sábado, 30 de abril de 2016

Fred Goldstein / As duas caras da campanha de Sanders

As duas caras da campanha de Sanders

Fred Goldstein*
30.Apr.16 :: Outros autores
Não irão muito além dos dedos de uma só mão, os leitores que sabem da candidatura de Mónica Moorehead e Lamont Lilly, dois militantes do Partido do Mundo Operário [Worker´s World Party], respetivamente à presidência e vice-presidência dos EUA nas próximas eleições presidenciais. Não é surpreendente, pois, nos EUA será também uma percentagem mínima dos eleitores norte-americanos que o saberá.
Neste texto, o autor, Fred Goldstein, analisa as duas faces da candidatura de Bernie Sanders e por que razão o sistema prefere Hillary Clinton…

A campanha de Bernie Sanders tem um caracter duplo. Por um lado defendeu e deu voz à oposição generalizada contra Wall Street e à injustiça maciça de desigualdade económica. Mas, por outro, Sanders está no Partido Democrata, que durante gerações tem sido e é controlado pelos mesmos oligarcas financeiros contra os quais os partidários de Sanders se rebelam.
A resposta plena aos apelos de Sanders de dividir os bancos e fazer com que os ricos paguem pela educação universitária, a saúde universal, o aumento do salário mínimo e assim sucessivamente, é totalmente compreensível. Após décadas de austeridade, retiro de subsídios, quebra de sindicatos, racismo e encarceramento massivo, não é de estranhar que as reclamações de Sanders tenham caído como chuva em erva seca.
Mas, o caminho para enfrentar os bancos, os multimilionários e a corrupção a longo prazo não se faz através da política eleitoral e do Partido Democrata. Faz-se através da mobilização de massas e da luta independente. Os seguidores de Sanders eventualmente vão ter que descobrir esta dura realidade.
Afirmo, seja qual for o resultado final das primárias do Partido Democrata, embora seja inegável que a campanha de Bernie Sanders tem expressado a ira acumulada contra Wall Street e a máquina política do Partido Democrata. Hillary Rodham Clinton, amiga de Wall Street, falcão pró Pentágono e uma política tremendamente oportunista, representa esse estabelecimento.
Quando Sanders começou a sua campanha denunciando não só Wall Street mas também a cúpula dos monopólios corporativos, foi considerado um candidato de pouca envergadura, que no melhor dos casos seria uma mera novidade de campanha.
Como senador de um pequeno estado rural e que se autodenominava socialista democrata, estava fora do clube dos senadores milionários e esperava-.se que fosse candidato marginal nas primárias democratas.
Mas poucas semanas após o anúncio da sua candidatura e início de campanha, os meios de comunicação capitalistas começaram a notar que atraía enormes multidões para os campos universitários, nas cidades, nas zonas rurais, onde quer que fosse. O seu público oscilava de uns milhares e 28.000 numa reunião no Oregon.
A grande popularidade da campanha Sanders, especialmente, mas não exclusivamente entre jovens brancos, trabalhadores e mulheres jovens, surpreendeu os meios capitalistas e a cena politica.
Devemos assinalar que a atracão de Sanders já se estendeu aos afro-americanos e latinos, com um grande número de líderes importantes dos direitos civis, figuras políticas e artistas que fazem campanha por ele.

Ocupar Wall Street nas urnas
A mensagem de Sanders assemelha-se ao Ocupy Wall Street
Em Setembro de 2011, OWS ocupou o parque Zuccotti em Manhattan criando uma assembleia-geral nas ruas e denunciando a enorme desigualdade nos Estados Unidos. Esse movimento usou a insígnia «Somos os 99%». Opôs-se ao 1% que controla a grande riqueza. O OWS dedicou-se à acção directa.
As assembleias alargaram-se rapidamente a muitas cidades dos Estados Unidos mostrando que a OWS tinha milhares de simpatizantes passivos. Até a imprensa corporativa teve de fingir simpatia durante algum tempo, até que a policia expulsou sistematicamente as assembleias das ruas com brutalidade e prisões. O desenrolar desse movimento e sobre o seu amplo apoio, apanhou a classe dominante totalmente de surpresa. Do seu ponto de vista formado nos seus salões de juntas e fazendas, os governantes subestimam sempre a ira do povo.
E como subestimaram a OWS, também o fizeram ao ódio por Wall Street e a grande desigualdade que deixou toda uma geração sem futuro. As condições económicas e sociais pioraram desde 2011.
A campanha Sanders é, de certa maneira, uma continuação da OWS de modo eleitoral. Nisso radica o atractivo de Sanders e é a base do seu inesperado êxito eleitoral.
Contra a máquina
Para 20 de Março, Sanders tinha acumulado mais de 6 milhões de votos, sem contar os estados caucus de Iowa e Nevada. Até então, os seus votos reflectiam apenas a popularidade da sua mensagem anti-banqueiros e anti-milionários. Arrecadou 140 milhões em várias contribuições pequenas numa base recorde de 2 milhões de contribuintes mais 4 milhões em doações individuais.
Mas, nem todos os seus seguidores podem votar nas primárias por diversas razões — qualificações obstrutivas de votantes, limite de idade, conflito com a escola, etc.. Quando terminar a campanha, Sanders provavelmente ganhará ainda mais uns milhões de votos.
O seu amplo apoio é considerável, já que a campanha vai contra duas das máquinas politicas mais poderosas da política capitalista, a de Clinton e a do presidente Barack Obama que se combinaram para o bloquear em todos sentidos possíveis. Estas máquinas estão profundamente arreigadas a nível nacional e já existem há anos.
A campanha presidencial de Hillary Clinton está activa desde 2007. Depois de ter perdido para Obama em 2008, renovou a campanha em silêncio durante a sua administração. Foi senadora por Nova Iorque, berço de Wall Street, e depois secretária de Estado, onde trabalhou estreitamente ligada ao Pentágono.
Sanders começou sem qualquer tipo de organização que de perto ou de longe se assemelhasse à máquina do estado.
Parcialidade de meios corporativos
Sanders enfrenta também os meios de comunicação capitalistas. Os meios estão a utilizar Donald Trump para aumentar os seus índices de audiências e acumular lucros. A 29 de Fevereiro, o repórter de Hollywood citou o gerente geral Les Moonves da CBS sobre Trump e o «circo» republicano. «Pode não ser bom para os Estados Unidos, mas é muito bom para a CBS».
Moonves continuou: «está a entrar dinheiro e isso é divertido. Nunca se viu nada assim e este vai ser um ano muito bom para nós, em minha opinião. É terrível dizer isto, mas «prá frente Donald!»
Moonves nem se importaria de ter milhões de pessoas a assistirem a Sanders diariamente como é o caso de Trump. Mas Sanders atacou milionários e além disso não aceita o seu dinheiro. Mesmo para os magnatas dos media, a política vem depois dos índices.
As redes são corporações multimilionárias. Sentem-se bem a publicar Trump. Mas entre Sanders e Clinton, todas elas estão com Clinton. «Honestidade e Retidão na Reportagem» afirmou a 20 de Março o Washington Post que publicou 16 artigos negativos sobre Sanders em 16 horas. O Post é propriedade de Jeff Bezos, cuja fortuna na Amazon está calculada em 50 mil milhões.
O New York Times marginalizou a campanha Sanders a tal ponto, que os seus próprios leitores se revoltaram e o editor público da Times teve de repreender publicamente a administração.
Tyndal que faz o escrutínio da cobertura mediática da campanha, informou que em 2015 Clinton recebeu 121 minutos de cobertura (excluindo as audiências sobre os seus emails e Sanders recebeu 20 minutos.
Os media querem ocultar o importante apoio sindical para Sanders. Os Trabalhadores da Comunicação, a Associação Nacional de Enfermeiras, os Trabalhadores dos Correios e mais de 40 sindicatos locais apoiaram-no. Todos os sindicatos que apoiaram Sanders inquiriram as suas bases.
Os sindicatos que avalizaram Clinton, fizeram-no por via especulativa, sem consultar as bases. Mas devido ao forte apoio das bases sindicais para Sanders, a direcção da AFL-CIO não pode apoiar Clinton.
Bilionários e banqueiros temem Sanders
Os banqueiros, financeiros e directores de grandes empresas, querem enterrrar Sanders. Lloyd Blankfein, CEO da Goldman Sachs, é talvez o banqueiro mais poderoso e influente nos Estados Unidos. Sanders citou-o pela sua cobiça e a sua culpa na crise financeira. Blankfein respondeu a 3 de Março na CNBC, dizendo sobre a campanha de Sanders que «tem o potencial de ser um momento perigoso, não apenas para Wall Street, não apenas para as pessoas que cita, mas para qualquer um que esteja um pouco fora da linha».
A quem se referia Blankfein? São os 18 principais criminosos corporativos que Sanders citou por evasão massiva de impostos, cúmplices da crise económica de 2008. Incluem Brian Moynihan, CEO do Banco da América, o banco que recebeu 1,3 milhões de dólares no resgate do governo. Blankfein, da Goldman, que recebeu 824 milhões de dólares do plano de resgate do Tesouro; James Dimon de JP MorganChase, que recebeu 416 milhões num resgate; Boeing; GE; e assim sucessivamente.
Sanders enumera todos os postos de trabalho que as corporações trasladaram para o exterior, os milhares de milhões em impostos que deveriam ter pago se não fossem os paraísos fiscais no exterior e o facto de que muitos deles pagaram zero de impostos (Trueactivist.com)
Estas decisões administrativas devem ser o que Blaknfein se referia ao dizer «um pouco fora da linha».
Eleições capitalistas e lutas de massas
As regras da política eleitoral capitalista nos Estados Unidos são extremamente restritivas, mesmo se as compararmos com outros países capitalistas. O vencedor leva tudo, o que descarta a representação proporcional. Para quem não for do Partido Democrata ou Republicano só para se inscrever existem requisitos onerosos de petição. As campanhas são extremamente caras, o que facilitou que os ricos controlem totalmente o processo de eleição — mesmo após a sentença «Cidadãos Unidos» pelo Supremo Tribunal que eliminou o limite de doação.
Só em raras ocasiões pode uma campanha primária presidencial ser utilizada para expressar a oposição das massas. Isso aconteceu em 1968 quando o senador Eugene McCarthy abriu uma campanha contra a odiada guerra do Vitename. Sucedeu novamente em 1984 quando Jesse Jackson empreendeu uma campanha contra o reaganismo, a austeridade e o racismo.
Aconteceu agora com Sanders. Mas os progressistas e revolucionários não devem ignorar o lado negativo de Sanders e o engodo enganador do Partido Democrata. Sanders não acolheu totalmente o movimento das Vidas Negras Importan e a luta contra o racismo e a brutalidade policial. Também não denunciou o mar de triliões de dólares de despesas militares que retira o dinheiro aos serviços sociais. Foi ambivalente sobre Cuba, defendendo as suas realizações sociais num momento e declarando a seguir que é uma ditadura. É partidário de Israel e tem muitas outras contradições.
Além disso, todos os verdadeiros avanços das massas não vieram através de eleições mas sim através da luta. Os direitos sindicais, o seguro social e os benefícios sociais foram alcançados nos anos 30 com marchas, greves gerais e greves de braços caídos. Os direitos civis foram alcançados através da luta de milhões de afro-americanos, brancos progressistas que enfrentaram a policia. Medidas contra a pobreza foram ganhas por rebeliões em cidades de todo o pais. Os direitos da mulher foram ganhos com marchas e protestos. A luta pelos direitos de gays, lésbicas, bisexuais e trangéneros começou com a Rebelião de Stonewall. A cruel legislação anti-imigrante foi derrotada pela histórica greve de milhões de imigrantes a 1 de Maio de 2006.
As reformas são sempre reflexo da luta interna
Sobre tudo, embora a auto descrição de Sanders como socialista democrata tenha legitimado o termo socialismo, é de facto um reformador liberal do capitalismo. Quer fazer com que o sistema de exploração capitalista seja mais humano. É o socialista verdadeiro que se ergue na plataforma para abolir o socialismo.
Quebrar os bancos não é suficiente. Não chega travar a avareza corporativa. Enquanto os bancos e as corporações tiveram o controle da economia, tem dezenas de milhar de fios pelos quais podem controlar o governo, o estado, o tesouro e a vida económica do país.
O verdadeiro socialismo procura abolir completamente o sistema de escravidão do salário e colocar a economia nas mãos dos trabalhadores e oprimidos. A economia deve ser manejada de forma planificada para benefício do povo e para não lucros de qualquer classe. É essa a forma de acabar com a desigualdade de receitas, a injustiça, e toda a espécie de opressão.
Há uma maneira de manifestar o apoio ao socialismo revolucionário sem apoiar o sistema dos dois partidos capitalistas. O voto em Mónica Moorehead para presidente e em Lamont Lilly para vice-presidente, na lista eleitoral do Partido Worker’s World.
* Membro do Secretariado do CC do Worker´s World Party
Este texto foi publicado no jornal do Worker´s World Party
Tradução de Manuela Antunes
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