Fonte - Realpolitik
Navegando encontrei este vídeo que é uma entrevista com uma senhora georgiana, "Era a vida melhor sob Stálin?". Essa senhora nasceu em uma família pobre de trabalhadores manuais, ela mesma já fez trabalhos braçais, estudou sob o socialismo, serviu na guerra e inclusive foi super-intendente de uma campo de prisioneiros de guerra (principalmente alemães) - quer dizer, foi parte da "casta burocrática stalinista", apesar da sua pobreza não indicar isso para os incautos. De qualquer forma, me chamou atenção a extrema simplicidade da forma como ela entende o socialismo, captando em poucas palavras a lógica do mesmo de maneira que muitos acadêmicos e "teóricos marxistas" não conseguem.
"Um
homem como Stálin nunca nasceu na Geórgia! Aqueles tempos eram
magníficos!", diz ela. Neste momento, ela complementa: "Os preços eram
constantemente reduzidos! Se Stálin não tivesse morrido, ele teria feito
sabão, eletricidade e água de graça". Pronto, esta é a lógica do
socialismo. Desde Lenin, seja Trotsky ou seja Stálin, os comunistas
enfatizam a tarefa primordial deaumentar a produtividade do trabalho.
Muitos socialistas simplesmente ignoram isso, talvez por serem jovens
idealistas inspirados por sentimentos de justiça. O principal objetivo
do socialismo é aumentar a produtividade do trabalho, e era esse o fim
perseguido na URSS de Stálin, reduzir os custos através do aumento da
produtividade do trabalho. Essa é basicamente a principal diferença do
socialismo "antes e depois" de Stálin, tanto na URSS como no resto do
mundo. Na década de '60, o principal critério de avaliação da economia
soviética deixa de ser a produtividade do trabalho e se torna a taxa de
lucro de unidade produtiva. As taxas mais elevadas da produtividade do
trabalho foram alcançadas nos anos '50 e depois caíram e estagnaram nas
décadas posteriores.
A
referência que ela faz a gratuidade de certos produtos, como a água e a
eletricidade, também é notável. Realmente, no fim de sua vida Stálin
desejava dar um passo a frente na direção do comunismo. Por princípio, é
a produtividade do trabalho que permite a construção do comunismo, a
distribuição comunista segundo a necessidade, quer dizer, a expansão do
acesso aos produtos e até sua distribuição gratuita. Stálin na altura da
publicação de seu "Problemas Econômicos do Socialismo na URSS"
considerava a possibilidade de se dar um passo a mais de distância em
relação a produção mercantil e na direção do comunismo. Segundo ele, a
superação da produção mercantil é uma das tarefas do socialismo.
Reconhece que isso não depende da vontade subjetiva de um líder, de um
partido ou mesmo de todo um povo, mas que depende de leis econômicas
objetivas. No entanto, enfatiza que é tarefa do Partido Comunista
conduzir já na etapa socialista a transição para formas comunistas
não-mercantis.
I. V. Milianov, biógrafo de Stálin, fala um pouco sobre isso:
«Mikoian, segundo o próprio afirmou, mal se familiarizou com a brochura de
Stáline, adoptou de imediato uma posição crítica em relação a uma série de teses.
“Quando acabei de a ler, fiquei surpreendido: afirmava-se que a etapa da circulaçãomercantil na economia se tinha esgotado, que era preciso passar para a troca deprodutos entre a cidade e o campo. Isto era um extraordinário desvio esquerdista.Expliquei-lhe que, pelos vistos, Stáline planejava realizar a construção do comunismono nosso país ainda durante a sua vida, o que, evidentemente, era uma coisa irreal”.Segundo as palavras de Mikoian, “passado pouco tempo da discussão na datcha,caminhava ao lado de Stáline num corredor do Kremlin quando este me disse comum sorriso irónico malicioso: ‘Estiveste estupendamente calado, não revelasteinteresse pelo livro. É claro que te aferras à circulação de mercadorias, aocomércio’. Respondi a Stáline: ‘Tu próprio nos ensinaste que não podemosapressar-nos e saltar de uma etapa para a outra, e que a circulação mercantil e ocomércio permanecerão ainda durante muito tempo como meio de troca nasociedade socialista. Efectivamente duvido de que tenha chegado o momento datransição para a troca de produtos’. Ele retorquiu: ‘Ah é assim! Estás atrasado.Pois o momento é chegado precisamente agora!’ Na sua voz havia uma entoaçãomaliciosa. Ele sabia que nestas questões eu era mais entendido do que qualqueroutro, e não lhe agradava que não o apoiasse.
(apud V.D. Pikhorovitch, A alternativa rejeitada à reforma de mercado de 1965 Por ocasião do 80.º aniversário do nascimento de V.M. Gluchkov , pg. 8, acessado as 14:00 22/08/2013 em http://www.hist-socialismo.com/docs/Gluchkov.pdf)
Alguns
anos após a morte de Stálin, o complexo unificado que caracterizava a
economia passa por um processo de desintegração e fragmentação. A
unidade ganha um aspecto mais formal, com o Estado guiando a economia,
distribuindo investimentos e controlando o crédito, enquanto na prática
há uma autonomia financeira por parte das empresas. O sistema soviético
se torna uma versão menos radical do sistema iugoslavo. A
redução do custo da produção (i.e. aumento da produtividade do
trabalho) deixa de ser o principal objetivo das empresas e é substituído
pela busca pelo lucro. Antes
considerava-se apenas a rentabilidade da economia nacional (que era como
uma única empresa, um complexo unificado), agora cada empresa deve se
preocupar com sua própria taxa de lucro. Naturalmente cresceram as
desigualdades - cresceu a desproporção setorial, operários de uma mesma
função ganhavam salários diferentes por estarem em setores distintos, os
empregados dos setores mais lucrativos tiveram um aumento salarial
muito grande e incapaz de ser atendido pela economia soviética o que
estimulou o mercado negro, etc. Se antes a intenção era reduzir custos,
agora eles aumentavam com a busca pelo lucro - aumentavam nas relações
de uma empresa com outra, afetando a economia nacional, e em relação ao
consumidor, mais uma vez fornecendo um estímulo para o mercado negro
(quanto ao mercado negro ainda há um terceiro fato relacionado as
reformas, que são os excessos, as "sobras" de capital proveniente do
lucro, permitindo re-investimentos).
Explica Prof. Natália Olegova Arkhanguelskaia:
Mas foi o anseio de se obter lucros em cada empresa, em vez da situação anterior em que se considerava apenas a rentabilidade da economia nacional no seu conjunto, que exacerbou, em muito maior grau, a oposição entre a sociedade e os colectivos laborais. Em resultado produziu-se a separação económica dos colectivos laborais, o que conduziu à formação de relações de produção fundamentalmente diferentes das anteriores. Se antes os interesses do colectivo e da sociedade coincidiam no essencial, agora estavam em contradição entre si.
As mudanças iniciadas neste período foram consolidadas com a reforma de 1965. Esta reforma levou à desintegração e fragmentação do complexo económico unificado, pretendendo-se garantir não só a rentabilidade da economia nacional no seu conjunto, mas também que cada empresa separadamente obtivesse lucros. Em consequência, também a grande comunidade de trabalhadores deste complexo dividiu-se em colectivos separados.(...) Antes de mais, a sociedade e os colectivos foram colocados em oposição entre si com a introdução do pagamento pelo capital. O pagamento pelo capital fixo ecirculante passou a ser incluído no plano de lucros das empresas. A introdução deste pagamento marcou a mudança de relações entre os colectivos laborais e o Estado. No período anterior partia-se do pressuposto de que os colectivos das empresas faziam parte do povo, que era o detentor dos meios de produção, podendo utilizá-los sem qualquer tipo de pagamento. Agora resultava que os colectivos laborais tinham de pagar pelo capital utilizado e, por conseguinte, passavam a ser considerados não como parte dos proprietários dos meios de produção, mas como uma espécie de arrendatários. Assiste-se assim a uma peculiar «espoliação» da propriedade do produtor e a uma oposição do último em relação ao Estado. Os colectivos laborais e a sociedade estão em oposição entre si enquanto proprietário dos meios de produção e sujeitos que os utilizam. Os colectivos laborais não são proprietários das empresas e não podem dispor delas plenamente, por conseguinte, se por enquanto ainda não existem massas de proprietários isolados, simultaneamente os colectivos já não fazem parte do proprietário plural. Esta situação dificilmente poderia ser estável, teria de conduzir a ulteriores mudanças, o que veio a ocorrer no limiar dos anos 90.
(...) Antes da reforma, um dos mais importantes indicadores do funcionamento das empresas era o preço de custo da produção e a sua redução, por outras palavras, eram considerados os gastos de trabalho vivo e social [trabalho passado]. As empresas eram incentivadas a reduzir os gastos do trabalho, o que se traduzia na redução do preço de custo em relação aos objectivos do plano, sendo que uma parte significativa dos meios economizados ficava no colectivo laboral. Deste modo, não só o colectivo estava interessado na redução do preço de custo, mas também a sociedade, uma vez que podia receber maior variedade de produtos com iguais gastos de trabalho. Isto criou uma comunhão de interesses entre a sociedade e os colectivos de trabalho, o que contribuiu em muito para o próspero desenvolvimento económico do país e para a formação de uma psicologia colectivista.
Essas
razões estão entre as que levam alguns a afirmar, num pensamento
estritamente marxista, que a URSS foi o país que mais avançou na
construção do socialismo, que "realizou a primeira etapa". Não só por
ter desenvolvido mais suas forças produtivas, mas por ter avançado mais
em suas relações de produção. No Leste Europeu o nível de socialização
não chegava nem mesmo nos níveis da URSS pós-Stálin, além de esboçarem
suas próprias noções de socialismo de mercado. Em Cuba na década de '70
adota-se o modelo soviético com alguns elementos cubanos (nota: Che
havia criticado o sistema econômico soviético e defendeu a "via
stalinista" para Cuba, o Sistema Orçamentário de Financiamento). Na
Iugoslávia as unidades produtivas eram mais autônomas do que na URSS. A
China, ainda no período Mao, flutuava entre diversas formas propriedade
com um considerável nível de descentralização (você tinha fábricas
estatais "à soviética", fábricas privadas e fábricas comunais) e agora
tem um sistema de mercado com controle macroeconômico e "superioridade
do setor socialista"(o setor estatal é o maior). A Coreia é um caso mais
sui generis, mas ainda sim com maior autonomia regional e fábricas
independentes.
A
URSS era um país socialista, quer dizer, tinha um sistema econômico
socialista, assentado na produção socializada. É esse o fator que a
torna socialista, o que não depende julgamentos morais. Vejo muitas
concepções demasiado emotivas de "socialismo", desligadas do fator
econômico e distintas do marxismo (apesar de muitas vezes a Marx
prestarem homenagem). Jovens guiados por ideais de justiça e uma
sociedade perfeita denunciam a URSS sem levar em conta sua base
econômica, submetendo-a ao julgamento de suas normais ideias e de seu
corações sensíveis. Uma coisa são as relações de produção da URSS e
outra coisa são "erros e acertos" de Stálin - até Trotsky era consciente
disso e, pelo menos no campo das palavras, defendia a base econômica da
URSS. É muita gente falando da URSS sem saber, sem pensar nesses
termos. É no mínimo irônico que muitos dos que se consideram atualmente
"campeões do anti-capitalismo" ataquem ferozmente uma das principais
alternativas ao capitalismo, na maioria das vezes devido a pressão da
propaganda anti-comunista ocidental e clichês que eles aceitam como
verdades para depois dizer que "isso não é socialismo" - fazem o jogo
daquele que teoricamente seria o inimigo. Realmente, olhando por este
lado, a propaganda aliada ao acontecimento histórico da desintegração da
URSS tem efeitos devastadores na esquerda, o que só piora com uma
tradicional falta de estudos, senso comum, presunção e pedantismo.
Existe uma certa dificuldade em se utilizar o termo "socialismo"
objetivamente, como uma característica de um fenômeno e não um elogio
onde cada auto-proclamado socialista o aplica naquilo que ele considera
ideal. É por isso que re-afirmo o que disse no começo: essa senhora do
vídeo entende mais de "socialismo" do que muitos "socialistas".
"Uma
forma de pensar "puramente" normativa, idealista e ultimatista quer
construir o mundo à sua imagem e desfazer-se simplesmente dos fenômenos
de que não gosta. Só os sectários, quer dizer, a gente que é
revolucionária só na sua própria imaginação, se deixam guiar por puras
normas ideais. Dizem: não gostamos destes sindicatos, não os
defendemos." (Trotsky, "Um Estado Não Operário e Não Burguês", 25 de Novembro de 1937)
Fonte
"Sobre
algumas causas da restauração do capitalismo na URSS", N.O.
Arkhanguelskaia http://www.hist-socialismo.com/docs/CausasrestauracaocapitalismoURSS.pdf
Fonte II : Comunidadestalin.blogspot.com
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