terça-feira, 22 de julho de 2014

Argentina/ Desaceleração económica e negociações em Nova Iorque


Desaceleração económica e negociações em Nova Iorque

Júlio C. Gambina
22.Jul.14 :: Colaboradores
Na Argentina, a questão económica mais premente continua a ser a dívida externa. É necessário recolocar a questão do não pagamento de uma dívida que é ilegítima. O problema é que o argumento oficial da oposição sistémica é que são necessários novos empréstimos e investimentos. Mais ainda, o argumento oficial transita pelo desendividamento, que teria servido para voltar a fazer dívida. Tudo se reduz a mais dívida para cancelar a dívida e continuar o aprofundamento do cancro da dívida.


A economia argentina desacelera no quadro de fortes pressões dos credores da dívida em resultado da sentença favorável da justiça de Nova Iorque.
Com efeito o INDEC [1] assinala que a «estimativa preliminar do PIB do primeiro trimestre de 2014 apresenta uma variação negativa de 0,2% em relação ao mesmo período do ano anterior. Acrescenta o organismo oficial de estatísticas que o PIB desnacionalizado do primeiro trimestre de 2014 relativamente ao quarto trimestre de 2013 apresenta uma variação de -0,8%»
A informação continua destacando que a variante negativa da oferta se explica pela mencionada queda do PIB e «fundamentalmente pela redução das importações de bens e serviços reais -3,8%. Pelo lado da procura observou-se uma variação negativa de -6,4% nas exportações de bens e serviços reais, um crescimento de 1,9% na formação bruta de capital, um aumento de 3,4% do consumo público, enquanto o consumo privado desceu -1,2%.
Fica claro que o impacto se concentra no sector privado e que os dados são diminuídos pela intervenção estatal em segurar a despesa pública, numa conjuntura de tensão pelos pedidos de diversos sectores sociais do país com as suas reivindicações de entradas e os credores da dívida pública especialmente os que clamam perante a justiça dos Estados Unidos. No interior do país existem requerimentos de fundos públicos como os docentes universitários, em conflito com as autoridades da Educação e Economia, no âmbito do ajustamento de salários deteriorados pelas condições de negociação vigente e a aceleração dos preços nos últimos tempos. Também exigem os reformados que solicitam recursos extra a meio do ano, o prémio, precisamente pelo retrocesso das entradas provisionais contra a evolução dos preços no primeiro semestre de 2014. Do mesmo modo que os trabalhadores regularizados pretendem aumentos do mínimo não oneroso do imposto dos lucros ou a sua eliminação directa. São estas, parte das pressões locais sobre os recursos fiscais diminuídos e que competem com os credores da dívida pública.
Cumprir com os 100% dos credores
O discurso oficial apoiado pelo arco opositor com capacidade de ser governo manifesta a vocação de cancelar a dívida na sua totalidade, seja de 92,4% ingressados nas permutas da dívida de 2005 e 2010, como o 1% que fez sentença em Nova e já tem sentença firme, como o resto não ingressado na permuta e que explica a continuidade do default (cessação de pagamentos) iniciado em fins do ano 2001.
Muito poucos parlamentares se manifestam contrários a honrar a fraude da dívida, segundo manifesta a sentença do juiz Ballesteros do ano de 2000, ou as múltiplas denúncias em sede judicial na Argentina contra operações de permuta de dívida em tempos constitucionais. Algumas opiniões aludem criticamente à maior validade outorgada numa sentença pronunciada nos Estados Unidos do que a outra surgida da Argentina.
Em rigor, existe no país uma tendência maioritária no regime político institucional favorável ao pagamento da dívida, enquanto ressurge uma corrente crítica, que entre outras se manifesta na Carta dirigida ao juiz Griesa da parte do Prémio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel em que assinala «que não é justo pagar uma dívida imoral e ilegítima» [2] Esta corrente de opinião retoma o mote Não Pagamento da Dívida que se mantém em longa tradição de pensamento e acção contra a ordem capitalista e seus derivados especulativos, financeiros e de juros.
A crítica ao endividamento e a pressão de credores anima-se em declarações de apoio, algumas que se destacam pela origem, como no caso das opiniões dos presidentes equatoriano e boliviano.
Rafael Correa afirmou: «Toda a nossa solidariedade à Argentina, todo o nosso apoio. Creio que não deveriam pagar.» Acrescentou «unidos com uma acção concertada na América Latina, poderíamos evitar isso, mas creio que estamos longe dessa capacidade de coordenação». Prosseguiu declarando que «a ordem mundial é não só injusta como imoral e só unidos poderemos resistir a essa ordem mundial injusta ou mudá-la, só unidos, na integração latino-americana» [3].
Evo Morales, na sua condição de presidente pro-tempore do Grupo dos 77 mais a China (077+China) anunciou que «comunicará com outros mandatários para ver o que podemos fazer para derrotar essa classe de assalto, de especulação financeira, de extorsão económica» [4] em relação à sentença norte-americana a favor do pedido de cobrança contra a Argentina. Lembremos que foi a presidência boliviana do G77+China que facilitou a presença urgente do Ministro da Economia na sede nova-iorquina das Nações Unidas, para informação sobre a situação criada a propósito da sentença do juiz norte-americano.
A opção que surge de movimentos populares locais e expressões parlamentares na Argentina contra o pagamento da dívida vincula-se às vozes vindas do exterior que clamam por uma nova arquitectura financeira na região. Realmente, pedem ensaios de caminhos alternativos à lógica do capitalismo da época. É algo a processar a partir das definições que surgem desde a Argentina no quadro de uma integração alternativa ao que sugere a ordem capitalista. Claro que isso supõe ir por um caminho totalmente inverso à decisão maioritária para honrar a fraude do cancro do débito.
A dívida pública não pode e não deve ser paga
Mas para além das opiniões, importam os factos que remetem para as dificuldades da economia argentina e as restrições para fazer frente aos pagamentos externos, o que implica assinalar que o país não pode pagar, salvo recorrendo a um maior endividamento e consequentemente ao agravamento de uma hipoteca sobre o presente e o futuro de gerações.
Se o default de 2001 por 100 000 milhões de dólares se sustentou numa dívida impagável de 144 000 milhões de dólares e a presidência informa que se abonaram numa década 173 000 milhões de dólares e o último dado oficial indica uma dívida de 209 000 milhões de dólares, ao que devem adicionar-se os bónus emitidos para cancelar sentenças ao CIADI, compensação à Repsol pela expropriação parcial das YPF, o acerto ao Clube de Paris e a sentença da Justiça dos Estrados Unidos, outras solicitações de holdout, a dívida vai até aos 240 000 milhões de dólares.
O problema é que o argumento oficial da oposição sistémica é que são necessários novos empréstimos e investimentos. Mais ainda, o argumento oficial transita pelo desendividamento, que teria servido para voltar a fazer dívida. Todos os caminhos levam ao re-endividamento, mesmo quando a dívida tenha uma proporção menor no PIB do que em 2001. Tudo se reduz a mais dívida para cancelar a dívida e continuar o aprofundamento do cancro da dívida.
O assunto agrava-se com o passar dos dias. O governo resolveu cancelar devedores ingressados na permuta, depositando os recursos necessários no banco pagador de Nova Iorque. Em lugar de embargar, o juiz Griesa nos Estados Unidos indicou ao banco que devolva os fundos e exige que a Argentina negoceie com os credores da sentença em firme por 1 500 milhões de dólares.
Não se sabe como continua a história, mas é um conto com capítulos diários, com novidades e incertezas sobre o custo definitivo que significa pagar com mais dívida a divida que resta, a possibilidade de satisfazer necessidades insatisfeitas da população. Por isso, porque não se pode pagar sem maiores privações populares é que não deve pagar-se a dívida.
Custos por pagar e por não pagar
A pergunta imediata é «que aconteceria se não se pagar?» O mesmo que ocorreu quando se cessou os pagamentos de Dezembro de 2001. Se em 2001 se utilizaram 12 000 milhões de dólares para cancelar a dívida, no ano seguinte, em default, a cifra baixou para 3 000 milhões, utilizando a diferença para outros fins, e ainda quando se discute sobre quem se beneficiou com essas políticas a realidade é que se facilitou um processo de aplicação de recursos públicos para a recuperação da economia local.
De resto, ficar fora do mercado mundial de empréstimos favorece a posição local perante a crise mundial emergente de 2007-2009, por ausência de exposição a novo endividamento, questão que afectou seriamente os países fortemente endividados, como no caso da Grécia.
Precisa a Argentina de uma nova dívida e até de investimentos estrangeiros, tal como indica o discurso maioritário do governo e oposição em consonância com a lógica dos países dominantes? É bom ser país emergente, destinatário de empréstimos e investimentos estrangeiros? Diremos até à exaustão que é emergente o país que oferece força de trabalho barata e muitos recursos naturais. São os factos que fazem o modelo produtivo e de desenvolvimento hegemonizado por transnacionais, que para o caso argentino se associam à soja, a grande mineração ou o petróleo e gás, não convencional. É a única opção produtiva? Não se pode transitar outro caminho e não se supõe o isolamento, mas sim a decisão de articular integradamente com a região a possibilidade de uma alternativa voltada ao Sul do mundo. O tema da solidariedade é de ida e volta. A Argentina não acompanhou com processo semelhante o Equador em 2007 quando esse país fez a sua auditoria para diminuir o montante da dívida por ilegalidade da mesma. O país também não acompanhou a Bolívia, a Venezuela e o Equador quando estes se retiraram do CIADI, não o tendo o Brasil reconhecido. O país está em mora solidária com esses processos e poderia ainda retomar uma perspectiva crítica sobre a base dos pronunciamentos contra a extorsão da justiça norte-americana e o accionar da especulação que expressam os fundos abutres.
A Argentina pode garantir o Não Pagamento da Dívida e a sua investigação para logo renegociar eliminando a cessão de soberania jurídica, juntamente com a denúncia da institucionalidade subordinada: os tratados bilaterais em defesa dos investimentos, com a isenção CIADI. Confirmamos que este rumo supõe discutir a inserção na ordem capitalista e construir uma lógica inspirada na satisfação das necessidades sociais mais alargadas, o que pode abordar-se a partir de um programa de soberania (alimentar, energética, financeira) e integração regional.
Buenos Aires, 27 de Junho de 2014.


Tradução: Manuela Antunes
  ODiario.info
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