domingo, 15 de setembro de 2013

Entrevista de Bashar Al-Assad


Entrevista de Bashar Al-Assad

Vamos discutir verdades fundamentadas

Malbrunot*
11.Set.13 :: Outros autores
É hoje uma verdade consabida que os jornalistas, de um modo particular os dos media ditos de referência, tem hoje em Portugal toda a liberdade de escrever o que o patrão pensa. E a mais não se sentem obrigados.
Por exemplo: o artigo da jornalista Sofia Lorena publicado no “Público” de domingo passado a pretexto da entrevista de Bashar Al-Assad que hoje publicamos na íntegra. Trata-se uma peça exemplar de manipulação jornalística e de formatação das consciências e, obviamente, é parte integrante do «Plano de Obama para ataque à Síria [precedido de uma] ofensiva mediática», tal como o mesmo jornal de 9 de Setembro confessa em título.


Malbrunot (MA): Os americanos e os franceses acusam-no de ter perpetrado um ataque químico no dia 21 de Agosto em Ghouta, que matou centenas de pessoas. Tem alguma prova que lhe permita afirmar que o seu exército não executou esse ataque?
Presidente Bashar Al-Assad (AS): Em primeiro lugar, quem acusa é que é responsável pela apresentação das provas que sustentam a acusação. Desafiámos os acusadores a apresentar uma prova legítima, mínima que fosse, coisa que não foram capazes de fazer. Já que a sua política externa deveria ser definida com respeito pelos interesses dos seus próprios povos, desafiámo-los a mostrar provas reais que sustentassem essas afirmações, não já a nós, mas à sua própria opinião pública. Também neste segundo caso não foram capazes de apresentar nada.
Em segundo lugar, que lógica há em nós termos levado a cabo um ataque dessa natureza, depois de dois anos de crise, quando, e posso assegurá-lo, a situação agora é muito melhor do que há um ano? Quem pode pensar que um exército que está a ter avanços significativos no terreno com armamento convencional, vá recorrer a armas de destruição massiva?
Naturalmente que não confirmo nem desminto que temos esse tipo de armas (este não é um assunto para discutir consigo). No que nos diz respeito, e supondo que as temos e que tivéssemos decidido empregá-las, alguém concebe que as tivéssemos utilizado precisamente na área onde os nossos soldados estão a combater? Será plausível que o uso dessas armas não tivesse matado dezenas de milhares de pessoas, visto que esse tipo de substâncias se propagam no ar?
MA: Houve soldados do exército sírio feridos por causa dessas armas?
AS: Houve, na zona de Baharia, em Damasco. Os inspectores da ONU visitaram-nos no hospital.
MA: Há quem diga que tem havido algum avanço do exército sírio no terreno. De qualquer modo, noutras áreas os rebeldes também avançaram e o senhor está a combate-los.
AS: Trata-se também de áreas residenciais. O uso armas químicas nessas zonas mataria dezenas de milhares de pessoas. Todas as acusações estão «baseadas» em informações sem qualquer substância, formuladas por terroristas e, tal como as fotografias, sem qualquer relação real com o contexto geográfico e vídeos surgidos na internet.
MA: Os norte-americanos disseram que interceptaram uma conversa telefónica entre um quadro do seu círculo próximo e oficiais do exército ordenando o uso de armas químicas.
AS: Se os norte-americanos, os franceses e os ingleses tivessem um filamento de legume que fosse como prova tê-lo-iam apresentado logo no primeiro dia. Não vamos responder a rumores nem a alegações tendenciosas. Vamos apenas discutir a partir de verdades fundamentadas. Se têm alguma coisa devem apresentá-la.
MA: É possível que alguém do seu círculo próximo ou oficiais do exército sírio tomassem a decisão sem o seu conhecimento?
AS: Uma vez mais – e não lhe estou a dizer que não temos esse tipo de armas – em qualquer país do mundo que tiver essas armas, a decisão do seu uso costuma estar centralizada. E de qualquer forma, essa seria uma informação militar classificada.
MA: Mas isso foi o que disse Jihad Makdisi [1].
AS: De modo algum. O que o senhor Makdisi disse foi que, se as tivéssemos não as usaríamos. Se as temos ou não é um assunto exclusivamente sírio.
MA: O presidente Obama adiou a intervenção militar na Síria. Como explica isto?
AS: Houve quem visse Obama como um líder débil por causa da sua decisão de atrasar ou suspender por dias ou semanas um ataque. Outros viram nele um líder forte de um país poderoso, pelo facto de levar a cabo uma guerra na Síria.
Na minha perspectiva, o poder assenta na habilidade de evitar as guerras e não em fazê-las. O poder deriva da habilidade que cada um tenha para estar desperto para os seus próprios erros e daí tirar as devidas lições. Se Obama fosse forte, ter-se-ia disponibilizado para afirmar a ausência de provas em relação ao uso de armas químicas por parte do Governo sírio. Ter-se-ia disponibilizado para afirmar que o correcto era aguardar os resultados das investigações das Nações Unidas, e tratar o assunto através do Conselho de Segurança da ONU. Mas, tanto quanto consigo ver é o contrário, trata-se de uma pessoa fraca, que cedeu às pressões internas exercidas por grupos reduzidos e que o levaram a ameaçar com uma acção militar. Tal como já lhe disse, os líderes fortes são os que evitam as guerras e não os que provocam o seu desencadear.
MA: O que diria aos membros do Congresso estadunidense, cujo voto determinará se haverá intervenção militar ou não?
AS: Antes de votarem deveriam interrogar-se com uma questão simples: O que é que as guerras preventivas disseram aos Estados Unidos ou inclusive à Europa? O que é que o Mundo conseguiu com a guerra na Líbia, a extensão do terrorismo no pós-guerra? O que é que o Mundo conseguiu com a guerra o Iraque e noutros locais? O que é que o Mundo conseguirá com o apoio ao terrorismo contra a Síria?
Os membros do Congresso estadunidense agem com a perspectiva de servirem melhor os interesses do seu país. Antes de votar deveriam avaliar a sua decisão à luz dos interesses do seu próprio país. Perpetuar a instabilidade e o extremismo no Médio Oriente não corresponde aos interesses estadunidenses. Não vai a favor do seu próprio interesse o facto continuarem a campanha iniciada por Bush, de estender a guerra ao longo de todo o Mundo.
Se pensarem com lógica e de acordo com os interesses do seu próprio país, não encontrarão qualquer benefício nestas guerras. Não obstante, muitos congressistas ainda não puseram a arte da lógica ao serviço da sua tomada de decisões políticas.
MA: Como responderá a esses ataques? Eles vão acontecer?
AS: Se pensarmos no Médio Oriente como um barril de pólvora cada vez mais próximo da explosão, então é claro que a questão não é qual será a resposta síria, mas o que se passará – num contexto amplo – depois do primeiro ataque. Os arquitectos da guerra são capazes de determinar o seu primeiro ataque – por outras palavras, podem determinar a sua própria acção, mas para lá disso é impossível qualquer previsão do que irá acontecer. Mal o barril explodir, então, toda a gente perde o controlo da situação. Ninguém tem capacidade para determinar os resultados, ainda que o certo é que o caos, as guerras e o extremismo nas suas diversas formas estender-se-ão por todo o lado.
MA: Há o perigo de derivar para um conflito regional?
AS: Naturalmente, esse é o perigo mais palpável. Hoje, a questão não é redutoramente a Síria, mas uma região inteira que alberga dentro de si ligações sociais, políticas e militares. Qualquer cenário a colocar ou esperar será, por isso, de carácter regional e não apenas sírio.
MA: É provável que Israel se converta num dos seus objectivos?
AS: Não está à espera que lhe responda quais são as nossas ideias… Não é realista pensar que revelemos os nossos planos mas, como afirmei, existem numerosos actores envolvidos neste processo e, portanto, limitar a análise a um só actor diminui o alcance daquilo que ocorreria.
MA: O que é que diria à Jordânia, actor conhecido por treinar os rebeldes no seu território? Que riscos haveria para a Jordânia o facto de o ataque se resolver a favor dos rebeldes e dos terroristas?
AS: A nossa política sempre se caracterizou por não exportar os nossos problemas para os países vizinhos. O que temos estado a fazer é responder aos milhares de terroristas que têm estado a entrar na Síria via Jordânia. Por seu lado, a Jordânia declarou que não cederá bases para um ataque militar contra a Síria. No entanto, se se desse o caso de não virmos a ter sucesso na nossa luta contra o terrorismo na Síria, só se pode esperar a extensão deste a países terceiros, com o seu caos e inerente extremismo.
MA: Está a avisar a Jordânia e a Turquia?
AS: Já anteriormente afirmámos o que acabo de lhe dizer e comunicámos-lhes directa ou indirectamente. Creio que a Jordânia está bem desperta para a situação real, apesar das pressões que recebe para continuar a prestar-se a ser uma rota assinalada de trânsito do terrorismo. No que respeita a Erdogan, não acredito que esteja absolutamente consciente do que está a fazer. Quanto a nós, a nossa prioridade agora é combater o terrorismo no solo sírio.
MA: Como responderão os seus aliados Hezbollah e o Irão a um ataque? Contam com o seu apoio se forem atacados?
AS: Não sou eu quem deve falar por eles, e eles já falaram claramente. Nós todos estamos conscientes de que a questão que nos afecta é uma questão de índole regional, que não permite separar artificialmente os interesses da Síria, dos do Irão, dos do Hezbollah e de outros países que nos apoiam.
Hoje a estabilidade regional depende da situação na Síria, facto que a Rússia tem como muito claro. A Rússia não está defendendo o governo nem o Estado sírios, mas defende a estabilidade regional, a partir do preclaro conhecimento que a Rússia acabará por ser afectada. Abordar a situação a partir do estreito prisma da aliança Síria-Irão é uma visão tão naïf como simplista. Estamos perante uma situação cujo significado vai muito mais longe.
MA: Os russos tranquilizaram-no pela forma como se dirigiram aos EUA a fim de tentar atenuar o seu ataque?
AS: Creio que não se pode confiar nos Estados Unidos. Não creio que exista outro país no Mundo capaz de assegurar que os estadunidenses não vão lançar um ou outro tipo de acção contra um terceiro país, tal como perseguir essa «promessa» não tem qualquer realismo.
Os Estados Unidos adoptam uma posição de manhã, para dar uma volta copérnica ao cair da noite. Dado que os Estados Unidos nem acatam a ONU nem a ouvem, não vejo como poderíamos estar «descansados».
MA: Como acabar com esta guerra; esta crise síria que já se prolonga há dois anos e meio? O senhor sugeriu um Governo de Unidade Nacional. A comunidade internacional sugeriu a Conferência de Genebra II. Como se pode deter o banho de sangue na Síria?
AS: Há uma grande diferença entre discutir as condições para uma solução no início da crise, e discutir uma solução no contexto presente. Enfatizei desde o primeiro momento que uma solução sobre a Síria apenas podia ser encontrada com diálogo. Através do diálogo ter-se-ia chegado ao estabelecimento de soluções materializáveis com a adopção de medidas políticas.
Hoje, a situação é diferente: estamos a combater terroristas cuja composição pertence em 80% ou 90% à Al-Qaeda. Estes terroristas não têm qualquer interesse que tenha a ver com legislação, política ou reforma. Não há outro tratamento para eles que não seja combate-los. Sem os combater não se pode dar mais à frente quaisquer passos políticos em frente. Assim, respondendo à sua pergunta, há que dizer que hoje em dia a solução só se pode encontrar a partir do momento em que se consiga estancar o fluxo de terroristas para dentro da Síria, assim como deter todo o apoio que estes recebem quer seja financeiro, militar ou qualquer outro.
MA: Quem é que os apoia?
AS: Principalmente a Arábia Saudita, seguida da Jordânia e da Turquia, que passam os terroristas para o solo sírio, e também os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França.
MA: Tem alguma prova de que a França tenha armado os terroristas?
AS: A postura política mantida pela França diz tudo, tal como o seu papel belicista na presente conjuntura, funções que seguem o Diktat directo do Qatar e de terceiros países.
MA: Pensa convidar a oposição a vir à Síria e garantir a sua segurança a fim de que possam sentar-se todos à volta de uma mesa e encontrar uma solução?
AS: Em Janeiro deste ano formulámos uma iniciativa em que se incluía o que pergunta, e outros pontos, com o objectivo de dar passos em frente para uma solução política. No entanto, essa oposição que refere foi criada no exterior, isto é, em França, no Qatar e noutros países. Não é, pois, uma oposição síria. Trata-se de uma oposição subordinada a ordens ditadas pelos seus amos, que os proibiram de participar na iniciativa referida. A isto há que juntar a sua falta de apoio popular no interior da Síria. E apesar de todas essas contrariedades, convidámo-los a vir cá e eles não responderam.
MA: De qualquer modo, alguns deles não responderam com medo em relação às sua própria segurança, temendo der presos, tal como o foi Abdul Ziz Al-Khayer. Pode dar-lhes garantias?
AS: A verdade é que temos dado garantias. Tenho vindo falar-lhe de pontos políticos em que se incluíam garantias de segurança para qualquer membro da oposição que queira vir à Síria com o objectivo de participar no diálogo.
Apesar disso, nunca tiveram a pretensão de vir, ou não lhes foi dada permissão para isso. Nós não matámos nem detivemos nenhum membro da oposição: todos os amigos de Abdul Aziz Al-Khayer estão na Síria; porque que razão íamos prender um e deixar os outros em liberdade? Qual seria a lógica disso?
MA: Como explica a actual posição da França em relação a vós? Foram amigos durante o mandato de Sarkozy e o senhor, que gozava de uma relação amistosa com a França, visitou-a em várias ocasiões. Como explica isto?
AS: Nunca houve uma relação de amizade. Desde que sempre esteve claro que a França, em resposta a «solicitações» estadunidenses, tentava manipular a política síria. Inclusive a alteração positiva de 2008 interrompeu-se ao som da música do Qatar para a França, condição que também explica o retorno negativo em 2011. É uma evidencia que a política gaulesa para com a Síria reflecte inteiramente os desejos estadunidense e do Qatar.
MA: O parlamento francês vai reunir quarta-feira, coincidindo com um grande debate que actualmente atravessa a França, e onde há quem acredite que Hollande foi neste assunto demasiado longe. Que mensagem dirigiria aos parlamentares franceses antes da sua reunião e votação?
AS: Há poucos dias o ministro do Interior francês retractou-se afirmando textualmente que «a participação francesa depende do que diga o Congresso estadunidense», isto é, não referiu o parlamento francês. Permita-me que lhe pergunte: perante quem responde o governo francês? Perante o parlamento francês ou perante o congresso dos Estados Unidos? Desde 2003, em linha com a «superação» da invasão do Iraque que a França renunciou à sua independência e passou a fazer parte da política externa dos Estados Unidos. Foi isto que caracterizou Chirac, Sarkozy e agora Hollande.
De modo que a verdadeira questão é: devolverá a reunião parlamentar a independência da França e devolverá aos franceses a capacidade de tomar as suas decisões? Esperamos que assim seja. Já que se pressupõe que os parlamentares trabalham em prol dos interesses franceses, afrontarão os representantes do povo francês o extremismo e o terrorismo? Darão apoio aos que cometeram os atentados do 11 de Setembro em Nova Iorque ou dos que fizeram explodir o comboio em Espanha? Darão os representantes do povo francês apoio aos que assassinam pessoas inocentes na própria França?
Como é possível estar contra indivíduos como Mohammed Merah em França e apoiar outros como ele na Síria? Adoptará o modelo estadunidense dos «dois pesos e duas medidas»? Como podem dizer ao seu povo que a França é um povo laico e ao mesmo tempo dão apoio ao sectarismo e ao extremismo noutras partes do Mundo? Como pode a França arrogar-se em advogada da democracia quando um dos seus principais aliados vive em plena Idade Média?
Definitivamente, a minha mensagem aos parlamentares gauleses é: reencontrem vós-próprios os caminhos da Revolução Francesa; esses princípios de que o Mundo inteiro está orgulhoso: Liberdade, Fraternidade e Igualdade.
MA: Referiu-se aos interesses nacionais franceses. Se a França intervém militarmente, seriam prejudicados os seus interesses na Síria ou na região?
AS: Isso não posso saber responder porque depende dos resultados da guerra. Mas o mais provável é que a França veria efectivamente truncados os seus interesses. Existe hoje na Síria ira e indignação generalizadas para com a política francesa, facto que inevitavelmente afectará os interesses franceses na região. Além disso, e diferentemente do que sucedeu anteriormente, países significativos da região começaram a voltar as costas à Europa no que se refere ao estabelecimento de sociedades económicas e cooperação, e há algum tempo que, em contrapartida, olham para Este, onde existe reciprocidade e respeito entre os países.
MA: Está então a apelar à cordura, à Razão?
AS: Ao senso comum e à ética.
MA: Pensa apresentar-se às próximas eleições presidenciais sírias? [2]
AS: Isso dependerá da vontade do povo sírio. Se me constar que há um desejo popular alargado em relação à minha candidatura, não me oporei a apresentar-me, e vice-versa. Não podemos consolidar dispositivos e medidas necessárias à realização de eleições, dado o panorama presente na Síria, mas possuímos os indicadores prospectivos de que estas poderão ser feitas. Por outro lado, o maior indicador de que existe um apoio a uma eventual decisão de me apresentar novamente como candidato, é que quando se está a enfrentar uma invasão terrorista multinacional – procedente de uns 80 países – apoiada pelo Ocidente» e por vários Estados árabes não se pode continuar, a menos que o povo nos apoie. No entanto, a Síria já leva dois anos e meio de resistência, facto que em si, é um indicador significativo da força do apoio popular.
MA: Estaria disposto a combater e dar a sua vida pela Síria?
AS: O povo, quando é necessário defender o seu país, fá-lo; Não importa se é o presidente ou os cidadãos. Esta não uma questão individual, ela respeita a toda a nação. Que sentido tem a vida se outros mataram o teu país?
MA: O senhor assume a responsabilidade pelos erros cometidos tanto pelo exército, como pelas forças de segurança? Assume que houve erros?
AS: Todo o ser humano erra na sua actividade. Quem não comete erros ou não é humano o não faz nada. E eu sou humano e trabalho. No entanto, quando queremos avaliar os nossos erros, fazemo-lo á luz dos factos e dos seus resultados patentes. Agora estamos precisamente no coração da batalha. Quando esta acabar podemos abordar os resultados e determinar os nossos acertos e os nossos erros em relação a assuntos particulares.
MA: Tem confiança de que vai vencer esta batalha?
AS: A história da nossa região ensina-nos que quando o povo luta na sua autodefesa, vence inevitavelmente. A guerra que nos assedia não é uma guerra contra o governo ou contra o presidente, mas contra a Síria, e a Síria vencerá.
MA: Apesar da sua afirmação, o exército perdeu o controlo de certas áreas, tanto a Norte como a Sul e a Este. Acredita que pode recuperar estas áreas?
AS: A questão não é etiquetar territórios como «sob controlo do exército» ou «sob controlo dos terroristas». Não há uma só área onde o exército se tenha proposto entrar e não o tenha feito. O desafio real é deter o fluxo contínuo dos terroristas através das fronteiras e deter os estragos sociológicos e populacionais que os terroristas provocam naquelas áreas que conseguem tomar de assalto.
MA: Moratinos, um antigo amigo seu, dizia-me outro dia que não pode entender que há na cabeça de Bashar Al-Assad; como pode estar supostamente perpetrando tanta violência no seu país.
AS: Há aí uma pregunta subjacente através da seguinte pergunta: Como pode a França permitir que os terroristas que assassinam cidadãos franceses estejam a assassinar na Síria? E como não qualificar de terrorista o comportamento da polícia britânica durante os distúrbios do ano passado? Por que enviaram os Estados Unidos o seu exército para as ruas de Los Angeles na década de noventa? E por que razão outros países podem falar de legitimidade para se defenderem do terrorismo, e a Síria não o pode fazer? Por que não foi possível a Mohammed Merah ficar vivo em França e continuar a assassinar civis, enquanto devia ser permitido a esses mesmos terroristas ficarem na Síria para assassinar as pessoas?
MA: Como mudou a sua rotina governamental desde o início da «crise»? Há quem sugira que depois de dois anos e meio o senhor está sozinho a dirigir a Síria.
AS: Isso é precisamente o que eu punha em questão: se o «ocidente» está contra mim, e também o estaria o povo sírio, então como pode conceber-se que eu continue a governar o país? Isso não é lógico. Só posso continuar a governar graças à força do apoio popular e à força do Estado sírio. Infelizmente, as pessoas que fazem tais conjecturas não abordam com objectividade esta realidade que lhe exponho.
MA: Alguns jornalistas foram sequestrados na Síria. Tem alguma informação de como se encontram? Estão sequestrados pelas autoridades sírias?
AS: Acredita mesmo que fomos nós?
MA: O que é certo é que eles foram sequestrados no Norte da Síria. Estão ao corrente da situação?
AS: Se é que esses jornalistas foram sequestrados pelos terroristas, é a eles que deveria perguntar. Mas se é que algum deles foi preso por ter entrado no país de forma ilegal, será levado a julgamento em vez de ser mantido numa cela. Se fosse esse o caso, essa pessoa teria as acusações de acordo com as leis sírias e, portanto, o caso seria do conhecimento público e geral.
MA: Está a colocar-se na posição de cooperar com as autoridades francesas em matéria de segurança. Isso é uma coisa que não aconteceu no passado…
AS: Qualquer cooperação, não importa se em matéria de segurança, económica ou militar exige consenso político. Não é possível manter uma cooperação com um país que pela sua parte mantém um conflito de interesses com esse mesmo país.
MA: Depois da morte do seu pai, o senhor viajou até França e foi recebido pelo presidente Chirac. Toda a gente o via como um presidente jovem e prometedor, além de um oftalmologista de sucesso. Hoje, desde o início da crise, a imagem mudou. Até que ponto o senhor mudou como pessoa?
AS: A questão é: mudou esta pessoa na sua substância? Num instante os meios de comunicação podem manipular a imagem de uma pessoa, ainda que na realidade essa pessoa permaneça invariável. Eu pertenço ao povo sírio; defendo os seus interesses e independência e jamais me renderei à pressão externa. Posso cooperar com terceiros sempre e quando a dita cooperação tenha um sentido de promover os interesses do meu país.
Isso é precisamente o que nunca puderam compreender; acreditaram que podiam facilmente manipular um presidente jovem, e que, por eu ter estudado no «ocidente», teria esquecido a minha cultura de origem. Tal atitude e expectativa é ingénua e infantil. Não fui eu que mudei; foram eles que desde o princípio me imaginaram de forma distorcida, pois era isso o que queriam. Mas seria bom que aceitassem a imagem real de um presidente que afirma a independência do seu país.
MA: A França tornou-se inimiga da Síria?
AS: Todo aquele que dá apoio financeiro ou militar aos terroristas é, objectivamente, inimigo do povo sírio. Todo aquele que facilita o assassínio de um soldado sírio, ou que trabalha contra os interesses do país e do seu povo, é inimigo da Síria. Não me refiro ao povo francês, pois acredito que é o governo francês quem trabalha contra os interesses e a vontade do seu próprio povo. Entre os conceitos de governo adverso e nação adversa há uma diferença qualitativa. O povo francês não é nosso inimigo, mas sim a sua política governamental, adversa ao povo sírio.
MA: O governo francês é inimigo da Síria?
AS: Quanto mais adversas ao povo sírio são as políticas governamentais francesas, mais inimigo do povo sírio é o governo francês. As actuais políticas adoptadas pelo governo francês, como as que mencionei anteriormente, são hostis à Síria. Por isso a hostilidade é objectiva, e só poderá ser deixada para trás quando o próprio governo francês redefinir as suas políticas.
Notas do tradutor
[1] Jihad Makdisi foi ministro dos Negócios Estrangeiros até final de 2012 e então terá desertado e levado consigo a família para um país do Golfo.
[2] Estão previstas para 2014
* Jornalista
Esta entrevista foi publicada em 3 de Setembro de 2013.
Título da responsabilidade de odiario.info.
Tradução de José Paulo Gascão
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