sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Ebola: motivo de preocupação no Brasil?

OMS declara surto no oeste da África emergência de saúde internacional. Portos e aeroportos no Brasil e no exterior estão em alerta e especialistas debatem a possibilidade de a doença chegar ao país e se tornar uma epidemia por aqui.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 08/08/2014 | Atualizado em 08/08/2014
Ebola: motivo de preocupação no Brasil?
Aeroportos são uma das principais portas de entrada de vírus e doenças nos países. Embora risco de que o ebola chegue ao Brasil seja baixo, ele existe, e especialistas divergem sobre possibilidade de uma epidemia. (foto: Digo Souza/ Flickr – CC BY-ND 2.0)
Uma epidemia fora de controle preocupa até quem está a quilômetros de distância, do outro lado do oceano. O atual surto de ebola que ocorre na África se espalha rapidamente sem respeitar fronteiras nacionais e já é o maior da história. Na Guiné, na Libéria, em Serra Leoa e na Nigéria, já fez mais de 1.700 vítimas e provocou 932 mortes em menos de um mês. Mas será que a doença pode chegar ao Brasil?
Hoje (08/08), a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou a epidemia de ebola à categoria de emergência de saúde de preocupação internacional. Na declaração oficial, a OMS ressalta a importância da cooperação entre os países para controlar a disseminação da doença e pede que as nações afetadas façam um rígido controle de suas fronteiras e aeroportos.
Segundo a organização, a transmissão entre fronteiras é uma realidade e o risco de a doença se espalhar por outras regiões da África é grande. Porém, a chance de o vírus cruzar oceanos é considerada baixa e não foram recomendadas restrições de viagem.
Segundo a OMS, a transmissão entre fronteiras é uma realidade e o risco de a doença se espalhar por outras regiões da África é grande. Porém, a chance de o vírus cruzar oceanos é baixa
Para o infectologista Edimilson Migowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a afirmação faz sentido até certo ponto. “O ebola só é transmitido a partir do momento em que o paciente apresenta os sinais e sintomas da doença, que incluem febre, fraqueza, dor muscular, vômito, diarreia, coceiras e sangramentos”, explica. “Dificilmente uma pessoa doente assim vai ficar transitando por aí ou pegar um avião para outro país.”
Porém, Migowski lembra que os primeiros sinais do ebola podem aparecer de dois a 21 dias após a exposição ao vírus. “Nada impede que uma pessoa infectada com o vírus só comece a exibir o quadro clínico depois que já estiver em trânsito dentro de uma aeronave em uma viagem transatlântica”, pontua. “Nesse caso, existe algum risco de infecção para quem tiver contato direto com o paciente”, diz, ressaltando que não há vacina nem medicamento eficaz em uso contra o ebola, que é transmitido pelo contato com fluidos corporais do doente, como sangue, urina, sêmen, saliva, fezes, vômito e até suor. 

Alerta no ar

Todos os dias milhares de passageiros de conexões vindas dos países africanos em que ocorre o surto de ebola chegam ao Brasil. Somente no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, até seis mil pessoas que saem dessas áreas podem desembarcar diariamente em voos comerciais.
Mapa de casos de ebola
O mundo vive hoje o maior surto de ebola já registrado, com casos em vários países africanos, como Libéria, Guiné e Serra Leoa. (imagem: CDC)
O Ministério da Saúde informou hoje (08/08) em coletiva de imprensa que está seguindo as recomendações da OMS e não tomará no momento medidas de controle especial para viajantes ou meios de transporte que se dirijam a áreas afetadas ou que venham delas. Também não há recomendação de evacuação de brasileiros que estejam nessas zonas.
Apesar disso, fiscais sanitários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em aeroportos e fronteiras estão em estado de alerta para detectar possíveis viajantes infectados. A Anvisa diz que poderá tomar novas medidas se a OMS alterar seu nível preocupação.
No caso de suspeita de passageiro infectado, a tripulação da aeronave é orientada a acionar as autoridades sanitárias em solo, e a Anvisa coloca em prática o plano de contingência já existente para qualquer possibilidade de infecção, que prevê o isolamento do viajante para avaliação de risco. Se descartada a infecção, o passageiro é liberado. Se confirmada, o viajante é encaminhado para um leito hospitalar isolado, para evitar a transmissão.
Não é a primeira vez que portos e aeroportos brasileiros entram em estado de vigilância. Em 2009, durante a epidemia global do vírus H1N1, que causa a chamada gripe suína, a Anvisa recomendou que passageiros com sintomas de gripe se encaminhassem voluntariamente aos agentes sanitários dos aeroportos. A orientação não foi suficiente para evitar a entrada do vírus no país, trazido inicialmente por dois turistas vindos do México. Segundo o Ministério da Saúde, foram registrados 5.206 casos da doença e 557 mortes em quatro meses, o que fez do Brasil o líder de óbitos pelo vírus no mundo.
O Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, adota medidas mais rigorosas. Além de recomendar que viajantes evitem as regiões epidêmicas do ebola, o CDC mantém agentes no oeste da África para evitar que passageiros doentes embarquem em aviões com destino à América do Norte. Os maiores aeroportos norte-americanos estão ainda equipados com câmeras térmicas capazes de identificar indivíduos com febre.
Câmara de isolamento
O Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, já tem montada nos aeroportos uma infraestrutura de isolamento para receber possíveis viajantes infectados com o ebola. (foto: CDC)
Migowski acredita que a segurança nas aeronaves também poderia ser aumentada pelas companhias aéreas e sugere a distribuição de um formulário de controle entre os passageiros de voos vindos de áreas de risco e a implantação de equipamentos de proteção individual nos voos.
“Os aviões deveriam ter máscaras, óculos, gorros, equipamentos que poderiam ser usados para isolar e diminuir o contato direto dos fluidos corporais de uma pessoa suspeita de infecção”, diz. “E, com um formulário para os passageiros preencherem seus dados de contato, seria possível ter mais controle sobre a doença, caso detectassem depois do pouso que alguém do voo estava infectado.”

Epidemia possível?

Recentemente, em entrevista à AFP, o epidemiologista Peter Piot, que descobriu o vírus ebola em 1976, declarou acreditar ser impossível que a doença se torne uma epidemia caso chegue à Europa ou aos Estados Unidos, por se tratarem de países com a infraestrutura e a higiene necessárias para conter sua transmissão.
Migowski aponta que, em comparação com a gripe, o ebola é de mais fácil controle, porque não é transmitido pelo ar. É possível controlar a transmissão com práticas básicas de biossegurança, como o isolamento dos pacientes e o uso de equipamentos individuais de proteção. Além disso, a sua alta taxa de letalidade, que pode chegar a 90%, impede uma disseminação mais generalizada. “O doente de ebola não é portador crônico do vírus, como ocorre com o HIV e as hepatites B ou C; ele não fica por aí transmitindo”, diz. “Ele adoece e então ou se cura ou morre, não há muito tempo para disseminar o vírus para muitas pessoas.”
Roupas de proteção
A transmissão do ebola pode ser evitada com medidas básicas de biossegurança, como o uso de equipamento de proteção individual pelos médicos para evitar o contato com fluidos corporais do paciente. (foto: EC/ECHO – CC BY-ND 2.0)
O infectologista John Woodall, criador da rede on-line de monitoramento de doenças emergentes ProMed e ex-professor visitante da UFRJ, é menos otimista. Conhecido como ‘caçador de vírus’, o especialista, que esteve várias vezes na África estudando de perto a disseminação do ebola, não descarta a possibilidade de a doença chegar ao Brasil e se tornar uma epidemia por aqui.
“Um paciente infectado pode chegar a qualquer momento em um aeroporto e, se ainda não tiver desenvolvido sintomas ou não for logo colocado em isolamento, pode espalhar o vírus pela cidade e pelo hospital onde vier a ser atendido inicialmente”, conjectura. “Mas ainda existe a hipótese mais grave de a pessoa se dirigir ao interior do país e só desenvolver o sintoma quando já estiver instalada. Nesse caso, a doença vai se espalhar do mesmo modo que se espalha hoje na África, ou alguém pensa que a assistência à saúde no interior do Brasil é melhor do que lá?”
Woodall: Falhas no sistema público de saúde brasileiro, aliadas à dificuldade de diagnosticar o ebola, são uma combinação propícia para a instalação de uma epidemia
O pesquisador ressalta que as falhas no sistema público de saúde brasileiro, aliadas à dificuldade de diagnosticar o ebola, são uma combinação propícia para a instalação de uma epidemia. Os primeiros sinais da doença, como olhos avermelhados e erupções cutâneas, são comuns a muitas outras enfermidades e a confirmação do diagnóstico só é feita com exames laboratoriais específicos.
Ainda não existe cura para o ebola, embora algumas drogas experimentais estejam sendo desenvolvidas e tenham sido oferecidas a dois médicos norte-americanos recentemente em caráter compassivo. O tratamento padrão para a doença se restringe à tentativa de melhorar os sintomas por meio de hidratação do paciente, administração de anti-inflamatórios e controle da pressão sanguínea. Para evitar o contágio, a pessoa infectada deve permanecer em isolamento por até 30 dias após o diagnóstico.
Mesmo considerando a chegada do vírus ao país uma possibilidade remota, o Ministério da Saúde enviou nesta semana uma cartilha para as vigilâncias sanitárias e hospitais de referência estaduais sobre como proceder em casos suspeitos de ebola.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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