Ramzy Baroud, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MID-01-210513.html
Em artigo publicado dia 15 de maio, o
cientista social norte-americano Immanuel Wallerstein escreveu: "Nada
ilustra melhor as limitações do poder ocidental, que a controvérsia
interna que devora suas próprias elites, já pública, sobre o que os EUA,
especificamente, e os estados da Europa Ocidental deve(ria)m fazer no
caso da disputa que se trava na Síria."[1]
Essas limitações são palpáveis, seja no
falar seja no agir. Um vácuo político - criado pelos fracassos militares
dos EUA e pelas retiradas a que foram forçados depois da Guerra do
Iraque - permitiu que países como a Rússia reemergissem no cenário, como
atores efetivos.
É muito significativo que, depois de
dois anos, desde o início do levante sírio convertido depois em banho de
sangue, os EUA continuem a tentar mascarar o próprio envolvimento,
servindo-se dos aliados árabes e da Turquia, para assim garantir
assistência indireta às forças que se opõem ao governo de Bashar
al-Assad. Até o discurso político dos EUA é indeciso; não raras vezes,
incoerente.
No córner oposto, a posição russa é cada
vez mais firme, mais consistente, avançando sempre; com os EUA
empurrados cada vez mais contra as cordas, comprovando-se incapazes de
ação consistente, senão pelas 'condenações' nas 'declarações' ou em
'declarações' que nada declaram. Isso, vale lembrar, muito tem
desagradado os aliados árabes.
A recente entrega, pelos russos ao
governo da Síria, de sofisticados mísseis terra-mar, e o deslocamento
que promoveram, de navios de guerra para Mediterrâneo ocidental é
exemplo claro. O movimento foi condenado pelo governo Obama como "fora
de hora e muito infeliz".
Mas essa atitude norte-americana é
novidade na Região: por trás dela, jaz uma história sangrenta, de
política externa imprudente. Independente de os EUA decidirem ou não
intervir na Síria, tudo faz crer que já não será possível um simples
retorno à abordagem anterior, de potência dominante.
A impotência atual dos EUA no Oriente
Médio é absolutamente sem precedentes, pelo menos depois da rápida
desintegração do bloco soviético no início dos anos 1990s.
A dissolução da União Soviética abrira
lugar para o crescimento de um mundo unipolar, completamente gerenciado
pelos EUA. Aquela hegemonia norte-americana não contestada implicou
mudança na dialética histórica, pela qual as grandes potências
enfrentavam-se uma a outra; e o resto do mundo, mais ou menos,
acomodava-se naquela disputa.
Naquele momento, os EUA agiram rapidamente para afirmar sua dominação, a começar
por sórdidas aventuras militares, como a invasão do Panamá em 1989.
Movimento bem mais calculado veio depois, com uma guerra devastadora
contra o Iraque, em 1990-91. No Panamá, o objetivo era lembrar aos
vizinhos do sul dos EUA, que o policial de quarteirão continuava a
postos, e poderia intervir a qualquer momento, pra rearranjar todo o
paradigma político, na direção e ao modo que Washington entendesse
necessário - como se viu acontecer no golpe e na guerra orquestrados
pela CIA na Guatemala em 1954 e até antes.
O envolvimento militar massivo dos EUA
no Iraque, contudo, foi de conquistador que chega com sua coorte de
vários países - aliados regionais e ocidentais -, para exigir o butim
resultante do fim da Guerra Fria. Foi arrogante show de força, dado que o
alvo era um único país árabe, com poucos meios militares e econômicos,
versus grandes potências militares, próximas e remotas.
A guerra devastou o Iraque - só na
primeira campanha aérea de bombardeio, foram lançadas 88.500 toneladas
de bombas. Usaram-se e testaram-se novos modelos de armamentos, enquanto
a imprensa-empresa e a opinião pública nos EUA festejavam as glórias de
seus militares. Morreram centenas de milhares de iraquianos, outros
mais foram feridos e mutilados, como resultado de uma das guerras mais
assimétricas em toda a história.
Tentando capitalizar o triunfo militar,
Washington operou rapidamente para obter um acordo político entre seu
aliado mais íntimo - Israel - e países árabes. A lógica por trás da
Conferência de Madrid em 1991 foi alcançar uma pseudo paz, que servia
aos interesses de Israel, ao mesmo tempo em que abria uma via de
normalização entre Israel e seus vizinhos. Mais que isso, os EUA
esperavam obter alguma espécie de "estabilidade" que lhes permitisse
gerir a região do Oriente Médio e todos os seus recursos, em ambiente de
menos hostilidade.
Em seguida, Israel conseguiu fazer seu
próprio negócio político com os palestinos, o que dividiu as fileiras
árabes e garantiu que o resultado das "conversações de paz" fosse
absolutamente adequado às ambições coloniais de Israel.
Com o passar dos anos, as visões
políticas de EUA e de Israel aproximaram-se cada vez mais, mas
Washington logo se converteria em mero canal de transmissão para os
objetivos coloniais dos israelenses. Viu-se a confirmação disso várias
repetidas vezes durante o governo de George W Bush, o qual acrescentou,
aos fracassos dos EUA na região, ainda mais outras guerras desastrosas e
perigosas.
Uma das principais falhas da política
externa dos EUA é que ela depende quase completamente da força militar:
da capacidade para fazer cidades voarem pelos ares. A guerra dos EUA
contra o Iraque, que, sob várias formas, estendeu-se de 1990 a 2011,
incluiu um bloqueio devastador; e terminou em invasão brutal.
Essa longa guerra teve de falta de
escrúpulo o que teve de violência. Além do aterrador número de mortos,
vinha inscrita numa horrenda estratégia política, de explorar as
divisões sectárias e outras que já existiam no país; o que rapidamente
semeou ali, além de uma guerra civil, também o ódio sectário - duas
desgraças das quais dificilmente o Iraque conseguirá recuperar-se ainda
por muitos anos.
Mas, nos últimos anos, as limitações do
poder militar dos EUA foram-se tornando cada vez mais óbvias. O império
já não se mostrava capaz de traduzir, em campo, a própria dominação -
mais ferozmente confrontada, a cada dia, por grupos locais de
resistência -, e apresentar o nível de progresso político exigido para
conseguir um mínimo, que fosse, de "estabilidade".
Mas sobretudo, uma recessão econômica,
somada à retirada do Iraque e a outro fracasso também caríssimo no
Afeganistão - forçaram o novo governo em Washington, sob a liderança do
presidente Barack Obama a repensar a campanha anterior, de Bush, pela
hegemonia global. Logo vieram os cortes massivos nos gastos dos
militares.
Simultânea e concorrentemente, o
desequilíbrio no poder global começou, lenta mas firmemente, a ser
compensado, do outro lado do mundo, pela ascensão da China como novo
competidor possível.
No meio da transição dos EUA, quando
tentavam repensar suas políticas, um levante popular sacudiu todo o
Oriente Médio. As manifestações - revoluções, guerras civis, tumultos
regionais e conflitos de toda ordem - reverberaram até bem longe das
praças do Oriente Médio.
Impérios ascendentes e impérios
declinantes, todos eles, igualmente, tomaram conhecimento. Linhas
tentativas foram rapidamente traçadas e exploradas. Jogadores mudaram de
posição ou se encaminharam para posições mais avançadas, como se um
novo Grande Jogo estivesse para começar. A chamada "Primavera Árabe"
rapidamente se ia convertendo em fator que alteraria o jogo, numa região
que sempre parecera impermeável a qualquer tipo de transformação.
A transformação do Oriente Médio - às
vezes promissora, às vezes sangrenta e gorada - chegou num momento em
que os EUA estavam obrigados a fazer ajustes nas suas prioridades
militares. Aplicar-se mais focadamente na região do Pacífico e no Mar do
Sul da China são instâncias daquela necessidade de alterar rumos. E
então, de repente, os EUA foram obrigados a envolver-se novamente no
Oriente Médio, e como um todo - sem poder dividir a região, país a país.
Foi quando, afinal, a fraqueza dos EUA foi sinistramente exposta, e a
falta de poder para influir tornou-se palpável.
Bancarrota talvez seja termo apropriado
para descrever a atual política dos EUA no Oriente Médio. Aventuras
militares temerárias e imprudentes devastaram a Região, mas nem assim
contribuíram para que os EUA alcançassem qualquer dos seus objetivos de
longo prazo. Políticas de violência e exploração, que operam para violar
e explorar, não para conhecer e entender o Oriente Médio e as
complexidades de sua formação histórica e política; e a insistência em
manter Israel como principal prioridade em tudo que fazem ou pensam no
cenário político mutável do Oriente Médio dificilmente darão bom
resultado nem servirão aos interesses dos EUA.
Porém, diferente do início dos anos
1990s, quando os EUA movimentaram-se para remodelar toda a região e
estabeleceram ali sua presença militar permanente, as novas dinâmicas
obrigam a mudar as táticas. E, nessa nova realidade, os EUA
absolutamente não conseguem mudar coisa alguma. De fato, já parecem
condenados, no máximo, a tentar alguma espécie de gerenciamento dos
resultados adversos, com minimização dos danos.
"O que os EUA e a Europa Ocidental
querem fazer é 'controlar' a situação" - escreveu Immanuel Wallerstein. -
"Não são capazes de controlar coisa alguma. Daí a gritaria dos
'intervencionistas' e o arrasta-arrasta dos 'prudentes'. É jogo de
perde-perde para o ocidente e, simultaneamente, tampouco é vitória para
os povos do Oriente Médio."
Esse cenário de "perde-perde" talvez não
se traduza no imediato derretimento de toda a política exterior dos
EUA, mas sem dúvida já abriu a possibilidade de que novos atores
surgissem e crescessem. A Rússia é, aí, o caso exemplar mais claro.
Os EUA serão obrigados a mudar suas táticas, gritem o quanto gritarem as forças neoconservadoras e todo o lobby pró-Israel.
[1] 15/5/2013, "Syria: No Win for the
West" [ap. Síria: sem vitória para o ocidente]
http://www.iwallerstein.com/syria-win-west/
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