quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Primeiro israelense que rejeitou exército diz que jovens "são fieis à sua consciência"

 

Giyora Neumann, de 60 anos, decidiu recusar o serviço militar logo após a guerra de 1967


Reprodução
Giyora Neumann, de 60 anos, se recusou a servir o Exército israelense quando tinha 18 anos, em 1971. Desde então, milhares de israelenses já fizeram diversos tipos de atos de recusa por não quererem colaborar com a ocupação israelense dos territórios palestinos.
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[Foto difundida pelos jornais do jovem Giyora Nuemann, então com 18 anos]

Em entrevista a Opera Mundi, o pioneiro israelense, que é jornalista e mora em Tel Aviv, faz um balanço de sua história, do contexto politico da época e do atual. Segundo ele, "a autoimagem dos israelenses" naqueles anos, "com o respaldo da comunidade internacional, era a de que a justiça estava do lado de Israel", por isso o choque foi tão grande frente ao seu ato.

Além disso, Neumann acreditava, nos anos 1970, que a ocupação teria data de validade. "Porém, infelizmente hoje podemos constatar que a ocupação não é temporária. Israel se esforçou de todas as formas para enviar mais e mais colonos para os territórios palestinos e assim eternizar a ocupação", lamentou.
Opera Mundi: Como aconteceu a decisão de recusar o serviço militar em 1971?
Gyiora Neuman: Éramos quatro jovens de 18 anos: três homens e uma mulher, todos membros ou simpatizantes da organização Matzpen (grupo socialista e antissionista de judeus e árabes). Decidimos escrever uma carta ao ministro da Defesa, Moshe Dayan, e declarar que não estávamos dispostos a servir o Exército por sermos contra a ocupação dos territórios palestinos.

Naquela época, a ocupação ainda era recente. Somente quatro anos haviam passado desde a guerra de 1967 e ainda não se via os piores efeitos da política que observamos durante os anos posteriores. Já não concordávamos com o próprio fato de Israel ocupar e reprimir outro povo.

OM: Como foi a reação do Exército?
GN: Fomos presos. Meus três companheiros chegaram a diversos tipos de acordos e eu acabei ficando na prisão, onde passei um ano. Durante aquele período, fui julgado seis vezes por tribunais militares. No final de 1971, o exército acabou aceitando o meu pedido para prestar serviço em um hospital civil. Trabalhei os dois anos restantes no Tel Hashomer (perto de Tel Aviv) e o exército reconheceu o primeiro como ano de serviço.

OM: Você sofreu pressões por parte do exército para reverter sua decisão?
GN: Sim. Durante aquele ano diversos oficiais tentaram me convencer, de diversas formas. Alguns me ameaçaram, dizendo que eu ficaria na prisão por muitos anos. Outros tentavam apelar para a pressão moral, argumentando que humanistas como eu poderiam ser muito importantes no serviço militar para impedir violações de direitos humanos dos palestinos.

OM: Qual foi a reação da sociedade israelense?
GN: Nossa carta de recusa causou um verdadeiro escândalo. O assunto foi discutido no Parlamento e até pelo próprio gabinete do governo, que naquela época era dirigido por Golda Meir. Ela ficou muito indignada com o nosso ato, sem precedentes e, no período, colocou obstáculos a qualquer acordo comigo. Dayan fez declarações me condenando. Durante meses não havia um dia em que não saía algo na imprensa, geralmente negativo, sobre esse assunto.

Lembro-me que naquela época o jornal Yediot Ahronot (o maior do pais) publicou uma pesquisa de opinião em que os cidadãos nomearam quem eles mais odiavam e gostavam. Na lista dos odiados, eu estava em terceiro lugar, depois do nazista Adolf Eichman e do líder do partido comunista Meir Vilner. No entanto, vale lembrar que uma minoria, de intelectuais e pessoas de esquerda, exigiu minha libertação e defendeu meu direito democrático de não prestar serviço militar.

OM: Como você interpreta a comoção que sua recusa causou?
GN: Mais que raiva, eu acho que os governantes e também grande parte do público se sentiram ofendidos. A autoimagem dos israelenses naquela época, com o respaldo da comunidade internacional, era de que a justiça estava do  lado de Israel.Apenas quatro anos após a guerra de 1967, a sociedade israelense ainda estava imersa em uma sensação de euforia com a vitória e poucos em Israel entendiam o desastre que era a ocupação. Havia um consenso quase que total sobre a obrigação moral de servir o exército. Nessas circunstâncias, quatro jovens israelenses se recusarem a prestar serviço militar era um fato impensável para a grande maioria. Foi um grande choque.
Guila Flint/Opera Mundi

"Havia um consenso quase que total sobre a obrigação moral de servir o exército", lembra Neumann sobre quando era jovem 

OM: E como foram as reações no exterior?
GN: Muito mais positivas. Na Europa e na América do Norte houve campanhas pela minha libertação, dirigidas tanto por grupos pacifistas como pela esquerda. Aqueles que se manifestaram em meu favor foram os mesmos que, naquela época, protestavam contra a guerra do Vietnã.

A personalidade internacional mais conhecida foi Jean Paul Sartre, que escreveu uma carta ao governo israelense exigindo minha libertação. Durante o ano em que fiquei na prisão, recebi dezenas de cartas de apoio, do exterior, por dia.

OM: Como você analisa sua recusa ao colocá-la em perspectiva nesses 42 anos?
GN: Naquela época eu não imaginava que a ocupação poderia durar tanto tempo. Desse ponto de vista parece um pesadelo. Não que pensasse que minha recusa pudesse contribuir para encerrá-la, mas o que estava claro para mim é que eu, pessoalmente, não queria participar dela e não queria ter vergonha, mais tarde, de ter colaborado com isso.

Mas naquele tempo, tinha certeza que haveria algum desdobramento politico ou diplomático que pusesse fim a essa vergonha que cobre a sociedade israelense. Pensava que se tratava de uma coisa temporária. Porém, infelizmente hoje podemos constatar que a ocupação não é temporária. Israel se esforçou de todas as formas para enviar mais e mais colonos para os territórios palestinos e assim eternizar a ocupação. A cada ano que passa a perspectiva de que os dois povos possam ter relações normais parece mais distante.

OM: O que você diria aos jovens israelenses que hoje em dia se recusam a prestar serviço militar?
GN: Eles poderiam ser meus netos. Não tenho conselhos práticos, apenas quero elogiá-los e pedir para que não tenham medo de ameaças e pressões. Eles são fieis à sua consciência. O fato de terem seguido esse princípio irá se transformar em um patrimônio que levarão ao longo da vida, que eles terão do que se orgulhar, embora muitos hoje tentem quebrar seu espírito e desprezar seu ato.
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