quarta-feira, 21 de maio de 2014

João Pedro Stédile /Concentração da propriedade da terra e outros problemas

“Está em curso no Brasil uma concentração da propriedade da terra”.
Entrevista especial com João Pedro StédilePatricia Fachin e Luciano Gallas (IHU online)
:: Colaboradores :: 21.Mai.14
“Ganhe quem ganhe, continuará tudo igual. Só espero que não ganhe o Aécio, porque aí
seria uma guerra”, diz o líder do MST.
A luta pela reforma agrária, que durante os séculos XIX eXX visava o combate ao latifúndio
para democratizar o acesso à terra, hoje, tem outros adversários: “o capital financeiro, que
domina a produção agrícola, as grandes empresas transnacionais e, óbvio, os fazendeiros que
se modernizaram e aderiram a essa aliança”, esclarece João Pedro Stédile à IHU On-Line.
Esses atores, que formariam a nova classe dominante do campo, se somam aos meios de
comunicação para justificar “ideologicamente à população que o agronegócio é a única
alternativa possível, que ele sustenta o Brasil, que produz alimentos baratos, etc.”, pontua.
Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente, quando esteve na Unisinos, Stédile explica
quais são as análises internas do MST em relação à reforma agrária, avalia os 12 anos dos
governos Lula e Dilma e rebate as críticas, recebidas por setores intelectuais, de que os
movimentos sociais foram cooptados pelo Estado a partir da ascensão do PT à presidência.
“Não é aí que devemos fazer a crítica”, assinala. E enfatiza: “O problema está quando um
movimento social se subordina aos governos, e aí cada um que faça a sua avaliação. (...)
O MST passou o tempo inteiro dos governos Lula e Dilma se mobilizando. Ninguém neste país
tem moral para dizer que o MST parou de lutar. (...) Recomendaria que reflitam melhor a quem
dirigem suas pedras, porque, na nossa concepção, mesmo que tenhamos críticas a outros
parceiros da classe trabalhadora, temos de ter cuidado”.
Para Stédile, o ex-presidente Lula nunca “propôs reformas estruturais”. Ao contrário, acentua,
o programa que Luladefendeu na campanha presidencial de 2002, e que lançou as bases do
chamado neodesenvolvimentismo, tinha três objetivos claros: crescimento econômico, maior
participação regulatória do Estado e distribuição de renda. “Nesse programa, não precisa
fazer reforma agrária, não precisa tarifa zero [nos transportes], não precisa universidade para
todos. Eu acho que Lula foi honesto; não enganou ninguém. Ele cumpriu o seu programa”,
avalia.
O líder do MST também comenta as manifestações de junho de 2013 e assegura que
elas “são parte da luta de classes”, ainda que alguns grupos não se identifiquem com essa
análise. “Claro que eles são fruto da luta de classes, porque essa hegemonia da burguesia
financeira e multinacional não resolve os problemas da classe trabalhadora — porque, se falta
moradia, falta para a classe trabalhadora; se não há acesso à universidade, são os filhos da
classe trabalhadora que não têm acesso; o transporte público afeta diretamente a classe
trabalhadora”, acentua.
Em relação às eleições presidenciais deste ano, Stédile é pontual: “A candidatura Dilma e a
candidatura Eduardo e Marina são candidaturas alternativas de um mesmo projeto:
o neodesenvolvimentismo, cujos parâmetros estão bloqueados e não resolveram os
problemas estruturais. A candidatura do Aécio seria o fim do mundo, a volta do modelo
neoliberal”.
João Pedro Stédile é graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México. É membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, do
qual é um dos fundadores. Participa das atividades da luta pela reforma agrária no Brasil, pelo
MST e pela Via Campesina.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – O MST realizou recentemente mais uma mobilização do Abril Vermelho.
Este ano, entretanto, praticamente não houve repercussão na mídia, ao contrário da
mobilização realizada em anos anteriores. Na sua avaliação, por que ocorreu esta falta
de repercussão?
João Pedro Stédile – Do ponto de vista do calendário de mobilizações, neste ano, o dia 17 de
abril caiu na Semana Santa, e decidimos fazer uma jornada de outro tipo, mais prolongada e
duradoura, de acordo com a conjuntura de cada estado. Em alguns estados foram realizadas
ocupações, como em Pernambuco; em outros estados, recém iniciaram-se as marchas, como
em São Paulo; em outros, ainda, realizamos atividades nas cidades, como as feiras
agroecológicas em Alagoas, e o lançamento do documentário O veneno está na mesa II,
de Sílvio Tendler, no Rio de Janeiro. Então, o processo de mobilização ainda está em curso e
não ficou concentrado numa só semana.
Entretanto, de fato, um dos grandes problemas que a luta social enfrenta no Brasil é a
natureza da mídia, porque, além de ser uma mídia concentrada entre seis ou sete grupos
econômicos, que usam os meios de comunicação para acumular riquezas — e não é por nada
que a família Marinho é a segunda ou terceira família mais rica do Brasil —, essa mídia, nos
últimos 10, 15 anos, adquiriu um papel ainda mais ideológico na sociedade e, em especial, na
relação com as lutas sociais no campo.

O olhar condescendente da burguesia
Na época do capitalismo industrial, a luta pela reforma agrária dos camponeses era contra o
latifúndio. A própria burguesia industrial nos olhava com certa condescendência, porque, afinal,
depois que nós conquistássemos a terra e se multiplicasse o campesinato, geraríamos mais
compras na indústria, maior integração no mercado. A burguesia em si não se sentia afetada e
foi por isso que ela nos tolerou. Porém, de dez anos para cá, a nova classe dominante do
campo não é mais nem o latifúndio, nem a burguesia industrial; formou-se uma nova classe
dominante. E essa classe é formada pelo capital financeiro, que domina a produção agrícola,
pelas grandes empresas transnacionais e, óbvio, pelos fazendeiros que se modernizaram e
aderiram a essa aliança. E ainda há um quarto elemento da composição de classes: os meios
de comunicação. A burguesia usa os meios de comunicação para justificar ideologicamente à
população que o agronegócio é a única alternativa possível, que ele sustenta o Brasil, que
produz alimentos baratos, etc. Quem faz esse discurso todos os dias? A mídia. Então, ela
deixou de ser um canal informativo e passou a ser um palanque ideológico da burguesia. Ela
participa permanentemente da luta de classes. Basta ver as manifestações de junho de 2013 para saber como a mídia se comportou. No
campo acontece a mesma coisa. A mídia procura invisibilizar as lutas sociais. Há companheiros
nas universidades dizendo que o governo está criminalizando as lutas sociais. Não. Nosso
problema não é só repressão policial. Nosso problema é a repressão ideológica que os meios
de comunicação fazem contra qualquer luta social.

IHU On-Line - O que a mobilização organizada, a partir da realização dos grandes
eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, indica sobre o estágio atual das
articulações do MST? O Movimento dos Sem Terra perdeu seu papel de liderança na
política nacional?
João Pedro Stédile – O MST nunca se propôs a ser protagonista nem vanguarda de nada.
Nós queremos apenas contribuir na luta pela reforma agrária e para as mudanças na
sociedade. A luta de classes no Brasil e em qualquer parte do mundo, de acordo com a teoria
da escola britânica de marxistas — Eric Hobsbawm, Giovanni Arrighi, etc. —, se dá em
ondas de enfrentamentos entre as classes antagônicas num mesmo período histórico.
No Brasil, desde 1989 houve um refluxo das massas após a classe trabalhadora ter sido
derrotada no seu projeto democrático popular. A última grande greve no país foi em 1988, a
última grande conquista que tivemos foi a Constituição de 88. Com a derrota [eleitoral] de
1989, quando de fato aflorou o neoliberalismo, e a burguesia virou hegemônica na sociedade
brasileira, a classe trabalhadora refluiu e foi defender a sobrevivência.
O campesinato e as forças populares do campo, como não estavam ligados à luta direta
pelo emprego, continuaram a mobilização até 2005. Então, a classe trabalhadora como um
todo refluiu, porém os camponeses não. Nós, do MST, de 1997 a 2005, assumimos um
protagonismo na luta contra o neoliberalismo que não esperávamos, porque continuamos
mobilizados, e os outros não. De 2005 para cá, fruto de todo esse processo da luta, os
camponeses também refluíram e, nós do MST juntos, como parte dessa onda histórica de
refluxo.
Significados das manifestações de junho
No ano passado, o ressurgimento das manifestações com a juventude teve dois significados:
primeiro, que aquele programa de composição de classes do neodesenvolvimentismo,
aplicado pelo Governo Lula-Dilma, não foi suficiente para resolver os problemas do povo e,
em especial, da juventude (de universalização da educação, de moradia, de transporte público
razoável), e por isso a juventude foi para a rua; o outro significado é que a juventude sempre
é o termômetro que indica quando vai começar o reascenso, porque, como ela está fora do
sistema de produção, enxerga e se mobiliza antes.
Então o grande anúncio das mobilizações do ano passado é de que há sinais de que será
possível, a curto prazo, ocorrer um novo reascenso do movimento de massas, porém isso
precisa ter um caráter classista. A classe trabalhadora organizada também está dando sinais
de que está insatisfeita e quer mudanças. Onde encontramos o sinal que é invisibilizado pela mídia? A média anual das greves da classe trabalhadora industrial durante os 15 anos
do neoliberalismo, inclusive no governo Lula, foi de 200 ações. Já no ano passado foram
feitas 900 greves da classe trabalhadora, no setor industrial e dos bancários, que há anos não
faziam uma greve nacional. Essas 900 greves são um sinal de que a classe trabalhadora pode
não estar na rua, em marcha, mas começou a estar disposta a se mobilizar. O que falta é, no
próximo período, construirmos pontes de unidade entre a juventude e a classe trabalhadora,
para que seja construído um programa unitário de mudanças e reformas estruturais e se
aglutinem energias para mobilizações sociais.

IHU On-Line – Houve luta de classes nas manifestações de junho de 2013?
João Pedro Stédile – Claro. As manifestações são parte da luta de classes.

 IHU On-Line – Embora os manifestantes não a identifiquem?
João Pedro Stédile – Embora não a identifiquem ou embora alguns grupos se considerem
anarquistas. Claro que eles são fruto da luta de classes, porque essa hegemonia da burguesia
financeira e multinacional (que inclusive manieta o próprio governo, como diz Olívio Dutra),
não resolve os problemas da classe trabalhadora — porque, se falta moradia, falta para a
classe trabalhadora; se não há acesso à universidade, são os filhos da classe trabalhadora que
não têm acesso; o transporte público afeta diretamente a classe trabalhadora. Foi um
segmento da juventude que levantou primeiro a bandeira da tarifa zero, mas é uma bandeira
da classe trabalhadora. Os principais estopins para mobilizar o pessoal das cidades é a
recuperação da qualidade do transporte público e a luta pela tarifa zero, porque é possível, do
ponto de vista da economia brasileira, garantir transporte gratuito para todos os
trabalhadores.

IHU On-Line – Estas manifestações do chamado Outono Brasileiro suscitaram críticas
aos movimentos sociais tradicionais, no sentido de que eles deixaram de fazer
mobilizações e de que estariam saturados. Como o senhor vê essas críticas?
João Pedro Stédile – Isso é natural. Os movimentos sociais têm as suas características e as
suas especificidades, que vêm de 20 ou 30 anos. Ou seja, temos um modus operandi, temos
uma metodologia para organizar a luta, mas isso não quer dizer que ela se contrapõe à liturgia
que a juventude, que está desorganizada enquanto classe, utiliza para ir para a rua. Eles
utilizam outras formas de propaganda, de motivação, de comunicação — o principal veículo
deles era o Facebook. A classe trabalhadora que está dentro da fábrica não precisa
de Facebook; ela utiliza outros métodos. Então, qual dos métodos é bom ou ruim? Os dois são
bons.
Precisamos não cair nesse simplismo, que às vezes alguns porta-vozes da juventude
utilizaram, de criticar os outros movimentos porque eles fazem diferente. O diferente é bom;
não precisamos ser todos iguais. Mas o importante é que estejamos dispostos a criar
condições para todos lutarmos juntos, porque as conquistas de tarifa zero, de melhoria nos transportes, de moradia e universidade para todos só serão possíveis se todas as formas de
mobilização popular se organizarem para enfrentar o poder do outro lado.

IHU On-Line – O movimento social recebeu muitas críticas após a eleição do governo
Lula, entre elas, a de ter sido cooptado pelo Estado. Como o senhor recebe as críticas
feitas aos movimentos sociais, inclusive ao MST, de terem sido cooptados pelo Estado?
João Pedro Stédile – É evidente que, dentro do movimento sindical, dos movimentos sociais,
houve deslocamento de lideranças que tinham feito a luta de classes antes para assumir
cargos públicos, mas isso não é problema nenhum. Ao contrário. As lideranças que se
propuseram a trabalhar no governo não só têm o direito legítimo de fazer isso como contribuem
para melhorar o governo. Porém, não é aí que devemos fazer a crítica. O problema está
quando um movimento social se subordina aos governos, e aí cada um que faça a sua
avaliação. Nós do MST assumimos, como princípio organizativo, que todo movimento social
deve ser autônomo quanto ao governo, ao Estado, às igrejas, aos partidos. Isso não quer dizer
que não vamos nos relacionar. Ao contrário, nós temos de nos relacionar, mas temos uma
linha política própria, metas próprias, formas de organização próprias.
O MST passou o tempo inteiro dos governos Lula e Dilma se mobilizando. Ninguém neste
país tem moral para dizer que o MST parou de lutar. Ao contrário, esses mesmos que nos
criticam pela esquerda não estavam nas nossas marchas, nas ocupações de terras que
ocupamos, não estavam nos enterros das vidas que pagamos na luta de classes. As críticas de
que o MST parou de lutar e está cooptado pelo governo não nos atinge. Recomendaria àqueles
que as fazem que reflitam melhor a quem dirigem suas pedras, porque, na nossa concepção,
mesmo que tenhamos críticas a outros parceiros da classe trabalhadora, temos de ter cuidado.
As críticas têm de ser fraternais e em ambientes de reunião para que sejam construtivas. A
crítica ácida, dura e permanente tem de ser contra os nossos inimigos de classe: a burguesia,
os latifundiários, as multinacionais, as empresas de comunicação.

IHU On-Line – Essas críticas argumentam que o MST deveria ter um questionamento
mais intenso em relação à postura do governo federal nos incentivos ao agronegócio,
por exemplo.
João Pedro Stédile – Vocês são testemunhas, na página do IHU, do discurso do MST, que é
sempre de “pau e pau” no agronegócio, no governo, quando erra; é só pesquisar no Google,
se tiver paciência. No ano passado nós ocupamos dois ministérios. Qual foi o movimento social
que ocupou algum ministério? Nós não somos contra as críticas; elas em geral nos ajudam,
mas temo que muitas dessas críticas que vêm de setores esquerdistas são para fazer uma
disputa ideológica besta. Era sobre isso que Lenin afirmava: “o esquerdismo é uma doença
infantil”. Para dizer que você é melhor que os outros, você chama o outro de pelego. Mas se
estamos corretos ou não, se somos melhores ou não para o povo brasileiro, só a história
poderá dizer. No futuro, o povo vai julgar se o MST errou e onde errou. Nosso compromisso é
com as mudanças sociais.
IHU On-Line - Como a questão agrária se insere na atual conjuntura política nacional?
Será um tema presente nas eleições previstas para este ano?
João Pedro Stédile – A reforma agrária está paralisada, porque, mesmo quando se
desapropria uma fazenda para resolver algum problema de acampamento, isso não é reforma
agrária; é uma solução de um problema político e social. Em geral, essas desapropriações
pontuais só resolvem o problema de um acampamento específico e não afetam a estrutura da
propriedade da terra.
Reforma agrária no sentido stricto sensu é um programa de governo para eliminar o latifúndio
e democratizar a propriedade da terra. O que está em curso no Brasil é uma concentração da
propriedade da terra. Agora, por que isso acontece? Não é só por causa da ação de tal ou qual
ministro. Isso acontece porque o capital financeiro e multinacional tomou a iniciativa de disputar
a terra, a água, as sementes, e isso gerou uma hegemonia do agronegócio. O modelo de
dominação capitalista está presente na produção, nas mercadorias agrícolas, na mídia, no
Estado, no governo, como a força majoritária, e isso bloqueou a discussão e as conquistas
da reforma agrária.
Como esse tema será discutido nas eleições? Não temos muita expectativa, porque a
candidatura Dilma e a candidatura Eduardo e Marina são candidaturas alternativas de um
mesmo projeto: o neodesenvolvimentismo, cujos parâmetros estão bloqueados e não
resolveram os problemas estruturais. A candidatura do Aécio seria o fim do mundo, a volta
do modelo neoliberal, a candidatura mais claramente vinculada ao capital financeiro e das
multinacionais, tanto que ele já anunciou que vai privatizar a Petrobras e dar independência
ao Banco Central. E ainda que é o único legítimo representante do agronegócio! Então,
mesmo as duas candidaturas mais fortes que vão disputar as eleições, não têm como propósito
recolocar a questão da reforma agrária. A questão agrária no Brasil só virá num futuro próximo
quando houver a retomada das manifestações de massa, que vão pautar um projeto de país.
As eleições também não representam mudanças estruturais na política institucional. Ganhe
quem ganhe, continuará tudo igual. Só espero que não ganhe o Aécio, porque aí seria uma
guerra.

IHU On-Line – O MST se posiciona apoiando alguma candidatura nas próximas eleições?
Pretendem apoiar a candidatura da Dilma?
João Pedro Stédile – Como parte dos nossos princípios ao longo desses 30 anos,
o MST nunca definiu em reunião nenhuma que vamos apoiar Beltrano ou Fulano como
movimento; temos de ter autonomia. E, portanto, o movimento não participa eleitoralmente
enquanto movimento. Porém, a nossa militância e a nossa base evidentemente participam da
vida política, têm opinião política e consciência. E, naturalmente, a nossa base, por toda a sua
trajetória de luta, se posiciona votando em candidatos progressistas, de esquerda. A nossa
base analisa a conjuntura e toma as suas decisões. Devemos votar em candidatos
progressistas, ainda que — e lamento dizer isso — aqui e acolá há assentados que votam em candidatos da direita. Nós também temos as nossas contradições, mas em geral a nossa base
sempre se posiciona ao lado dos partidos progressistas.

On-Line – O senhor comentou, durante a palestra, que Lula nunca prometeu reformas
estruturais. Dito isso, era de se esperar o atual quadro em relação a uma reforma agrária
brasileira?
João Pedro Stédile – Não, não era de se esperar, embora programaticamente o PT tenha
recuado. O que eu quis dizer com isso é que o programa que o Lula defendeu na campanha
presidencial de 2002 não foi o programa democrático e popular. O programa que ele defendeu
foi o de brecar o neoliberalismo. Assim, construiu um programa que, agora, a posteriori,
estamos chamando de neodesenvolvimentismo e que está baseado em três pilares: 1) o
crescimento econômico, ou seja, gerar mais produção e emprego; 2) o Estado retomar o seu
papel na sociedade como indutor da economia e de criador de políticas públicas para os
pobres — porque os neoliberais deixavam tudo para o mercado; e 3) distribuição de renda,
que Lula fez com o aumento do salário mínimo e com os benefícios da previdência. Esse foi o
programa que ganhou. E, nesse programa, não precisa fazer reforma agrária, não precisa tarifa
zero, não precisa universidade para todos. Eu acho que Lula foi honesto; não enganou
ninguém. Ele cumpriu o seu programa: a economia cresceu, o Estado retomou sua atividade e
houve início da distribuição de renda.

Problemas estruturais
Porém, ao longo desses 12 anos, os problemas sociais estruturais se avolumaram: a reforma
agrária parou, os estudantes querem mais universidades (só 15% da juventude consegue
entrar no ensino superior), nas cidades falta moradia e aumentou a especulação imobiliária, a
saúde está um caos e precisaríamos criar uma nova política de transporte público. Todas
essas mudanças que estou citando agora precisam de reformas estruturais.
O que isso significa? Que não adianta mais um programa de agradar a todos, no qual todos
vão ganhar. Não. Para pôr metrô e transporte com qualidade e quantidade necessárias nas
cidades, o Estado tem de pegar dinheiro do capital financeiro; ou seja, os bancos têm de
perder, porque mesmo no neodesenvolvimentismo se manteve intacta a política de superávit
primário que destina de 30% a 40% de toda a arrecadação dos impostos para pagar juros.
E sem mexer na taxa de juros e sem mexer no superávit primário, não é possível fazer
reforma estrutural. Como destrinchar esse bloqueio? Pela via institucional ele continuará
bloqueado, porque nem o Congresso quer, nem os governos têm força — a
própria Dilma queria, mas não teve força. Para destrinchar isso, somente com mobilização de
massa, para arrancar a reforma política. Por isso, além de eleger os mais progressistas, temos
que impedir o Aécio, porque seu governo seria a volta do neoliberalismo. Temos que, ao
mesmo tempo, seguir as mobilizações de massa para que elas alterem a correlação de forças
na sociedade e produzam reformas estruturais, começando pela reforma política.
 IHU On-Line - Qual é a relevância da reforma agrária para a redução da pobreza e da
desigualdade social nos dias atuais, já que a concentração de terra aumentou ao longo
dos últimos anos?
João Pedro Stédile – A concentração da propriedade de terra aumentou porque a ação do
capital independe do governo. Então, quando se compra uma fazenda, ninguém pede se o
governo deixa ou não, se o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -
Incra quer ou não. O capital tem uma lógica de acumulação e vai concentrando. Nós somos
vítimas desse processo. Com a crise de 2008, vieram para o Brasil 200 bilhões de dólares de
capital fictício que foram aplicados só em recursos naturais. Esses 200 bilhões compraram
terras, usinas de etanol, usinas hidrelétricas, etc. A Nestlé e a Coca-Cola compraram reservas
de água no lençol freático. Isso produziu uma enorme concentração da terra, da produção e da
propriedade dos recursos naturais no Brasil, fruto desse movimento do capital internacional.
Inclusive a burguesia brasileira perdeu dinheiro com isso. O setor sucroalcooleiro (da cana),
por exemplo, que afeta mais o estado de São Paulo, era um setor típico da burguesia
brasileira, inclusive até familiar. Famílias eram donas da cana e das usinas. De 2008 para cá, a
avalanche de capital para controlar a cana-de-açúcar e o etanol foi tão grande que hoje 58% de
toda a produção brasileira de cana-de-açúcar e etanol é controlada por três empresas
multinacionais: a Bunge, a ADM e a Cagil; se colocar mais a Shell Química, que tem um
pouquinho de participação, vai para 60% o controle sobre o etanol e a cana produzidos
noBrasil. As melhores terras de São Paulo estão hoje dedicadas à cana e sob o controle
dessas empresas.
Mas, voltando à questão da reforma agrária... No capitalismo industrial, no século XX,
a reforma agrária cumpria um papel essencial de resolver um problema do campesinato, que
era ter acesso à terra e deixar de trabalhar para os outros. Com a reforma agrária, se eliminava
o arrendamento da terra, a renda da terra do grande proprietário. Portanto, o camponês iria ter
renda para ele, e com essa renda ele comprava coisas da indústria, na cidade, e ativava a
economia. Ou seja, a reforma agrária clássica tinha um papel também de desenvolvimento
do capitalismo industrial e do mercado nacional. Ao mesmo tempo que, para o camponês,
resolvia o seu problema de sobrevivência, de subsistência da sua família, e o integrava à
sociedade. Porque ele, como sem terra, é um pária. Ele só é espoliado, não tem direito a nada.
Mas essa reforma agrária clássica não se viabilizou no Brasil. Por quê? Porque a burguesia
industrial não teve interesse. A burguesia industrial brasileira é tão espoliadora que, em vez de
projetar um mercado nacional de massa para os seus produtos, preferiu bloquear a reforma
agrária e usar o campesinato como mão de obra barata, como o seu exército reserva de mão
de obra, e com isso garantir baixos salários aos operários, aumentando seu lucro por aí!
O que a burguesia industrial fez no Brasil no século XX foi estimular o êxodo rural, para que
essa massa viesse para a grande cidade e pressionasse os salários para baixo. Por isso, não
fez a reforma agrária. O período mais próximo que tivemos de uma reforma agrária
clássica foi na crise do capitalismo industrial da década de 1960, quando tínhamos um
governo popular, o de João Goulart, formado por ministros fantásticos como Celso Furtado e Darcy Ribeiro. Celso Furtado propôs: "Presidente, para sairmos da crise
do capitalismo industrial, só uma reforma agrária, assim como os países do
hemisfério Norte fizeram". O presidente topou e o governo apresentou um projeto de reforma
agrária que foi fantástico, o melhor projeto de reforma agrária elaborado até hoje — previa,
inclusive, a desapropriação de todas as fazendas acima de 500 hectares. Projeto proposto
por Celso Furtado e João Goulart. Imagina se eu, João Pedro, em nome do MST,
propusesse isso hoje: desapropriação de todas as fazendas acima de 500 hectares. A
imprensa iria me chamar de louco, comunista, comedor de criancinhas...

IHU On-Line - Naquela época o projeto era viável?
João Pedro Stédile - Naquela época era viável e necessário. Tanto é que a burguesia se
assustou, e qual foi a sua resposta? O golpe militar. Aliaram-se aos Estados Unidos. Tiveram
que barrar a manu militari, à custa de vidas e toda esta repressão de 20 anos. O que mudou
hoje? O próprio capitalismo industrial não está mais no centro do desenvolvimento capitalista.
Portanto, nem sequer temos mais burguesia industrial como burguesia específica. Agora nós
temos uma burguesia que é dominada pelo capital financeiro e que é dona de uma indústria,
que é dona de um comércio, que é dona de terras, etc. Não há mais uma burguesia industrial
típica, como foi gestada nos séculos XIX eXX.
Esta etapa do capitalismo criou para o campo o modelo do agronegócio. No agronegócio não
precisa mais de camponês, nem sequer para o exército de mão de obra reserva, porque na
cidade eles não precisam mais ampliar o número de operários industriais. O aumento da
produtividade do trabalho, que o IHU acompanha, como tenho visto nos debates, foi reduzindo
inclusive a classe trabalhadora industrial. Tanto é que quem migra hoje para as cidades vai cair
onde? No trabalho informal, no comércio, na venda ambulante, nos serviços em geral. O
trabalhador não vai mais à porta da fábrica pedir emprego, como a minha geração. Então,
nestas circunstâncias, mudou também o caráter daquela reforma agrária do século XX. Agora
a reforma agrária precisa ter outras balizas, outros paradigmas. Claro, começando pela
democratização da propriedade da terra. Porque, sem ter posse real da terra, você não
consegue produzir. A terra é um fator de natureza imprescindível para você produzir
na agricultura, para você produzir riqueza.

Democratização da propriedade
Qualquer reforma agrária, de qualquer tipo, tem que partir da democratização da propriedade
da terra. Porém, não pode ficar nisso. E o que há a mais? Agora a reforma agrária tem que
ser planejada para produzir alimentos. E aí é que entra o interesse de toda a população:
alimentos sadios e baratos. E isso só o campesinato pode produzir, porque o agronegócio só
produz com veneno. E o veneno no seu estômago algum dia vai virar câncer.
O Instituto Nacional do Câncer advertiu agora mesmo, em fevereiro, que para este ano a
previsão é de 546 mil novos casos de câncer no Brasil. E eles, como cientistas da área, dizem:
"se a população descobrir que está com câncer cedo, nós vamos salvar 60% destas pessoas". Mas 40% delas irão a óbito. E quais são os tipos de câncer que estão mais proliferando: o
câncer de mama e o câncer de próstata, porque são as células mais frágeis, onde aqueles
princípios ativos químicos dos venenos agem. Então é aí que aparece a degradação do nosso
organismo. É por isso que hoje, ao ler os jornais, ou nas nossas famílias, notamos que o
câncer de mama aparece até nas meninas que nem menstruaram ainda.
Porque ele já não é resultado, digamos, da degradação das células pela idade, que em geral
afetava as pessoas mais idosas. Agora não. A origem é outra, os alimentos contaminados.
Fazer uma reforma agrária apenas para produzir alimentos sadios e salvar a população desta
tragédia já seria um sucesso. Mas, além disso, temos que adotar uma nova matriz tecnológica,
a qual chamamos de agroecologia, que é a produção na agricultura em equilíbrio com a
natureza. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGEdivulgou e o jornal O
Estado de São Paulo publicou que, dos 5,5 mil municípios brasileiros, 2.276 tiveram
ocorrências de tragédias naturais provocadas pelo homem, com graves consequências para
toda sua população. Isso vem de onde? Vem da monocultura, da destruição da biodiversidade,
realizada pelo agronegócio, que altera o clima. Nós temos que voltar a produzir alimentos com
agroecologia para que haja um equilíbrio na natureza. Isso salva a cidade das tragédias
anunciadas.
Outro parâmetro que nós temos adotado se refere à própria agroindústria. Ela é necessária
para conservarmos os alimentos, mas nós temos que acabar com esse controle oligopólico de
grandes grupos que controlam todas as agroindústrias. A indústria do leite, por exemplo, é
controlada por três empresas: Nestlé, Parmalat e Danone. As cooperativas de agricultores
têm os preços definidos pelos grandes grupos. A maior empresa nacional de leite, que é
a Itaimbé, de Minas Gerais, foi comprada agora pelo grupo Friboi, o que concentra ainda
mais a agroindústria. Nós poderíamos ter empresas de laticínios em todos os municípios
do Brasil na forma de cooperativas, controladas pelos trabalhadores. Isso iria gerar renda,
distribuir renda, iria equilibrar a nossa sociedade.
Reforma agrária popular
A reforma agrária de agora é de outro tipo. É uma reforma agrária que nós chamamos
popular, porque ela interessa a todo o povo. Não é mais uma reforma agrária camponesa. Não
é mais uma reforma agrária de sem terras. Os sem terras queriam reforma agrária para quê?
Para ter terra. Mas ter terra não resolve o problema. Agora precisamos de uma reforma agrária
mais ampla, que interesse a todo o povo. E por que é difícil ela sair? Porque a nossa forma de
luta, de ocupar terras, de fazer marchas, era apropriada para enfrentar e derrotar o latifúndio.
Era suficiente como tática de luta para conquistar a terra. Agora não.
Agora tu enfrentas uma Bunge, uma Monsanto, a Aracruz. Quando nós fizemos aquela ação
das mulheres, há cinco anos, contra a Aracruz, veja o "massacre" que nós sofremos na
mídia. Porque a população na cidade ainda não tinha consciência de que o eucalipto é um
prejuízo também para a cidade. Nós pagamos sozinhos aquela conta. E nós seguramos no
peito. A nossa sorte é que Deus existe e que o próprio capitalismo levou a Aracruz à falência. Aquele viveiro no qual destruímos as mudas, hoje está fechado. Foi fechado pela própria
contradição do capital.
A reforma agrária popular vai ser mais demorada, mais difícil, porque nós vamos ter que
conscientizar a população da cidade para que ela também se mobilize. É claro que a
população da cidade não precisa ir a uma ocupação de terra, mas ela pode ir para a frente de
um supermercado e dizer: "eu quero comida sadia, eu quero que coloquem no rótulo do arroz
se ele tem ou não veneno", para que a dona de casa que vai comprar arroz saiba — "este
arroz tem glifosato, herbicida" — e possa decidir se quer comer o arroz com veneno, ou o
arroz das cooperativas da reforma agrária, que não tem veneno. A população da cidade vai
ter que se mobilizar em seu próprio interesse. E os caminhos podem ser esses, pelas
contradições do agronegócio, dos alimentos, das mudanças climáticas, do meio ambiente,
do emprego.

IHU On-Line - Como o senhor vê as mobilizações contrárias à Copa?
João Pedro Stédile - É natural que os jovens e alguns setores e categorias de trabalhadores
aproveitem o evento daCopa para alcançar a visibilidade que o oligopólio encabeçado
pela Globo esconde. Há fofocas por aí afirmando que até a Polícia Federal está ameaçando
fazer greve. E se eles fizerem, vai ser um caos. Bom, quando fazem greve fora
da Copa ninguém dá bola, então eles têm direito também, não é?! Há este aspecto do evento e
da visibilidade, que é justo, e as categorias e os setores que quiserem lutar, acho que é
apropriado.
Agora, a nossa reflexão como Movimento Sem Terra e na plenária nacional de movimentos é
que o período da Copanão vai ainda nos ajudar a construir aquele programa unitário para
debater o Brasil, porque parte do povo brasileiro quer ver a Copa. Então a palavra de
ordem "não vai ter Copa" não consegue envolver todo o povo brasileiro.

IHU On-Line - Ao mesmo tempo em que se quer a Copa, há toda uma mobilização
contrária aos gastos feitos.
João Pedro Stédile – Claro. Temos todo o direito de denunciar os maus gastos. Mas o período
da Copa não é um período bom para você discutir um projeto para o país, porque você não
consegue unidade. Então, nós estamos dizendo: "ótimo, quem quiser se mobilizar durante a
copa, que se mobilize". Mas nós temos que estimular um processo de mobilização de massas
antes da Copa e depois da Copa, porque é isso que pode gerar a unidade necessária para um
programa de reformas estruturais. Porque, por mais radical que sejam os black blocs, a única
coisa que eles contestam é os gastos da Copa. O nosso problema, cá entre nós, não é só
os gastos da Copa. Não é esse o nosso principal problema. Os R$ 8 bilhões que eles
gastaram nos estádios corresponde a duas semanas de juros que o Tesouro Nacional repassa
para os bancos, do nosso dinheiro recolhido nos impostos federais. E sobre os juros ninguém
vai se mobilizar? Ninguém vai querer ocupar o Tesouro Nacional? Esta política econômica não tem futuro. Tem que mudar. O que eu temo é que estes temas não venham à tona nem na
campanha eleitoral.

IHU On-Line - Como o senhor se sente tendo militado tantos anos por este projeto mais à
esquerda, e agora se depara com todas estas contradições, no sentido de não serem
vislumbradas mudanças significativas?
João Pedro Stédile - É preciso ter uma visão histórica dos processos. Pelo menos dentro
do MST e, vamos dizer assim, da nossa formação ideológica, nós sempre defendemos,
comungamos e propagamos que as únicas mudanças possíveis ocorrem a partir da
organização do povo, da luta e da mobilização de massas. Nunca o MST e os movimentos
sociais colocaram a via institucional como o único caminho. A via institucional faz parte da luta,
mas não pode ser a única luta. O erro que o PT fez foi ficar só nisso. E essa crítica nós temos
em relação ao PT e a todos os partidos, inclusive o PSOL. Quando o PSOL chega lá ele faz a
mesma coisa, porque é da natureza, é da liturgia do cargo.
Os militantes que não têm esta clareza, de que as mudanças são conquistadas só pela luta de
massas, só pelo povo organizado, caem nestes desvios. Quem entrar lá [no governo] e
abandonar isso, vai achar que toda a crítica é para derrubar [o governo]. E eles nos criticam:
"Vocês falam mal do governo Dilma, vão puxar votos para o Aécio". Não estou preocupado
com isso. É minha obrigação fazer críticas aos erros do governo. E isso não necessariamente é
puxar voto para a direita. O pior dos mundos para a esquerda é evitar a politização. O que
salva a esquerda é a politização do povo, para que ele tenha clareza da luta de classes.

O Ponto da curva
Por outro lado, e vivemos repetindo isso porque este debate está ausente da academia, a
escola de pesquisadores britânicos marxistas — que se baseiam em Marx, Lenin e em todos
os pensadores clássicos — interpreta que a luta de classes nos países capitalistas aparece na
forma de ondas. Há momentos em que tu tomas a iniciativa, há momentos em que há disputa,
como foi o caso em 1964 e em 1989, e há momentos de refluxo. Como militante social e
dirigente, é preciso identificar, no calendário que estamos vivendo, em que ponto da curvinha
tu estás. Senão tu erras. Nós estamos aqui, neste baixo astral, no refluxo do movimento de
massas, e aí vem o PSTU dizer que não, que nós estamos no ascenso do movimento de
massas, que agora vai. Menos, não é?! Será que o povo brasileiro está lutando? Só porque
aconteceu uma greve dos garis, que foi importante e vitoriosa, isso já é o ascenso [dos
movimentos de trabalhadores]? É óbvio que não. Enquanto os garis estavam fazendo greve,
havia dois milhões de foliões nas ruas, festejando — e 12 mil trabalhadores em greve. Essa é a
sociedade brasileira.
Nós temos que ter elementos científicos para entender qual etapa nós estamos vivenciando da
luta de classes, para não utilizar critérios idealistas. Porque o idealismo é exatamente o
que Marx combatia. O idealismo é só uma expressão da vontade pessoal, "eu quero que o
governo seja socialista", e não das forças reais que a sociedade coloca. O socialismo que nós sonhamos, as mudanças sociais que nós sonhamos, não dependem da nossa vontade,
dependem da capacidade da classe trabalhadora se organizar, lutar e querer. Nós só temos
que interpretar em que parte nós estamos. Às vezes a classe quer, às vezes não quer, e fica
em casa lutando pela sobrevivência.

IHU On-Line - A nova classe média em ascensão terá influência sobre os rumos do país?
João Pedro Stédile - Não existe uma nova classe média no Brasil. A classe média no
Brasil é a mesma de antes do governo Lula. São aqueles 8% a 10% bem caracterizados, pela
renda, pela ideologia e pela cultura que eles têm. No máximo 10% são classe média no Brasil.
E outros 5% são a burguesia — Marcio Pochmann, em uma pesquisa fantástica publicada em
livro, identificou inclusive o município onde moram os 5% de burgueses. Mas 85% do povo
brasileiro é formado pela classe trabalhadora, trabalha o dia todo para poder sobreviver. Essa
classe trabalhadora, do ponto de vista ideológico, foi cooptada pelo neoliberalismo, abandonou
as ideias de mudanças? Eu tenho dúvidas. André Singer faz uma leitura de que esta classe
trabalhadora está dividida em três partes: um terço está organizado em sindicatos, é filiado a
partidos e não abandonou o projeto socialista de mudanças; um terço foi ideologicamente
cooptado pelo viés do consumismo, ganha R$ 1,3 mil por mês, acha que é classe média, vota
na direita — estes eram, por exemplo, os votos do Gilberto Kassab em São Paulo — e não
quer mudanças; e tem um terço, bem no meio, que André Singer diz que é um eleitorado
flutuante, que se guia pelo modismo e é muito influenciado pela mídia burguesa. Este um terço
restante pode ir para a Dilma Rousseff, pode ir para Eduardo Campos, pode ir para Aécio
Neves. Por isso, as eleições não estão decididas, porque tem um terço que não tem ideologia,
não está organizado, que flutua. É aquele que fica repetindo o que a televisão diz — e que
pode votar pelo modismo, pelo senso comum.

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