sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Michael Roberts/ O legado económico de Mandela

por Michael Roberts [*]
Selo em homenagem a Mandela emitido pela União Soviética. A morte de Nelson Mandela recorda-nos da grande vitória que as massas negras da África do Sul alcançaram sobre o odioso, cruel e regressivo sistema do apartheid, encorajado primeiramente pelo imperialismo britânico e adoptado a seguir por uma reaccionária e racista classe dominante branca sul-africana para preservar os privilégios de uma minúscula minoria. Mandela passou 27 anos na prisão e o povo que ele representou combateu uma longa e árdua batalha para derrubar um regime grotesco, apoiado pelas grandes potências imperialista, EUA inclusive, durante décadas.

Apesar dos esforços dos conservadores britânicos, particularmente sob Margaret Thatcher, a campeã e conselheira global de todos os reaccionários, e de outros líderes imperialistas, o regime sul-africano foi finalmente deitado abaixo pelo sacrifício de milhões de negros: a força de trabalho nas minas; as crianças nas escolas e o povo nas cidades. Eles foram apoiados pelas acções de solidariedade dos trabalhadores e do povo nos principais países através de boicotes, greves e campanhas políticas. Foi uma grande derrota para as forças da reacção na Grã-Bretanha e EUA.

Mas o fim do apartheid deveu-se também a uma mudança de atitude por parte da classe dominante branca na África do Sul e das classes dominantes dos principais estados capitalistas. Houve uma decisão prática de não mais considerar Mandela como "terrorista" e reconhecer que um presidente negro era inevitável e mesmo necessário. Por que? A economia capitalista da África do Sul estava de joelhos. Isso não aconteceu só por causa do boicote, mas porque a produtividade do trabalho negro nas minas e fábricas havia piorado. A qualidade do investimento na indústria e a disponibilidade de investimento do exterior caíram drasticamente. Isto exprimiu-se na lucratividade do capital, que atingiu o ponto mais baixo do pós guerra na recessão global do princípio da década de 1980. E ao contrário de outras economias capitalistas, a África do Sul não podia encontrar caminho para contornar a crise senão através da exploração da força de trabalho.


Taxa de lucro na África do Sul.
A classe dominante tinha de mudar a estratégia. A liderança branca sob FW de Klerk reverteu décadas da política anterior e optou por libertar Mandela e ir para um governo de maioria negra que pudesse restaurar a disciplina do trabalho e ressuscitar a lucratividade. Pelo seu abandono, De Klerk obteve o Prémio Nobel da Paz juntamente com Mandela, que se tornou presidente com a idade de 76 anos! E a lucratividade na verdade ascendeu dramaticamente sob a primeira administração Mandela pois a taxa de exploração da força de trabalho disparou.

Taxa de exploração na África do Sul.
A ascensão na lucratividade diminuiu gradualmente no princípio da década de 2000 pois a composição orgânica do capital subiu drasticamente através do aumento da mecanização, embora provocasse uma nova subida na taxa de exploração. A indústria sul africana está agora em dificuldade, o desemprego e o crime permanecem nas alturas e o crescimento económico está a ir a pique.

A África do Sul sob Mandela, e depois sob Thabo Mbeki, experimentou alguma melhoria na situação realmente odiosa da maioria negra, no saneamento básico, habitação, electricidade, educação, saúde, etc, acabando o controle cruel e arbitrário do movimento e a desigualdade do regime do apartheid. Mas a África do Sul ainda tem a mais alta desigualdade de rendimentos e riqueza do mundo e a desigualdade nunca foi tão elevada quando capitalistas negros se juntaram brancos na economia. Apesar da sua declarada ideologia socialista, o ANC nunca avançou rumo à substituição do modo de produção capitalista pela propriedade comum, nem mesmo das minas ou indústrias de recursos.

Como diz a OCDE no seu relatório sobre a desigualdade de rendimento em economias emergentes: "Num extremo, o forte crescimento da produção durante a última década foi paralelo ao declínio da desigualdade de rendimento em dois países (Brasil e Indonésia). E no outro extremo, quatro países (China, Índia, Federação Russa e África do Sul) registaram aumentos pronunciados em níveis de desigualdade durante o mesmo período, apesar de as suas economias estarem a expandir-se fortemente".

A minúscula minoria de ricos, quase toda branca, permaneceu quase não afectada pelo fim do regime do apartheid. Mais uma vez, é a OCDE que o diz: "Isto é um desafio particularmente sério para a África do Sul, onde separações geográficas reflectem-se igualmente entre as raças. Embora os rendimentos reais tenham estado a ascender para todos os grupos desde o fim do apartheid, muitos africanos ainda vivem na pobreza. Seja qual for a medida da pobreza, os africanos são muito mais pobres do que as pessoas de cor (coloureds), as quais são muito mais pobres do que indianos/asiáticos, eles próprios mais pobres do que os brancos".

E agora os brancos ricos são acompanhados por negros ricos que dominam os negócios e exercem influência esmagadora sobre a liderança negra do ANC, o partido governante. O ANC exprime as agudas divisões entre a maioria da classe trabalhadora negra e a pequena classe dirigente negra que se desenvolveu. Estas clivagens irrompem de vez em quando mas ainda sem uma ruptura decisiva (como vimos recentemente quando a polícia, sob um governo negro, disparou sobre mineiros grevistas). O legado de Mandela foi o fim do apartheid; a luta pela igualdade e uma vida melhor continua com as gerações seguintes do seu povo.
06/Dezembro/2013
[*] Economista.

O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2013/12/06/mandelas-economic-legacy/


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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