Comissão Nacional da Verdade denuncia maus-tratos aos japoneses durante a ditadura Vargas
O Estado Brasileiro
cometeu graves violações dos direitos humanos contra membros da colônia
japonesa durante a Ditadura Vargas.
Audiência pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens
Paiva" em parceria com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), realizada
(10/10), tratou de casos de prisão, tortura e morte de imigrantes
japoneses durante a ditadura do presidente Getúlio Vargas, no período da
2ª Guerra Mundial.
A situação da colônia japonesa se agravou após a derrota do Japão. As
graves violações de direitos humanos apontadas na audiência se
estenderam ao longo dos dois primeiros anos do mandato do governo Dutra
(1946-47). O período investigado pela CNV vai de 1946 a 1988.
Parte dos japoneses acreditava que o Japão havia ganhado a guerra e
outros sabiam que tinha perdido, de tal forma que a colônia ficou
dividida entre vitoristas e derrotistas, respectivamente. Isso
desencadeou em uma forte divergência. Um dos resultados foi a decisão
dos vitoristas de executar o coronel Jinsaku Wakiyama, que integrava a
corrente rival.
A audiência pública contou com a presença do único sobrevivente, que é
um dos autores dessa execução, Tokuichi Hidaka, hoje com 87 anos. Ele se
entregou logo após a execução, passou 15 anos preso, a maior parte do
tempo em um presídio na Ilha de Anchieta, em São Paulo.
"O Japão era um país que considerávamos invencível e acreditávamos na
vitória. Não fomos chamados de fanáticos, mas tivemos educação de amor à
pátria, disciplina do povo japonês. Nessa ocasião existia um grupo de
esclarecidos que formaram outro bloco em contraponto aos vitoristas",
Tokuichi Hidaka.
O fato é que, durante o governo Vargas, a colônia sofreu perseguição e
lhe impuseram o silêncio sobre o que acontecia no Japão. As informações
que chegavam para muitos não eram consideradas confiáveis. Muitos
agentes pisavam na bandeira do Japão, ou queriam obrigar aos japoneses.
Ao se recusarem, eram presos.
Essa história foi abordada no documentário Yami no Ichinichi - O Crime que abalou a Colônia Japonesa no Brasil, do diretor Mário Okuhara.
Adriano Diogo, presidente da Comissão "Rubens Paiva", observou que é
importante a contextualização do clima da segunda guerra mundial para
desmentir as versões fantasiosas da época já que até hoje omitiram a
intolerância e a violência do Estado. "É preciso dar uma explicação para
a humanidade e poder pedir desculpas ao povo japonês", enfatizou
Diogo.
O crime que abalou a colônia japonesa
Okuhara disse que é preciso dar explicações e proporcionar um pedido de
desculpas ao povo japonês, pois até o momento os registros esconderam a
intolerância e a violência do Estado. A perseguição se deu em diversas
situações.
A senhora Shizuko Kambara, testemunha da época, tinha apenas 16 anos e
viu a prisão Fukuo Ykeda, um fotografo e artista plástico que acabou
sendo morto.
Akira Yamauchi, filho de Fusatoshi Yamauchi, gravou entrevista exibida
na Comissão e contou que insistiu muitas vezes que o pai contasse o que
passou durante a prisão na Ilha de Anchieta. O senhor Fusatoshi não
gostava de falar. "Ele contou que tinha um sargento que não gostava dos
japoneses e maltratava muito. Fizeram aquele corredor [polonês],
mandaram tirar a roupa [para bater]", relatou.
Fusatoshi Yamauchi e Tokuichi Hidaka estão entre os 170 japoneses que
cumpriram pena na Ilha de Anchieta. Para Rosa Cardoso, membro da CNV, o
conflito se deu, entre outros motivos, pelo isolamento e pela censura à
imprensa nipônica.
Ela destacou a responsabilidade do Estado brasileiro, e pediu desculpas
em nome da Comissão Nacional da Verdade à comunidade japonesa "Viemos
aqui para participar da reconstituição dessas memórias, homenagear e
pedir perdão [às vítimas]", afirmou.
Rosa Cardoso destacou também que a perseguição teve caráter racista.
"O descobrimento do Brasil veio seguido de genocídio contra os índios,
que eram considerados seres inferiores. Depois os negros também eram
pensados como animais e mercadoria. E, finalmente, os imigrantes também
eram considerados inferiores, em especial os asiáticos. Quando veio a
guerra, todas essas posições racistas renasceram", lembrou.
Muitos descendentes de japoneses compareceram na audiência, que contou
com a participação de 150 pessoas.
(Com a Comissão Nacional da Verdade)
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