segunda-feira, 25 de março de 2013
reporterbrasil.org.br
Ao todo, 28 bolivianos foram libertados produzindo peças para a GEP,
empresa formado pelas marcas Emme, Cori e Luigi Bertolli, e que pertence
a grupo que representa grife internacional
Fiscalização realizada nesta terça-feira, 19, resultou na libertação de
28 costureiros bolivianos de condições análogas às de escravos em uma
oficina clandestina na zona leste de São Paulo. Submetidos a condições
degradantes, jornadas exaustivas e servidão por dívida, eles produziam
peças para a empresa GEP, que é formada pelas marcas Emme, Cori e Luigi
Bertolli, e que pertence ao grupo que representa a grife internacional
GAP no Brasil. O resgate foi resultado de uma investigação de mais de
dois meses, na qual trabalharam juntos Ministério Público do Trabalho
(MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Receita Federal. A
Repórter Brasil acompanhou o flagrante. Foram encontradas peças das
marcas Emme e Luigi Bertolli. A fiscalização aconteceu na mesma semana
que a São Paulo Fashion Week, principal evento de moda da capital
paulista.
Ao todo, 28 trabalhadores foram resgatados em condições degradantes.
Os costureiros, todos vindos da Bolívia, trabalhavam e moravam na
oficina clandestina, cumprindo jornadas de, pelo menos, 11 horas
diárias. A oficina repassava a produção para a Silobay, empresa dona da
marca Coivara baseada no Bom Retiro, também em São Paulo, que, por sua
vez, encaminhava as peças para a GEP. A intermediária também foi
fiscalizada, em ação realizada na quinta-feira, 21.
Tanto o MPT quanto o MTE e a Receita Federal consideraram a
“quarteirização” uma fraude para mascarar relações trabalhistas. Para os
auditores fiscais Luís Alexandre Faria e Renato Bignami e a procuradora
do trabalho Andrea Tertuliano de Oliveira, todos presentes na
fiscalização, não há dúvidas da responsabilidade da GEP quanto à
situação degradante em que foram encontrados os trabalhadores da oficina
clandestina.
Procurada, a assessoria de imprensa
do grupo GEP não retornou até a publicação desta reportagem. No fim
desta sexta-feira (22), encaminhou nota pública em que afirma que
”repudia com veemência toda prática de trabalho irregular”,
responsabilizando seus fornecedores pela situação encontrada. “Faz parte
de sua política corporativa o respeito intransigente à legislação
trabalhista e o combate à utilização de mão de obra submetida a
condições de trabalho inadequadas. Por essa razão, somente contratamos
fornecedores que sejam homologados pela Associação Brasileira do Varejo
Têxtil (ABVTEX), certificação que exclui empresas que utilizem qualquer
forma de mão de obra irregular”, diz a empresa, em comunicado à
imprensa.
A ABVTEX, por sua vez, nega que a empresa fornecedora em questão tenha
sido certificada (leia posicionamento na íntegra). De acordo com a
assessoria de imprensa da ABVTEX, a Silobay havia obtido apenas um
“atestado de participação”. A reportagem tentou contato também com a GAP
internacional, por meio da sede da empresa em São Francisco, na
Califórnia, e do departamento responsável por relações internacionais na
Inglaterra, mas também não obteve retorno.
Aliciados no país vizinho, os imigrantes já começaram a trabalhar
endividados, ficando responsáveis por arcar com os custos de transporte e
visto de entrada no país. As dívidas se acumulavam e aumentavam com a
entrega de “vales”, adiantamentos descontados do salário. Mesmo os que
administravam a oficina se endividavam, acumulando empréstimos para
compra de novas máquinas e contratação de mais costureiros.
Registro de dívida de passagem e visto
Entre os problemas detectados pela fiscalização na oficina clandestina
estão desde questões de segurança, incluindo extintores de incêndio
vencidos, fiação exposta e botijões de gás em locais inapropriados, com
risco agravado pela grande concentração de tecidos e materiais
inflamáveis na linha de produção, até problemas relativos às condições
de alojamento e trabalho. Os trabalhadores viviam em quartos adaptados,
alguns com divisórias improvisadas, alguns dividindo espaço em beliches.
Além disso, alimentos foram encontrados armazenados junto com produtos
de limpeza e ração de cachorros.
Pagos por produção, trabalhadores continuaram costurando mesmo durante a fiscalização
O grupo trabalhava das 7h às 18h, de segunda-feira à sexta-feira, com
uma hora para refeições. Aos sábados, os próprios empregados cuidavam da
limpeza e manutenção do local. Todos ganhavam por produção, recebendo
cerca de R$ 4 e R$ 5 para costurar e preparar peças das grifes que
abastecem os principais shoppings do país. “Quanto mais peças
costurarmos, mais dinheiro ganhamos, então preferimos não parar”,
afirmou um dos resgatados durante a operação. Mesmo com a presença dos
fiscais, todos continuaram costurando, só parando quando as máquinas
foram lacradas e a produção oficialmente interrompida.
A desembargadora Ivani Contini Bramante, representante do Conselho
Nacional de Justiça, e a juíza Patrícia Therezinha de Toledo, do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, da Vara Itinerante de
Combate ao Trabalho Escravo, acompanharam a ação.
Indenizações
Um dia após a fiscalização, representantes da GEP concordaram em assinar
um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com pagamento de R$ 10 mil
para cada uma das vítimas por danos morais individuais, além de mais R$
450 mil por danos morais coletivos, valor que deve ser repartido e
encaminhado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), à Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo e a uma organização da
sociedade civil que trabalhe com imigrantes. Além da indenização por
danos morais, os empregados resgatados receberão também, segundo o
Ministério do Trabalho e Emprego, verbas rescisórias em média de R$ 15
mil, valor que pode chegar a R$ 20 mil conforme cada caso. Eles também
terão a situação regularizada, com acesso à seguro-desemprego e registro
adequado em carteira.
Trabalhador em um dos quartos localizados ao lado da oficina
As três marcas da GEP são consideradas referência na moda nacional. A
Cori, há mais de quatro décadas no mercado, foi uma das que abriu os
desfiles da São Paulo Fashion Week na segunda-feira, dia 18, e possui
lojas próprias em centros comerciais de luxo de diferentes cidades. A
Luigi Bertolli tem unidades próprias também em todo país. Já a Emme, a
mais recente das três marcas, é considerada um exemplo de
“fast-fashion”, tendência marcada por lançamentos constantes voltados a
mulheres jovens.
A GEP é uma das empresas signatárias da Associação Brasileira do Varejo
Têxtil e informa que a empresa fornecedora havia sido certificada pelo
Programa de Qualificação de Fornecedores para o Varejo, selo que,
segundo o projeto, deveria ser concedido apenas a empresas com a
produção adequada, após parecer de auditores independentes e
monitoramento detalhado da cadeia. A ABVTEX nega que a fornecedora em
questão tenha sido certificada. Em fevereiro, outra empresa certificada
foi flagrada com escravos na linha de produção.
A GEP pertence à empresa Blue Bird, que, por sua vez, controla a Tudo
Bem Tudo Bom Comércio LTDA., empresa anunciada em dezembro como
responsável por administrar a marca GAP no Brasil (leia anúncio oficial
em inglês). Na ocasião, o diretor de Alianças Estratégicas da GAP,
Stefan Laban, afirmou considerar que o país possibilitaria uma
oportunidade “incrível” de expansão dos negócios.
A GAP deve abrir as primeiras lojas da marca em São Paulo e no Rio de
Janeiro no segundo semestre de 2013, com a ajuda da intermediária. Não é
a primeira vez que a grife internacional se vê envolvida em casos de
exploração de trabalho escravo. Em 2007, crianças de dez anos foram
encontradas escravizadas na Índia produzindo peças da linha GAP Kids, a
marca infantil da loja. Na ocasião, de acordo com reportagem do jornal
inglês The Guardian, a empresa afirmou que a produção foi terceirizada
de maneira indevida e alegou desconhecer a situação.
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