terça-feira, 25 de novembro de 2014

A estrada da seda chinesa para a glória

A estrada da seda chinesa para a glória

Pepe Escobar
25.Nov.14 :: Outros autores
Os media ocidentais fizeram a habitual cobertura caricata da cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC), em Pequim. Enterram a cabeça na areia. A China conseguiu o que pretendia em todas as frentes. Desenha-se a perspectiva de uma próxima futura Eurásia como enorme Cintura de Seda da China tendo, em determinadas latitudes, uma espécie de condomínio de desenvolvimento com a Rússia. E isso aterroriza as elites de Washington e Wall Street.


Se ainda houvesse dúvidas sobre a estupidez sem limites que os media ocidentais são capazes de produzir, a cobertura da cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) em Pequim ficou marcada pelo suposto “assédio” do presidente russo Vladimir Putin à esposa do presidente chinês Xi Jinping, com a subsequente censura chinesa ao momento em que Putin protegeu com um xaile os seus ombros do ar frio onde os dirigentes estavam reunidos. E que mais, agora? Putin e Xi denunciados como casal gay?
Desprezemos os palhaços e atentemos nos assuntos sérios. Logo de início, o presidente Xi incitou a APEC a “atirar lenha para a fogueira da economia da Ásia-Pacífico e do mundo”. Dois dias depois, a China conseguiu o que pretendia em todas as frentes.
1) Pequim conseguiu que todos os 21 países membros da APEC apoiassem a Área de Comércio Livre Ásia-Pacífico (FTAAP) – o ponto de vista chinês de um acordo de comércio “inclusivo e mutuamente vantajoso” capaz de fazer avançar a cooperação Ásia – Pacífico – ver South China Morning Post (paywall). O perdedor foi a Trans-Pacific Partnership (TPP) de 12 países, dirigida pelos EUA, orientada para as corporações e fortemente combatida especialmente pelo Japão e Malásia. Ver também aqui.
2) Pequim avançou o seu modelo para a “conectividade geral” na Ásia-Pacífico (palavras de Xi), que implica uma estratégia com várias abordagens. Uma das suas principais características é a instalação do Banco Asiático de Investimento de Infra-Estruturas com 50 mil milhões de dólares, com base em Pequim. É a resposta de Pequim à recusa de Washington em lhe conceder no Fundo Monetário Internacional voz mais representativa do que os actuais 3,8% de votos (menos que os 4,5% detidos pela estagnada França).
3) Pequim e Moscovo firmaram um segundo mega-acordo do gás, agora através do gasoduto Altai na Sibéria ocidental, depois do mega-acordo inicial “Poder da Sibéria” fechado em maio último.
4) Pequim anunciou a alocação de não menos que 40 mil milhões de dólares para o início da construção da Cintura Económica da Estrada da Seda e a Estrada da Seda Marítima do Século XXI.
Previsivelmente e mais uma vez, a vertiginosa onda de acordos e investimentos tinha de convergir para a mais espectacular e ambiciosa ofensiva de infra-estruturas plurinacionais de largo alcance alguma vez tentada: as múltiplas Novas Estradas da Seda, essa complexa rede de comboios de alta velocidade, oleodutos, portos, cabos de fibra óptica e telecomunicações de última geração que a China já está a construir através dos apoios na Ásia Central ligados à Rússia, Irão, Turquia e Oceano Índico e com ligação para a Europa na direcção de Veneza, Roterdão, Duisburgo e Berlim.
Imagine-se agora como as elites de Washington e Wall Street paralisaram de terror quando deram com Pequim a interligar o “Sonho do Ásia-Pacifico” de Xi para além da Ásia oriental com o comércio global pan-Eurásia, centrado no Reino do Meio (onde poderia ser senão aí?), uma próxima futura Eurásia como enorme Cintura de Seda da China tendo, em determinadas latitudes, uma espécie de condomínio de desenvolvimento com a Rússia.
Vlad não faz coisas estúpidas
Quanto ao “Don Juan” Putin, tudo o que precisamos saber sobre a Ásia-Pacífico como prioridade estratégica/económica russa ficou apurado na sua intervenção na cimeira APEC CEO.
Tratou-se de facto de uma actualização económica do seu agora notório discurso no encontro de Outubro no Valdai Club em Sochi, que foi seguido de uma sessão alargada de perguntas e respostas devidamente ignorada pelos media ocidentais (ou apresentada como mais “agressão”).
O Kremlin estabeleceu concludentemente que as elites de Washington/Wall Street não têm qualquer intenção de permitir um mínimo de multipolaridade nas relações internacionais. O que restar é caos.
Não há dúvida que a deslocação de Moscovo do Ocidente na direcção do leste asiático é um processo directamente influenciado pela autodenominada doutrina política do presidente Barack Obama “Não faças coisas estúpidas”, fórmula que descobriu a bordo do Air Force One (avião presidencial – N.T.) de regresso de uma viagem à Ásia (de onde havia de ser?) em Abril último.
Mas a parceria simbiótico/estratégica Rússia-China desenvolve-se em múltiplos níveis.
Na energia, a Rússia está a virar-se para leste por que é aí que a maior procura reside. Nas finanças, Moscovo acabou com a cotação do rublo em dólares ou euros. Não sem surpresas, o dólar americano imediatamente caiu face ao rublo ainda que por pouco tempo. O banco russo VTB anunciou que pode trocar a Bolsa de Valores de Londres pela de Xangai, que está perto de ficar directamente ligada a Hong Kong. E Hong Kong, pelo seu lado está já a atrair os gigantes da energia russos.
Misturem-se agora todos estes desenvolvimentos-chave com o duplo acordo gigante yuan-rublo para a energia e o quadro é claro. A Rússia está a proteger-se activamente dos ataques especulativos e com motivações politicas do Ocidente contra a sua moeda.
A parceria simbiótico/estratégica Rússia-China expande-se visivelmente na energia, nas finanças e, também inevitavelmente, na frente da tecnologia militar. Tal inclui de modo crucial a venda por Moscovo a Pequim do sistema de defesa aérea S-400 e, no futuro, o S-500 contra o qual os americanos ficam como patos no lago e isto enquanto Pequim desenvolve mísseis terra-mar que podem eliminar tudo o que a US Navy possa juntar.
De qualquer modo, na APEC, Xi e Obama concordaram pelo menos em estabelecer um mecanismo de informação mútua sobre as grandes operações militares. Isso poderia (e o termo operativo é “poderia”) evitar uma repetição da implacável chinfrineira ao estilo NATO do tipo “a Rússia invadiu a Ucrânia!”
Passem-se, neoconservadores!
Quando o pequeno Dubya Bush (Dubya, alcunha – N.T.) chegou ao poder no início de 2001, os neo-cons foram confrontados com um duro facto: era apenas uma questão de tempo os EUA perderem irreversivelmente a hegemonia global geopolítica e económica. Por isso, havia duas escolhas apenas: ou controlar o declínio, ou apostar tudo para consolidar a hegemonia global usando (o que havia de ser?) a guerra.
Todos sabemos da ilusão sobre a guerra de “baixo custo” no Iraque, desde o “Somos a nova OPEC” de Paul Wolfowitz até à fantasia sobre Washington ser capaz de intimidar decisivamente todos os potenciais concorrentes, a UE, a Rússia e a China.
E todos sabemos como aquilo correu particularmente mal. Mesmo que essa aventura bilionária, conforme Minqi Li analisou em “A Ascensão da China e o Fim da Economia Capitalista Mundial”, tenha “delapidado o último espaço de manobra estratégica do imperialismo americano”, os imperialistas humanitários do governo Obama ainda não desistiram, recusando-se a admitir que os EUA perderam qualquer possibilidade de fornecerem soluções significativas para o actual sistema-mundo, como diria Immanuel Wallerstein.
Há sinais esporádicos de vida geopolítica inteligente nas universidades americanas, como este no sítio do Wilson Center (embora a Rússia e a China não constituam uma “alternativa” para uma suposta “ordem” mundial, a sua parceria está actualmente a funcionar de modo a criar alguma ordem no caos).
E contudo esta peça de opinião nas USNews é o tipo de coisa que passa por “análise” académica nos media americanos.
Por cima disso tudo, as elites de Washington/Wall Street, através da miopia dos seus Grupos de Estudo, agarram-se ainda a banalidades mitológicas como o “papel histórico” dos EUA como árbitro da Ásia moderna e balança-chave do poder.
Por isso, não é de admirar que a opinião pública dos EUA (e da Europa ocidental) não consiga nem sequer imaginar o impacto sísmico que as Novas Estradas da Seda vão ter na geopolítica do jovem séc. XXI.
As elites Washington/Wall Street e a sua conversa de arrogantes da Guerra Fria tomaram sempre como certo que Pequim e Moscovo estariam totalmente separadas. Agora é a desorientação. Note-se como a história do governo de Obama sobre o “pivot da Ásia” foi totalmente apagada da narrativa depois de Pequim a identificar como aquilo que é: uma provocação belicista. O novo meme é agora “rebalancear”.
Os negócios alemães, por seu lado, estão a ficar absolutamente loucos com as Novas Estradas da Seda de Xi ligando Pequim e Berlim, através de Moscovo crucialmente. Os políticos alemães mais cedo que tarde vão ter que perceber a mensagem.
Tudo isto será discutido à porta fechada em encontros-chave à margem do Grupo dos 20 na Austrália. A aliança-em-construção Rússia-China-Alemanha estará lá. Os BRICS, com crise ou sem crise, estarão lá. Todos os participantes no G-20 que activamente trabalham para um mundo multipolar estarão lá.
A APEC mostrou uma vez mais que quanto mais a geopolítica muda, mais deixará de ser a mesma. Quanto mais os cães da guerra, da desigualdade, da divisão e do poder continuarem a ladrar, mais a caravana pan-euroasiática China-Rússia continuará a seguir, a seguir, a seguir em frente pela estrada (multipolar) fora.
Pepe Escobar é autor de Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007), Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge (Nimble Books, 2007), e Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009).

Pode ser contactado em pepeasia@yahoo.com.
Fonte: Asian Times online, 14 nov 2014
(Copyright 2014 Asia Times Online (Holdings) Ltd.)
Tradução: Jorge Vasconcelos
ODiario.info
Anterior Proxima Inicio

0 comentários:

Postar um comentário