29.Dez.13 :: Outros autores
Há duas semanas muitas pessoas morreram num novo ataque violento. Desta vez não se tratou da acção de um homem armado
nem de um estudante que levou a cabo um tiroteio numa escola. As
vítimas foram um grupo de famílias que se dirigiam a um casamento na
localidade de Radda. Radda não se situa no Colorado nem em Connecticut,
mas no Iémen. A arma utilizada não foi uma pistola semiautomática de
fácil obtenção, mas mísseis lançados por um avião não tripulado dos Estados Unidos.
Dezassete pessoas, na sua maioria civis, morreram no ataque, perpetrado
na quinta-feira 12 de Dezembro. O Serviço de Jornalismo de Investigação
(BIJ, na sua sigla em inglês), uma organização com sede em Londres que
monitoriza os ataques estado-unidenses com aviões não tripulados,
publicou recentemente um relatório sobre os seis meses posteriores ao
mais importante discurso do Presidente Obama acerca da guerra com aviões
não tripulados, pronunciado na Universidade Nacional
de Defesa (NDU, na sua sigla en inglês) no mês de Maio. Nesse discurso
Obama prometeu que “antes de realizar um ataque, haverá quase absoluta
certeza de que nenhum civil morrerá nem resultará ferido, o parâmetro
máximo que podemos fixar”. O Serviço de Jornalismo de Investigação
resumiu no seu relatório: “Seis meses passados sobre esta fixação dos
parâmetros estado-unidenses para a utilização de aviões não tripulados
armados pelo Presidente Obama, uma análise do nosso Escritório demonstra
que morreram mais pessoas em ataques encobertos com aviões não
tripulados no Iémen e Paquistão nesse período do que nos seis meses
anteriores ao discurso de Obama”.
Custa compreender que num país que rejeita e condena os assassínios
massivos que ocorrem com demasiada frequência no seio das suas próprias
comunidades o Governo mate sistematicamente tantas pessoas inocentes no
estrangeiro.
Uma das maiores dificuldades para se poder fazer uma avaliação do programa de ataques com aviões não tripulados dos Estados Unidos é o secretismo que o rodeia. Os funcionários estado-unidenses não falam do programa, e muito menos de ataques específicos, especialmente quando morrem civis. Como reconheceu Obama no seu discurso: “A maioria das críticas aos ataques com aviões não tripulados, tanto aqui como no estrangeiro, centram-se, naturalmente, nas denúncias acerca das mortes civis. Há uma grande margem entre a estimativa das mortes realizada pelo Governo dos Estados Unidos e a dos relatórios não-governamentais. Entretanto, é um facto indiscutível que os ataques estado-unidenses provocaram mortes civis”. A BIJ calcula que nos últimos doze anos o número de mortos em ataques estado-unidenses com aviões não tripulados no Paquistão, Iémen e Somália supera os 4.000.
Enquanto os media estado-unidenses centram toda a atenção na possibilidade de que nos próximos anos a Amazon.com utilize pequenos aviões não tripulados para enviar as encomendas de Natal, é importante reflectir seriamente acerca do que estes robots aéreos estão fazendo atualmente. O correspondente de DemocracyNow! Jeremy Scahill vem há anos denunciando as guerras encobertas dos Estados Unidos. Fê-lo recentemente no seu livro e documentário denominado “Dirty Wars” (Guerras sujas). O filme acaba de ser nomeado para um prémio Óscar ao melhor documentário do ano. Após a nomeação, Scahill disse-nos: “Esperamos que, através do documentário, as pessoas prestem atenção a estas histórias, que os estado-unidenses conheçam, por exemplo, o que sucedeu aos residentes de uma localidade beduína em al-Majalah, Iémen, onde mais de trinta mulheres e crianças morreram num ataque com um míssil de cruzeiro estado-unidense que a Casa Branca tentou encobrir. Ou que fiquem a saber das pessoas que morrem em ataques nocturnos no Afeganistão ou em ataques com aviões não tripulados no Iémen e Paquistão”.
No seu discurso perante a Universidade Nacional de Defesa, o Presidente Obama afirmou: “Os Estados Unidos não realizam ataques para castigar as pessoas. Actuamos contra os terroristas que representam uma ameaça constante e iminente para o povo estado-unidense, e quando outros governos não são capazes de enfrentar essa ameaça de forma eficaz”. Nem Obama nem os seus colaboradores explicaram que tipo de ameaça representava para o povo estado-unidense um grupo de veículos que se dirigia a um casamento. O Governo do Iémen cumpriu a tradição local e indemnizou as famílias que foram vítimas do ataque mediante a entrega de 101 espingardas Kalashnikov e pouco mais de 100.000 dólares.
Os aglomerados rurais do Iémen encontram-se bloqueados no meio de um violento conflito, segundo refere Human Rights Watch num relatório publicado em Outubro intitulado “Between a Drone and Al-Qaeda” (“Entre os aviões não tripulados e a al-Qaeda”). Um mês apenas antes de Obama pronunciar o discurso perante a Universidade Nacional de Defesa, Farea al-Muslimi, um eloquente jovem iemenita que frequentou durante um ano a escola secundaria nos Estados Unidos, apresentou o seu testemunho numa audiência do Congresso. Seis dias antes desse testemunho, um ataque com avião não tripulado tinha atingido a sua aldeia, Wessab. Farea declarou: “O que os moradores de Wessab sabiam sobre os Estados Unidos baseava-se nas minhas narrativas acerca das minhas maravilhosas experiencias aqui. Agora, em contrapartida, quando pensam nos Estados Unidos, pensam no terror que sentem pelos aviões não tripulados que os sobrevoam, prontos para disparar mísseis a qualquer momento. Um avião não tripulado conseguiu num instante o que militantes violentos nunca antes tinham conseguido. Agora existe uma profunda ira contra os Estados Unidos em Wessab”. Finalizou o seu testemunho com a esperança de que “quando os estado-unidenses souberem realmente quanta dor e sofrimento têm causado os ataques com aviões não tripulados estado-unidenses (…) rechaçarão este devastador programa de assassínios selectivos”.
Os acontecimentos de violência sem sentido nos Estados Unidos configuram uma extensa lista de nomes associados a dor e a perda: Columbine, Tucson, Aurora, Newtown, Littleton. Graças ao constante trabalho de activistas comprometidos, jornalistas valentes e funcionários responsáveis, talvez os estado-unidenses venham também a recordar os nomes de Gardez, Radda, al-Majalah, Mogadíscio e de tantos outros lugares onde os ataques com aviões não tripulados continuam a ocorrer, sob um manto de secretismo.
Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2013 Amy Goodman
*Amy Goodman dirige Democracy Now!, um noticiário internacional que é diariamente emitido em inglês em mais de 750 emissoras de radio e televisão e em espanhol em mais de 400. É coautora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis comuns em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado por Le Monde Diplomatique Cone Sul.
Uma das maiores dificuldades para se poder fazer uma avaliação do programa de ataques com aviões não tripulados dos Estados Unidos é o secretismo que o rodeia. Os funcionários estado-unidenses não falam do programa, e muito menos de ataques específicos, especialmente quando morrem civis. Como reconheceu Obama no seu discurso: “A maioria das críticas aos ataques com aviões não tripulados, tanto aqui como no estrangeiro, centram-se, naturalmente, nas denúncias acerca das mortes civis. Há uma grande margem entre a estimativa das mortes realizada pelo Governo dos Estados Unidos e a dos relatórios não-governamentais. Entretanto, é um facto indiscutível que os ataques estado-unidenses provocaram mortes civis”. A BIJ calcula que nos últimos doze anos o número de mortos em ataques estado-unidenses com aviões não tripulados no Paquistão, Iémen e Somália supera os 4.000.
Enquanto os media estado-unidenses centram toda a atenção na possibilidade de que nos próximos anos a Amazon.com utilize pequenos aviões não tripulados para enviar as encomendas de Natal, é importante reflectir seriamente acerca do que estes robots aéreos estão fazendo atualmente. O correspondente de DemocracyNow! Jeremy Scahill vem há anos denunciando as guerras encobertas dos Estados Unidos. Fê-lo recentemente no seu livro e documentário denominado “Dirty Wars” (Guerras sujas). O filme acaba de ser nomeado para um prémio Óscar ao melhor documentário do ano. Após a nomeação, Scahill disse-nos: “Esperamos que, através do documentário, as pessoas prestem atenção a estas histórias, que os estado-unidenses conheçam, por exemplo, o que sucedeu aos residentes de uma localidade beduína em al-Majalah, Iémen, onde mais de trinta mulheres e crianças morreram num ataque com um míssil de cruzeiro estado-unidense que a Casa Branca tentou encobrir. Ou que fiquem a saber das pessoas que morrem em ataques nocturnos no Afeganistão ou em ataques com aviões não tripulados no Iémen e Paquistão”.
No seu discurso perante a Universidade Nacional de Defesa, o Presidente Obama afirmou: “Os Estados Unidos não realizam ataques para castigar as pessoas. Actuamos contra os terroristas que representam uma ameaça constante e iminente para o povo estado-unidense, e quando outros governos não são capazes de enfrentar essa ameaça de forma eficaz”. Nem Obama nem os seus colaboradores explicaram que tipo de ameaça representava para o povo estado-unidense um grupo de veículos que se dirigia a um casamento. O Governo do Iémen cumpriu a tradição local e indemnizou as famílias que foram vítimas do ataque mediante a entrega de 101 espingardas Kalashnikov e pouco mais de 100.000 dólares.
Os aglomerados rurais do Iémen encontram-se bloqueados no meio de um violento conflito, segundo refere Human Rights Watch num relatório publicado em Outubro intitulado “Between a Drone and Al-Qaeda” (“Entre os aviões não tripulados e a al-Qaeda”). Um mês apenas antes de Obama pronunciar o discurso perante a Universidade Nacional de Defesa, Farea al-Muslimi, um eloquente jovem iemenita que frequentou durante um ano a escola secundaria nos Estados Unidos, apresentou o seu testemunho numa audiência do Congresso. Seis dias antes desse testemunho, um ataque com avião não tripulado tinha atingido a sua aldeia, Wessab. Farea declarou: “O que os moradores de Wessab sabiam sobre os Estados Unidos baseava-se nas minhas narrativas acerca das minhas maravilhosas experiencias aqui. Agora, em contrapartida, quando pensam nos Estados Unidos, pensam no terror que sentem pelos aviões não tripulados que os sobrevoam, prontos para disparar mísseis a qualquer momento. Um avião não tripulado conseguiu num instante o que militantes violentos nunca antes tinham conseguido. Agora existe uma profunda ira contra os Estados Unidos em Wessab”. Finalizou o seu testemunho com a esperança de que “quando os estado-unidenses souberem realmente quanta dor e sofrimento têm causado os ataques com aviões não tripulados estado-unidenses (…) rechaçarão este devastador programa de assassínios selectivos”.
Os acontecimentos de violência sem sentido nos Estados Unidos configuram uma extensa lista de nomes associados a dor e a perda: Columbine, Tucson, Aurora, Newtown, Littleton. Graças ao constante trabalho de activistas comprometidos, jornalistas valentes e funcionários responsáveis, talvez os estado-unidenses venham também a recordar os nomes de Gardez, Radda, al-Majalah, Mogadíscio e de tantos outros lugares onde os ataques com aviões não tripulados continuam a ocorrer, sob um manto de secretismo.
Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2013 Amy Goodman
*Amy Goodman dirige Democracy Now!, um noticiário internacional que é diariamente emitido em inglês em mais de 750 emissoras de radio e televisão e em espanhol em mais de 400. É coautora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis comuns em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado por Le Monde Diplomatique Cone Sul.
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