Grécia: um país e um povo em luta pela sua dignidade e pelo seu futuro
por Eugénio Rosa
Nos órgãos de comunicação social dos últimos dias podiam ler noticias como esta: " Se a meio da semana as instituições (a "troika") exigiam uma taxa de 23% para todos os bens e serviços (com exceção de uma de 6% para medicamentos, livros e teatro), agora a troika aceita uma taxa intermédia de 13% em alimentos básicos, energia, água e hotéis, mantendo os 23% para a restauração" (Expresso on-line de 28/06/2015)
A pergunta que naturalmente se coloca para reflexão é a seguinte: Como é que foi possível chegar a este grau de interferência na vida interna de um país sem que tal provoque um protesto generalizado? Como tudo isto se tornou "normal" e "natural"? Como foi possível que os eurocratas da Comissão Europeia, do BCE, do FMI, etc., se arroguem no direito de interferir daquela natureza na vida dos países? Como é possível, face à posição de resistência do governo grego, a diretora do FMI tenha o desplante da acusar o governo grego de "falta de maturidade"? Que Durão Barroso, ex-presidente da CE, diga que "tem falta de experiencia"' E que perante tudo isto, Cavaco Silva apenas considere a Grécia como um simples número, pois se sair do euro, o numero de países passa de 19 para 18; que Passos Coelho e a sua ministra das Finanças só tenha para dizer que "Portugal tem uma almofada financeira para enfrentar a turbulência da saída da Grécia da zona do euro". E que os media em Portugal se unam numa santa aliança para convencer a opinião publica que tudo isto é "normal" e "natural", acusando o governo grego de "não ter juízo" ou de ter" várias caras". Para estes senhores a soberania de um país e a dignidade de um povo são valores que já não existem (estão em desuso). Para eles a resistência do povo e do governo grego aos ditames de Bruxelas, é uma afronta porque lhes faz lembrar a indignidade em que caíram e estão. Parafraseando a duquesa de Bragança, Luísa Gusmão, tem-se vontade de dizer:Melhor ser livre um dia, que andar de cócoras e ser submisso toda a vida. Para além de tudo isto não é verdade que Portugal não seria profundamente afetado com uma eventual saída da Grécia da Zona do euro. Um ex.: como a experiência já mostrou as taxas de juro da divida pública disparariam. A banca que tem 56.000 milhões € de títulos de divida, a maioria pública, sofreria um forte "rombo", porque a divida pública sofreria uma forte desvalorização, tornando ainda mais difícil a sua situação da banca. E as taxas de juro do credito aumentariam tornado ainda mais difícil e caro a concessão de crédito OS EFEITOS DESTRUTIVOS DA APLICAÇÃO DA POLITICA DA "TROIKA" NA GRÉCIA Mais de que quaisquer palavras, os dados oficiais divulgados Eurostat referentes a Portugal e à Grécia, que permitem comparar a situação portuguesa, bem conhecida pelos portuguesas, com a grega, dão uma ideia clara da devastação económica e social causada à Grécia pela politica imposta pela "troika".
No período 2007-2014, a riqueza (PIB) por habitante caiu em Portugal 5,8%, enquanto na Grécia caiu 4,2 vezes mais (-24,4%); o investimento diminuiu em Portugal 35,1%, mas na Grécia diminuiu 54,7% (passou de 25,6% do PIB para apenas 11,6%); o défice orçamental reduziu-se em Portugal 39,2% (passou de 7,4% para 4,5%) mas na Grécia a redução atingiu 65,7% (passou de -10,2% para -3,5%); o rendimento nacional liquido disponível teve em Portugal uma redução de 2,9%, mas na Grécia a redução atingiu 27,3%, ou seja, 9,4 vezes mais; a despesa de consumo em Portugal caiu 4% mas Grécia a queda foi de 16,4%, ou seja, quatro vezes mais. Entre 2007 e 2014, foi destruído em Portugal 10,5% do emprego, mas na Grécia atingiu 22,3%, ou seja mais do dobro. Entre 2007 e 2014, a taxa de desemprego aumentou em Portugal 42,9% (passou de 9,1% para 13%), mas na Grécia a taxa de desemprego subiu 226,2% (passou de 8,4% para 27,4%); a taxa de pessoas ameaçadas de pobreza e exclusão social subiu em 10% em Portugal, mas na Grécia aumentou 27,2%, ou seja, 2,7 vezes mais; e a taxa de pessoas em situação de privação material severa aumentou, em Portugal, 10,4%, mas na Grécia subiu 87%.
Mas este quadro não ficaria completo se não se analisasse a variação verificada nos rendimentos das famílias. O quadro 2, construído também com dados oficiais do Eurostat, mostra o que se verificou em Portugal e na Grécia, mas também na Islândia, um país que resistiu à interferência da "troika"
Entre 2010 e 2013, o rendimento médio equivalente por pessoa diminuiu em Portugal entre 8,7% e 10,5% segundo o nível do ensino, mas na Grécia a quebra variou entre 34,4% e 38,8%. Se análise foi feita para o período 2010-2014, a quebra no rendimento médio equivalente atinge, na Grécia, entre 39,9% e 42,1%. E é a uma sociedade assim devastada que as chamadas "instituições" (" troika "), Merkel e sócios querem impor mais cortes nas despesas públicas, nomeadamente pensões, e subidas de impostos. A Islândia, um país que recusou a " troika ", viu o seu rendimento médio equivalente aumentar, no período 2010-2013, entre 9,8% e 19,9%. Os comentários parecem desnecessários, mas estes números do próprio Eurostat merecem uma reflexão profundo sobre o que está acontecer nesta Europa que não serve as pessoas.
A RIQUEZA DA ALEMANHA É CONSEGUIDA TAMBÉM À CUSTA DA ESPOLIAÇÃO DOS OUTROS PAÍSES, NOMEADAMENTE DOS MAIS FRACOS A situação de crise que vive a União Europeia e, nomeadamente, a zona euro, resulta também dos grandes desequilíbrios macroeconómicos que existem entre os diferentes países, por ex., o desequilíbrio das suas contas externas (excedentes ou défices excessivos), que o Tratado da União Europeia (artº 3º) e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artº 119, 121 e 136º) dispõem que devem ser combatidos, através de abertura de "Procedimentos relativos aos Desequilíbrios Macroeconómicos (PDM), mas que não são abertos quando os beneficiados são países como a Alemanha. O quadro 3, com dados também do Eurostat, mostra um dos desequilíbrios mais importantes que contribuiu para crise atual, e para as dificuldades que estão a enfrentar os países menos desenvolvidos da Zona Euro Quadro 3 – Saldo das Balanças Comerciais da Alemanha, Grécia e Portugal no período 2005-2014
Fonte: Eurostat
Entre 2005 e 2014, a Alemanha acumulou um enorme saldo positivo na sua Balança Comercial (+1.460.461 milhões €), enquanto a Grécia acumulou um elevado saldo negativo (-176.108 milhões € ) e Portugal também (-90.550 milhões € ). Quase metade do gigantesco saldo positivo da Alemanha foi conseguido através de transações comerciais dentro da zona euro. E como se sabe, o saldo positivo de um país é conseguido à custa dos saldos negativos de outros países. E como mostram os dados do quadro 3, entre 2005 e 2014, o saldo positivo da Balança Comercial da Alemanha, que já era gigantesco em 2005 (117.189 milhões €), aumentou 58,5%, agravando os desequilíbrios dentro da União Europeia criando as condições que contribuíram para a que a crise que afeta toda a União Europeia e, de forma particular, Portugal, se transforme numa crise que tende a perpetuar. Apesar disso, e apesar dos tratados da U.E. disporem que tais desequilíbrios devem ser corrigidos, mesmo assim a Comissão Europeia não levou a cabo qualquer procedimento para os eliminar. E isto porque o principal culpado é a Alemanha, e a um país como a Alemanha não se pode desagradar, mesmo que isso represente uma clara violação dos Tratados da União Europeia. Mas não é só a nível do comercio que a Alemanha tem sido claramente beneficiada com a existência da U.E e, nomeadamente, com a zona do euro. Igualmente a nível de riqueza criada em outros países que é transferida para a Alemanha, contribuindo para o elevado nível de vida dos alemães, a situação também merece uma séria reflexão, como mostram os dados do Eurostat constantes do quadro 4. E isto até para que num momento em que a chantagem sobre a Grécia e sobre o povo grego atingem níveis inadmissíveis.
Antes de se analisar os dados do quadro 4 ( os valores de 2015 são previsões da Comissão Europeia) , recorde-se o seguinte, para que eles sejam compreensíveis,: o PIB é o valor da riqueza criada anualmente no país; o PNB é o valor da riqueza que o país tem ao seu dispor em cada ano. E quais são as conclusões que se tiram dos dados anteriores?
È evidente que um país altamente beneficiado com a transferência de parte da riqueza criada em na Grécia e em Portugal para o exterior foi a Alemanha. Neste momento em que a chantagem sobre a Grécia tomou formas extremas é importante recordar este facto.
03/Julho/2015
[*] edr2@netcabo.pt Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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