] Desde que Venustiano Carranza e os capitalistas definiram o rumo da Revolução depois da liquidação da rebelião sulista dirigida por Emiliano Zapata, se bem que que militarmente o seu cursivisão Norte no baixio em 1915.
* Pável Blanco Cabrera é Primeiro Secretário do Partido Comunista do México.
Tradução de José Paulo Gascão

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