quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Rússia: Bilionários felizes, povo desapropriado.

Em que consiste o “milagre económico” russo: “progresso” após o “colapso”




02.Nov.11 :: Outros autores

Com as “reformas” e a radical destruição da sua base industrial, para a Rússia foi reservado o papel de eterno e irremediável “outsider” económico, e à sua economia o modelo de colónia exportadora de matérias-primas.


Os aforismos e a crua realidade
“Após o colapso da União Soviética e da sua economia planificada, o nosso país tem experimentado um enorme progresso no seu desenvolvimento”
(da intervenção de Medvedev‎ em 18 de Junho no Fórum Económico de S. Petersburgo)

Depois de uma citação tão peremptória do presidente da Rússia, fica-se com muita vontade de uma pausa para reflectir acerca das duas componentes dessa afirmação: sobre o “colapso da economia planificada da União Soviética” e sobre o “enorme progresso no desenvolvimento” da nossa Rússia actual. E aqui, como não podia deixar de suceder, é inevitável que te ocorra que, em economia, para o exprimir de forma simples, apenas existem dois caminhos. Para os países dominantes e mais desenvolvidos, a industrialização do país ou, como agora se diz, a criação de uma sociedade produtiva científico-técnica altamente avançada. Enquanto para os países economicamente dependentes - na prática, de tipo colonial – ficaria a instalação de uma economia importadora e exportadora de matérias-primas.
Onde é que está o “colapso” da primeira via, da economia planificada?
Antes de tentar responder a esta pergunta, vejamos qual é a definição médica de
colapso: “estado que põe a vida em risco”. E, precisamente tomando em conta tudo o que afecta esse estado da sociedade, recordemos e analisemos: o que oferece aos países essa primeira via na economia? Na época soviética de Stalin, anterior à guerra, desenvolvia-se na União Soviética um processo sem precedentes de industrialização acelerada, a sociedade encontrava-se num processo de transição de uma estrutura agrária para a criação de um país produtor de maquinaria pesada. E para bem compreender o que conduziu a esse resultado citaremos, talvez surpreendentemente, não nenhum dirigente nem nenhum membro do partido bolchevique e do PCUS mas sua santidade o patriarca Alexis I que, antes de celebrar a missa de defuntos em 9 de Março de 1953, no funeral de Stalin disse literalmente o seguinte: “O grande dirigente do nosso povo, Iosif Visariónovich Stalin, deixou-nos. Desapareceu uma enorme força social na qual o nosso povo sentia o seu próprio potencial, com a qual orientava no seu trabalho criador e nas suas fábricas, na qual encontrou consolo ao longo de muitos anos. Não existe área em que não penetrasse a visão do nosso grande dirigente… Como todos os génios ele conseguia, em qualquer área, vislumbrar o que permanecia oculto e incompreensível para a mente comum”.
Aí residia a essência daquele tempo; a União Soviética alcançou então as mais elevadas taxas de crescimento. E durante os anos dos planos quinquenais de Stalin, concretamente durante esses 13 anos em que “uma enorme força social na qual o nosso povo sentia o seu próprio potencial, com a qual orientava no seu trabalho criador e nas suas fábricas” conseguiu que no país fosse levado a cabo um processo de industrialização sem paralelo. A URSS renovou de forma vertiginosa e radical toda a base industrial do país, construindo 9.000 novas fábricas, minas, centrais eléctricas; conseguiu-se então alcançar um crescimento da produção nunca visto: por exemplo, no decurso do segundo plano quinquenal – que foi concluído antecipadamente (4 anos e 3 meses) – o crescimento foi de 73%, a uma média anual de 17,25. Foi assim que a União Soviética ultrapassou o seu atraso económico e técnico e viu o seu produto interno bruto crescer 6,5 vezes e a produção de meios de produção crescer 10 vezes.
Mais ainda: aprendemos a fazer tudo por nós mesmos, chegando a ser praticamente independentes economicamente. O peso específico das importações em 1937 já não ultrapassava os 0,7%. A URSS converteu-se num país industrialmente desenvolvido, alcançando um nível de estrutura industrial comparável ao dos países mais desenvolvidos do mundo, situando-nos no segundo lugar, apenas atrás dos EUA, alguns de cujos indicadores superávamos em termos de ritmo de crescimento industrial. Era isto o colapso de um país e da sua economia planificada, que colocava a sua vida em risco? Nada mais distante, nada do que se verificava corresponderia a essa definição. Muito antes pelo contrário, o que se verificava então era um enorme progresso no desenvolvimento do nosso país.
E essa estrutura económica e de desenvolvimento prosseguiu, embora a um ritmo mais moderado (3 a 4% ao ano), durante todo o período soviético, o que não fazia mais do que confirmar que o modelo soviético dispunha de mecanismos de desenvolvimento compreensíveis e eficazes.
Na actualidade foi a China, um país que se encontrava numa situação de extraordinário atraso tecnológico, quem alcançou esse segundo e inclusivamente o primeiro lugar no mundo. Na economia reformada da RPC conjugam-se, de forma articulada e sólida, tanto métodos abertamente capitalistas como os métodos socialistas da planificação. Mas fosse como fosse, nesse país desenvolveu-se uma acelerada industrialização, repetindo no seu desenvolvimento praticamente o mesmo modelo estratégico da época de Stalin. A RPC, graças aos seus enormes êxitos, avança sem cessar num vertiginoso desenvolvimento tecnológico. E tanto assim é que em 2009, enquanto à maior potência, os EUA, correspondiam 19,9% do volume total da produção industrial mundial e à China 18,6%, o que a situava num destacado segundo lugar, já em 2010 esses indicadores económicos das duas superpotências se igualavam, e posteriormente, no final do ano, a China alcançava o primeiro lugar com 19,8%, deixando para trás os EUA com 19,4%.
E onde está o “enorme progresso no desenvolvimento” desta segunda via “de mercado”?
Na Rússia os “reformadores” não prosseguiram a via de desenvolvimento soviética nem a chinesa, mas em vez disso puseram em marcha o que designaram como reformas “radicais”, concebidas fundamentalmente como absoluta e diametralmente opostas a elas. Começando pelo completo abandono do modelo de planificação soviético, por o considerarem um “ponto morto” e por se basear na propriedade estatal e colectiva, desencadeando uma transição radical para o mercado livre e a propriedade privada. E isto foi realizada com a completa defenestração de qualquer espécie de controlo estatal, uma vez que seria o mercado, por si próprio, que regularia todas as prioridades.
Foi desta forma, em consequência destas “reformas de mercado”, que foi praticamente desindustrializada a economia da Rússia, que incluiu a aniquilação quase completa da indústria nacional, com o encerramento de 70 mil fábricas. E toda a economia nacional (à excepção das indústrias extractivas) se vem movimentando ao longo destes 20 exclusiva e estritamente numa única direção: a da depressão. É logico que façamos a pergunta óbvia: a que colapso se referia o presidente, e em que é que se manifesta que tenhamos alcançado um “enorme progresso no desenvolvimento” nestes 20 anos de reformas, com a completa destruição da indústria nacional?
Segundo dados da ONU o volume de produção industrial da Rússia actual, em 2010, atinge apenas 74,6% (no seu cálculo monetário) do nível existente em 1991, e o seu atraso em relação aos países mais avançados do mundo aumentou 2,5 vezes, enquanto o seu peso específico no volume total do PIB mundial é seis vezes inferior ao que atingia a Rússia soviética. E que dizer do 63º lugar que a Rússia ocupa no ranking da competitividade mundial? A aspiração de duplicar o PIB em 10 anos, para 2010, nem foi concretizada nem irá sê-lo. O máximo que se alcançou foi um crescimento de 60% relativamente ao PIB de 2000. E alcançar os níveis de produção industrial e agrícola que tínhamos em 1991 é algo absolutamente inimaginável.
A maioria dos sectores, incluindo o têxtil, o ferroviário, o sector naval, recuaram 3 ou 4 vezes em relação aos indicadores soviéticos, o número de aeroportos reduziu-se 2,9 vezes, e acabaram praticamente com a indústria aeronáutica. Tudo isto ameaça, isso sim, “colapsar” um país, como uma situação que põe a sobrevivência em risco. Vejamos agora como é que estes sectores Foram e continuam a ir borda fora, apontando apenas dois exemplos. Dois exemplos retirados da Rússia capitalista de “mercado”. Refiro-me à construção naval e aeronáutica. 90% dos navios que a Rússia encomenda são construídos em estaleiros estrangeiros. Porquê? Pois por exemplo pelo facto de que nos países capitalistas os navios são financiados em 80% por empréstimos, enquanto os restantes 20% são da responsabilidade do armador. Os empréstimos são a dez ou doze anos com um juro de 5 a 6%, com os navios como garantia. Enquanto na Federação Russa das “reformas” o empréstimo, no caso de teres a sorte de te ser concedido, terá como prazo máximo 5 ou 6 anos, a um juro de 19 a 20%. E isto apenas cobrindo 60% dos custos do novo navio. A construção naval não dispõe de nenhum tipo de isenção tributária por parte do governo russo pelo que fazê-la ressurgir nestas condições – de “colapso”, segundo a expressão do presidente – é praticamente impossível. De modo que a construção naval na Rússia acabou. Enquanto arruinamos aquilo que é nosso, anunciamos orgulhosamente que adquirimos aos franceses dois navios porta-helicópteros de tipo “Mistral”, que, segundo o contrato assinado em 17 de Junho em Le Bourget, nos vão custar um montante de 1.200 milhões de dólares.
Praticamente seguindo o mesmo molde, com os mesmos princípios, acabaram com a nossa indústria aeronáutica, da qual durante décadas pudemos orgulhar-nos e com a qual nos assombrámos, antes de terem chegado as “reformas” e o “enorme progresso no desenvolvimento”. Graças a isto, nos dias de hoje não temos como substituir os modelos construídos há 40 anos e, já que não podemos substituí-los por aviões de fabrico nacional, quase 62% dos voos realizam-se em aparelhos em segunda mão de fabrico estrangeiro. Hoje a indústria aeronáutica russa não está em condições de competir com o estrangeiro, uma vez que as companhias aéreas de transporte de passageiros (que funcionam em regime de aluguer com direito de compra), se quiserem um avião de passageiros de fabrico russo terão de o pagar a 12 meses com um juro de 15 a 18%, enquanto os de fabrico ocidental são vendidos com prazos de pagamento de décadas, com um juro que não ultrapassa os 10%. É por isso que na Rússia foram fabricados 4 aviões em 2009, e 7 em 2010.
Mas novamente vemos como os nossos mais altos responsáveis se exibem orgulhosamente quando anunciam, como sucedeu em 21 de Junho, dia da catástrofe de Petrozavodsk, que a Rússia “conseguiu vender” em Le Bouget 12 unidades do SSJ 100 Sukhoi Super Jet. Mas está claro que não para uso próprio mas a uma companhia indonésia de voos charter. Enquanto para as nossas necessidades próprias acabámos de comprar, mais uma vez, 8 Boeing usados.
No que diz respeito ao fabrico de aviões na Rússia o governo, de forma premeditada, renuncia a fabricar um modelo, o “Tu-334” (considerado um dos 10 modelos mais económicos do mundo), cujas prestações e funcionalidade são comprovadamente reconhecidas e cujos componentes são de em 97% de fabrico próprio. Mas em contrapartida não vêm nenhuma inconveniente em prosseguir a fabricação do SSJ 100 Sukhoi Super Jet, cujos blocos de montagem são em 80% constituídos por peças importadas. E neste momento em que as companhias russas utilizam cerca de 100 “Tu-134” não existe nenhuma possibilidade de os repor.
Até ao momento os “super jet” fabricados são 6. A Companhia Russa de Aeroconstrução “OAK” celebrou 170 contratos para o seu fabrico e venda, 104 dos quais com companhias estrangeiras. E precisamente por isso, graças a ter destruído praticamente metade da nossa produção nacional e, como diz o presidente, devido ao “enorme progresso no desenvolvimento” é que nestes 20 anos nos tornámos absolutamente das importações. Graças a este “êxito” sem precedentes, sofremos hoje em muitas esferas a tirania das importações. No sector automóvel representam 85%, no do calçado 90%. Os bens alimentares representam 80%, os medicamentos 77%. É assim que o chamado crescimento económico da Rússia (que não esteja relacionado com a extração de matérias primas) é sustentado nos dias de hoje apenas pela comercialização de produtos importados e de matérias-primas, pelo desenvolvimento do sector dos serviços financeiros, pelo comércio de artigos de luxo, pela indústria alimentar e por alguns sectores da construção.
Pelo que podemos agora afirmar que a Rússia tem para sempre reservado o papel e o destino de eterno e incurável “outsider” económico, enquanto a nossa economia, em resultado das “reformas” e em consequência da destruição total da indústria que elas implicaram tem reservado um modelo económico concreto completamente diferente: o modelo de colónia exportadora de matérias-primas. Quer dizer: precisamente a segunda via.
Os resultados alcançados pela segunda via na linha da economia baseada na extração de recurso são absolutamente inesperados. Tal como o são as fortunas que lhes estão associadas.
Evidentemente que na estrutura de exportações da União Soviética era também importante a extração de combustíveis como o petróleo, o gás e o carvão. Mas existia uma forte ligação económica entre a indústria e essa extração: por um lado, a indústria estimulava o crescimento da extração de matérias-primas, enquanto, por outro lado, a abertura de jazidas rentáveis estimulava a criação de novas capacidades produtivas para o seu tratamento ou refinação. Basta dizer que das 27 refinarias de petróleo actualmente existentes 6 foram construídas nos anos 30, 7 nos 40 e 6 nos 50. Mas com o inesperado e fantástico crescimento verificado no preço do petróleo nos primeiros anos do novo século, novos planos e realidades milagrosas nasceram nas cabeças dos nossos dirigentes e oligarcas. E isto ocorreu porque o valor do petróleo, definido pela OPEP, sempre dependeu dos conflitos armados que se têm sucedido na península arábica e no Próximo Oriente.
E se em 1971 o preço do barril era apenas 2,5 a 3,5 $, logo começou, devido a diferentes cenário de conflito armado e de guerras, a subir de forma continuada, alcançando os 18$ em 1986. Era lógico pensar que, com o custo médio de extração do barril na Rússia fixado nos 10$, seria impossível pensar em obter suculentos ganhos com a exportação, quando o lucro não ultrapassaria os 8$. Yeltsin, com uma indústria absolutamente arruinada nos anos do seu mandato, dificilmente poderia aspirar a “insuflar” as suas perspectivas económicas. E se continuasse vivo, a reacção perante a sua pessoa e o seu governo – com a economia igualmente desmantelada – seria muito negativa.
Quando o seu sucessor, Putin, assumiu o cargo, o preço do barril de petróleo na Rússia continuava sem passar dos 18$, tanto em 1999 como no início de 2000. Por isso Vladímir Vladímirovich iniciou a sua actividade como presidente com a mesma base económica de partida que o seu predecessor, e assim prosseguiu “à yeltsin” os primeiros anos. É evidente que o valor dos ganhos que a extração poderia proporcionar não superou nem poderia superar os 300 mil milhões de dólares em 1999-2000 o que, na altura, representava 5 vezes menos do que inesperadamente acabou por suceder nos 10 anos posteriores.
Mas em 2003 aconteceu o ataque dos EUA ao Iraque e, ao mesmo tempo, a greve do petróleo na Venezuela. E em consequência disto o preço médio a nível mundial saltou subitamente para os 28,9$ o barril. Bem, e de seguida… de seguida aconteceu que, por causa da redução – devido às circunstâncias mencionadas – da produção e exportação de petróleo a procura aumentou drasticamente, o que permitiu melhorar substancialmente a conjuntura de preços no mercado em benefício dos países exportadores. Para 2004 o preço já atingira os 37,7$ o barril, e o que veio a seguir não foi mais do que uma impetuosa alta dos preços: 60$ em 2005, 70$ em 2006, 90 e até 100$ em 2007 até, em meados de 2008, ter saltado até aos 140$.
Para Putin e a sua equipe de oligarcas foi tal o golpe de sorte com este excepcional crescimento dos preços mundiais dos combustíveis que para o governo da Federação Russa, na esfera material da obtenção de ganhos, se iniciaram aquilo que veio a ser designado como “anos férteis”, enquanto para a oligarquia simplesmente teve início o mais feliz dos regabofes financeiros jamais visto.
É certo que, devido à crise mundial, o preço do barril caiu bastante em 2009, até aos 61$, mas já em 2010 alcançava um valor médio de 65$, enquanto em 2011 a variação tem sido a seguinte: 92,8$ em Janeiro, 100,4$ em Fevereiro, 109,8$ em Março, 118,1$ em Abril. O Fundo Monetário Internacional prognostica que o valor do petróleo se manterá nesses parâmetros, acima dos 100$ o barril, pelo menos até 2016.
Por isso aos nossos governantes e oligarcas só lhes dá vontade de gritar ‘Hurra!’ de felicidade, enquanto procuram a forma de tirar o maior partido dos seus êxitos financeiros. O valor global dos recursos energéticos extraídos na Rússia no decurso de 2010 atingiu os 640 mil milhões de dólares. Os orçamentos gerais da Federação Russa para 2010, em comparação, ascenderam a 232 mil milhões.
Em geral, os ganhos totais obtidos pelos oligarcas, que se apropriaram dos oleodutos e gasodutos graças às ditas “reformas”, são incrivelmente altos. Entre 2001 e 2010 o ganho obtido na exportação de petróleo foi de 854 mil milhões de dólares, e no gás natural 354 mil milhões, nos derivados de petróleo foi 382 mil milhões, o que no total se eleva a um montante de 1,6 milhões de milhões de dólares, superando em mais de 5 vezes o ganho obtido pela exportação de matérias-primas na década anterior, assim como os orçamentos gerais da Rússia ao longo de sete anos. Evidentemente que nem um só dólar destes lucros descomunais se destina ao desenvolvimento de, digamos, um qualquer sector real da economia, porque ou acabam nos bolsos dos oligarcas ou no sector da extração, de forma a continuar a multiplicar-se em novos ganhos e lucros.
Logicamente que agora, depois de todas as reformas empreendidas nestes anos “férteis”, todos os produtos relacionados com o sector energético e dos combustíveis representem até 67,8% na estrutura das exportações russas, superando em mais de 4 vezes os indicadores soviéticos. Por isso, após 20 anos de “reformas”, a produção de produtos para a exportação tais como o petróleo, o gás, os metais não ferrosos alcançou praticamente o nível soviético (o índice de extração de petróleo é 8,8% inferior a 1991 e o de gás 9,4%). Assim, são as matérias-primas que constituem praticamente o total das exportações da Rússia actual. Exportações que representam, por sua vez, 40% do PIB total ou seja, quase metade.
Actualmente destina-se à exportação 66,4% (dois terços) de todo o petróleo produzido na Rússia (em 1991 era 19,7%), 28,8% do gás (em 1991 era 10,7%), e 35,2% (mais de um terço) do carvão (em 1991 apenas 5%). A isto há que acrescentar que os metais não tratados, especialmente os não ferrosos, constituem 15% do total das exportações, sendo que 76% do extraído se destina a exportação. A madeira constitui outros 10% das exportações. E se há 20 anos a proporção de madeira das nossas florestas que se destinava à exportação era de 5,5%, agora é de 23,8%. Os 5% restantes das nossas exportações apenas podem avaliar-se, objectivamente, como estando no limita da competitividade.

E que trouxe ao povo russo esta segunda via tão fortuita quanto afortunada?

Graças a esta inverosímil conjugação de acasos afortunados na venda dos recursos energéticos russos ao longo dos últimos 10 anos de “reformas” que se seguiram ao “colapso” conseguiu-se, por um lado, instalar na sociedade uma monstruosa estratificação entre as pessoas, enquanto por outro lado surgiu uma nova elite financeira que prosperou de tal forma saqueando o povo que hoje em dia 92% da riqueza russa estão nas mãos de 15% da população da Federação Russa. Graças a isto, baseando-nos em dados da Agência Nacional de Estatística da Rússia relativos a 2010, encontramos que 90,9% da população tem um rendimento mensal inferior a 25 mil rublos (1€=40 rublos), dos quais 80% tem rendimentos abaixo dos 17 mil rublos e 41,2% inclusivamente inferiores a 7.400 rublos, enquanto 0,75% da elite financeira tem rendimentos muito e muito superiores. A tal ponto superiores que os primeiros 500 representantes dessa elite contam com um capital de 631 mil milhões de dólares. Tome-se como comparação que o Orçamento Geral da Rússia para 2010 foi de 232 mil milhões de dólares. Enquanto – isto é algo que merece a pena igualmente recordar - o Orçamento para a RSFSR na época soviética era incomparavelmente superior: 618 mil milhões de dólares.
Por isso absolutamente nada muda no país dos “reformadores” e seus presidentes e primeiros-ministros. E embora exista no país dinheiro em quantidade excepcional devido às superprodutivas possibilidades de utilizar gasodutos e oleodutos, este não se destina a desenvolver a economia real (com excepção de algumas migalhas). Claro que para os círculos governantes e para a oligarquia isto não parece constituir absolutamente qualquer preocupação: E porque haveria de constituir? Não têm nem podem ter qualquer interesse em fazer renascer a nossa indústria nos próximos 30 anos, senão mesmo nos próximos 50. Tanto eles como os seus descendentes poderão continuar a viver à grande à custa da venda de matérias-primas.
E para além disso, naturalmente que nem o nosso governo nem a oligarquia pensam ou se interrogam acerca dos problemas do desenvolvimento industrial ou científico-técnico, uma vez que já há 17 anos que aspiram freneticamente a ser aceites pela OMC, de modo a ampliar ainda mais as suas capacidades e possibilidades de exportação de recursos energéticos. Uma entrada na OMC que lhes permitiria simplificar significativamente o acesso aos mercados ocidentais e em consequência permitiria às principais empresas russas de petróleo e gás aceder directamente ao consumidor nesses países, por exemplo através da aquisição de empresas de gás locais, redes de gasolineiras, etc.
Mas o facto de que esta eventual “vitória” dos “executivos do sector energético” ocasionará enormes problemas e que os agonizantes sectores da economia russa sejam definitivamente destruídos não parece minimamente inquietar o governo russo. Ainda que, por exemplo, as questões da segurança alimentar do país, entre outras, deveriam ser as primeiras pelas quais os mais altos dirigentes se deveriam preocupar.
As principais dificuldades recairiam sobre o nosso sector agrícola, hoje já quase asfixiado. A integração na OMC deixá-lo-á à beira da catástrofe.
Todo esse dito crescimento económico (salvo o da extração de matérias-primas) é falso e enganoso. E para que as pessoas, contra todas as expectativas, não comecem a pensar e a fazer perguntas incómodas sobre o desenvolvimento dos sectores produtivos, sobre a criação de emprego, ou inclusivamente sobre não se sabe que tipo de industrialização, são-lhes constantemente oferecidas fábulas, em forma de compensação.
Começando por que o que vai “levantar” o nosso país é o futebol, o turismo, os jogos olímpicos e as cimeiras, e acabando com que para isso é necessária a criação de uma “Frente Popular”, embora esta frente, no fundamental, não seja mais do que uma estrutura absolutamente pro-oligárquica, porque para isso já está consolidado, ao mais alto nível, um governo burguês de altos funcionários e de oligarcas vende-pátrias. Bastará como exemplo referir que nos últimos 5 anos a quantia média que se oferece como suborno aos funcionários na Rússia duplicou, enquanto o volume geral da corrupção se calcula que atingiu os 164 mil milhões de rublos em 2010. Apenas uns insignificantes 9% dos russos declaram não saber como fazer para oferecer um suborno.
Tudo isto oferece ao nosso governo enormes possibilidades para aparecer e mostrar-se de forma continua, eficaz e imaginativa, ao mesmo tempo que corta em absoluto, e quase que justificadamente, qualquer menção à industrialização ou à economia real. Pontificam enfaticamente perante as massas que “no nosso país se verificou um enorme progresso no desenvolvimento” e apontam o caminho a seguir.
O pequeno écran verte torrentes de melosa propaganda sobre todo o tipo de fábulas sobre o financiamento dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi, ou sobre o Mundial de Futebol de 2018, em cidades que, para além disso, estarão ligadas a Moscovo por ligações ferroviárias de alta velocidade. Fábulas sobre a preparação de futura cimeira do Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico em Vladivostok em 2012, que não custará menos de 25 mil milhões, sobre a “modernização”, sobre o “Skolkovo” de Víktor Vekselberg, ou o “Rosnano” de Anatoli Chubais…
E tudo isto soa de forma atractiva, e até divertida. Mas é tudo igualmente abstracto, virtual, e fantasioso. É certo que como material de propaganda para consumo de massas é muito visível, e permite ao governo russo fingir que está a andar sem se mexer, e mostrá-lo não apenas aos russos mas ao mundo inteiro.
Fica perfeitamente esclarecido onde e quando se produziu esse “colapso” e quando e onde se produziu esse “enorme progresso no desenvolvimento”. Em resultado da total destruição da indústria produziu-se uma enorme perda das forças produtivas, pelo que o trabalho produtivo de uma significativa maioria da população simplesmente se converteu em algo que não é reivindicado.
No estado actual da economia da Federação Russa, dos 75,5 milhões que constituem a população activa (entre os 15 e os 72 anos) que ou trabalha ou procura trabalho (há 6,1 milhões de desempregados), só 34,9 milhões têm emprego. Destes apenas 8,5 milhões trabalham na indústria, enquanto 3,1 milhões trabalham na agricultura, silvicultura ou pesca. Em contrapartida o sector de serviço emprega nada menos que 31,4 milhões, 12 dos quais no comércio. Não se compreende, em absoluto, em que pode estar ocupada a maioria absoluta da população activa do país que não esteja – naturalmente – relacionada com os fluxos financeiros das empresas petroleiras e do gás. E o que aconteceria no país se alguma vez o sistema socioeconómico que se formou, completamente dependente da conjuntura dos preços mundiais dos recursos energéticos, se desmoronasse e caísse?
Agora que já passaram 20 anos pode afirmar-se sem receio de errar que com uma percentagem de população urbana como o actual, de 73,7%, já cresceram gerações inteiras de pessoas que não fazem a menor ideia do que significa o trabalho produtivo e que pensam que o melhor que lhes poderá suceder era serem “colocados” em algum lugar onde possam ganhar “dinheiro fácil”.
Quanto mais não fosse, e segundo dados do Centro de Investigações Sociológicas da Rússia, daí resulta que, em consequência desta vida sem perspectivas de futuro, o número de habitantes da Rússia que desejam emigrar cresceu em 20 anos de 5% para 21% ou seja, um em cada cinco. Entre os que têm entre 18 e 24 anos a percentagem sobe para 39%, 29% dos quais têm formação superior. Fica pois perfeitamente claro que os nossos “reformadores” não necessitam nem podem produzir nada que se baseie nas novas tecnologias. A percentagem da Rússia no mercado mundial das novas tecnologias reduziu-se 8 vezes desde 1991, atingindo 0,5%. Como comparação, esse sector representa 39% nos EUA, e no Japão 30%. O investimento em I&D representou nos EUA 400 mil milhões de dólares em 2010, no japão e na China 140 mil milhões. Na Rússia também foi de 400 mil milhões, mas de rublos, o que significa que foi 28 vezes inferior ao investimento nos EUA.
Assim, também aqui, a resposta que encontramos para todas essas perspectivas de desenvolvimento é inequívoca. Simplesmente não existe nenhuma. Tudo o que se passa hoje significa que, a curto ou a médio prazo, o futuro da Rússia “reformada” vai depender e relacionar-se unicamente com dois “picos” económicos: as exportações de petróleo e de gás e as importações de tudo o resto. E por isso à Rússia foi reservado papel e o destino de um eterno e irremediável “outsider” económico, e à nossa economia o modelo de colónia exportadora de matérias-primas. Nisto reside o sentido real e o preço de todas as “reformas levadas a cabo no país ao longo dos últimos 20 anos: que toda a industrialização do país se sumisse pelo cano abaixo.
Soviétskaya Rossía.
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