quinta-feira, 22 de maio de 2014

India/Narendra Modi pertence a partido cuja origem deriva de grupo nacionalista de ultradireita, admirador confesso de Hitler

Novo líder indiano tem biografia atrelada ao hinduísmo radical e à violência comunal


Quarenta e sete anos atrás, Narendra Modi ajudava o pai a vender chá na estação de trem de Vadnagar. Seu casamento, arranjado, durou apenas dois meses: um dia disse à esposa que ia a uma peregrinação ao Himalaia, quando ainda tinha 17 anos. Nunca voltou para casa. Depois de fortalecer sua fé, decidiu se dedicar à política para a glória maior do deus Ram e de sua pátria.
Efe

Simpatizante de Narendra Modi em Nova Délhi segura máscara do rosto do novo premiê indiano. BJP conquistou maioria dos votos

Modi se transformará, em alguns dias, no 16º primeiro-ministro da Índia. O Bharatiya Janata Party (Partido do Povo da Índia, ou BJP, por sua sigla em hindu) superou o tradicional Partido do Congresso – controlado pelos herdeiros de Jawaharlal Nehru e primeira força política da Índia independente durante décadas – conseguindo a primeira maioria absoluta no parlamento nacional em 30 anos.

Hoje, com esse triunfo, se insiste na importância da identidade, mas o certo é que os índices da bolsa estão em alta desde que sua vitória foi confirmada na sexta-feira (16/05). A notícia aumentou também a inquietude em setores sociais progressistas ou de esquerda, que veem nesse triunfo uma ameaça latente.

A feminista Urvashi Butalia, por exemplo, explica que nos principais eventos políticos do BJP nunca figuram mulheres. E é pior, afirma: “Quando mulheres foram estupradas em Gujarat, ele  permaneceu em silêncio. Não expressou simpatia ou apoio em relação às campanhas contra o estupro coletivo de 2012. Para quem aspira uma posição tão alta, era importante falar nesses momentos.”


Godhra e a morte de um deputado

Nas celebrações que aconteceram, Modi demonstrou sua fé e amor pelo futuro da Índia. Isso aconteceu em frente ao rio Ganges, na cidade sagrada de Varanasi, visitando sua mãe idosa. Em Mangalore, na costa sudoeste, a marcha que ele presidiu reuniu dezenas de milhares de pessoas, incluindo militantes de seus partido que entraram em uma mesquita atirando pedras e fogos artificiais, gritando aos fiéis que era hora de irem embora da Índia.


Algo semelhante aconteceu em 2002 em Gujarat, Estado que Modi governou por mais de 10 anos. Mas naquela ocasião, o horror foi ainda maior. Turbas de hindus, muitos dotados de instrução paramilitar, atacaram dezenas de bairros, mesquitas e comunidades muçulmanas na cidade de Godhra. Foi uma “reação” ao incêndio de um vagão de trem cheio de peregrinos hindus, disseram Modi e seus ministros estatais, mesmo depois de saberem que o fogo tinha sido acidental. Morreram cerca de 1.100 pessoas.

Trechos de documentário sobre o massacre de Gujarat, com legenda em inglês: 


Entre as vítimas, estava o ex-deputado do Congresso Eshan Jafri, assassinado a golpes na frente da casa e da família. Modi e seu governo disseram, em um informe oficial, que Jafri provocou a turba. O julgamento pelo massacre provou que, pelo contrário, que o político ligou para Modi pelo celular para solicitar proteção policial e recebeu nada mais que negativas e insultos do então governador.

Esses fatos, e o prestígio de Jafri como parlamentar, deixaram Modi sem visto para visitar a Europa e os Estados Unidos desde então. A Comunidade Europeia voltou a admiti-lo em janeiro. O governo de Obama não, mas como chefe de Estado reconhecerão seu status diplomático, vão outorgar o visto a ele e já anunciaram que esperam a nova experiência de negociar com Modi no poder em Délhi.

Em fevereiro de 2013, Modi explicou sua participação nesse massacre, dizendo que era como viajar no assento traseiro de um carro e ver como o chofer atropelava um cachorrinho. “O que eu poderia fazer?” disse, sorrindo em frente aos microfones. A Suprema Corte o absolveu da responsabilidade há dois meses.

Os filhos da serpente

Essa direita não é novidade na Índia. Tem sua origem moderna na criação em 1925 da Rashtriya Swayamsevak Sangh (Organização Nacional de Voluntariado, ou RSS), em Maharashtra, na época em que o fascismo e o sionismo germinavam na Europa. Não por acaso, os líderes históricos da RSS foram admiradores confessos de Hitler, por sua noção de “raça pura”, e do Estado de Israel, pela “homogeneidade étnica” de sua cidadania.

Wikicommons
A RSS tem sido, desde então, uma mescla efetiva de organização paramilitar com assistencialismo: o mesmo para ajudar em desastres naturais e para promover linchamentos e estupros ou, como em 1992, na mesquita Babri Masjid, demolições e apropriação de terras em poder de muçulmanos.
[Reunião do Rashtriya Swayamsevak Sangh  em 1939]

Todos os líderes do BJP pertenceram à RSS. De fato, fundaram o partido inspirados pela organização, que sempre considerou a Índia um território de hindus onde, por tolerância, há muçulmanos e, às vezes, cristãos.

Em seu código de valores, a RSS considera imorais o concubinato e a homossexualidade. Sem esquecer que as militantes aconselham as mulheres que apanharam, como mostrou uma reportagem de Neha Dixit no ano passado, tomar conta do humor do marido e “procurar não irritá-lo”.

Modi e seu ex-ministro de Interior em Gujarat Amit Shah se conheceram militando na RSS. Shah, principal artífice do triunfo de Modi, disse há duas semanas que todos os que se oponham a Modi terão de se mudar para o Paquistão quando ele assumir o poder.


No domingo (18/05), enquanto Modi começava os trabalhos para formar seu gabinete, a RSS anunciou que não participará do exercício e nem interferirá no novo governo. Mas isso, segundo o ativista político Xavier Diaz, não importa muito. O primeiro-ministro da Índia já tem sangue em suas mãos: “As listras de um tigre mudarão? Duvido”, afirmou.

Nuvens sobre a sociedade

O semanário EPW (Economical & Political Weekly), voz pública da esquerda hindu, explicou essa sexta-feira em um editorial que as eleições de 2014 deixaram, talvez, uma mensagem: a Índia está mudando. “Está se transformando em uma sociedade onde os que têm voz são cada vez menos tolerantes, menos compassivos e mais agressivos com os que não a tem.”


De fato, explica Diaz, “a opressão das minorias religiosas e étnicas será mais sofisticada”. Não tão vulgar, conclui, como em Godhra. “Mas, inclusive se for, os meios de comunicação vão minimizar o problema.”

São muitas as vozes nas redes sociais que, como Diaz, expressam sua preocupação com o que vem pela frente. Sobretudo em territórios indígenas ricos em minerais e bosques. Os compromissos políticos (e econômicos) de Modi com grupos industriais como Tata, Advani e Ambani  – que o financiaram generosamente – vão se transformar em uma assalto à riqueza natural.

Diaz acredita que “o governo entregará mais dinheiro aos adivasis (indígenas) para torná-los servos da economia do dinheiro, fazendo com que eles abandonem suas terras e sua agricultura e sejam reduzidos a proletários. Ou seja, é genocídio com etnocídio.”

Nesse país, o mais etnicamente diverso do planeta, essas políticas podem ser complicadas. Diaz espera resistências indígenas e muitas lutas para preservar territórios e formas de vida. Modi prometeu que a Índia será a superpotência do século XXI, haverá progresso e, acima de tudo, trabalho para todo mundo.

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